previdência

Luiz Carlos Azedo: A crise do corporativismo

A alta burocracia estatal, para manter os privilégios, aliou-se à elite política e fechou os olhos para o clientelismo e o patrimonialismo, quando não incorreu nas mesmas práticas

A Era Vargas sempre foi um tema controverso na história do Brasil. Nélson Werneck Sodré e Hélio Jaguaribe, por exemplo, viram a Revolução de 1930 como um movimento de classes médias, fruto das contradições econômicas entre esses setores médios da sociedade e os grandes fazendeiros que controlavam a República Velha. Wanderley Guilherme dos Santos e Ruy Mauro, em contraponto, foram os primeiros a defender a tese de que, na verdade, resultou da cisão da burguesia nacional e da ascensão da burguesia industrial ao aparelho do Estado.

Na década de 1970, Boris Fausto publicou tese sobre a Revolução de 1930, caracterizada como o resultado do conflito intraoligárquico, no qual movimentos militares dissidentes liquidaram a hegemonia da burguesia cafeeira. Em virtude da incapacidade de as demais frações de classe assumirem o poder de maneira exclusiva, e com o colapso da burguesia do café, abriu-se um espaço vazio que possibilitou o surgimento de um “Estado de compromisso”, fruto de um grande acordo entre as várias frações de classe e “aqueles que controlam as funções do governo”, sem vínculos de representação direta.

No ambiente de radicalização política da década de 1930, que resultou na II Guerra Mundial, embora o Brasil tenha tomado o lado dos Aliados, Vargas flertou com o fascismo de Mussolini. Isso se traduziu no golpe de 1937 e na implantação do chamado Estado Novo, a forma institucional que encontrou para o tal “Estado de compromisso”, a pretexto de combater a ameaça comunista. Ao lado do patrimonialismo e do clientelismo, velhos conhecidos, emergiu no Brasil o corporativismo, consagrado pelo jurista Francisco Campos, na Constituição de 1937.

No corporativismo, o poder Legislativo é atribuído a corporações representativas dos interesses econômicos, industriais ou profissionais, por meio de representantes de sindicatos de trabalhadores e patronais, associações de comércio, indústria e agricultura, academias, universidades e etc. Conhecida como “Polaca”, a nova constituição ampliou os poderes de Vargas. A inexistência de um partido que intermediasse a relação entre o povo e o Estado não impediu o ditador de construir uma ampla rede de apoio, por meio de mecanismos de controle e da negociação política com os caciques regionais.

Além disso, a nova legislação trabalhista, inspirada na Carta Del Lavoro, garantiu o apoio dos sindicatos, até então tratados como caso de polícia. Ao conter o conflito de interesses entre trabalhadores e empresários, Vargas criou condições favoráveis ao desenvolvimento do setor industrial brasileiro. Foram criadas a Companhia Siderúrgica Nacional (1940), a Companhia Vale do Rio Doce (1942), a Fábrica Nacional de Motores (1943) e a Hidrelétrica do Vale do São Francisco (1945). Entre os novos órgãos criados pelo governo, como o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que era responsável por controlar os meios de comunicação da época, o novo Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) deu origem a uma nova burocracia, menos afeita ao tráfico de influências, às práticas nepotistas e a outras regalias.

Os privilégios
Em 1943, um documento intitulado Manifesto dos Mineiros, assinado por intelectuais e influentes figuras políticas, exigiu o fim do Estado Novo e a retomada da democracia. Vargas criou uma emenda constitucional que permitia a criação de partidos políticos e anunciava novas eleições para 1945. Em 1945, com o fim da II Guerra, a saída de Vargas tornou-se inevitável, mas não é o caso de tratar disso aqui. O que nos interessa destacar é o legado corporativista que lhe garantiu um mandato como senador, entre 1945 e 1951, e o retorno ao poder nas eleições de 1951.

O corporativismo sobreviveu ao suicídio de Vargas, na crise de 1954, e ao golpe ocorrido 10 anos depois. O regime militar se utilizou de sindicatos patronais e de trabalhadores, dependentes do imposto sindical criado por Vargas e da Justiça do Trabalho, e ainda ampliou a alta burocracia federal, que adotou uma ideologia tecnocrática para legitimar o apoio ao autoritarismo. O corporativismo na burocracia estatal, com a formação de núcleos de excelência em órgãos públicos e empresas estatais, ganhou ainda mais força com a democratização, graças aos Poderes e direitos adquiridos com a Constituição de 1988. Na verdade, a alta burocracia estatal, para manter os privilégios, aliou-se à elite política e fechou os olhos para o clientelismo e o patrimonialismo, quando não incorreu nas mesmas práticas.

Isso resultou na acumulação de mordomias, privilégios e altos salários por esses setores, equivalentes aos executivos das empresas privadas, ao contrário da grande massa de servidores responsáveis diretos pela prestação de serviços à população que tiveram salários aviltados. Parte da crise de financiamento do Estado brasileiro decorre desses privilégios, principalmente, na Previdência, que garante aposentadorias com vencimento integral, incorporando gratificações, muito acima do que recebem os trabalhadores que se aposentam no setor privado. Agora, com a crise fiscal, tudo isso entrou em xeque.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-crise-do-corporativismo/


Everardo Maciel: O andar do hipopótamo trôpego

As discussões sobre as reformas trabalhista e previdenciária, cujo desfecho é ainda imprevisível, fizeram aflorar reações que retratam o que existe de mais atrasado no País. São as corporações de todos os gêneros que defendem, arraigadamente, seus privilégios e, sobretudo, o controle do Estado brasileiro, antes limitado a velhos oligarcas políticos e ao empresariado patrimonialista.

Nada, no Brasil, é mais maltratado que o próprio Estado. Dele se extrai tudo que é possível, desde incentivos ineficazes, aposentadorias privilegiadas, programas assistenciais que não viabilizam a promoção social, férias em dobro e convertidas em dinheiro, salários que ultrapassam o teto constitucional e, sobretudo, o que se rouba na farra da corrupção sistêmica.

Como o Estado não produz riqueza, essas práticas de espoliação constituem tão somente uma pervertida forma de redistribuir o que a Nação produz, além de, paradoxalmente, impedir que ela produza mais.

Uma população pouco esclarecida, em razão do lastimável padrão da educação pública, é um espaço fértil para o engodo e a manipulação.

Quando se diz que a reforma trabalhista irá retirar direitos dos trabalhadores, o que na verdade se defende é a manutenção do imposto sindical que abastece o peleguismo, cuja atividade jamais foi fiscalizada, afora tudo o que gravita em torno da justiça trabalhista, que se alimenta da tentacular indústria de litígios.

Os movimentos contrários à reforma previdenciária visam tão somente a assegurar privilégios na aposentadoria do setor público. Não há preocupação com as gerações futuras, nem mesmo com a existência de recursos para o pagamento das aposentadorias no curto prazo. Prefere-se a dolorosa via grega do desastre.

É impressionante a “contabilidade criativa” para tentar, primariamente, mascarar os déficits da Previdência.

Há quem diga, espantosamente, que é necessário contratar mais servidores para assegurar o equilíbrio nas contas previdenciárias, como se o pagamento desses servidores não fosse dispêndio. O Estado brasileiro, ressalvadas algumas ilhas de excelência, além de estar enredado em uma grave crise fiscal, funciona muito mal.

A administração da saúde pública, por exemplo, é uma calamidade. A pretensão constitucional de qualificar a saúde como direito universal é patética, porque viola o inexorável princípio da escassez. A busca desse direito, na Justiça, é uma excentricidade. O magistrado demandado não dispõe de qualificação técnica para aferir a procedência do pedido e muito menos estabelecer, considerada a limitação de recursos materiais e financeiros, prioridade no atendimento.

Greve no setor público nega a sua própria razão de ser. É greve contra os usuários do serviço público, fazendo prevalecer o interesse individual sobre o público. Em alguns casos, assume natureza de motim.

É verdade que essa greve tem previsão constitucional, mas até hoje o Congresso não se dispôs a disciplinar o instituto e, dominado pelo medo das corporações, se abriga em uma decisão precária tomada pelo STF. Há ainda quem se queixe, sem razão no caso, do ativismo judicial.

Foi um enorme erro, na Constituição de 1988, conceder autonomia orçamentária para os Poderes Judiciário e Legislativo e para o Ministério Público.

A consequência dessa imprudente iniciativa se revela nos suntuosos palácios que albergam os órgãos daquelas instituições, em contraste com a precariedade de estradas, escolas e hospitais. De igual forma, os regimes de pessoal de seus servidores são generosos, quando confrontados com os dos demais servidores.

A política de gastos públicos, inclusive a de pessoal, tem que se sujeitar a critérios gerais. Diferenciações não podem decorrer do vínculo a Poder, mas da natureza da atividade. A independência dos Poderes não autoriza concluir que pertencem a Estados soberanos.

Ainda que indispensável, não será fácil reformar o Estado brasileiro. As forças reacionárias são poderosas. Por um bom tempo, o Estado prosseguirá marchando como um hipopótamo trôpego.

* Consultor tributário, foi Secretário da Receita Federal (1995-2002)

Foto: O senador Cássio Cunha Lima, o presidente do Senado, Eunício Oliveira, e o senador João Alberto Souza durante sessão plenária para discutir reforma trabalhista (Foto Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Fonte: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,o-andar-do-hipopotamo-tropego,70001878627

 


Samuel Pessôa: O poder das corporações no Orçamento dos Estados

O jornal "Valor Econômico" de quarta-feira passada (28) tinha uma pequena notícia perdida à página A4, no meio do caderno principal. Dizia o título: "Rio aprova lei orçamentária de 2018 com rombo de R$ 20,3 bi".

Como um ente da Federação que não tem capacidade de se endividar nem de emitir moeda é capaz da aprovar Orçamento com deficit?

Para entender essa bizarrice, é necessário compreender a forma como se dá o relacionamento orçamentário dos diversos Poderes e órgãos estaduais.

O Orçamento do Estado compreende o orçamento dos Poderes Executivo, Legislativo (que inclui o Tribunal de Contas Estadual) e Judiciário e o dos demais órgãos que têm autonomia orçamentária: Ministério Público Estadual e Defensoria Pública.

O Poder Executivo é responsável pela arrecadação. Os demais Poderes, em razão de seu orçamento, têm por direito a transferência até o dia 20 de cada mês de um duodécimo do gasto previsto no orçamento para aquele ano.

Alguns Poderes ou órgãos têm receita própria. Nesse caso, o Executivo transferirá mensalmente, até o dia 20, para o Poder ou órgão, o duodécimo do saldo entre o gasto orçado para o ano e a previsão de receita própria também para o ano.

Com ou sem receita própria, percebe-se que qualquer deficit ou frustração de receita dos demais Poderes ou órgãos é empurrado para o Executivo.

Explica-se a economia política do Orçamento estadual: as corporações mais poderosas do setor público pressionam o Legislativo a aprovar Orçamento com gasto compatível ao que elas, corporações, consideram que seja desejável, seja lá por que critério, e independentemente de haver receita ou não.

Não havendo receita —ou porque a receita foi menor do que a orçada ou porque o Orçamento já previa deficit—, os Poderes e órgãos estão blindados. A falta de recursos fica na conta do Executivo. Executivo significa saúde, educação e segurança. A conta do privilégio das corporações é jogada para a população.

Na quinta passada (29), a Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) aprovou a lei complementar que estabelece um teto para o crescimento do gasto em função da inflação passada. O teto do gasto era um item importante e previsto pela lei complementar 159, que instituiu o regime de recuperação fiscal (RRF).

O RRF permite que o Estado fique três anos sem pagar sua dívida com a União e com os organismos internacionais cujas dívidas têm aval do Tesouro, além da possibilidade de o Estado contrair empréstimo no valor de até R$ 3,5 bilhões com aval do Tesouro, dando como garantia as ações da Cedae, sua companhia de saneamento.

Diferentemente do teto federal, o teto do gasto para o Estado do Rio não estabelece um limite de gasto por Poder. Novamente, se o gasto de um Poder subir muito, o Executivo terá de se ajustar. Joga-se o ajuste na saúde, na educação e na segurança, em vez de permitir um compartilhamento mais equânime entre os Poderes da crise fiscal que assola o setor público brasileiro.

Para aqueles que acreditam que a reforma da Previdência foca os benefícios dos trabalhadores do setor privado, vale lembrar que um item importante da atual reforma que tramita na Câmara é o fim do princípio da paridade no serviço público entre benefício de aposentados e salário dos servidores ativos, um primeiro passo para conter os privilégios das corporações. Entende-se o motivo de tanta resistência à reforma da Previdência.
* Samuel Pessôa é físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2017/07/1897715-o-poder-das-corporacoes-no-orcamento-dos-estados.shtml

 


‘Nosso vício é a dependência do Estado’

Entrevista com André Lara Resende, economista

Alexa Salomão, O Estado de S.Paulo

Para economista, maior problema do País não é inflação, mas a incapacidade de equilibrar as contas públicas

No início do ano, o economista André Lara Resende levantou uma polêmica em torno da relação entre taxa de juros e inflação. A regra prega que juro alto é como a Novalgina: um remédio eficiente para baixar a inflação. Mas o artigo de Lara ia contra esse princípio: taxas de juro altas por muito tempo - como ocorre no Brasil - teriam o efeito inverso e sustentariam a inflação. E mais: a taxa de juros não cede porque o Estado gasta demais. Haveria aí um ciclo vicioso.

Nesse contexto, a reforma da Previdência é essencial. Agora, Lara lança o livro Juros, Moeda e Ortodoxia, em que aborda o tema de maneira mais extensa e mantém a posição: “Nosso vício não é a inflação, mas a dependência excessiva de um Estado patrimonialista e incompetente que é levado a se endividar em excesso”.

A seguir, trechos de sua entrevista.

O sr. poderia explicar o princípio de sua teoria sobre juros e inflação que tanta polêmica causou entre os economistas?

Antes de mais nada, não se trata de uma teoria, mas de uma conjectura. A teoria sempre postulou a existência de uma relação inversa entre a taxa de juros e a inflação. Ou seja, que a elevação da taxa de juros reduz a inflação e vice versa. A teoria monetária predominante - que pauta os bancos centrais - está baseada em metas para a inflação e uma regra para a fixação da taxa de juros.

Simplificadamente, se a inflação sobe acima da meta, o banco central deve elevar a taxa de juros mais do que proporcionalmente a aceleração da inflação. É uma espécie de regra de bolso, que parece funcionar na prática. Acontece que com a ameaça da deflação nos países avançados depois da grande crise financeira de 2007/2008, os bancos centrais se viram impossibilitados de continuar baixando a taxa de juros quando elas chegaram a zero. A teoria levaria a crer que, diante das mãos atadas dos bancos centrais, a deflação se aceleraria. Não foi o que ocorreu. A inflação, assim como a taxa de juros, se estabilizou perto de zero.

E o que isso quer dizer?

Inverte a convencional relação inversa entre a taxa de juros e a inflação. Por isso é tão polêmica. Abre-se a possibilidade de que seja a alta taxa de juros que sustente a inflação. As razões para isso seriam basicamente duas. Primeiro, altas taxas de juros mantidas por longo tempo, sobretudo quando a dívida pública é alta, agravam o desequilíbrio fiscal e levantam dúvidas sobre a solvência a longo prazo do Estado. Segundo, a taxa de juros funcionaria como sinalizador das expectativas de inflação.

O fato de a inflação ter sido tão resistente no início da recessão é um sinal de que talvez essa “conjectura” possa estar acontecendo no Brasil: taxa de juros funciona como sinalizador de inflação?

Sim, é uma possibilidade. Não apenas no Brasil, mas em toda parte hoje, há sinais de que o efeito da recessão e do desemprego sobre a inflação é muito mais fraco do que parecia.

O Brasil, então, no que se refere a inflação é como um alcoólatra: não pode cheirar um copo de álcool que tem recaída?

A inflação não é um vício, mas o sintoma de vícios. Que vícios seriam esses? O principal deles é a incapacidade de garantir o equilíbrio a longo prazo das contas públicas, a tentação permanente de levar o Estado a gastar mais do que ele é capaz de extrair via impostos da sociedade. Nosso vício não é a inflação, mas a dependência de um Estado patrimonialista e incompetente que é levado a se endividar em excesso.

E por que a taxa de juros é tão resistente no Brasil? Desde o Plano Real, nunca foi abaixo de 7%.

Essa é a pergunta que há anos, desde a estabilização do real, tem causado perplexidade e levado os analistas a quebrar a cabeça. A possibilidade de que na raiz da questão esteja um desequilíbrio fiscal estrutural, diante do qual a alta taxa de juros contribua para agravar o problema. É justamente a tese da dominância fiscal.

Mas existe mesmo a chamada “dominância fiscal”: a perda de efeito da taxa de juros sobre o controle da inflação quando o Estado gasta mais do que pode?

Dominância fiscal é uma situação anormal, que se torna tão mais provável quanto mais alta for a percepção da probabilidade de insolvência do Estado e de calote na dívida pública. O Estado brasileiro é muito deficitário, sua dívida como proporção do PIB é alta e cresce rapidamente. Reunimos portanto as condições para o caso de “dominância fiscal”.

“Reunimos” em que sentido? Podemos vir a sofrer dessa anormalidade ou já estamos nela?

Reunimos, no sentido de que as condições para a dominância fiscal estão aí. Se estamos ou não em dominância fiscal é algo que não se pode afirmar categoricamente. Só uma análise aprofundada, a mais longo prazo, pode ajudar a responder à pergunta.

Há uma defesa incondicional da reforma da Previdência para equilibrar as contas e a dívida pública. Qual seria o efeito da reforma sobre os juros?

Como está, o sistema previdenciário é insustentável. O problema não é novo. Quando destacado para estudar a questão no governo FHC, já estava claro que o sistema iria explodir antes de 2020. Algumas modificações foram feitas na idade mínima e chegamos até aqui, mas a queda brusca da taxa de natalidade e o rápido envelhecimento da população tornaram a previdência insustentável. O desequilíbrio é grave e afeta todo o sistema, mas é na Previdência dos funcionários públicos onde a crise é mais aguda. Grande parte do desequilíbrio das contas públicas, sobretudo estaduais e municipais, vem da Previdência dos servidores. Sem dúvida, a aprovação de uma reforma coerente, que garantisse a saúde e a solvência das contas públicas no longo prazo, é fundamental para viabilizar a queda da taxa básica de juros.

 

Fonte: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,nosso-vicio-e-a-dependencia-do-estado,70001846449

 


Luiz Carlos Azedo: Mudança de eixo

As reformas da Previdência e trabalhista estão sendo mitigadas porque o governo sofre chantagem da própria base

O deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) foi embora cedo ontem da Câmara, depois de aprovar em votação simbólica a primeira das medidas necessárias para o “pacote de bondades” que o Palácio do Planalto preparou para ver se melhora a popularidade do presidente Michel Temer. Como sempre acontece nos momentos de crise política grave, o governo raspa o fundo do tacho com uma das mãos para poder gastar com a outra. No caso, trata-se da restituição aos cofres públicos dos precatórios depositados há mais de dois anos que não foram sacados pelos beneficiários. Com a aprovação da proposta, o governo federal espera reforçar os cofres da União com R$ 8,6 bilhões.

Precatórios são dívidas do poder público decorrentes de condenações judiciais definitivas. Para dar um caráter social ao projeto aprovado, foram incluídas duas exigências: que 20% desse montante seja aplicado pela União na manutenção e desenvolvimento do ensino e, pelo menos, 5% no Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM). No embalo, foram incluídas as requisições de pequeno valor (RPV), oriundas de ações contra o poder público, mas com valor limitado a 60 salários mínimos.

Logo após o encerramento da sessão, quem também deixou a Câmara foi o relator da reforma da Previdência, deputado Arthur Maia (PPS-BA), cujo parecer está pronto. Indagado sobre a votação da reforma, foi curto e grosso: “Vamos ter que esperar, agora não dá”. Pra bom entendedor, isso significa que o governo ainda não tem votos para aprová-la, apesar da retórica oficial. A prioridade não é esticar a corda com a Câmara, é recompor a base do governo.

No outro lado do Congresso, acontece a mesma coisa. A reforma trabalhista caminha lentamente no Senado. Ontem, o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) fez a leitura do relatório favorável à aprovação da reforma trabalhista na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado. Manteve o projeto aprovado pela Câmara, mas indicou os vetos que serão recomendados ao presidente Temer, em troca do apoio da base aliada no Senado. Versam sobre ambiente insalubre para gestantes e lactantes; descanso de 15 minutos a que as mulheres têm direito antes de iniciar a hora-extra; acordo individual para determinar jornada de 12 horas de trabalho com 36 horas de folga; a “comissão de representantes dos empregados” em empresas com mais de 200 funcionários; e intervalo intrajornada de 30 minutos para horários acima de seis horas de trabalho.

O relatório será votado em 20 de junho e, depois, será encaminhado para a Comissão de Constituição e Justiça. Ferraço faz parte do time de tucanos que defende o desembarque do PSDB do governo Temer, mas afirma ter compromisso com as reformas. Uma coisa não teria nada a ver com a outra. Essa, porém, não é a posição da maioria da bancada de senadores tucanos, que defende a permanência do partido no governo. Na crise, a prioridade da bancada é evitar a cassação do senador Aécio Neves (MG), que está com mandato suspenso e precisa ser blindado pela legenda na Comissão de Ética, controlada pelo PMDB. Não é esticar a corda por causa das reformas.

Chantagem
O agravamento da crise ética, porém, começa a criar problemas para a equipe econômica. Não bastam as entrevistas do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, sobre os problemas na economia. Analistas já alteraram as projeções para 2017. A previsão de crescimento caiu de 0,5% para 0,2%. A economia fecharia o ano em aceleração ascendente de 0,8% no último trimestre, ou 3,2%, a taxa anualizada, mas agora a projeção é declinante: 0,4%, 0,12% e 0,% no segundo, terceiro e quarto trimestres, segundo o Instituto Brasileiro de Economia (Ibre-FGV).

Para alguns economistas, esse é o resultado das “bondades” do governo: reajustes nas faixas de renda e de financiamento para compra de imóvel; ampliação do volume de crédito subsidiado; não devolução antecipada de empréstimos do BNDES ao Tesouro, para aumentar o funding de créditos subsidiados; subsídio para a renovação da frota de veículos e à indústria automobilística; medidas de compensação à indústria nacional da cadeia de petróleo, a pretexto de perdas geradas pela redução do conteúdo local.

Na verdade, as reformas da Previdência e trabalhista, que serviriam para reduzir o ajuste fiscal e aumentar a produtividade, estão sendo mitigadas porque o governo sofre chantagem da própria base. Nada é feito para acabar com os cartórios na burocracia federal, que tanto encarecem a produção e favorecem a corrupção, além de servir de trincheira para os setores que apostam no “quanto pior, melhor” para manter seus privilégios. É ou não uma mudança de eixo?

* Luiz Carlos Azedo é jornalista

 


1º de Maio: Dia de luta e de reflexão sobre a necessidade das reformas

Davi Zaia

O Partido Popular Socialista (PPS), sucedâneo do PCB (Partido Comunista Brasileiro), com firme e histórica presença nos movimentos sindicais e nas lutas de nosso povo, saúda os trabalhadores brasileiros pela passagem de mais um 1º de Maio e conclama mulheres e homens do mundo do trabalho a refletirem sobre o momento de profunda crise econômica e política deixada pelo desgoverno do PT (Partido dos Trabalhadores) ao País e da necessidade das reformas da Previdência e trabalhista propostas pelo governo de transição do presidente Michel Temer.

O desemprego recorde de 13,7% no primeiro trimestre deste ano registrado pelo IBGE, que já atinge 14,2 milhões de pessoas, mostra a dimensão da crise na qual as gestões lulopetistas mergulharam o Brasil, marcadas ainda pelo desequilíbrio das contas públicas, inflação e juros altos, e pelos dos escândalos de corrupção do mensalão e do petrolão.

Para enfrentar a herança maldita do PT e recuperar a economia, o PPS reconhece a importância das medidas adotadas pelo governo Temer – redução da inflação, queda dos juros, liberação do dinheiro das contas inativas do FGTS (Fundo de Garantis por Tempo de Serviço), além da aprovação a PEC dos Gastos Públicos no ano passado para o equilíbrio financeiro – e apoia as propostas apresentadas pelo Executivo ao Congresso de reformas da Previdência e trabalhista.

O PPS considera fundamental o avanço da reforma previdenciária para garantir a estabilidade do sistema de aposentadorias no País e contribuiu para aperfeiçoar o projeto, apresentando diversas propostas que foram acatadas pelo relator da matéria na comissão especial da Câmara, deputado Arthur Maia (PPS-BA).

O partido também avalia que a reforma trabalhista, já aprovada na Câmara e que agora segue para votação no Senado, é um passo importante para a modernização das relações de trabalho no Brasil e que as mudanças preservam os principais direitos dos trabalhadores, dentre eles o 13º salário, férias e a jornada de trabalho.

PPS tem posição clara de que é preciso modernizar a legislação trabalhistas e previdenciária para torna-las mais adequadas ao momento atual de enormes dificuldades provocadas pelo crescente desemprego e também das constantes mudanças no mundo do trabalho.

Neste 1º de Maio, o PPS conclama todos os trabalhadores brasileiros a refletirem sobre os caminhos que o País terá de trilhar para superarmos a crise, buscarmos a estabilidade política e o crescimento econômico, reafirmando o compromisso com o Brasil, o fortalecimento da democracia e o respeito aos princípios republicanos.

* Davi Zaia é presidente do PPS


Mulheres do PPS discutem estratégias para aumentar presença feminina na política

 

A Coordenação Nacional de Mulheres do PPS realizou na última sexta-feira (7), em Brasília, workshop com o tema “Propostas para avançar com as mulheres no Parlamento”. No encontro foram debatidos a pesquisa encomendada pelo PPS sobre o desempenho feminino do partido nas eleições de 2016, estratégias de campanha e a Reforma da Previdência.

Na abertura, a coordenadora do evento, Tereza Vitale, fez um resumo dos debates que ocorreram no seminário realizado nesta quinta-feira (6). Para ela, é preciso trabalhar mais o envolvimento partidário das mulheres para combater o que a dirigente classificou como a “masculinização dos partidos políticos”.

“Não podemos aceitar de bandeja que os partidos sejam masculinizados. Estamos em outro século. Temos que fazer um trabalho político nas ruas. Não queremos apenas ocupar espaços dentro dos partidos. Vamos fazer reuniões regionais e queremos conhecer o nosso potencial para podermos trabalhar esses nomes e potencializar nossas candidatas”, disse.

Eleições 2018

Na primeira oficina do workshop, a pesquisadora do Grupo de Estudos de Gênero e Política da USP e do Núcleo Democracia e Ação Coletiva do Cebrap, Beatriz Rodrigues Sanchez, apresentou um levantamento (veja aqui) que mostra o desempenho das mulheres do PPS nas eleições de 2016. Ela destacou que os dados são preocupantes.

“As mulheres do PPS tiveram um resultado pior em 2016 quando comparado às eleições de 2012. Na disputa das prefeituras ficamos abaixo da cota de 30%. O PPS está pior que todos os partidos quando se compara o número de candidatas e de efetivamente eleitas”, disse.

Já na segunda oficina, as participantes acompanharam a apresentação da assessora da SPM (Secretaria Nacional de Política para as Mulheres) e da ONU Mulheres Brasil, autora do livro “A mulher candidata – Competindo para vencer”, Silvia Rita de Souza. Na apresentação ela falou como as candidatas devem se preparar para as eleições de 2018.

“É preciso três coisas: honestidade, competência e sensibilidade. Não temos que esperar ninguém. Devemos nos unir e tentar um espaço para nossas candidaturas com uma narrativa para prender o eleitor. A narrativa é o fio condutor que dá sentido a imagem da candidata. Para isso, é preciso saber o que o eleitor quer, não pode falar qualquer coisa. É preciso ouvir o eleitor, principalmente antes do início da campanha”, alertou.

Reforma da Previdência

O presidente do PPS, Davi Zaia, participou do encontro e falou sobre a postura do partido diante da Reforma da Previdência. Apesar de reconhecer que o tema é bastante polêmico na sociedade, o dirigente afirmou a necessidade das mudanças para garantir a aposentadoria das gerações futuras.

“Todos nós temos acompanhado o debate sobre a questão da Previdência. A primeira questão é se ela realmente é necessária e isso gera um grande debate. É preciso tomar cuidado com as versões que nos são repassadas pela internet e pelo canais como o whatsapp. A aposentadoria é um pacto entre gerações em que a atual paga para a anterior. Até aqui foi relativamente fácil pagar, pois tínhamos poucos aposentados, muita gente trabalhando. A pergunta que precisa ser feita é: será que nossos filhos vão querer pagar a conta para nós?”, questionou.


Sérgio Fausto: Reformas são mais do que mudanças de regras

Ainda é tempo de as forças políticas que apoiam o atual governo se jogarem na luta para ampliar o apoio às reformas na sociedade

Tornou-se clichê dizer que o Brasil precisa de reformas. E é verdade. Habitualmente tomamos reformas como sinônimo de mudanças em regras que regulam áreas específicas de política pública. Falamos em reforma política, tributária, do sistema previdenciário, e assim por diante. Faz sentido proceder dessa maneira porque cada um desses sistemas é complexo em si mesmo e regido por regras próprias.

Há dois problemas nessa abordagem. Primeiro, ela reduz o processo de reformas a mudanças nas regras formais, quando, na verdade, elas implicam também alterações nas mentalidades e nos comportamentos predominantes na sociedade. Segundo, é incapaz de articular as reformas dentro de uma visão sobre o futuro do País.

Numa democracia, reformas requerem a aprovação pela maioria do Congresso, frequentemente por quóruns qualificados. Em qualquer país do mundo o Parlamento abriga, em maior ou menor grau, interesses locais, setoriais e pessoais, a começar pelo interesse de cada parlamentar de se reeleger. A leitura acurada desse mapa de interesses é fundamental para aprovar reformas. Daí a importância dos operadores políticos.

É um grande equívoco, porém, supor que para o sucesso das reformas basta ganhar no Congresso. Importa ganhar na sociedade também, não apenas porque essa vitória ajuda a vencer no Parlamento, mas igualmente – ou ainda mais – porque a persuasão da sociedade é chave para a mudança de mentalidades e comportamentos que, ao fim e ao cabo, é a garantia de que as reformas produzirão efeitos duradouros. Tarefa para a liderança política, não para os operadores políticos.

Dada a gravidade da crise, em boa hora o atual governo retomou a agenda de reformas posta à margem nos governos petistas. Não apenas as que já tramitam no Congresso, mas também as que ainda estão em gestação no Executivo, pertencentes à chamada agenda microeconômica. Ninguém com conhecimento razoável dos desarranjos da economia brasileira poderá negar a necessidade de aprová-las, ainda que com modificações introduzidas no Congresso, como é natural. Elas são necessárias, mas nem de longe suficientes para estabelecer condições adequadas a que o Brasil avance para se tornar um país mais desenvolvido e mais justo. Continuá-las é tarefa que caberá ao futuro governo.

Dessa perspectiva, o atual deveria estar mais empenhado em, se não ganhar, ao menos não perder a batalha do convencimento da sociedade quanto à necessidade das reformas. Talvez empenho não seja o que falta ao governo. Faltam-lhe condições para ser um bom porta-voz de reformas que poderiam e deveriam ter sido desde o início apresentadas, em particular a da Previdência, como passos não só na direção do equilíbrio fiscal, mas também, e principalmente, de uma sociedade com mais igualdade e menos privilégios.

Vista desse ângulo, a proposta do governo deveria desde logo ter sido trabalhada com base em dois critérios de justiça distributiva: entre os beneficiários de uma mesma geração, mostrando os privilégios existentes nas aposentadorias do setor público e a concentração das aposentadorias por tempo de serviço nos estratos de maior renda no setor privado; e entre a geração de hoje e as gerações futuras, que não receberão benefício algum se as atuais regras previdenciárias forem mantidas.

Bobagem chorar sobre o leite derramado. Ainda é tempo de as forças políticas que apoiam o atual governo se jogarem na luta para ampliar o apoio às reformas na sociedade, sob pena de pagarem caro nas eleições de 2018, se não o fizerem. Os argumentos para tanto estão muito bem expostos no excelente artigo de Mansueto Almeida e Marcos Mendes publicado na Folha de S.Paulo (26/3).

As iniquidades sociais e as ineficiências econômicas no Brasil são tantas e estão em geral tão umbilicalmente associadas que é largo o caminho para avançar simultaneamente em reformas que reduzam tais iniquidades, simbolizadas pelo privilégio de corporações públicas e privadas, e aumentem a eficiência na economia, prejudicada por mercados fechados, mal regulados, capturados por empresas politicamente bem conectadas.

É preciso mostrar que a corrupção não cai do céu, nem deriva de um déficit moral insanável do País. Ela viceja nesse terreno fértil de iniquidades sociais e ineficiências econômicas e as fortalece. Por isso a Operação Lava Jato é aliada, e não inimiga das reformas, entendidas estas como processos amplos de mudança de regras, mentalidades e comportamentos. Quem quiser ser candidato em 2018 terá de dizer isso em alto e bom som e ter autoridade para fazê-lo.

Deverá dizer também que entre a eficiência econômica e a equidade social o Brasil deve escolher as duas. O País precisará aumentar muito a eficiência econômica para ter taxas de crescimento que permitam responder às demandas da sociedade. Da mesma maneira, necessitará reduzir as iniquidades sociais, não apenas para obter mais crescimento, com mais equidade, mas também para recuperar um mínimo de crença nas instituições, sem o que não haverá nem crescimento, nem governabilidade, nem democracia.

Está mais do que na hora de construir uma visão de futuro em torno das ideias-força do não aos privilégios de corporações públicas e privadas e do não à corrupção; do sim à justiça social, entendida como igualdade real de oportunidades para todos, e do sim também à eficiência econômica, como condição necessária para que se possa avançar na concretização progressiva deste que deve ser o objetivo último de qualquer sociedade decente: dar a cada criança, independentemente de sua origem social e familiar, a mesma chance de se desenvolver como indivíduo e como cidadão.

A reforma da Previdência, ao evitar que em algumas décadas os orçamentos públicos sejam consumidos exclusivamente pelo pagamento de aposentadorias e pensões, é um importante passo nessa direção.

*Sergio Fausto é cientista político e superintendente do iFHC.


Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,reformas-sao-mais-do-que-mudancas-de-regras,70001731243


Luiz Carlos Azedo: Primeira fissura

Renan tem poder para emparedar as reformas que forem aprovadas na Câmara. A simples alteração pelo Senado faz o processo dar um largo passo atrás

 

 

Surgem as primeiras grandes fissuras na base do governo Temer, a principal delas no Senado, encabeçada pelo líder da bancada do PMDB, Renan Calheiros (AL), que assumiu uma clara dissidência em relação à orientação do governo. Renan é um sobrevivente de todos os governos, desde o de Fernando Collor, que o revelou para a política nacional. É um ás da baldeação: carregou o caixão de Dilma Rousseff até a porta do cemitério. Considerado um dos melhores estrategistas do Senado, ao lado de Jader Barbalho (PMDB-PA), que atua na surdina, seu desembarque do governo é iminente e perigoso.

Na manhã de ontem, Renan criticou mais uma vez a condução dada ao país pelo presidente Temer, o qual acusou de não ouvir ninguém, o que não é verdade. O presidente da República ouve pelo menos três integrantes da equipe de governo, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e os ministros da Casa Civil, Eliseu Padilha, e da secretaria de Governo, Moreira Franco, além de Rodrigo Maia, presidente da Câmara, e Romero Jucá, presidente do PMDB e líder do governo, que disputa influência no Senado com o líder da bancada.

Renan fez ontem uma comparação de Temer com a ex-presidente Dilma: “E a impressão de agora, com o presidente Michel, é que com essa política econômica, com esse aumento de imposto, com essa renegação da folha, com tudo isso, parece que, diferentemente da Dilma, que não sabia o que fazer, o Michel não tem o que fazer. E isso é pior para o Brasil”, disparou. E voltou a atacar a reforma da Previdência: “Uma reforma da banca, querendo arrecadar R$ 780 bilhões em 10 anos. Tem que fazer uma reforma da Previdência ideal”.

Ao atacar a política econômica deu uma pista do verdadeiro alvo: “O governo está errando ao querer resolver a crise econômica, colocar a inflação na meta com mais recessão. Isso é um horror. Isso vai levar o país, em um curtíssimo espaço de tempo, infelizmente, a uma crise maior”. O problema de Renan é a negociação da dívida dos estados, em apreciação na Câmara, que está sendo conduzida pelo ministro da Fazenda. Quer flexibilizar o acordo com os estados para favorecer o governo de Renan Calheiros Filho (PMDB), em Alagoas, candidato à reeleição junto com o pai.

Outro ator importante no jogo parece se manter ao largo da disputa, o presidente do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), que tem boas relações com Temer, mas jamais seria eleito para o posto que ocupa sem o apoio de Renan. Eunício costuma virar uma esfinge nessas horas e esperar o vento firmar para escolher o rumo a seguir. Somente assume uma posição mais agressiva quando se sente ameaçado. Todos estão citados nas delações premiadas da Operação Lava-Jato, o que aumenta o estresse entre eles.

Temer já passou por muitas disputas com Renan, que inclusive tentou removê-lo da presidência do PMDB. É dispensável dizer quem foi que até agora riu por último. Quando parecia na iminência de ser derrotado dentro da legenda, Temer fez um acordo com os deputados do PT, foi eleito presidente da Câmara e, depois, vice-presidente da República na chapa de Dilma Rousseff, em 2010. Hoje, é o presidente da República, depois de romper com Dilma Rousseff e atrair o apoio de Renan.

A recidiva dessa velha disputa, porém, pode desestabilizar o governo. Renan tem poder para emparedar as reformas que forem aprovadas na Câmara. A simples alteração pelo Senado do que foi aprovado pelos deputados faz o processo dar um largo passo atrás. Além disso, caso Renan consiga manter a bancada de senadores do PMDB coesa, dificilmente isso não dividirá a bancada de deputados. Não é à toa que o Palácio do Planalto preferiu não alimentar a polêmica. A opção foi correr com a votação do acordo das dívidas dos estados na Câmara.

A renegociação
Esse assunto vem se arrastando desde o ano passado, quando os deputados retiraram as contrapartidas do projeto original do Ministério da Fazenda, sob forte pressão dos governadores. Temer enviou um novo texto para socorrer os estados em situação mais dramática, principalmente Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul. Há duas semanas, uma batalha surda se desenvolve entre a equipe econômica e base do governo na Câmara para votar o projeto.

Para renegociar as dívidas, a Fazenda quer que o acordo autorize a privatização de empresas dos setores financeiro, de energia e de saneamento para quitar dívidas, como já aconteceu com a Cedae, no Rio de Janeiro; que eleve a alíquota de contribuição previdenciária dos servidores estaduais; e que reduza incentivos ou benefícios tributários. Tudo enguiça na hora em que o acordo proíbe estados de conceder vantagem, aumento, reajuste ou adequação de salários a servidores; criar cargos ou funções que impliquem aumento de despesa; alterar a estrutura de carreira que gere aumento de gastos; realizar concurso público, ressalvadas hipóteses de reposição de cargos vagos; criar ou aumentar auxílios, vantagens, bônus, abonos ou benefícios de qualquer natureza. São matérias indigestas para candidatos ao Senado e governadores candidatos à reeleição.

 


Luiz Carlos Azedo: Um teste de força

Somente um governo eleito com esse programa poderia fazer reformas profundas. Temer terá que fazê-las de forma mitigada, legitimado apenas pela recessão e pelo desemprego

O governo Temer é liberal e reformista, mas vive a contradição de ser de transição, em meio à maior recessão da história republicana, uma crise ética que ameaça levá-lo de roldão com a elite política do país e o colapso do capitalismo de Estado brasileiro, cujo último lance foi esse escândalo da carne. Quis a Fortuna que o Brasil não tivesse até agora um governo liberal. Houve duas oportunidades históricas, mas ambas foram abortadas.

A primeira foi o governo de Sarney, vice como Temer, que não fez o que faria Tancredo Neves, que morreu às vésperas da posse. Foi contingenciado por Ulysses Guimarães à frente da Constituinte. Do entulho autoritário do regime militar, ainda restaram a estrutura vertical do nosso Estado positivista, a forte presença estatal no setor produtivo e corporações poderosas na administração federal, que se reproduzem nos estados e municípios.

A segunda oportunidade perdida foi o brevíssimo governo Collor, eleito com o forte discurso liberal, mas que se embriagou com o poder e tropeçou nas próprias pernas, em meio a um escândalo envolvendo o tesoureiro de campanha e um caixa dois que, resguardada as proporções, parece até cofre de porquinho diante do petrolão e outros escândalos sob investigação da Operação Lava-Jato. Legou ao país, porém, a abertura da economia para a globalização.

O governo de Fernando Henrique Cardoso, um social-democrata, foi reformista, com uma equipe econômica social-liberal, em permanente conflito com a ala desenvolvimentista do PSDB. Todo seu esforço foi focado no combate à inflação, no equilíbrio fiscal, na reforma patrimonial do Estado em crise de financiamento e no desmonte de um setor produtivo estatal que havia se tornado anacrônico e deficitário.

Para a esquerda brasileira, liberal é sinônimo de tudo o que pode haver de ruim na política. Para a opinião pública, ao contrário, é a esquerda que virou palavrão, tamanho o desastre causado pelos governos Lula e, principalmente, Dilma. Esse ambiente é propício à aprovação de medidas reformistas, para reduzir o tamanho do Estado, como as concessões de aeroportos, portos, ferrovias etc. E também de austeridade, como a nova regra do teto dos gastos públicos aprovada pelo Congresso.

O atual governo ousou pouco do ponto de vista do enxugamento da máquina administrativa. Por duas razões: de um lado, foi loteado entre os partidos da antiga base governista que haviam se descolado do governo Dilma, a começar pelo próprio PMDB, e os partidos de oposição, principalmente PSDB, DEM, PSB e PPS, que lideraram a luta pelo impeachment de Dilma; de outro, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, em razão da recessão, temia que um ajuste forte nos gastos públicos levasse a economia ao colapso e decidiu fazê-lo a médio e longo prazos, o que não foi suficiente para evitar o rombo atual nas contas públicas em razão da queda de arrecadação.

O governo agora está diante de uma situação dramática, na qual tem que fazer cortes nos gastos públicos, com impacto nas políticas sociais, e aumentar impostos, agravando atividades produtivas, para manter o equilíbrio das contas públicas. Ao mesmo tempo, precisa realizar reformas na Previdência, na legislação trabalhista e no sistema tributário. Somente um governo eleito com esse programa poderia fazer reformas profundas. Temer terá que fazê-las de forma mitigada, legitimado apenas pela necessidade de salvar o país de mais recessão e desemprego.

Ou seja, não basta a vontade do presidente da República de passar à História como grande reformista. Há que se ter uma correlação de forças favorável tanto no Congresso quanto na sociedade. Em ano pré-eleitoral, nada passa no parlamento sem apoio da opinião pública. Não se trata da popularidade de Temer, mas do apoio social ao que está sendo feito para o bem comum. O primeiro teste do governo quanto a isso foi a aprovação da terceirização pela Câmara, que vai à sanção presidencial. Parece um assunto resolvido, mas não é.

Greve geral

A votação dividiu a base do governo, inclusive o PMDB, e colocou em xeque as demais reformas, principalmente a reforma da Previdência, que enfrenta uma ampla coalizão contrária. Temer pode sancionar sem emendas o projeto, como querem os representantes do empresariado que apoiam o governo, mas a contrapartida é a unificação e radicalização do movimento sindical e sua instrumentalização pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essa é a praia do PT.

Uma greve geral está sendo organizada para 28 de abril, o que pode ser um teste de força. Com o desemprego em massa, dificilmente uma greve geral, mesmo que por tempo determinado, terá adesão maciça dos trabalhadores empregados no setor privado, mas há os funcionários públicos e os empregados de estatais, e uma massa de desempregados, sem-teto e sem-terra que estão sendo mobilizados. O PT parece renascer das cinzas da Lava-Jato. De volta às ruas, agita as velhas bandeiras vermelhas contra as reformas.

A terceirização desregulamenta a velha CLT da Era Vargas. Discute-se a aprovação de uma nova lei, complementar, no Senado, para garantir alguns dos direitos trabalhistas e evitar a “precarização” do trabalho assalariado. O governo não deve vetar o projeto aprovado na Câmara, mas na área econômica a “pejotização” é vista como um tiro no pé da arrecadação, com impacto direto na Previdência. Não é fácil ser um governo de transição.


Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/azedo


Previdencia

Samuel Pessôa: Reforma da Previdência

Publicado na  Folha de S. Paulo em 05/02/2017

Se Congresso aprovar Previdência, juro cairá de forma sustentável

A reforma da Previdência tem como principal objetivo introduzir a idade mínima de aposentadoria. Também irá impedir o acúmulo da pensão com a própria aposentadoria. A pessoa terá de escolher com qual benefício irá ficar. Há outros elementos que serão tratados em outras colunas.

As pessoas que são contra a reforma argumentam que o sistema não é deficitário. Essa afirmação não é verdadeira para o RGPS (Regime Geral de Previdência Social), que compreende os benefícios do INSS.

Mesmo já devolvendo para o RGPS a perda de receita em razão da desastrada desoneração da folha de salários, o sistema apresenta deficit desde pelo menos 2000. Em 2016, o deficit foi da ordem de R$ 150 bilhões. Em 2013, antes, portanto, do aprofundamento da crise, o deficit foi de pouco mais de R$ 50 bilhões.

A afirmação de que a Previdência não é deficitária é ainda menos verdadeira para os aposentados do setor público, cujo deficit, incluindo servidores e militares, foi, em 2013, de pouco menos de R$ 63 bilhões.

O sistema previdenciário brasileiro é de repartição: os ativos contribuem para financiar os benefícios dos aposentados.

A contribuição sai da renda dos trabalhadores ativos. Mesmo a contribuição do empregador é na prática paga pelo empregado.

Este é um ponto pouco notado: o fato de a legislação determinar que a contribuição patronal seja paga pelo empregador –como o nome atesta– não tem nenhum significado econômico. Do ponto de vista econômico, a incidência da contribuição é distinta da incidência legal.

Quem paga de fato é o agente cuja renda é reduzida em razão da existência da contribuição. Como o trabalho tem poder de barganha menor do que o do capital, é o trabalhador que sofre redução do salário que vai para o seu bolso em razão da criação da contribuição previdenciária. Seja a contribuição que legalmente é devida pelo trabalhador ou a que legalmente é devida pelo capital: ambas são pagas pelo trabalho.

Não é o deficit a principal motivação da reforma, apesar de ele preocupar muito. A importância da reforma é que, em razão das regras previdenciárias que temos, nosso gasto previdenciário total como proporção do produto total da economia é muito elevado. Gastamos pouco menos de 13% do produto total, quando economias com a mesma demografia gastam de metade a 1/3 deste valor.

O deficit sempre pode ser "zerado". Basta aumentar a carga tributária e jogar a conta para o contribuinte. A discussão de deficit não faz muito sentido.

Alguns críticos da reforma argumentam que não há problema demográfico, pois a população brasileira ainda é relativamente jovem. Essas pessoas confundem o nível da distribuição etária –ainda somos de fato relativamente jovens– com a variação da população nas diversas idades. A taxa de crescimento da população que se aposenta é mais de três vezes maior do que a da população em idade ativa. Já temos um problema demográfico.

O fato de destinarmos tantos recursos para a Previdência limita a capacidade do país de investir e desestimula a poupança. E, efetivamente, nossa poupança é muito menor do que a de países com a mesma renda per capita e a mesma demografia que o Brasil.

Por outro lado, a baixa poupança está na raiz dos elevadíssimos juros.

Assim, podemos estar seguros: se o Congresso Nacional aprovar o projeto de emenda constitucional enviado pelo governo, em alguns anos o juro cairá de forma sustentável. Será uma pequena revolução em nosso país.


Vinicius Mota: Pela segunda vez em uma geração, Brasil tenta sair do buraco econômico

SÃO PAULO – Esta semana pode marcar a abertura de um longo período de alterações constitucionais no domínio econômico. O congelamento do gasto global do setor público, se for cimentado sobretudo pela reforma previdenciária, alterará em alguns graus o curso do transatlântico.

No correr dos anos, lentamente, ele vai se desviar da rota de choque com os rochedos da falência civil, que no modo brasileiro costuma significar inflação e desigualdade ascendentes, desorganização produtiva e estagnação econômica.

A ocasião se assemelha à do início dos anos 1990. Como acontece hoje, o país vinha de uma trombada recessiva e de uma crise política que decapitara o presidente da República. Como agora, deparava-se com amarras constitucionais a bloquear o avanço da produtividade.

Seja porque a visão da forca ajuda a concentrar o pensamento, seja por outra razão, a resposta do sistema político submetido ao estresse foi notável. De 1995 a 2006, maiorias de no mínimo 3/5 do Congresso aprovaram cerca de 30 mudanças na Carta com impacto na economia.

Outra batelada de consertos infraconstitucionais foi implementada ao longo daquele período. Tanto ativismo normativo favoreceu a abertura à competição econômica, o fortalecimento do direito de propriedade, o florescimento do crédito e a percolação da eficiência produtiva por diversos setores antes fossilizados.

Deixou-se sem remédio eficaz, contudo, a insustentável marcha da despesa pública. Mais tarde, a volta do velho desenvolvimentismo com seu consórcio de parasitas do Estado colocou obrigações pesadíssimas sobre os ombros de algumas gerações de contribuintes brasileiros.

O Brasil quebrou, mas o passado e eventos recentes indicam que talvez tenha preservado a capacidade de reformar-se na crise para melhorar a perspectiva do futuro. É o que veremos a partir de agora. (Folha de S. Paulo – 10/10/2016)


Fonte: pps.org.br