PGR

Merval Pereira: Aras em xeque

Inábil no seu açodamento, Bolsonaro vem tornando pública sua proposta de “compensação” a Aras

O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, tenta sair das cordas com retórica, não com atos. Disse, afinal, em nota que “sente desconforto” com a citação de seu nome para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal. O sujeito oculto da frase é o presidente Bolsonaro, que, inábil no seu açodamento, vem tornando pública sua proposta de “compensação” a Aras.

Na verdade, desconforto é o sentimento generalizado entre seus pares, e a opinião pública o identifica como o “Procurador-Geral de Bolsonaro”, conforme a pichação que acordou ontem na sede do Ministério Público em Brasília.

Ele é a peça-chave nos dois inquéritos que correm no STF envolvendo o presidente Bolsonaro, um sobre a interferência na Polícia Federal, e outro das fake news. Se Aras decidir pedir o arquivamento, não haverá denúncia, a não ser que o embate entre Executivo e Judiciário esteja tão radicalizado que, no caso das fake news, por exemplo, um dos ministros atacados, ou vários, entrem com uma “ação penal privada subsidiária da pública”, contestando a decisão do Procurador-Geral. Mas as provas não se perderão. Serão enviadas para a primeira instância, no caso dos que não têm foro privilegiados. E aos tribunais superiores, no caso de deputados estaduais e federais.

Certamente pela complacência de Aras, o presidente Bolsonaro se sinta tão à vontade para atacar os ministros do Supremo. Continua fustigando em especial o ministro Alexandre de Moraes, republicando nas redes sociais algumas de suas declarações anteriores, como se evidenciassem contradições do pensamento do relator do inquérito das fake news sobre as liberdades individuais.

Mais uma vez temos um problema de semântica, comum aos bolsonaristas radicalizados, e frequente no presidente. Quando Moraes fala em debate de ideias e liberdade de expressão, não está se referindo a mensagens de suas milícias digitais pregando o fechamento do Congresso e do Supremo, ameaçando de morte juízes e políticos que consideram inimigos, e defendendo intervenção militar.

Bolsonaro diz que quer armar o povo para defender a democracia, e dá como exemplo a reação armada contra ordens judiciais que proíbem pessoas de frequentar as praias no tempo de quarentena. Diz que respeita o sistema judicial, mas exorta seus seguidores a não obedecer “ordens absurdas”.

Se diz a favor da liberdade de imprensa, mas instiga seus militantes na porta do Alvorada a atacarem a imprensa profissional. E o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), General Augusto Heleno, o máximo que consegue propor é que os jornalistas finjam que não estão escutando as ofensas.

O que realmente incomoda o presidente é a possibilidade de sair de um dos inquéritos, especialmente o das fake news, uma impugnação de sua eleição, ou no STF ou, mais provável, do Tribunal Superior Eleitoral. O ministro Og Fernandes, relator dos casos de impugnação da chapa por irregularidades na campanha eleitoral no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), já faz consulta para decidir se agrega as provas do inquérito de fake news do Supremo ao processo que corre no TSE. O prazo da quebra de sigilo estabelecido pelo ministro Alexandre de Moraes pega a campanha presidencial, o que pode trazer provas que se agreguem ao processo de impulsionamento ilegal de mensagens, com o financiamento das milícias digitais, a mídia que Bolsonaro tem a seu favor, conforme admitiu o próprio. Esses atos falhos, por sinal, vão surgindo à medida que a situação foge ao controle.

Ontem o assessor especial da presidência, Filipe Martins, acusado de fazer parte do “gabinete do ódio”, entregou-se ao responder a críticas no Twitter com uma série de compartilhamentos de mensagens idênticas, revelando ter uma multidão de robôs a seu dispor.


Merval Pereira: PGR à mercê da política

O Supremo, no momento, é que estabelece a maior barreira democrática para coibir os avanços autoritários do governo

O pedido extemporâneo do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, para que seja suspenso o inquérito sobre fake news aberto há um ano no Supremo Tribunal Federal (STF) só tem explicação no clima de tensão que dominou o Palácio do Planalto com a operação de ontem da Polícia Federal contra apoiadores do presidente Bolsonaro.

Sendo assim, o Procurador-Geral coloca o Ministério Público à mercê da disputa política que ora se desenvolve no país, prejudicando sua credibilidade. Suas idas e vindas sobre o tema, apontadas pelo partido político Rede, demonstram que ele se deixou levar pelas incertezas da política, sem emitir pareceres técnicos. De olho grande na vaga do STF que abrirá em novembro, dizem seus críticos.

A cronologia dos fatos é impressionante. Quando assumiu o cargo, Aras discordou de sua antecessora, Raquel Dodge, que, em abril do ano passado, declarou-se contrária à abertura do inquérito sem a presença do Ministério Público, e deferiu a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) impetrada pelo Rede no sentido de suspendê-lo.

O novo Procurador-Geral, em outubro, manifestou-se pela validade do inquérito, e classificou de imprestável a ADPF. Ontem, seis meses depois, o mesmo Aras mudou de ideia e pediu a suspensão do inquérito baseado na mesma ação do Rede.

O presidente Bolsonaro já havia dito ao então ministro Sérgio Moro que o inquérito que abrangia parlamentares bolsonaristas era “mais um motivo para a mudança”, referindo-se à Polícia Federal.

A operação de busca e apreensão autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes nas casas dos investigados poderá revelar, através dos celulares e computadores, toda intrincada rede de montagem do que pode ser, segundo o STF, uma organização criminosa dedicada a espalhar mentiras, injúrias, difamações contra os adversários políticos e a disseminar noticias falsas com intuitos políticos.

Essa central de mentiras e difamação teria uma base instalada dentro do Palácio do Planalto, que os parlamentares ouvidos na investigação chamaram de “gabinete do ódio”. Assessores do governo comandam desde lá os ataques coordenados aos “inimigos”, e o principal orquestrador seria o vereador Carlos Bolsonaro, o 02 do presidente.

O ministro Alexandre de Moraes foi até mesmo cauteloso, e não aceitou o pedido para fazer busca e apreensão nas casas dos parlamentares investigados, que foram apenas intimados a depor.

Esse inquérito do Supremo Tribunal Federal sobre fake news tem ligações indiretas com as ações que correm no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a campanha presidencial da chapa Bolsonaro-Mourão, acusada de ter se beneficiado de esquemas ilegais de distribuição de fake news e impulsionamentos de propagandas políticas de WhatsApp.

O temor do Planalto é que, como já está acontecendo, partidos políticos peçam para que o TSE incorpore as provas coletadas às ações em curso, ganhando dinâmica própria o pedido de impugnação da chapa.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, declarou-se surpreendido pela operação policial, mas foi informado pelo ministro Alexandre de Moraes, que abriu vista por uma semana para ele se manifestar sobre as diligências.

O vice-presidente Hamilton Mourão reagiu à operação com um Twitter onde confunde ação penal com investigações. Afirmou que o STF não está cumprindo a Constituição, que diz que o Ministério Público é o dono da ação penal pública, mas essa questão já fora dirimida lá atrás, quando Raquel Dodge arquivou o processo justamente com esta argumentação.

O ministro Alexandre de Moraes decidiu que “o sistema acusatório de 1988 concedeu ao Ministério Público a privatividade da ação penal pública, porém não a estendeu às investigações penais”.

O Supremo, no momento, é que estabelece a maior barreira democrática para coibir os avanços autoritários do governo, atingindo uma coesão poucas vezes vistas. A Polícia Federal continua sob suspeita depois da interferência de Bolsonaro, e mesmo as ações de hoje podem ser atribuídas ao fato de o ministro Alexandre de Moraes não ter deixado que a nova administração trocasse os agentes que trabalham há quase um ano no inquérito.

O Legislativo, depois que o Centrão aderiu ao governo, está excessivamente cauteloso, tendo o presidente Rodrigo Maia perdido o controle do plenário. E a atitude cambiante do Procurador-Geral da República coloca em xeque também o Ministério Público.


José Casado: O investigado e o investigador

Bolsonaro e Aras ainda ruminam a derrota no Supremo

Jair Bolsonaro fez uma visita surpresa a Augusto Aras, procurador-geral da República. Foi à procuradoria apenas para “apertar a mão do nosso novo colegiado maravilhoso da PGR”. Recebeu “a alegria de sempre”, segundo Aras.

Teria sido mais um encontro imprevisto, fechado e rápido, se Bolsonaro não fosse um investigado e Aras o seu investigador em inquérito sobre crimes de responsabilidade na Presidência. Esse detalhe deu relevo à cena de ontem, em Brasília.

Ambos ainda ruminam a derrota no Supremo, na divulgação dos registros da reunião ministerial de abril.

Aras pediu ao juiz Celso de Mello uma censura muito mais abrangente do que a solicitada pela defesa do presidente. Argumentou que a transparência ao público, reivindicada por outro investigado, o ex-ministro Sergio Moro, daria à oposição chance de “uso político, pré-eleitoral (2022)”, criando “instabilidade” e “querelas”.

O juiz respondeu-lhe em 55 páginas. Lembrou a Aras que, no regime democrático, o Ministério Público não pode sequer manifestar a “pretensão” de restringir o direito de investigado ou réu em ver produzidas ou ter acesso a provas que possam favorecê-lo. A Constituição impõe publicidade aos atos de agentes públicos, observou. E, no caso, nem o governo se preocupara em tratar a reunião com sigilo.

Aras perdeu a batalha, mas tem o poder final de denunciar — ou não — o presidente. Pode decidir antes da aposentadoria do juiz Celso de Mello, em novembro. Ou deixar para a época de sucessão na Procuradoria-Geral e de escolha do substituto de outro que se aposentará no STF, Marco Aurélio Mello. De toda forma, Bolsonaro o deixou exposto na visita de ontem.

O presidente abstraiu a pandemia e segue em campanha pela reeleição. No roteiro incluiu o domínio de agências de espionagem, órgãos de controle externo e o Ministério Público. Ano passado, apresentou critérios peculiares para escolha do procurador-geral. Na essência, desejava a virtual conversão da PGR em anexo do Planalto. Bolsonaro, agora, só depende de Aras.


Ranier Bragon: Augusto Aras vai matar essa no peito?

Escolhido por Bolsonaro após cortejá-lo, procurador-geral chega à sua hora decisiva

Augusto Aras foi alçado à chefia do Ministério Público desprezando o apoio dos colegas e optando por algo que se mostrou bem mais eficaz, um vergonhoso beija-mão. Agora, o procurador-geral da República chega ao seu teste de fogo.

Desenvolve-se em Brasília um teatro. Jair Bolsonaro tenta emplacar a versão de que na reunião ministerial de 22 de abril não manifestou intenção de interferir na Polícia Federal para proteger a ninhada. Contra suas próprias palavras, ações, regras palacianas e a lógica em geral, fala que queria interferir era na sua segurança pessoal. Uma história que faz a Operação Uruguai de Collor, de quase 30 anos atrás, parecer ter sido bolada em Harvard.

O teatro dos parlapatões é completado por generais —oriundos de uma corporação que tanto preza a verdade e a honra— se prestando ao patético papel de sustentar o que sabem ser uma mentira. E em prol de uma família cuja palavra não vale absolutamente nada.

Caberá a Augusto Aras decidir entre a denúncia e o arquivamento.

Suas manifestações nos autos, até agora, são uma lástima. Superando até os advogados do presidente, ele é a favor de que a maior parte da reunião do dia 22 fique nas sombras. Defende, inclusive, interesses de ministros que, ao que parece, pediram a volta de Torquemada para dar cabo de STF, governadores e prefeitos. Para Aras, há ameaça de violação da "justa expectativa" dessas doces almas de que proferiam barbaridades só para um petit comité. Como se ali não estivessem reunidos ministros e um presidente, mas apenas inocentes arruaceiros tratando da taberna que iriam quebrar no dia seguinte.

Aras também manifestou preocupação de uso da reunião "como palanque eleitoral precoce das eleições de 2022". O que cargas d'água ele tem a ver com isso, eis aí um mistério. Petistas afirmam que Luiz Fux só foi indicado ao STF porque prometeu matar no peito o mensalão, o que ele nega e o que, na prática, não ocorreu. A bola foi lançada ao procurador.


Ascânio Seleme: Arquivador-geral da República

Hoje, estamos no limiar de ver surgir no cenário nacional um outro operador de gavetas e arquivos

Num passado não muito distante, o Brasil conviveu com um procurador que se destacava por engavetar a maioria dos pedidos de investigação sobre malfeitos federais. Ele era tão eficiente nessa tarefa que ganhou o apelido de Engavetador-Geral da República. Trata-se de Geraldo Brindeiro, nomeado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em 1995 e reconduzido ao posto outras três vezes. Nos seus oito anos de mandato, engavetou 242 inquéritos, arquivou outros 217 e aceitou apenas 60 de 626 denúncias a ele oferecidas. Foram beneficiados 194 deputados, 33 senadores, 11 ministros. Quatro processos contra FHC também foram parar na gaveta de Brindeiro.

Hoje, estamos no limiar de ver surgir no cenário nacional um outro operador de gavetas e arquivos. Augusto Aras pode se tornar um Arquivador-Geral no inquérito em curso no Supremo Tribunal Federal contra o presidente Jair Bolsonaro, embora obviamente possa surpreender. Assim como Brindeiro, Aras não estava na lista tríplice que é oferecida ao presidente como balizadora para a indicação. Quando a lista foi instituída, em 2001, Brindeiro ficou em sétimo lugar na eleição da Associação Nacional dos Procuradores da República, mas mesmo assim foi nomeado por Fernando Henrique. Embora se tratasse de uma recondução, o fato é que a lista não foi respeitada. Aras sequer concorreu para a vaga na eleição e ainda assim foi nomeado por Bolsonaro.

Deve-se dizer a favor de Aras que ele não engavetou o pedido do PDT de abertura de inquérito contra Bolsonaro e o encaminhou ao STF, que pelo ministro Celso de Mello autorizou sua abertura. Todos os seus movimentos até aqui seguiram o rito normal esperado de um procurador-geral. O perigo, entretanto, mora logo ali na frente. Terminada a fase de inquérito, Aras decidirá se apresenta ou não denúncia contra o presidente da República. Se ele não denunciar Bolsonaro, o caso é arquivado, mesmo que esteja repleto de provas e evidências de que um crime foi cometido.

Pelo que se apurou até aqui, não resta dúvida de que o presidente Jair Bolsonaro demitiu Sergio Moro e Maurício Valeixo porque queria interferir na Polícia Federal, receber informações privilegiadas, e acima de tudo proteger “familiares e amigos”. A desculpa inventada de última hora, de que ele se referia à segurança dos filhos, não cola em ninguém, a não ser na turma mais chegada ao capitão. Mas vai que cola em Aras. Será no momento em que escrever sua decisão, depois de terminado o inquérito, que Augusto Aras escolherá como vai querer ser retratado pelos livros de história. Pode se alinhar no panteão onde já estão Aristides Junqueira e Sepúlveda Pertence ou figurar na galeria de Geraldo Brindeiro.

O que não se falou

Sabe-se já sobejamente o que se falou na reunião ministerial do dia 22 de abril no Palácio do Planalto, e não precisaríamos voltar a ela não fosse por um detalhe. O que disseram os ministros técnicos quando ouviram as barbaridades que saíam da boca do capitão e de alguns de seus ministros mais aguerridos? Como o ministro Paulo Guedes, por exemplo, reagiu quando Bolsonaro disse que queria sim proteger seus filhos e amigos da sanha da PF? Ele falou alguma coisa ou ficou calado? E a ministra da Agricultura, Tereza Cristina? Ela expressou algum espanto quando Abraham Weintraub, da Educação, pediu cadeia para os ministros do STF? Ficou ruborizada?

Será que o astronauta Marcos Pontes, ministro da Ciência, Tecnologia e Etc, mostrou indignação quando sua colega Damares Alves disse que Bolsonaro deveria mandar prender também prefeitos e governadores que determinaram isolamento social? Ou ficou rindo quietinho em seu canto? Não vou perguntar sobre o ministro da Saúde, Nelson Teich, porque este devia estar dormindo. Mas, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, reagiu quando o chanceler Ernesto Araújo chamou o coronavírus de “comunavírus”, culpando a China pelo seu surgimento? Em política, calar e consentir são sinônimos.


Bernardo Mello Franco: Bolsonaro e Aras, amor à primeira vista

Augusto Aras começou como Bolsonaro queria. No dia da estreia, o novo PGR defendeu a reabertura do caso Adélio. O presidente definiu a relação dos dois como “amor à primeira vista”

Augusto Aras começou como Jair Bolsonaro queria. O novo procurador-geral da República tomou posse ontem. No dia da estreia, defendeu a reabertura do caso Adélio Bispo.

O homem que esfaqueou o presidente está num presídio de segurança máxima. Em julho, a Justiça concluiu que ele é incapaz de responder por seus atos. Laudos de três psiquiatras, indicados pela defesa e pela acusação, apontaram um quadro de transtorno delirante.

Os advogados de Bolsonaro não quiseram recorrer, e o processo foi encerrado. Mesmo assim, o presidente continua a alimentar teorias conspiratórias sobre o atentado. Ele se refere a Adélio como “militante de esquerda”, insinuando uma trama política para matá-lo.

Em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, o novo chefe da Procuradoria deu corda ao discurso presidencial. Na contramão da Polícia Federal, Aras disse não acreditar que Adélio tenha agido sozinho. Ele acrescentou que ainda é tempo de “buscar a verdade real” sobre o caso. Não foi a única piscadela a quem o nomeou.

Na posse, Aras disse que a PGR não atuará contra a “nossa cultura judaico-cristã”. Ele já nomeou militantes bolsonaristas para postos-chave. Seu secretário-geral, Eitel Santiago, é da turma que chama golpe de “revolução”. O secretário de Direitos Humanos, Ailton Benedito, defendeu a apreensão de livros com conteúdo LGBT.

Aras também agradeceu o apoio de Meyer Nigri, a quem chamou de “amigo de todas as horas”. Dono da construtora Tecnisa, o empresário foi um dos principais articuladores da campanha do presidente. Ontem soube-se que ele também influenciou a sucessão na PGR.

À vontade, Bolsonaro chamou o procurador de “querido” e definiu a relação dos dois como um “amor à primeira vista”. “Só faltou ele me saudar com o grito de ‘Selva!’”, gracejou, referindo-se à saudação dos quartéis.

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Do ministro Marco Aurélio Mello, no plenário do Supremo, depois de um longo discurso de Gilmar Mendes sobre Lava-Jato, vazamentos do Intercept, direito de defesa, gangsterismo, fetiches sexuais e outros assuntos:

“Presidente, o que estamos a julgar?”


El País: Augusto Aras envia recado à Lava Jato e diz que golpe de 64 é “questão nebulosa”

Aprovado pelo Senado, futuro procurador-geral admite que assinou sem ler manifesto de juristas evangélicos que defende cura gay e família hétero

Augusto Aras foi aprovado nesta quarta-feira no Senado para chefiar a Procuradoria-Geral da República (PGR) pelos próximos dois anos, com 68 votos a favor, 10 contra e uma abstenção. Durante sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, o indicado de Jair Bolsonaro para um dos postos cruciais do Estado brasileiro afirmou que quer afastar "caprichos pessoais" que prejudicam o trabalho da procuradoria e sinalizou vai corrigir "excessos" na Operação Lava Jato, da qual ele exercerá o papel de acusação nos casos em que houver foro privilegiado. "Sempre apontei os excessos, mas sempre defendi a Lava Jato", disse.

Sobre a Lava Jato, o futuro PGR destacou que a operação, que enfrenta uma crise pelas revelações de conversas privadas dos procuradores pelo The Intercept e enfrenta julgamentos decisivos no Supremo, representou um marco no combate à corrupção no país. Sem citar nomes, afirmou que o mérito individual de procuradores deverá ser reconhecido, mas que a confiança deve se voltar para as instituições por causa do princípio da impessoalidade. No que pareceu um recado aos procuradores acostumados a se manifestar nas redes sociais, Aras afirmou que as investigações, quando precedidas e sucedidas de opiniões, levam a condenações prévias das pessoas mencionadas. “É fundamental que os agentes públicos se manifestem nos autos, se manifestem somente na fase da ação penal", disse.

O futuro procurador-geral afirmou que o Ministério Público tem que adotar regras de compliance, governança, transparência e prestação de contas. “Temos uma instituição com muitos sigilos e segredos, e pretendo abrir essa caixa, doa a quem doer. Não posso aceitar que um pequeno grupo corporativo, por 16 anos, estabeleça quem pode ter poder e exercer poder”, afirmou. A meta de Aras é incorporar as boas práticas da Lava Jato em todo o MP. Mas ele garante que operação pode ser aprimorada. “Talvez tenha faltado nessa Lava Jato a cabeça branca, para dizer que têm certas coisas que podem ser feitas, mas têm outras coisas que não podemos fazer”, disse.

Em relação ao coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, que atualmente enfrenta processo administrativo disciplinar no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Aras afirma que é preciso reconhecer o “grande trabalho” que ele fez. Mas ponderou: "Talvez se tivesse lá algum cabeça branca, poderíamos ter feito tudo o que ele fez, com menos holofote”.

Aras criticou os vazamentos de informação, uma estratégia tanto da força-tarefa quanto dos advogados de réus da Lava Jato, por violarem a privacidade, a dignidade da pessoa humana e o artigo 22 do Código de Processo Penal. Também mencionou a anulação no STF da decisão do então juiz Sergio Moro contra Aldemir Bendine, ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras, condenado em 2018 por corrupção e lavagem de dinheiro. A anulação se deu por uma questão técnica: a Corte entendeu que houve cerceamento do direito de defesa do réu, num caso que o Supremo ainda analisa se repercute ou não nas demais sentenças da operação. “Vimos o Supremo anular o processo do Bendine porque não foi dado vista ao delatado. Não custa nada dar três dias ao delatado”, afirmou Aras, que garante que não vai perseguir Dallagnol por “eventuais excessos”. “Vamos tratar o colega dentro da lei”, afirmou.

Amazônia, relações homoafetivas e "cura gay"

Aras pareceu bastante confortável ao ser questionado sobre temas como direitos humanos e diversidade, questões ambientais, lei de abuso de autoridade e autonomia do Ministério Público. Bastante alinhado com as ideias de Bolsonaro, manteve o tom professoral ao defender o desenvolvimento sustentável da Amazônia, porque "há indígenas passando fome porque não têm direito de usar as próprias terras para produzir".

Ele admitiu que há um grupo de indígenas isolados que necessitam de proteção do Estado para que a riqueza de seu "modus vivendi” seja preservado. Porém, ressaltou: “Índio também quer vida boa, não quer pedir esmola. Ele tem 100.000 hectares de terra e não pode produzir, porque é obrigado e a viver como caçador e coletor. Ele tem que ter direito de produzir grãos, pecuária”, afirmou, reverberando um diagnóstico generalista e considerado de viés "integracionista" por especialistas .

Apenas o senador Fabiano Contarato (Rede/ES) conseguiu colocar o indicado de Bolsonaro contra a parede por ter assinado uma carta da Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (ANAJURE). O documento define que “a instituição familiar deve ser preservada como heterossexual e monogâmica” e também prevê que qualquer pessoa tenha direito de “tornar-se paciente em tratamento de reversão sexual”, a chamada "cura gay". “O senhor não reconhece minha família como família, tenho uma subfamília? Essa carta estabelece a cura gay. Eu sou doente?”, perguntou Contarato, ex-delegado de polícia e primeiro senador abertamente gay do país, que é casado e tem um filho de quatro anos.

Aras admitiu que assinou sem ler o manifesto dos juristas evangélicos. “Tenho amigos e amigas que têm casamento homoafetivo (...). Não acredito em cura gay”, afirmou, ressaltando que “cura gay é uma dessas artificialidades que não tem ordem científica”. “Reconheço duas coisas: na medicina — o gênero homem e mulher, e na vida pessoal, a opção de gênero de cada um na idade adequada”, afirmou Aras. Quanto ao tema, no entanto, o  subprocurador-geral fez uma ressalva: destacou que se sentiria mais confortável com a existência de uma legislação com “norma constitucional” onde não se leia mais “homem e mulher”, como ainda é definido hoje na Constituição.

Ascensão fora da lista tríplice

Aras foi o primeiro procurador-geral indicado fora da lista tríplice feita pela categoria desde 2001. A escolha de Bolsonaro sem considerar a demanda dos procuradores da República de indicarem aqueles que consideram os mais preparados para gerir a instituição foi um dos temas mais comuns nas perguntas dos senadores. Aras defendeu o que chamou que “mudança no paradigma com o novo regime de Governo”. Para ele, após 16 anos de experiência da lista tríplice pode-se constatar a “existência de graves defeitos no sistema”. “O paradigma que combatemos é o corporativista e não da unidade institucional”, diz.

O corporativismo, afirmou Aras, estaria na origem de problemas como a tentativa da força-tarefa de criar uma fundação particular para gerir 2,5 bilhões de dinheiro pago como reparação no âmbito da Lava Jato. "O presidente seria um ex-procurador-geral e o vice, o próprio Deltan [Dallagnol]. Isso é uma disfuncionalidade grave do sistema. Quem gere fundos é o poder executivo. Esta não é uma atividade típica do MP", afirmou.


Bernardo Mello Franco: Raquel Dodge merece o Troféu Barrichello

A cinco dias de deixar o cargo, a procuradora-geral da República descobriu que a democracia brasileira corre riscos. “O esforço do século XXI é o de impedir que ela morra”, disse

Raquel Dodge não conquistou a sonhada recondução, mas merece o Troféu Rubinho Barrichello. A cinco dias de deixar o cargo, a procuradora-geral da República descobriu que a democracia brasileira corre riscos. Chegou atrasada, como costumava acontecer com o antigo piloto da Fórmula 1.

Em sua última sessão no Supremo, Dodge denunciou o avanço do autoritarismo no país. Ela pediu que os ministros “permaneçam atentos a todos os sinais de pressão sobre a democracia liberal”.

A procuradora traçou um cenário sombrio para o futuro das liberdades civis. “Se o esforço do século XX foi o de erguer a democracia liberal brasileira, o esforço do século XXI é o de impedir que ela morra”, afirmou.

Ela também alertou contra o surgimento de “vozes contrárias ao cumprimento das leis”. Em outra passagem, disse ter mandado plantar um jardim de camélias “como símbolo contra a opressão”.

“Quero lhes fazer um pedido muito especial. Protejam a democracia brasileira, tão arduamente erguida”, encerrou, depois de um punhado de autoelogios.

A procuradora tem razão ao apontar riscos à Constituição e à independência do Ministério Público. A questão é saber por que ela demorou tanto a notá-los.

Enquanto acreditou que poderia ser reconduzida, Dodge flertou abertamente com o grupo que está no poder. Quando Jair Bolsonaro ameaçou “fuzilar a petralhada”, ainda na campanha eleitoral, ela se recusou a denunciá-lo por injúria. Alegou que a incitação à violência não continha “referência a pessoas”.

Em janeiro, a procuradora festejou o início de “um mandato de mudanças”, que renovaria “a esperança dos brasileiros”. Nos meses seguintes, segurou investigações que envolviam o presidente e virou figurinha fácil em solenidades no Planalto.

Ontem Dodge afirmou que a democracia depende do sistema de freios e contrapesos. Faltou dizer que ajudou a miná-lo em benefício próprio. Na luta pela recondução, ela legitimou a escolha de um procurador-geral fora da lista tríplice e barganhou apoio com políticos que deveria investigar.


Bernardo Mello Franco || Intrigas e dossiês na disputa pela PGR

Bolsonaro diz que opiniões sobre armas e meio ambiente influirão na escolha do novo PGR. O risco é que esses temas virem cortina de fumaça para a indicação de um engavetador-geral

Uma guerra de lobbies, intrigas e dossiês. Assim está a disputa pela Procuradoria-Geral da República. Desde que Jair Bolsonaro sugeriu que não seguiria a lista tríplice, a corrida se deslocou da superfície para os subterrâneos de Brasília. No escurinho dos gabinetes, vale tudo pela indicação presidencial.

A confusão foi gestada pela procuradora Raquel Dodge. Impopular entre os colegas, ela desistiu de disputar a eleição interna. Depois informou que estava “à disposição” para um segundo mandato, com apoio velado de figurões do Congresso e do Supremo.

A atitude encorajou outros candidatos a correr por fora da lista. Até o início da semana, Augusto Aras despontava como favorito. Ele apostou em outro tipo de padrinho: o ex-deputado Alberto Fraga, prócer da bancada da bala e amigo do presidente.

Aras fez de tudo para se mostrar alinhado a Bolsonaro. Elogiou o presidente, esbravejou contra a “ideologia de gênero” e atacou o MST. Quando sua indicação parecia certa, deputados do PSL descobriram que ele não é bolsonarista desde criancinha. Agora o procurador tenta se explicar para os caçadores de comunistas.

O bombardeio contra Aras reacendeu as esperanças de outros candidatos com perfil conservador. Entraram no páreo Paulo Gonet, ex-sócio de Gilmar Mendes, Bonifácio de Andrada, filho de um ex-deputado do PSDB, e Alcides Martins, eminência na maçonaria.

Bolsonaro já disse que opiniões sobre armas, meio ambiente e reservas indígenas vão influir em sua escolha. O risco é que esses temas sirvam de cortina de fumaça para a indicação de um novo engavetador-geral.

O próximo PGR terá poderes para investigar ou blindar o presidente e seus ministros. Também influirá no destino do senador Flávio Bolsonaro, suspeito de embolsar salários de assessores. Por sinal, o Zero Um tem sabatinado os principais candidatos à cadeira.

O modelo de lista tríplice tem problemas, mas joga luz sobre os concorrentes. Eles são obrigados a expor ideias e assumir compromissos com a instituição que desejam comandar. Para quem corre por fora, só é preciso se comprometer com o presidente.


Temer e Moreira Franco

Bernardo Mello Franco: Temer, Moreira e a propina do Galeão

A Procuradoria acusa Moreira Franco de pedir R$ 4 milhões de propina na concessão do Galeão. O dinheiro foi repartido entre Temer e Padilha, dizem os delatores da Odebrecht

Segundo a propaganda da ditadura, o Rio entrava na era do “aeroporto supersônico”. O general Ernesto Geisel festejou a abertura do Galeão como “uma atualização do Brasil com o mundo moderno”. Construído pela Odebrecht, o terminal seria capaz de receber o Concorde, que voava a mais de 2.000 km/h. A obra não foi tão rápida assim. Terminou em 1977, quase três anos depois do previsto.

O aeroporto não demorou a apresentar problemas. No primeiro mês, o alarme de incêndio enguiçou. Depois foi a vez de elevadores e escadas rolantes. Abandonado pela Infraero, o Galeão virou um símbolo da degradação da cidade. Em 2010, o governador Sérgio Cabral o descreveu como “uma rodoviária de quinta categoria”. “É uma vergonha para o povo do Rio”, decretou.

Com a proximidade da Olimpíada, o governo Dilma Rousseff decidiu privatizar o terminal. A Odebrecht voltou à cena e venceu o leilão. “A gente teve a estratégia do Anderson Silva, de liquidar no primeiro lance”, gabou-se o executivo Paulo Cesena, em 2013. Quatro anos depois, ele contou outra história à Lava-Jato. Disse que a concorrência foi direcionada no gabinete de Moreira Franco, então ministro da Aviação Civil.

De acordo coma Procuradoria-Geral da República, o acerto rendeu R$ 4 milhões em propina. Os investigadores dizem que o dinheiro foi entregue a dois aliados indicados por Moreira: o também ministro Eliseu Padilha e o então vice-presidente Michel Temer.

Em outubro, o ministro Edson Fachin enviou o caso à Justiça Eleitoral. Ele aceitou uma alegação da defesa de Padilha: os repasses da Odebrecht teriam sido caixa dois de campanha, e não corrupção. Ontem a procuradora Raquel Dodge recorreu contra a decisão. Sustentou que Moreira exigiu os pagamentos para burlar a concorrência e favorecer a empreiteira .“Translúcida, portanto, a mercancia da função pública”, escreveu.

Se o recurso for aceito, as acusações contra Moreira e Padilha vão na mesa de um juiz de primeira instância. Temer se juntará à dupla em janeiro, ao deixara Presidência. Sema blindagem do foro privilegiado, o processo tende acorrerem velocidade supersônica.


El País: Teste para as instituições às vésperas do voto, batidas nas universidades alarmam o STF

Ministros e procuradora-geral demonstram alarme com medidas das autoridades eleitorais que retiraram faixas "contra o fascismo" e interromperam aulas considerando haver propaganda política irregular. Especialistas apontam violação de liberdades

As ações ordenadas por Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) para fiscalizar supostos casos de campanha irregular em ao menos 35 universidades no país desencadearam uma dura reação da cúpula do sistema de Justiça, num embate institucional que acirra os ânimos às vésperas da eleição presidencial mais polarizada da história recente. Integrantes do Supremo Tribunal Federal, incluindo o presidente Antonio Dias Toffoli, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, condenaram, com mais ou menos ênfase, as batidas nos campi, dizendo que as ações, que chegaram a interromper aulas e retiraram frases "contra o fascismo" sem referência direta a candidatos, podem ter desrespeitado os princípios da liberdade acadêmica e de expressão.

Dodge entrou com um pedido de liminar no Supremo para garantir tanto a liberdade acadêmica como de reunião dos estudantes. Para a procuradora-geral, as ações dos TREs "abstraíram desenganadamente os limites de fiscalização de lisura do processo eleitoral e afrontaram os preceitos fundamentais" da Constituição. O (TSE), responsável por supervisionar o processo eleitoral, teve uma reação inusual e enérgica: em nota, disse que vai coibir "eventuais excessos" e que "a atuação do poder de polícia —que compete única e exclusivamente à Justiça Eleitoral— há de se fazer com respeito aos princípios regentes do Estado Democrático de Direito". A corregedoria da instituição abrirá procedimentos para analisar as decisões localizadas e deve esclarecer se houve coordenação entre elas ou não.

As batidas em série, que afetaram especialmente as manifestações contra o fascismo lidas como referência ao candidato ultradireitista Jair Bolsonaro (opositores e alguns acadêmicos veem em seu discurso traços fascistóides), provocaram uma onda de mal-estar. "Diversos atores do sistema de Justiça tiveram a compreensão de que não havia propaganda eleitoral e de que os atos estão ou estavam no campo da liberdade de expressão e de cátedra, como fica claro na ação da PGR", disse ao EL PAÍS a subprocuradora-geral da República, Luiza Cristina Fonseca Frischeisen.

O desconforto ficou evidente nas declarações de vários ministros do Supremo. As ações acabaram por simular uma espécie de primeiro "teste de estresse" democrático para a instituições num país que pode eleger um candidato de extrema direita no domingo. Poderia a polarização política ter contaminado também os integrantes das principais instituições? Se sim, até que ponto?

Nesta sexta, a Folha de S. Paulo destacava que o juiz eleitoral Rubens Witzel Filho, autor da proibição da aula pública sobre o fascismo na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), no Mato Grosso do Sul, critica frequentemente o PT em suas redes sociais, por exemplo. No entanto, dois policiais federais, dois procuradores e um juiz ouvidos pela reportagem –em condição de anonimato– disseram ao EL PAÍS não ver um componente político claro nas operações em massa contra atos em universidades públicas, ainda que avaliem que boa parte dos membros de suas instituições atualmente demonstrem simpatia pela candidatura de extrema direita.

Inconsistências

Foram registrados ações de policiais que impediram a realização de aulas ou que retiraram faixas ou cartazes em pelo menos 35 instituições públicas federais em todo o Brasil. No Rio de Janeiro, por exemplo, uma decisão judicial determinou que fosse retirada da fachada da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense uma faixa com os dizeres "Direito UFF Antifascista". O juiz que assinou a ordem afirma que a faixa traz conteúdo negativo a Bolsonaro. Na Paraíba, policiais federais foram à sede da Associação dos Docentes da Universidade Federal da Campina Grande para cumprir um mandado que determinava o recolhimento de exemplares de um "Manifesto em defesa da democracia e da universidade pública", bem como suposto material de campanha em favor de Fernando Haddad, candidato pelo PT ao Palácio do Planalto.

O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto, considera que as ações registradas nas faculdades violam o princípio de autonomia das universidades. "Elas [as universidades] são contempladas por um artigo constitucional no sentido do pleno gozo de sua autonomia didático-científica, administrativa e financeira", afirmou Ayres Britto à reportagem. "Num contexto normativo que as tornam um típico espaço de elaboração e manifestação do pensamento crítico. Por lógico desdobramento são detentoras da mais ampla liberdade de expressão".

Há outras inconsistências nos mandados expedidos pelos tribunais regionais, alertam especialistas. Para Roberta Maia Gresta, professora de Direito Eleitoral da PUC Minas, embora a lei eleitoral proíba que se realize campanha dentro das universidades públicas e privadas no país, a Justiça eleitoral não pode confundir manifestações políticas nesses espaços com propaganda de candidatos.

"A partir do momento em que não há menção específica a um partido ou candidato, torna-se delineado um risco, no sentido de que os atos que foram cerceados não correspondem a proibições da legislação", diz a professora. Ela cita como exemplo a retirada da faixa da Universidade Federal Fluminense: "A nossa Constituição é por si só antifascista. Manifestações que apenas endossem uma conduta antifascista nada mais fazem do que atuar nas diretrizes constitucionais", diz.

Alberto Rollo, professor de direito eleitoral do Mackenzie, tem opinião parecida. Se não há vinculação direta com um candidato ou partido, não pode-se falar em campanha irregular. "Se tem uma faixa lá contra o fascismo, não há conotação eleitoral. Se isso aconteceu só porque estava [escrito] 'não ao fascismo', me parece um abuso, um excesso de zelo. Se houver a vinculação a um candidato específico, como o Bolsonaro, aí não pode", afirma.

Tanto Roberta Gresta, da PUC Minas, quanto Cristiano Vilela, especialista em direito eleitoral, apontam ainda que o alcance dessas ações em diferentes universidades representa um caso "inédito" no país. “São decisões que ferem os princípios constitucionais mais valiosos”, ponderou Vilela.


Folha de S. Paulo: Moro foi 'imparcial durante toda a marcha processual', diz PGR em pedido de Lula contra juiz

Defesa queria afastar magistrado da condução do processo do ex-presidente

Por Nathan Lopes, da Folha de S. Paulo

A Procuradoria-Geral da República (PGR) posicionou-se contra o pedido da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para considerar o juiz Sergio Moro suspeito e afastá-lo do processo do sítio de Atibaia (SP) em que o petista é réu na Justiça Federal no Paraná. Para os advogados de Lula, Moro é parcial.

Em parecer apresentado ao ministro Félix Fischer, do STJ (Superior Tribunal de Justiça) —instância em que a petição tramita agora, depois de ter sido negada tanto por Moro quanto pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região)—, o subprocurador-geral da República Nívio de Freitas Silva Filho disse que "Moro se manteve imparcial durante toda a marcha processual".

O subprocurador apresentou o parecer na última segunda-feira (9), um dia após o embate jurídico dentro do TRF-4 em torno de um pedido para a libertação de Lula, que está preso na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba desde abril cumprindo pena relativa ao processo do tríplex.

Para Silva Filho, há uma "insistência infundada" da defesa do ex-presidente com pedidos para afastar Moro de processos de Lula. "Segundo bem assinalado pelas instâncias ordinárias, já foram julgadas improcedentes inúmeras exceções de suspeição".

No início do mês, o jornal "O Estado de S. Paulo" levantou que, no processo do tríplex, a defesa de Lula apresentou 78 recursos questionando ações e condutas.

Na ocasião, a advogada Valeska Teixeira Martins avaliou que a imprensa estaria tentando intimidar a defesa de Lula a não apelar.

A reportagem procurou a defesa de Lula para comentar a decisão, mas ainda não obteve resposta.

REDISCUSSÃO
O subprocurador avalia que o "inconformismo" tem como objetivo "rediscutir indefinidamente os termos da condenação proferida de forma escorreita após ampla ponderação do contexto fático", referindo-se ao caso do tríplex.

Todos os pontos de parcialidade de Moro apontados pela defesa foram refutados pelas instâncias inferiores, salientou Silva Filho. Entre eles, estão comentários sobre a Lava Jato e de que já haveria um pré-julgamento em relação a Lula.

"[As instâncias] concluíram que a defesa não demonstrou a quebra de imparcialidade do magistrado natural da causa. Assim, inviável a declaração de nulidade de todos os atos praticados no curso da ação penal", pontuou o subprocurador.

No documento, o subprocurador ainda comentou que um processo penal estabelece "procedimentos que possibilitem o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa". "A imparcialidade e a transparência são, de fato, pilares do direito processual penal, e o magistrado deve imediatamente declarar-se suspeito de analisar e julgar o feito quando houver motivo que comprometa sua isenção, o que, na hipótese, não ocorre".

O caso ainda deverá ser analisado pelo ministro Fischer. Não há prazo para que a decisão seja proferida.