PGR

Eugênio Bucci: O cerco à universidade

No início do mês a Reitoria da Universidade de São Paulo (USP) recebeu uma representação em nome do procurador-geral da República, Augusto Aras. No documento, os advogados de Aras reclamam de textos publicados na imprensa e nas redes sociais por um professor de Direito da USP, Conrado Hübner Mendes, que, na visão deles, ofenderiam o atual chefe do Ministério Público Federal. A peça jurídica dedica quatro de suas 11 páginas a discorrer sobre o curriculum vitae da autoridade que se declara ofendida; em seguida, enumera o que afirma serem acusações inverídicas; e, ao final, requer que o caso seja levado à Comissão de Ética da USP para as providências que julga devidas.

Com efeito, o professor Conrado Hübner Mendes, doutor em Direito e Ciência Política, embaixador científico da Fundação Alexander von Humboldt, pesquisador reconhecido pelos pares em temas como Direito Constitucional, Poder Judiciário e autonomia acadêmica, tem feito críticas duras ao Supremo Tribunal Federal e ao Ministério Público. Suas colunas semanais no jornal Folha de S. Paulo e seus posts no Twitter alcançam leitores em audiências diversas. A democracia garante-lhe a liberdade de expressão. De outra parte, por óbvio, quem se sinta injustamente atacado tem o direito, também democrático, de buscar formas de reparação. Até aí, nada de novo sob o sol – ou nada de novo sob a treva que nos tem sido mais frequente.

Há algo de impróprio, no entanto, na representação feita à USP em nome do procurador-geral, que solicita à cúpula universitária a punição de manifestações públicas de um dos seus docentes. São dois os equívocos.

O primeiro está na tentativa de transformar a universidade pública, que se define como um polo social e material de liberdade, em órgão de vigilância de opinião. Pleitear tal aberração é o mesmo que esperar que o sol esfrie os corpos na Terra. Não há razão nesse pedido. Mais ainda, não há nele a mínima compreensão do que seja a institucionalidade democrática.

O segundo equívoco decorre do primeiro, e o complica ainda mais. Os advogados que assinam a representação parecem não ter assimilado o conceito de autonomia universitária. Eles se dirigem à cúpula da USP mais ou menos como se fossem, no velho jargão dos despachantes de porta de cadeia, o sujeito que vai “dar parte” na delegacia, ou como um estudante de colégio interno que delata os colegas para o inspetor de alunos. Essa postura não cabe na vida universitária de uma sociedade democrática, não é assim que funciona.

Quando se diz que a universidade tem autonomia, o que se quer dizer, se é que ainda não estava claro, é que a universidade não deve obediência a autoridades que lhe sejam externas. Um ministro de Estado, um cardeal, um pai de santo ou um general não podem dar ordens às instâncias universitárias, pois não têm atribuições para pautá-las. Por certo, a universidade tem o dever de prestar contas à sociedade e a todos os órgãos de controle, mas não se subordina a nenhum comando externo, muito menos quando lhe cobram que enquadre o pensamento livre.

Por isso, a representação é equivocada. Seria apenas uma peça inoportuna e desajeitada caso vivêssemos no País uma situação normal. Como estamos naufragados num contexto de atordoante anormalidade, ela nos traz preocupações maiores. Embora possa não ter sido essa a intenção dos advogados, a peça que eles assinam aterrissa na mesa do reitor com sinais de ameaça. Talvez não seja esse o propósito do procurador-geral, mas na quadra da História em que nos encontramos e nos perdemos fica no ar um travo de intimidação. É algo que não está dito, mas pode muito bem estar pressuposto.

Olhemos o entorno. A todo momento a Lei de Segurança Nacional tem sido brandida contra jornalistas, chargistas, artistas e intelectuais. Em março, dois professores da Universidade Federal de Pelotas, Pedro Hallal e Eraldo dos Santos Pinheiro, foram constrangidos a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) por terem criticado o governo federal. Em níveis diversos, proliferam os torniquetes orçamentários contra a educação superior, que prejudicam mais o campo das humanidades, justamente onde mais pipocam ideias críticas e incômodas. As investigações policiais que atingem a administração universitária se paramentam de notas sensacionalistas e espetaculosas, como a primeira fase da Operação Torre de Marfim (o nome escolhido já diz tudo acerca de uma certa sanha antiacadêmica), cuja prepotência trouxe de arrasto a tragédia, com o suicídio do então reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier, em 2017.

Naquele ano, o cerco em torno de pesquisadores, cientistas e intelectuais ligados à educação superior no Brasil crescia em brutalidade e arrogância, numa trilha de retórica violenta que em 2018 desfraldaria as bandeiras do bolsonarismo. Agora a universidade é bombardeada a todo tempo pelo poder, como se fosse inimiga da Pátria. Nesta hora infeliz, a representação do procurador-geral contra a USP vem piorar o ambiente.

*Jornalista, é professor da ECA-USP

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,o-cerco-a-universidade,70003720292


Bernardo Mello Franco: A mutação dos bolsonaristas

A CPI da Covid produziu uma mutação nos bolsonaristas. Diante dos senadores e das câmeras de TV, os defensores do capitão perdem subitamente a valentia. Passam a falar baixo, renegam suas bravatas e fingem esquecer o que já disseram.

Na semana passada, o fenômeno ocorreu com Fabio Wajngarten. Conhecido pela agressividade nas redes sociais, o publicitário afinou ao usar o microfone. Adotou um tom humilde, quase servil, para tentar escapar ileso do depoimento.

O ex-secretário de Comunicação se disse vítima de “boatos maldosos” sobre a intermediação da compra de vacinas. No entanto, perdeu a memória ao ser questionado sobre um termo usado pelo ex-ministro Eduardo Pazuello. “Não sei nem o que significa pixulé”, desconversou. “Melhor assim, não é?”, ironizou o senador Renan Calheiros.

Ontem a foi a vez de Ernesto Araújo sofrer um surto de amnésia. Pivô de múltiplas crises com a China, o ex-chanceler jurou que nunca criou atritos com Pequim. Renegou até o artigo em que se referiu ao coronavírus como “comunavírus”, endossando a teoria conspiratória de que os chineses teriam lucrado com a pandemia. “Vossa excelência renega o que escreveu. Aí, não dá!”, protestou o senador Omar Aziz.

Em outro momento, Ernesto disse que o ideólogo Olavo de Carvalho não era o guru da sua política externa delirante. “O senhor de fato é um homem muito ousado, muito corajoso”, debochou a senadora Kátia Abreu, antes de chamar o ex-ministro de “negacionista compulsivo”.

Apesar dos recuos e das gaguejadas, Wajngarten e Ernesto não conseguiram blindar o chefe. O publicitário admitiu que Jair Bolsonaro ignorou ofertas de vacinas da Pfizer. E o ex-chanceler confirmou que o presidente deu ordens para negociar a importação de cloroquina.

Ernesto deixou claro que sua gestão estava mais empenhada em travar lutas ideológicas do que em salvar vidas. Por discordar do governo da Venezuela, o ministro se negou a colaborar com o transporte de cilindros de oxigênio de Caracas para Manaus. Depois que a doação chegou, ele se recusou a dar um mísero telefonema para agradecer.

PF laçou a boiada de Ricardo Salles

A Polícia Federal laçou a boiada de Ricardo Salles. O ministro do Meio Ambiente foi o principal alvo da operação deflagrada nesta manhã. A polícia investiga sua participação num esquema de exportação ilegal de madeira.

A ação apura crimes de corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando. O ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Salles. Ele também afastou o presidente do Ibama, Eduardo Bim.

O governo de Jair Bolsonaro subverteu a razão de ser do Ministério do Meio Ambiente. Desde a posse do capitão, a pasta foi capturada por interesses econômicos ligados à exploração predatória dos recursos naturais.

Em vez de proteger as florestas, a gestão de Salles estimulou a ação de desmatadores, grileiros e garimpeiros. Na reunião ministerial de abril de 2020, ele escancarou sua estratégia: aproveitar a pandemia para ir “passando a boiada”. Era uma referência ao desmonte da legislação e dos órgãos ambientais no Brasil.

Em tempos normais, a operação da PF levaria à demissão imediata do ministro do Meio Ambiente. Como estamos no governo Bolsonaro, é preciso esperar para ver. A política antiambiental de Salles não é uma obra de um homem só. Estava sempre deixou claro que cumpre ordens do presidente.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/bernardo-mello-franco/post/mutacao-dos-bolsonaristas.html


O Globo: Operação da Polícia Federal foi ‘exagerada’ e ‘desnecessária’, diz Salles

Daniel Gullino, O Globo

BRASÍLIA — O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que a operação da Polícia Federal (PF) da qual foi alvo foi “exagerada” e “desnecessária”. Salles disse que ele e todos os funcionários do ministério sempre estiveram a disposição para prestar esclarecimentos.

— Fazendo aqui uma manifestação de surpresa com essa operação que eu entendo exagerada, desnecessária. Até porque todos, não só o ministro, como todos os demais que foram citados e incluídos nessa investigação, estiveram sempre à disposição para esclarecer quaisquer questões — disse o ministro, na saída de um evento em Brasília.

Relatório do Coaf:  PF apontou participação de Salles em ‘esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais’

De acordo com Salles, o relator do inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, foi induzido ao erro pela PF. A corporação descreveu a “existência de grave esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais” envolvendo Salles e servidores públicos do ministério e do Ibama.

— Entendemos que esse inquérito, o pouco que sabemos, não tive acesso ainda, ele foi instruído de uma forma que acabou induzindo o ministro relator a erro, induzindo justamente  dar impressão que houve ou teria havido possivelmente uma ação concatenada de agentes do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente para favorecer ou para fazer o destravamento indevido do que quer que seja. Essas ações jamais, repito, jamais, aconteceram.

O ministro, que esteve no Palácio do Planalto na manhã desta quarta, disse que afirmou ao presidente Jair Bolsonaro que “não há substância nenhuma” nos fatos investigados:

— Expliquei ao presidente do que se trata. Expliquei que, na minha opinião, não há substância nenhuma das acusações. Embora eu não conheça os autos já sei qual é o assunto que se trata e me parece que esse é um assunto que vai ser esclarecido, ou que pode ser esclarecido com muita rapidez.

Segundo informações apresentadas pela PF nos autos, a investigação começou a partir de documentos produzidos pela embaixada americana no Brasil, especialmente pelo adido do órgão equivalente ao Ibama nos EUA, o Serviço de Pesca e Vida Selvagem, Bryan Landry. Os documentos informavam a apreensão, no Porto de Savannah, no estado da Geórgia, nos EUA, de três cargas de produtos florestais sem a respectiva documentação.

De acordo com Salles, o Ibama considerou na época que a norme que a regra que teria sido desrespeitada já deveria ter sido alterada:

— Essa questão dos Estados Unidos foi uma carga, aparentemente, até onde eu sei, foi uma carga que foi exportada e quando chegou nos Estados Unidos, eles pediram documentos que não constavam. A presidência do Ibama entendeu, analisando o caso concreto, que a regra estava sendo invocada, era uma regra que já deveria, naquela altura, ter sido alterada e dessa forma técnica, aparentemente, agiu.

Fonte:

O Globo

https://oglobo.globo.com/sociedade/meio-ambiente/operacao-da-policia-federal-foi-exagerada-desnecessaria-diz-salles-25024601

 


Metrópoles: Presidente do Ibama esvaziou órgão e perseguiu servidores, aponta PF

Tácio Lorran, Metrópoles

O presidente afastado do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eduardo Fortunato Bim, é suspeito de ter esvaziado setores de fiscalização do órgão e promovido uma política de perseguição contra servidores.

Bim é alvo da Operação Akuanduba, deflagrada nesta quarta-feira (19/5) pela Polícia Federal (PF) para apurar participação de agentes públicos em um suposto esquema criminoso de exportações ilegais de madeira.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes autorizou o afastamento de nove agentes públicos do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama – entre eles, o presidente do órgão, Eduardo Bim. O ministro de Estado Ricardo Salles é alvo de mandados de busca.

Moraes narra, ao autorizar a operação, que “a autoridade policial aduziu que os depoimentos colhidos demonstraram, em tese, uma gestão [de Bim] voltada ao esvaziamento do órgão sob seu comando (especialmente dos setores incumbidos da fiscalização) e uma franca política de perseguição contra os servidores que a ela se oponham, em verdadeiro descompasso com o seu cargo”.

Mais sobre o assunto

O presidente do instituto também participou de uma reunião com representantes da Confloresta e Aimex, além de um diretor da Tradelink Madeiras e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em fevereiro de 2020.

Essas empresas foram alvos de apreensões de produtos florestais exportados ilegalmente aos Estados Unidos. Logo após o encontro, houve “o atendimento integral da demanda formulada pelas duas entidades, […] legalizando, inclusive com efeito retroativos, milhares de cargas expedidas ilegalmente entre os anos de 2019 e 2020”.

Metrópoles apurou que parte dos servidores do Ibama se mostrou contrário à decisão tomada pelo órgão, para facilitar a exportação ilegal de madeiras.

A PF também narra que o ministro Ricardo Salles desfavoreceu esses servidores.

“Na sequência da aprovação desse documento e revogação da norma, servidores que atuaram em prol das exportadoras foram beneficiados pelo ministro com nomeações para cargos mais altos, ao passo que servidores que se mantiveram firmes em suas posições técnicas, foram exonerados por ele”.

Fonte:

Metrópoles

https://www.metropoles.com/distrito-federal/meio-ambiente/presidente-do-ibama-esvaziou-orgao-e-perseguiu-servidores-aponta-pf


O Globo: PGR diz que não foi consultada sobre operação da PF contra Ricardo Salles

Aguirre Talento e Jussara Soares, O Globo

BRASÍLIA – A operação da Polícia Federal contra o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, deflagrada nesta quarta-feira, foi realizada sem uma consulta prévia ao procurador-geral da República Augusto Aras, como é a praxe nos procedimentos do tipo. Em seu despacho que autorizou a operação, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou que a Procuradoria-Geral da República (PGR) fosse informada do caso apenas após o cumprimento das diligências.

Após operação da PF:   Salles vai ao Planalto se reunir com Bolsonaro

Nos bastidores, fontes ligadas à investigação apontam que a PGR não foi informada previamente por receio de que Aras vazasse informações da operação para o Palácio do Planalto. Os investigadores também viam riscos de que o procurador-geral atuasse contra a realização da operação.

A decisão de não enviar previamente o caso para análise da PGR foi do ministro Alexandre de Moraes. “Após o cumprimento das diligências, dê-se, imediata ciência à Procuradoria-Geral da República”, escreveu Moraes, no despacho proferido no último dia 13 de maio.

Após tomar conhecimento da operação pela imprensa, a equipe de Aras divulgou uma nota com críticas ao procedimento adotado, sem citar nominalmente o ministro de Moraes. A PGR afirmou que “não foi instada a se manifestar sobre a medida, o que, em princípio, pode violar o sistema constitucional acusatório”.

Nos bastidores, o ministro Alexandre de Moraes minimizou as cobranças da PGR e vai responder nos autos caso Aras apresente alguma objeção.

Meio Ambiente: PF faz operação contra Ricardo Salles e presidente do Ibama é afastado do cargo

Geralmente, quando a PF solicita uma medida ao Supremo, o ministro pede um parecer da PGR a respeito do pedido policial. Só depois desse parecer do Ministério Público é que a operação costuma ser realizada. A mudança desse procedimento causou estranheza em integrantes da equipe de Aras.

Considerado um aliado por Bolsonaro, Aras analisa desde o final de abril um pedido de investigação contra Salles, protocolado no STF pelo ex-superintendente da PF do Amazonas, mas pediu explicações ao ministro antes de decidir se solicitaria a abertura de inquérito. A lentidão do PGR neste caso provocou desconforto entre investigadores da Polícia Federal

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Fonte:

O Globo

https://oglobo.globo.com/sociedade/pgr-diz-que-nao-foi-consultada-sobre-operacao-da-pf-contra-ricardo-salles-25024405

 


Bernardo Mello Franco: Engavetador em campanha

Um assessor parlamentar deposita R$ 89 mil na conta da primeira-dama. Quando a história vem à tona, o presidente diz que o dinheiro era para ele. Ao ser questionado sobre o motivo dos cheques, o político se descontrola. Fecha a cara, solta palavrões e ameaça agredir o jornalista com um soco na boca.

A pergunta do repórter do GLOBO ganhou as redes sociais: “Presidente, por que sua esposa, Michelle, recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz?”. Nove meses depois, Jair Bolsonaro ainda não se dignou a respondê-la. Se depender da Procuradoria-Geral da República, continuará em confortável silêncio.

Na segunda-feira, o procurador Augusto Aras rejeitou abrir inquérito sobre o caso. Ele afirmou ao Supremo que não vê “lastro probatório mínimo” contra o capitão. O parecer contrariou o advogado Ricardo Bretanha Schmidt, autor do pedido de investigação. “Quando se trata do presidente, a PGR nunca tem disposição de elucidar os fatos”, protesta.

Desde que foi nomeado por Bolsonaro, Aras se comporta como um aliado do governo. Virou o novo engavetador-geral da República, título inaugurado por Geraldo Brindeiro na Era FH. O procurador já arquivou múltiplas representações contra o presidente. Entre outras coisas, recusou-se a investigar os desmandos na pandemia e o uso da Lei de Segurança Nacional contra opositores.

Em janeiro, a submissão de Aras ao Planalto tirou seus colegas do sério. Numa cobrança pública, seis integrantes do Conselho Superior do Ministério Público escreveram que ele “precisa cumprir o seu papel de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e de titular da persecução penal”. Em outra frente, a Associação Nacional dos Procuradores da República afirmou que “a sociedade brasileira não admite omissão neste momento”.

A fidelidade de Aras a Bolsonaro tinha um motivo conhecido: ele sonhava ser nomeado ministro do Supremo. Como o capitão prometeu a vaga a um jurista “terrivelmente evangélico”, o procurador teve que mudar os planos. Virou candidato a um segundo mandato na PGR. Em 2019, ele convenceu o presidente a nomeá-lo fora da lista tríplice. Agora está em campanha para repetir a dose em setembro.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/bernardo-mello-franco/post/engavetador-em-campanha.html


Maria Cristina Fernandes: A boiada entalada na porteira

Liberação de cultos embute disputa pela vaga no Supremo

A velocidade com a qual fluem os cadáveres da covid-19 é inversamente proporcional ao represamento dos embates produzidos na pandemia pelo processo que o ministro do Meio Ambiente, na reunião ministerial revelada há um ano, chamou de “passar a boiada”. Parlamentares, ministros, juristas e, principalmente, o presidente da República se valeram da pandemia para impor sua agenda sobre um país de ruas esvaziadas e cidadãos crescentemente amedrontados pelo vírus. São tantos e tão gordos os animais que estão a passar pela porteira que a boiada entalou.

Os rebanhos mais visíveis estão no Executivo, mas vêm dos Três Poderes. No Judiciário, a disputa pela substituição do ministro Marco Aurélio Mello congestionou a porteira. As tratativas para a escolha influenciam a pauta e movem os arranjos internos no Supremo Tribunal Federal. A sessão de ontem foi um exemplo disso. Estava em pauta a liberação de cultos religiosos, mas o que estava em jogo mesmo era a ofensiva do ministro Kassio Nunes Marques sobre as prerrogativas de Gilmar Mendes como principal interlocutor do presidente no preenchimento das vagas dos tribunais.

O próprio Nunes Marques foi submetido pelo presidente a um beija-mão de Mendes em outubro do ano passado antes de sua nomeação. Agora se arvora a disputar espaço com aquele que avalizou sua escolha. Está em jogo a sobrevivência política e a liberdade de Bolsonaro e de seus filhos. Por isso são tão gordos os bois que se espremem na porteira. O presidente vê no agrado aos evangélicos o caminho para a mobilização de uma base de eleitores que, durante a pandemia, ficou ainda mais dependente espiritualmente das lideranças religiosas. É a aposta que faz para neutralizar, neste segmento, danos sobre sua imagem advindos do genocídio que podem atingi-lo até mesmo antes da eleição.

A escolha de Nunes Marques foi marcada pela tentativa de Bolsonaro de construir um condomínio de lealdades com Mendes e o Centrão. O aval dos evangélicos à nova escolha só demonstra um presidente mais isolado e menos confiante nos demais poderes. Foi ante este isolamento que Nunes Marques resolveu ganhar terreno. Primeiro na suspeição de Sergio Moro e agora, na liberação de cultos religiosos.

O procurador-geral da República, Augusto Aras viu o pêndulo de forças se mexer, saiu da sombra de Gilmar Mendes e passou a disputar com o advogado-geral da União, André Mendonça, que tem a preferência de Bolsonaro, o apoio de Nunes Marques. Ambos apresentaram sua candidatura ontem defendendo o direito de os fiéis morrerem pela fé. Mendonça foi chamado de delirante por Mendes e Aras, de cambiante. Já se sabem derrotados, mas imaginam ganhar, mesmo perdendo, a gratidão dos evangélicos e do presidente a quem buscam agradar.

O desespero pela vaga vai além e ameaça avançar, na próxima semana, sobre o habeas corpus que anulou os julgamentos da 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba. Nunes Marques ganhou apoio de Aras para a tentativa de reverter a anulação decidida pelo ministro Edson Fachin e alimenta a esperança de ter o voto de Luiz Fux. No limite, porém, pode conseguir mais um voto, de Marco Aurélio Mello, mas dificilmente será capaz de reverter a decisão que recolocou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no jogo.

Contra as provocações de Nunes Marques, bancadas por Bolsonaro, Mendes tem o poder de mandar de volta para a primeira instância os processos contra o senador Flávio Bolsonaro, onde não demoraria a sair um mandado de prisão. Dificilmente o fará antes que a vaga no STF esteja definida. Como disse ontem em seu contundente voto em defesa da ciência, “os bobos ficaram fora da Corte”.

Até o voto contra a suspeição, Nunes vinha aderindo ao pelotão dos garantistas da Segunda Turma. Interessa a Mendes que continue a fazê-lo, mas, principalmente, que a próxima vaga não seja preenchida por alguém com os (ou a falta de) predicados de Nunes Marques. Por isso, limitou-se a mostrar ao presidente o custo de voltar a nomear um ministro cujo único ativo seja o de se lhe mostrar leal.

O Judiciário não é o único Poder a estreitar a porteira. O jogo no Orçamento é um boi gordíssimo. Se o presidente sancioná-lo do jeito que está incorre em crime de responsabilidade. Se vetá-lo, os parlamentares o lembrarão dos mais de 100 pedidos de impeachment engavetados na mesa diretora da Câmara. Mas o Centrão esticou a corda nas emendas porque não pretende pautar a cassação do presidente e confia no acolhimento, pelo Tribunal de Contas da União, de que dois e dois são cinco.

Enfrentarão a rebeldia dos técnicos do TCU que, no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, enfrentaram sindicância interna por não terem alertado sobre a criatividade criativa. Não o fizeram porque nunca o haviam agido com tanto rigor em relação a outros governos, mas agora, escaldados, não abrirão mão de denunciá-la. A saída apontada é a renovação da calamidade pública, a mesma que permitiu ao governo gastos de mais de R$ 600 bilhões incapazes de impedir que a pandemia atingisse o atual descalabro. Terá sido, certamente, o genocídio mais caro da história.

Os parlamentares, liderados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), esperam compensar o rombo em sua imagem, provocado pelo Orçamento, com a mudança no projeto de compra privada das vacinas. Mantiveram a doação de metade das doses ao SUS mas introduziram a esperteza de importação sem aval pela Anvisa, o que impedirá a repartição.

O projeto, aprovado pela Câmara, segue para o Senado. Agradará a uma parte dos empresários, especialmente aqueles que ainda estão na canoa de Bolsonaro, mas não a todos. É, porém, um tiro no pé para as campanhas eleitorais de renovação dos mandatos parlamentares. O eleitor não gostará de saber que perdeu um parente porque um endinheirado lhe tomou o lugar na fila da vacinação. Os parlamentares se associaram à barbárie bolsonarista e, para evitar a reprimenda do eleitor, estão dispostos até mesmo a mudar o sistema eleitoral. É um dos próximos bois que está por chegar à porteira, mas está longe de ser o último.


Igor Gielow: Fachin recoloca espantalho de Lula no campo, e Bolsonaro agradece

Acossado, presidente contava com a previsível volta do petista ao páreo; até Moro sai ganhando

O espantalho predileto do eleitorado conservador do Brasil, ao menos aquele que levou Jair Bolsonaro à Presidência em 2018, está de volta ao campo da política: Luiz Inácio Lula da Silva.

A decisão que devolveu ao líder petista seus direitos políticos, salvo alguma decisão adversa, era esperada por aliados de Bolsonaro desde que o desmonte da Operação Lava Jato foi consumado ao longo de seus dois anos de mandato.

A desmoralização da operação, primeiro a partir de revelações constrangedoras de conversas entre seus integrantes e segundo, pela ação institucional da ala garantista do Supremo Tribunal Federal em conjunto com a Procuradoria-Geral da República e o Palácio do Planalto, fez tornar a volta de Lula ao páreo óbvia.

Não se trata de análise de mérito jurídico, e sim de lógica política. O petista na urna eletrônica do ano que vem é o sonho de consumo de um Bolsonaro que acumula más notícias devido a seu manejo da pandemia da Covid-19.

Acossado sob acusações que chegam a de promover um genocídio, enfrentando um levante de governadores com apoio ainda ensaiado no Congresso, o presidente irá se fiar no velho e bom antipetismo que o ajudou ao chegar ao Planalto.

Há uma lenda política segundo a qual Lula seria imbatível em 2018, e que a Lava Jato trabalhou para retirá-lo da eleição. Se a segunda parte pode ser verdade, a primeira é absolutamente discutível.

Toda a análise de intenção de voto estratificada daquele ano mostra que o apoio a Bolsonaro estava bastante espraiado, e se misturava em parte com o espírito antipolítico ensejado pelos anos de revelações de corrupção por parte da Lava Jato.

E não parece ser o caso de esquecer que a política a ser rejeitada naquele momento tinha identificação imediata com quem ocupara o poder federal por longos 13 anos, até o impeachment de 2016.

Mesmo o governo Temer, à exceção do expurgo de petistas, contava com a mesma base de apoio de Lula e Dilma Rousseff.

O pleito municipal de 2020, ainda que não seja um farol objetivo para 2022, sinalizou um movimento importante: o refluxo da antipolítica, mas não do antipetismo. Os resultados pífios do partido de Lula e de outras siglas de esquerda falam por si.

Isso não tira, claro, o potencial de Lula, o mais popular presidente da história recente do Brasil e ator inescapável de qualquer avaliação séria sobre a realidade política. Mas seu peso, especialmente após deixar a condição de mártir do Lula Livre na cadeia, decaiu bastante em termos relativos.

Não se viu dele nenhum movimento efetivo que não fosse o de guardar a cadeira de candidato da esquerda em 2022, contando, para ficar na máxima de Romero Jucá, "com o Supremo, com tudo". Inclusive Bolsonaro.

Se o cálculo do presidente está certo, é algo que pouco mais de um ano e meio até a eleição vai dizer. Mas ele faz todo sentido: Lula coloca Bolsonaro numa posição confortável de polo oposto. O mercado, que andou aborrecido com as cores verdadeiras mostradas pelo presidente após apoiá-lo, já tremeu de novo.

Choro e ranger de dentes sobram para a centro-direita, que busca ser chamada de centro enquanto não encontra um candidato natural para 2022. Ele seria o governador paulista, João Doria (PSDB), que tem o trunfo da Coronavac e do combate à pandemia para apresentar.

Mas nem o tucanato, nem seus aliados, têm mostrado disposição de entregar o bastão ao paulista neste momento. Alimentam-se assim nomes alternativos sem densidade, como Eduardo Leite (PSDB-RS) e o sempre presidenciável apresentador Luciano Huck (sem partido).

Ciro Gomes (PDT) continua em sua marcha de terceira via que nunca passa do terceiro lugar, e Marina Silva (Rede) evaporou, como costuma ocorrer entre os pleitos presidenciais desde 2010.

Todo esse pelotão terá um trabalho hercúleo para se posicionar caso Lula de fato esteja na disputa com Bolsonaro. O benefício da dúvida é para um nome que vinha sendo considerado fora do jogo, o do ex-ministro Sergio Moro.

LEIA MAIS SOBRE A DECISÃO DE FACHIN E AS ACUSAÇÕES CONTRA LULA

  1. Fachin anula condenações de Lula na Lava Jato, e petista retoma direitos eleitorais; siga ao vivo
  2. Entenda a decisão de Fachin e seus impactos sobre condenações e candidatura de Lula
  3. Entenda a situação de cada processo de Lula na Justiça com a reviravolta no STF

Símbolo da Lava Jato, o ex-juiz foi poupado de um vexame previsível, o de ver ser considerado suspeito em suas condenações de Lula. A decisão de Fachin, lava-jatista na origem, acabou com o objeto do julgamento para o qual Gilmar Mendes preparava um auto-de-fé de Moro.

Assim, talvez com algum tempo, possa lustrar sua imagem. Se for candidato, roubaria votos de Bolsonaro, gerando a curiosa situação na qual poderia ajudar Lula na eleição.

Contra todas essas especulações, o óbvio: no Brasil, realidades políticas mudam tanto quanto jurisprudências.

Será interessante ver a reação da cúpula militar, escaldada pelo detalhamento do episódio em que o então comandante do Exércio Eduardo Villas Bôas pressionou o Supremo a não conceder habeas corpus para evitar a prisão de Lula, em 2018.

Se há dois anos Bolsonaro estaria a esbravejar contra Fachin, hoje terá algo a celebrar com a vitória de seu opositor preferido.


Correio Braziliense: PGR vai recorrer após Fachin anular condenações de Lula

Assessoria de imprensa da Procuradoria-Geral informou que o recurso será preparado pela subprocuradora-geral Lindôra Maria de Araújo, braço-direito do procurador-geral Augusto Aras e responsável pelos processos da Lava Jato no STF

A Procuradoria-Geral da República (PGR) informou nesta segunda-feira (8/3) que vai recorrer da decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), de anular as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Relator da Lava-Jato na Corte, o ministro atendeu a um pedido da defesa do petista e retirou os casos da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, onde atuava o ex-juiz Sérgio Moro. No entendimento de Fachin, os processos não deveriam tramitar no Paraná.

Além das decisões de Moro, que condenou Lula no caso do triplex do Guarujá, Fachin também anulou os atos proferidos pela juíza Gabriela Hardt, responsável pela sentença no caso do sítio de Atibaia. O despacho do ministro, porém, deixa margem para que, em Brasília, o novo juiz titular do caso valide todos os atos praticados pela 13ª Vara.

A assessoria de imprensa da Procuradoria-Geral informou que o recurso será preparado pela subprocuradora-geral Lindôra Maria de Araújo, braço-direito do procurador-geral Augusto Aras e responsável pelos processos da Lava Jato no STF.O órgão não deu detalhes sobre quais pontos da decisão serão contestados. Já a assessoria de imprensa do Ministério Público Federal do Paraná, que apresentou as denúncias, não se manifestou.

O atual coordenador da Operação Lava Jato no Paraná, Alessandro Oliveira, disse que não irá comentar a decisão de Fachin. Questionado sobre o impacto da decisão, Oliveira disse avaliar como "grande", mas que ainda seria preciso estudar a decisão. Procurado por telefone, o ex-coordenador da Força-Tarefa, Deltan Dallagnol, não se manifestou até o momento.

Além da Justiça Federal no Paraná, as sentenças foram confirmadas na segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. A ação penal do triplex foi também validada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em janeiro de 2018.

Em abril daquele ano, Lula foi preso, graças ao entendimento de então do STF que permitia o início da pena logo após condenações em segunda instância. Foi solto em novembro de 2019, quando o Supremo reviu a jurisprudência sobre o tema.


Merval Pereira: E la nave va

Em novembro de 1993, a Polícia Federal encontrou na casa do diretor de relações institucionais da Odebrecht em Brasília, Ailton Reis, documentos que implicavam 350 políticos em esquema de corrupção na distribuição de verbas do Orçamento da União para empreiteiras.

O material acabou sendo neutralizado por erros banais cometidos pelo senador José Paulo Bisol, membro da CPI do Orçamento. Bisol trocou algumas siglas da Odebrecht, como DDPA, que significava “Dirigentes de Países”, por “Dirigentes Políticos de Áreas”. Foi desmoralizado. O escândalo se esvaneceu rapidamente dentro do Congresso.

Anos depois, em 2009, aconteceu a operação Castelo de Areia, contra a empreiteira Camargo Corrêa, que teve quatro diretores presos. Os documentos indicavam que a empresa usava doleiros e contas no exterior para pagar propina para autoridades públicas e políticos de sete partidos.

Em 2010, o advogado Márcio Thomaz Bastos conseguiu que o ministro do STJ Cesar Asfor Rocha, depois acusado por Palocci de ter recebido propina por essa sentença, anulasse toda a investigação, sob a alegação de que partira de uma fonte anônima. O ponto fora da curva aconteceu no chamado mensalão do PT, ocorrido em 2005, que levou à prisão empresários e políticos, condenados pela primeira vez pelo Supremo Tribunal Federal.

Em março de 2014 começou a Operação Lava-Jato, enterrada oficialmente no dia 4 deste mês, com a decisão do procurador-geral da República, Augusto Aras, de desmontar a força-tarefa que funcionava em Curitiba havia sete anos, a maior e mais exitosa operação de combate à corrupção no país, que retomou todos esses escândalos anteriores, colocou na cadeia empreiteiros e políticos, que desde sempre financiaram relações políticas corruptas. Inclusive o ex-presidente Lula, que agora luta na Justiça para anular suas condenações, da mesma maneira que historicamente foram anuladas todas as investigações sobre corrupção política no país.

No julgamento sobre o acesso da defesa de Lula às mensagens roubadas dos procuradores da Lava-Jato por hackers, o ministro Edson Fachin disse que o recurso não poderia ter sido enviado a Ricardo Lewandowski, pois ele, sim, é o ministro responsável. O Ministério Público classificou a manobra de “burla da relatoria”.

O voto da ministra Cármen Lúcia tem um sentido que transcende a disputa política, baseado numa simples questão: todos tiveram acesso a essas informações, então a defesa de Lula poderia ter também. O que não quer dizer, segundo a ministra, que sejam legais.

Acredito que o plenário decidirá pela ilegalidade delas, mas não terá importância, porque os diálogos já foram divulgados. Por isso, a defesa de Lula anunciou ontem que não os usará no julgamento da parcialidade do então juiz Moro. O objetivo já foi alcançado: dar visibilidade aos diálogos roubados, que não foram periciados, para influir na opinião pública e nos ministros do STF.

Fazem o que acusam Moro de ter feito, ao divulgar o diálogo entre a então presidente Dilma Rousseff e Lula, que impediu a manobra de colocá-lo no Gabinete Civil, blindado da Justiça. Há até uma interpretação hilária de um dos diálogos, em que o procurador Dallagnol recebe nos Estados Unidos a informação da condenação de Lula. “Dallagnol na Disney enquanto aqui Lula é condenado”, brinca um dos procuradores. Dallagnol responde “Presente da CIA”.

Petistas alegam que ele está confessando que a prisão foi um presente da CIA, quando está claro que está gozando a mania de dizerem que os procuradores trabalham para CIA e que ir à Disney teria sido uma recompensa.

Há quem veja nos diálogos revelação de que o jornalismo profissional colaborou acriticamente com a Operação Lava-Jato. Mas e os que colaboram com o petismo para inocentar Lula de todas as acusações, seriam esses os verdadeiros jornalistas? O caso agora virou uma luta política de narrativas. Durante cinco anos, prevaleceu a da Lava-Jato. A reação do establishment político veio, como aconteceu na Itália das Mãos Limpas. Nada indica que seja o fim, como disse o ministro Edson Fachin.

#ficaimprensa


Cristina Serra: A praga do jornalismo lava-jatista

A operação corrompeu e degradou amplos setores do jornalismo

Quando começou, em 2014, a Lava Jato gerou justificadas expectativas de combate à corrupção. Revelou-se, no entanto, um projeto de poder e desmoralizou-se em meio aos abusos e ilegalidades cometidas por Moro, Dallagnol e a força-tarefa.

Além de afrontar o ordenamento jurídico e ajudar a corroer a democracia, a Lava Jato também corrompeu e degradou amplos setores do jornalismo; em alguns casos, com a ajuda dos próprios jornalistas, como a Vaza Jato já havia mostrado e agora é confirmado nas conversas liberadas pelo ministro do STF, Ricardo Lewandowski.

Relações promíscuas entre imprensa e poder não são novidade. No caso da operação, contudo, as conversas mostram que repórteres na linha de frente da apuração engajaram-se no esquema lava-jatista e atuaram como porta-vozes da força-tarefa, acumpliciados com o espetáculo policialesco-midiático.

Jay Rosen, professor de jornalismo da Universidade de Nova York, cunhou o termo "jornalismo de acesso" para definir como jornalistas sacrificam sua independência e abandonam o senso crítico em troca do acesso a fontes, que passam a ser tratadas com simpatia e benevolência. A Lava Jato é um caso extremo de "jornalismo de acesso", no qual repórteres aceitaram muitas convicções sem as provas correspondentes.

Colaboraram com o mecanismo de delações e vazamentos seletivos, renunciaram à obrigação ética de fazer suas próprias investigações e fecharam os olhos para os métodos da força-tarefa. Nas empresas, tiveram retaguarda. O jornalismo corporativo participou abertamente do projeto lava-jatista.

Em março de 2016, por exemplo, Moro vazou o conteúdo do grampo que captou ilegalmente conversas entre a então presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula. O grampo, que sabidamente atendia a interesses político-partidários, foi reproduzido por muitos veículos sem a necessária crítica quanto a isso.

A relação pervertida entre poder e imprensa fere a dignidade da profissão. É uma praga a ser sempre evitada e combatida.


Hélio Schwartsman: Réquiem para a Lava Jato

Aras oficializou a morte simbólica da operação

Se eu fosse um político corrupto, estaria celebrando. A sangria foi finalmente estancada. Ao não renovar o mandato da força-tarefa de Curitiba, o procurador-geral da República, Augusto Aras, oficializou a morte simbólica da Lava Jato.

O defunto é um daqueles personagens complexos, cuja perda é lamentada, mas cujos podres todos comentam no velório. Aliás, os maus hábitos da vítima, notadamente a hýbris do ex-juiz Sergio Moro e de procuradores de Curitiba, foram em larga medida responsáveis por seu passamento.

Se o magistrado tivesse se comportado como a lei preconiza, não haveria margem para as contestações que acabaram por minar o prestígio da operação e poderão reverter algumas de suas condenações. E é assim que tem de ser. O devido processo legal, que inclui o direito de não ser julgado por um juiz documentadamente parcial, é ponto inegociável no Estado de Direito.

O que torna o ocaso da Lava Jato especialmente lastimável é o fato de que não teria sido difícil chegar a resultados muito próximos aos que ela gerou sem que o magistrado estabelecesse um relacionamento promíscuo com a acusação. Os esquemas de corrupção eram reais, e as leis da física e o mecanismo das delações premiadas teriam sido mais do que suficientes para encontrar as provas.

O problema com a corrupção é que ela funciona bem. Na verdade, é a segunda melhor forma de organização da sociedade. É menos eficiente do que um sistema no qual tudo ocorra de acordo com regras impessoais, mas é superior a um regime no qual tudo fica sujeito ao capricho de autoridades ou, pior, a um no qual as "concorrências" se resolvem à bala. É por funcionar que é difícil acabar com ela.

Ao deixar que a Lava Jato morra de morte melancólica, o Brasil perde mais uma oportunidade de fazer a transição do time das republiquetas para o de países um pouco mais sérios. Quem sabe tenhamos mais sorte na próxima vez.