Pesquisa DataFolha

Maria Hermínia Tavares: Autobiografia de uma nação

Em um artigo publicado em 1994 no jornal turinês La Stampa, sob o título “Aquela Itália modelo Berlusconi”, o filósofo Norberto Bobbio (1909-2004) se perguntou, com um misto de espanto e tristeza, se o berlusconismo não seria “uma espécie de autobiografia da nação, da Itália de hoje”.

A pergunta vale para o Brasil, embora talvez seja precipitado falar em bolsonarismo para designar, seja os seguidores militantes do presidente —os seus minions—, seja o sentimento difuso de apatia benevolente ou simpatia aberta de quase a metade dos brasileiros em relação ao chefe do desgoverno. A despeito da administração catastrófica da pandemia —responsável por um número decerto elevado de mortes evitáveis e estagnação econômica—, sucessivas sondagens indicam que segue estável o contingente dos que consideram o desempenho de Bolsonaro ótimo ou bom, na casa de 30%, e o dos que lhe atribuem conceito regular (da ordem de 20%).

A constância das opiniões parece dizer muito do estado da nação que seus habitantes construíram sem querer ou perceber. É o país da educação pouca e precária, que abre espaço a explicações estapafúrdias sobre a origem da Covid-19 e as maneiras de enfrentá-la.É onde, diante do imperativo de ganhar a vida e à falta de alternativas para fazê-lo de forma segura, milhões de pobres viraram cativos dos discursos que minimizam o perigo da praga e desprezam as medidas básicas de proteção contra ela.

É a nação que deixou que o crime se apropriasse de extensos territórios urbanos, disseminando o medo, a insegurança e a consequente aceitação das formas mais brutais de reprimir a criminalidade. É o país da favela do Jacarezinho, que toma com naturalidade que suspeitos —até de delitos menores— sejam exterminados com autorização do governador do estado, aplausos de apresentadores de TV e apoio ostensivo do presidente e de seu vice.

É a nação onde as distâncias sociais são tão imensas que as próprias instituições que em outras paragens dão corpo à solidariedade social —previdência, serviços de saúde e transporte coletivo— reproduzem desigualdades e diferenças. Sem estruturas de solidariedade social, os mais bem aquinhoados e protegidos veem os que morrem na porta dos hospitais, quando os veem, como estatísticas, e os abatidos numa favela como suspeitos habitantes de outro planeta, onde a vida é sórdida, abrutalhada e breve.

O crescimento da extrema direita, na última década, com seus movimentos, redes, gurus e porta-vozes, é um lado da autobiografia recente desta nação. Bolsonaro apenas deu-lhe o que tem: uma cara cruel e primitiva.

*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.Postado por Gilvan Cavalcanti de Melo às 08:55:00 Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/maria-herminia-tavares/2021/05/autobiografia-de-uma-nacao.shtml


Bruno Boghossian: Lula retoma territórios, e Bolsonaro se agarra a base mais restrita, aponta Datafolha

A fidelidade da base lulista e a hesitação do eleitorado que aderiu a Jair Bolsonaro (sem partido) em 2018 ajudam a explicar o descolamento entre os dois principais personagens da próxima corrida presidencial.

De volta ao jogo depois que o STF (Supremo Tribunal Federal) anulou condenações que o impediam de concorrer no ano que vem, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) retomou o controle de territórios tradicionalmente petistas, de acordo com números da primeira pesquisa do Datafolha para a disputa de 2022.

Uma fatia da vantagem que o ex-presidente abriu sobre seus adversários aparece principalmente no grupo mais pobre da população —o que sugere que bandeiras petistas como as plataformas de distribuição de renda e redução da pobreza ainda ressoam nesse eleitorado.

Os números indicam que essa faixa é uma trincheira inicial de Lula. Entre eleitores que ganham até dois salários mínimos, o petista aparece com 47% no primeiro turno. Nos demais grupos de renda, ele não passa de 34%. Também está ali sua menor rejeição: 29%, contra mais de 40% em outros segmentos de renda.

Num eventual segundo turno contra Bolsonaro, os mais pobres dariam ao petista uma vitória por 60% a 28%.

A margem de Lula nesse recorte é relevante, no ponto de partida, porque o segmento de baixa renda representa mais da metade do eleitorado brasileiro. Além disso, esses grupos foram alvos de investidas de Bolsonaro ao longo do último ano.

O pagamento das parcelas de R$ 600 do auxílio emergencial, até setembro de 2020, aproximou esse eleitorado da órbita do presidente. O segmento ajudou o governo, em certa medida, a manter sua aprovação estável na pandemia e após a crise com o ex-juiz Sergio Moro, quando Bolsonaro perdeu popularidade em grupos de renda mais alta.

Os índices apresentados pelo Datafolha apontam que o presidente se agarra, agora, a uma base mais restrita. Com uma nova rodada do auxílio em valores menores, Bolsonaro não conseguiu avançar entre os mais pobres. Do outro lado, ele tem seus maiores índices de rejeição em segmentos mais ricos e com escolaridade mais alta.

Embora o presidente tenha consolidado um eleitorado fiel, ele encontra esse obstáculo em sua corrida à reeleição. Brasileiros com ensino superior completo foram alguns dos primeiros grupos a impulsionar a candidatura de Bolsonaro em 2018, abrindo caminho para sua vitória.

Agora, parte deles rejeita o presidente e parece buscar uma alternativa. Nesse segmento, Lula aparece com 30%, contra 22% de Bolsonaro, enquanto outros 36% se dividem entre os candidatos que disputam o rótulo da terceira via: Ciro Gomes (11%), Sergio Moro (10%), João Amoêdo (6%), Luciano Huck, João Doria e Luiz Henrique Mandetta (3% cada).

Esse pelotão, no entanto, não ameaça a vaga de Bolsonaro no segundo turno ou a liderança de Lula em nenhum recorte da população com peso relevante na pesquisa. Pode ser um sinal de que o eleitorado que rejeita os dois principais concorrentes não é tão numeroso quanto gostariam os demais candidatos.

Caso o cenário se cristalize como uma disputa concentrada entre Lula e Bolsonaro, a corrida vai se desenhar ao longo do próximo ano a partir dos movimentos dos dois líderes para preservar redutos, ampliar seus domínios e estimular a rejeição ao adversário.

No numeroso segmento de baixa renda, o desempenho da economia e o uso da caneta presidencial podem mexer nas curvas de intenção de voto. Ainda que os petistas enxerguem um vínculo histórico com esse grupo, a experiência do auxílio emergencial mostrou que parte dos eleitores responde rapidamente a medidas que tenham efeito direto sobre seu bolso.

As discussões no governo sobre a ampliação de despesas, os benefícios prometidos pelo presidente a categorias como caminhoneiros e o enfraquecimento da agenda de cortes do ministro da Economia, Paulo Guedes, indicam que Bolsonaro tem disposição para tomar decisões com potencial eleitoral considerável.

Além disso, auxiliares do presidente esperam que sinais de recuperação econômica e avanços na vacinação, embora extremamente lentos, possam se consolidar até 2022 e ajudar a reduzir a rejeição ao governo pela condução da resposta à pandemia da Covid-19.

A esperança dos bolsonaristas é recuperar, assim, parte do eleitorado que esteve com o presidente em 2018 e que não votaria em Lula no ano que vem. O foco da campanha seria despertar novamente o antipetismo, principalmente em segmentos da classe média e em grupos mais ricos da população.

Na visão de aliados do Palácio do Planalto, se nenhum outro candidato se mostrar competitivo até os meses finais da campanha, parte desse eleitorado poderia se aproximar de Bolsonaro por gravidade para derrotar o PT.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/05/lula-retoma-territorios-e-bolsonaro-se-agarra-a-base-mais-restrita-aponta-datafolha.shtml

 


Ricardo Noblat: No seu pior momento e no melhor de Lula, Bolsonaro perde feio

Um truísmo, mas vá lá. Pesquisa de opinião é um retrato do momento. Tendência, a evolução de alguma coisa num sentido determinado. O que uma pesquisa revela só vira uma tendência se confirmada por futuras e sucessivas pesquisas.

Os resultados da pesquisa Datafolha divulgada nas últimas horas foram péssimos para o presidente Jair Bolsonaro e ótimos para o ex-presidente Lula. Manda a prudência, contudo, que se esperem novas pesquisas para conferir se isso configura uma tendência.

Pode ser também o que pesquisadores chamam de “soluço”, algo ocasional que, mais tarde, será naturalmente corrigido. De resto, faltam 20 meses para o primeiro turno da eleição presidencial do ano que vem. Mesmo uma tendência pode ser revertida.

Tais ressalvas não tiram a importância do que a pesquisa Datafolha registrou: se a eleição tivesse sido realizada nessa quarta-feira (12/5), Lula teria batido Bolsonaro com folga de votos no primeiro ou no segundo turno. Bolsonaro deve preocupar-se, e Lula comemorar.

Bolsonaro atravessa seu pior momento. Embora em queda, a pandemia da Covid já matou quase 430 mil pessoas, em grande parte por incúria dele mesmo. Uma CPI apura tudo. Há 14 milhões de desempregados, e a recuperação da economia é lenta.

A série histórica da pesquisa mostra que, de dezembro para cá, a popularidade de Bolsonaro derreteu. A fatia de ótimo ou bom, que no último mês de 2020 atingia o recorde de 37%, caiu até chegar ao atual patamar, de 24% (queda de 13 pontos percentuais).

O grupo dos que consideram o governo ruim ou péssimo, que em dezembro correspondia a 32%, cresceu até atingir os atuais 45% (alta de 13 pontos). Bolsonaro amarga ao mesmo tempo o maior percentual de rejeição e o menor de aprovação.

Lula vive o melhor momento de sua vida desde que foi preso, condenado e trancafiado em Curitiba por 580 dias. A Justiça anulou suas condenações e declarou suspeito o ex-juiz Sergio Moro, que conduziu os processos. Por ora, nada de ruim gruda nele.

Tornou-se de bom-tom adversários políticos responderem a acenos de Lula com afabilidade, e se convidados, reunirem-se com ele. Sua passagem recente por Brasília foi um sucesso. Quem não esteve com ele insinua em conversas que poderia ter estado.

Em vista disso tudo, é compreensível que na simulação de primeiro turno feita pelo Datafolha Lula apareça com 41% das intenções de voto, contra 23% de Bolsonaro, 7% de Moro, 6% de Ciro, 4% de Luciano Huck, 3% de João Doria e 2% de Mandetta.

Num eventual segundo turno contra Bolsonaro, Lula o derrotaria por 55% dos votos a 32%. Para o petista, migraria a maioria dos votos de Doria, Ciro e Huck. Bolsonaro herdaria a maior fatia dos votos de Moro, seu ex-ministro da Justiça e desafeto declarado.

Lula venceria Moro no segundo turno por 53% a 33%, e Doria por 57% a 21%. Bolsonaro empataria tecnicamente com Doria (39%, a contra 40%) e perderia para Ciro (36%, a 48%). Os que disseram que jamais votariam em Bolsonaro são 54%, contra 36% de Lula.

O barco do PT navega, por enquanto, em mar de almirante. O céu não é de brigadeiro para Bolsonaro.

Candidato de centro a presidente ainda não deu o ar de sua graça

Quem souber de um, favor informar aos partidos interessados em construir alternativa a Lula e a Bolsonaro

Por ora, a eleição presidencial daqui a 20 meses será travada por apenas dois nomes com chances de vencer, segundo a pesquisa de intenções de voto do Datafolha, a primeira aplicada presencialmente: Lula e Bolsonaro. Não tem para mais ninguém.

Ciro Gomes, do PDT, que será pela quarta vez candidato? Foi rebaixado pela entrada de Lula no páreo. Antes, apostava em atrair boa parte dos votos da esquerda. Agora, ambiciona os votos do centro direita para tirar Bolsonaro do primeiro turno.

João Doria, do PSDB, governador de São Paulo e pai da vacina? Reúne míseros 3% das intenções de voto e enfrenta forte resistência dos seus governados. Eles o rejeitam até quando reconhecem que, se não fosse Doria, não se vacinariam tão cedo.

Sergio Moro, o ex-juiz? É carta fora do baralho. Não só porque anunciou que não se candidatará, mas porque os políticos em geral não o suportam. Moro criminalizou a política, e os políticos querem vê-lo morto e enterrado. Não há acordo possível entre eles.

Luciano Huck, o apresentador do programa das tardes de sábado na Rede Globo de Televisão? Seu destino é trocar de dia, sucedendo Faustão nos fins de tarde do domingo. É jovem, pode esperar que a fila ande e trocar de palco mais adiante.

Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde? Esse até quer ser candidato e deixa boa impressão por onde passa. Mas seu partido, o DEM, está em liquidação e sem cacife para alçar voo. Mandetta admite disputar o governo do Rio ou uma vaga no Senado.

Faltou algum nome na lista dos pretendentes a candidato do centro? O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e o governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite (PSDB) foram lançados só para atrapalhar a vida de Doria, e estão atrapalhando.

O deputado Aécio Neves (PSDB-MG) encabeça um movimento para que seu partido não tenha candidato próprio a presidente. Ele e boa parte dos seus pares estão interessados na grana do Fundo Partidário para se reeleger. Sobrará mais grana para eles.

Em resumo: quem souber do paradeiro de um viável candidato de centro a presidente da República será regiamente gratificado.

Fonte:

Metrópoles

https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/no-seu-pior-momento-e-no-melhor-de-lula-bolsonaro-perde-feio

 


Merval Pereira: Freio de arrumação

A tendência ao aumento dos votos nulos e em branco nas eleições presidenciais deste ano já estava registrada desde as eleições municipais de 2016, quando em diversos estados como o Rio de Janeiro e São Paulo a soma dos “não votos” atingiu entre 18% e 20%, em comparação à média de cerca de 8% nas eleições anteriores.

A quantidade de votos nulos ou brancos dispara na mais recente pesquisa Datafolha quando o ex-presidente Lula não é um dos candidatos, vai de 16% para 28%. Esse fenômeno de rejeição dos políticos tradicionais já era detectado antes mesmo de Lula se tornar inelegível, de acordo com a Lei da Ficha Limpa, pela condenação em segunda instância.

É uma primeira reação que precisa ser acompanhada, pois a confusão dos eleitores de Lula é plenamente justificada neste momento de indefinição. Assim como ele e Bolsonaro estacionaram nos mesmos índices da pesquisa anterior, o que pode denotar que chegaram ao seu teto, de acordo com a pesquisa Datafolha, a capacidade de transferir voto de Lula caiu.

O percentual de eleitores que não votariam em um candidato apoiado por Lula subiu de 48% para 53%, enquanto os que votariam nesse candidato “com certeza” caiu de 29% para 27%. Mas também é preciso esperar mais um pouco para ver como fica a expectativa dos eleitores.

Petistas acreditavam que Lula seria mais votado depois da condenação, e imaginavam um cenário em que se o nome dele fosse para a urna, até mesmo em forma de protesto, ganharia mais votos ainda. No entanto, na pesquisa, esse protesto se refletiu no aumento de votos nulos e brancos, e ainda não se sabe para onde esses votos irão migrar.

Num cenário sem Lula, Marina Silva e Ciro aparecem como maiores beneficiados com a transferência de votos. A nova pesquisa Datafolha mostra que, com a candidatura do ex-presidente Lula impedida na Justiça, o deputado Jair Bolsonaro passa a liderar a corrida presidencial.

Na comparação de cenários com e sem a participação do ex-presidente, Marina passa de 8% para 13%, enquanto Ciro cresce de 6% para 10%. Outros candidatos também crescem quando Lula está fora do páreo, mas não a ponto de colocá-los na disputa: tanto Geraldo Alckmin quanto Luciano Huck sobem de 6% para 8%.

No cenário sem Lula e com Marina, Alckmin está lá embaixo. E no cenário sem Lula tem situação em que Marina está tão perto de Bolsonaro no primeiro turno como Ciro atrás dela em terceiro. Marina é a única que derrota Bolsonaro no segundo turno, embora a diferença que já foi de 18 pontos percentuais tenha caído para 10.

O interessante é observar que, a partir das urnas eletrônicas, o voto em branco, embora não válido, tem uma tecla só dele. Já o voto nulo exige que o eleitor digite um número que não está registrado e o confirme. É preciso, pois, ter uma informação que não está dada na urna eleitoral, para confirmar um voto nulo. Quando se digita um número inexistente, a urna informa que a escolha está errada. Mesmo assim, e com um barulho diferente que revela seu voto, você tem que confirmar o erro para anulá-lo.

Há muito já se sabe, embora ainda existam dúvidas, que mesmo com mais de 50% de votos nulos, uma eleição continua válida, pois o critério de votos válidos despreza os nulos e em branco. Os votos nulos e brancos acabam se constituindo manifestação de descontentamento do eleitor sem qualquer influência no resultado final. Na verdade, quanto mais votos inválidos, menor a quantidade de votos que um candidato precisa para vencer a eleição.

Foi o que fez na eleição municipal do Rio em 2016 Freixo chegar ao segundo turno com apenas 16% dos votos válidos, (o que representa muito menos do total de votos), e Marcelo Crivella chegar em primeiro com menos votos que os nulos e em branco e as abstenções.

A decisão dos constituintes de excluir nulos e brancos dos votos válidos em uma eleição é ir de encontro ao desejo do eleitor, já que, como temos a obrigatoriedade de comparecer às urnas, quem escolhe essa maneira de votar está revelando sua insatisfação com a situação política, ou pelo menos com os candidatos apresentados.

Na eleição americana que elegeu Trump presidente da República, o índice de abstenção chegou próximo de 50%, muito maior do que nas eleições anteriores que elegeram Obama. A abstenção pode ter inúmeras razões além do descontentamento do eleitor, mas a decisão de anular o voto ou de votar em branco na urna é inequivocamente um protesto do eleitor.

Na pesquisa eleitoral, pode ser uma desorientação momentânea do eleitorado diante da nova situação. Sem Lula na disputa, boa parte deles está propensa a não votar, mas isso não significa que continuará assim como se apressam a afirmar os petistas.

 

 


Luiz Carlos Azedo: Cenários da incerteza

A saída de Lula da eleição não trouxe grande alteração nas pesquisas. A candidatura de Geraldo Alckmin, que seria o candidato do centro, continua estagnada. Colabora para isso a crise do PSDB

A pesquisa Datafolha de ontem, em seus noves cenários, mostrou que a situação de incerteza política aumenta com a saída de Luiz Inácio Lula da Silva, embora a polarização entre o ex-presidente e o deputado Jair Bolsonaro, que assumiu a liderança (de 15% a 20% de intenções de voto), deixe de existir, exceto para os petistas. Sim, porque a pesquisa eleitoral ainda alimenta a estratégia de manutenção da pré-candidatura de Lula até que seja declarado oficialmente inelegível. Entretanto, também revela que isso pode ser um erro desastroso para o PT. A rejeição de Lula está em 53% e tende a crescer com a agenda negativa do petista nos tribunais, puxando para baixo seus índices de intenções de voto, que variam entre 37% e 34%, dependendo do cenário.

Com Jair Bolsonaro firme na liderança, Marina Silva se mantém em segundo lugar em todos os cenários, oscilando entre 8% e 16% (sem Lula). A entrada em cena de Luciano Huck, que consta de três cenários (varia de 5% a 8% de intenções de votos), puxa Lula para baixo e todos os demais candidatos que disputam a segunda colocação. Com Lula candidato, o apresentador aparece empatado com Ciro Gomes, que tem de 7% a 13% de intenções de votos, e Geraldo Alckmin, de 6% a 11%, mas perde para Ciro no cenário em que o petista está fora da disputa. Álvaro Dias (de 3% a 6%) vem logo atrás em todos os cenários. João Doria (de 4% a 6%) e Joaquim Barbosa (de 3% a 8%) completam o terceiro pelotão quando são incluídos na pesquisa. Resumo da ópera: a saída de cena de Lula pulveriza o quadro eleitoral na largada.

A estratégia petista pode virar um tiro no pé do candidato mais cotado para substituir Lula, o ex-governador Jacques Wagner. Embora tenha muita identidade com os militantes petistas e um reduto eleitoral consolidado, a Bahia, o petista teria que aguardar a impugnação do registro da candidatura de Lula para se tornar candidato, o que é temerário. Primeiro, porque o desgaste do ex-presidente da República deve aumentar por causa da Operação Lava-Jato; segundo, porque o tempo para Wagner fazer campanha se reduzirá dramaticamente. O ex-governador baiano tem apenas 2% de intenções de votos, um a menos do que o ex-presidente Fernando Collor de Mello, por exemplo. Sua substituição pelo ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad não muda nada.

Centro órfão
A saída de Lula da eleição não trouxe grande alteração na pesquisa porque a candidatura do governador Geraldo Alckmin, que seria o nome do centro, continua estagnada. Colabora para isso a disputa interna do PSDB, na qual o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto, vem fazendo duros ataques ao paulista, além das dificuldades que enfrenta para fazer a aliança com o PSB, do vice-governador Márcio França, que assumirá o governo e já anunciou que será candidato à reeleição, com ou sem apoio dos tucanos. O estranhamento com o presidente Michel Temer também atrapalha a candidatura de Alckmin, que não consegue ampliar suas alianças nacionalmente.

Essa situação estimula o surgimento de candidaturas de centro, que tentam ocupar o espaço vazio da eleição. O mais provável é que a pulverização se mantenha até o início do horário eleitoral, quando o volume de recursos partidários e o tempo de rádio e televisão começarão a fazer a diferença para os candidatos que conseguirem fechar coligações mais robustas. Essa é a aposta tanto de Alckmin como de ninguém menos do que o presidente Michel Temer se a reforma da Previdência for aprovada.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-cenarios-da-incerteza/


Folha de São Paulo: Rejeição implacável

O veredito nada tem de judicial, mas Michel Temer (PMDB) foi condenado de modo implacável pela opinião pública no caso JBS.

Em pesquisa Datafolha, 83% dos brasileiros consideram, a partir da conversa gravada com o empresário Joesley Batista, que o peemedebista teve participação direta em esquemas de corrupção.

Para 76%, Temer deveria renunciar ao cargo. Míseros 7% aprovam sua administração, o menor percentual obtido por um presidente desde 1989, quando José Sarney governava sob uma hiperinflação.

Agudiza-se, dessa maneira, o descompasso entre as preferências da população e a conduta do sistema político, em sua maioria alinhado ao Palácio do Planalto.

Para além da impopularidade de Temer, o divórcio entre representantes e representados explica-se ainda por três anos de ruína econômica, além da exposição cotidiana de escândalos e demonstrações de cinismo por parte dos principais partidos do país.

É compreensível, portanto, a ampla rejeição à impunidade, que não se limita a governantes e parlamentares. Para 64% dos entrevistados pelo Datafolha, a Procuradoria-Geral da República agiu mal em seu generoso acordo de delação premiada com Joesley Batista; 81% defendem a prisão do empresário, corruptor confesso.

O desalento reflete-se na imagem que se tem do país. Na pesquisa, 47% dizem sentir mais vergonha do que orgulho de serem brasileiros (50% afirmam o oposto), maior taxa desde que a questão começou a ser apresentada, em 2000.

O presidente pode sobreviver à denúncia de corrupção passiva a ser apresentada, como se espera, pelo Ministério Público –afinal, ainda controla votos suficientes no Congresso para barrar processos que o afastariam do cargo.

O desacordo da aliança governista a respeito de sua sucessão contribui para a sustentação precária de seu governo, assim como o refluxo das manifestações populares.

Existem ainda temores de que uma nova troca de comando no Planalto dificultaria a recuperação da economia, cujos primeiros e tímidos sinais se fazem notar.

É incontestável, entretanto, que a maioria acachapante deseja outro governo –e é difícil imaginar que a permanência prolongada de taxas de impopularidade tão elevadas se dê sem consequências.

Fernando Collor (então PRN, hoje PTC) e Dilma Rousseff (PT), que amargaram índices similares de rejeição, acabaram alvos de processos de impeachment.

No final calamitoso do governo Sarney, a degradação econômica e o descrédito político dizimaram as lideranças tradicionais no pleito de 1989, abrindo caminho para legendas como PT e PSDB.

Hoje, a uma distância considerável das eleições gerais de 2018, ainda não se vislumbram com clareza as opções preferenciais de renovação da classe dirigente nacional.

Editorial Folha de São Paulo

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2017/06/1895791-rejeicao-implacavel.shtml