Merval Pereira: Freio de arrumação

A tendência ao aumento dos votos nulos e em branco nas eleições presidenciais deste ano já estava registrada desde as eleições municipais de 2016, quando em diversos estados como o Rio de Janeiro e São Paulo a soma dos “não votos” atingiu entre 18% e 20%, em comparação à média de cerca de 8% nas eleições anteriores.
Foto: Ricardo Stuckert
Foto: Ricardo Stuckert

A tendência ao aumento dos votos nulos e em branco nas eleições presidenciais deste ano já estava registrada desde as eleições municipais de 2016, quando em diversos estados como o Rio de Janeiro e São Paulo a soma dos “não votos” atingiu entre 18% e 20%, em comparação à média de cerca de 8% nas eleições anteriores.

A quantidade de votos nulos ou brancos dispara na mais recente pesquisa Datafolha quando o ex-presidente Lula não é um dos candidatos, vai de 16% para 28%. Esse fenômeno de rejeição dos políticos tradicionais já era detectado antes mesmo de Lula se tornar inelegível, de acordo com a Lei da Ficha Limpa, pela condenação em segunda instância.

É uma primeira reação que precisa ser acompanhada, pois a confusão dos eleitores de Lula é plenamente justificada neste momento de indefinição. Assim como ele e Bolsonaro estacionaram nos mesmos índices da pesquisa anterior, o que pode denotar que chegaram ao seu teto, de acordo com a pesquisa Datafolha, a capacidade de transferir voto de Lula caiu.

O percentual de eleitores que não votariam em um candidato apoiado por Lula subiu de 48% para 53%, enquanto os que votariam nesse candidato “com certeza” caiu de 29% para 27%. Mas também é preciso esperar mais um pouco para ver como fica a expectativa dos eleitores.

Petistas acreditavam que Lula seria mais votado depois da condenação, e imaginavam um cenário em que se o nome dele fosse para a urna, até mesmo em forma de protesto, ganharia mais votos ainda. No entanto, na pesquisa, esse protesto se refletiu no aumento de votos nulos e brancos, e ainda não se sabe para onde esses votos irão migrar.

Num cenário sem Lula, Marina Silva e Ciro aparecem como maiores beneficiados com a transferência de votos. A nova pesquisa Datafolha mostra que, com a candidatura do ex-presidente Lula impedida na Justiça, o deputado Jair Bolsonaro passa a liderar a corrida presidencial.

Na comparação de cenários com e sem a participação do ex-presidente, Marina passa de 8% para 13%, enquanto Ciro cresce de 6% para 10%. Outros candidatos também crescem quando Lula está fora do páreo, mas não a ponto de colocá-los na disputa: tanto Geraldo Alckmin quanto Luciano Huck sobem de 6% para 8%.

No cenário sem Lula e com Marina, Alckmin está lá embaixo. E no cenário sem Lula tem situação em que Marina está tão perto de Bolsonaro no primeiro turno como Ciro atrás dela em terceiro. Marina é a única que derrota Bolsonaro no segundo turno, embora a diferença que já foi de 18 pontos percentuais tenha caído para 10.

O interessante é observar que, a partir das urnas eletrônicas, o voto em branco, embora não válido, tem uma tecla só dele. Já o voto nulo exige que o eleitor digite um número que não está registrado e o confirme. É preciso, pois, ter uma informação que não está dada na urna eleitoral, para confirmar um voto nulo. Quando se digita um número inexistente, a urna informa que a escolha está errada. Mesmo assim, e com um barulho diferente que revela seu voto, você tem que confirmar o erro para anulá-lo.

Há muito já se sabe, embora ainda existam dúvidas, que mesmo com mais de 50% de votos nulos, uma eleição continua válida, pois o critério de votos válidos despreza os nulos e em branco. Os votos nulos e brancos acabam se constituindo manifestação de descontentamento do eleitor sem qualquer influência no resultado final. Na verdade, quanto mais votos inválidos, menor a quantidade de votos que um candidato precisa para vencer a eleição.

Foi o que fez na eleição municipal do Rio em 2016 Freixo chegar ao segundo turno com apenas 16% dos votos válidos, (o que representa muito menos do total de votos), e Marcelo Crivella chegar em primeiro com menos votos que os nulos e em branco e as abstenções.

A decisão dos constituintes de excluir nulos e brancos dos votos válidos em uma eleição é ir de encontro ao desejo do eleitor, já que, como temos a obrigatoriedade de comparecer às urnas, quem escolhe essa maneira de votar está revelando sua insatisfação com a situação política, ou pelo menos com os candidatos apresentados.

Na eleição americana que elegeu Trump presidente da República, o índice de abstenção chegou próximo de 50%, muito maior do que nas eleições anteriores que elegeram Obama. A abstenção pode ter inúmeras razões além do descontentamento do eleitor, mas a decisão de anular o voto ou de votar em branco na urna é inequivocamente um protesto do eleitor.

Na pesquisa eleitoral, pode ser uma desorientação momentânea do eleitorado diante da nova situação. Sem Lula na disputa, boa parte deles está propensa a não votar, mas isso não significa que continuará assim como se apressam a afirmar os petistas.

 

 

Privacy Preference Center