o tempo

Marcus Pestana: Ajuste fiscal e privatizações (II)

Na última semana falamos sobre as privatizações como uma das ferramentas para o enfrentamento do estrangulamento fiscal e sobre o uso nobre de seus frutos contribuindo para o ajuste patrimonial de longo prazo. Não é razoável vender o patrimônio público para pagar despesas correntes.

Registramos também o ambiente contaminado por visões políticas e ideológicas anacrônicas que levantam polêmicas sem fundamento sólido ou evidências empíricas. Como foi dito, o cidadão não quer saber se a luz ou a água é estatal ou privada. Quer segurança no abastecimento, qualidade e tarifa justa. O conceito de “empresa estatal estratégica” funciona como um biombo para idiossincrasias, preconceitos e equívocos.

As empresas de serviços públicos, que não têm a natureza do serviço alterada pela privatização, precisam ser reguladas. É assim nas telecomunicações reguladas pela ANATEL, no petróleo, após a quebra do monopólio da Petrobrás, regulado pela ANP e na energia elétrica regulada pela ANEEL. Empresas privatizadas que não são de serviços públicos são reguladas pelo mercado. É assim com a Vale do Rio Doce, a EMBRAER, a CSN, a USIMINAS e a antiga AÇOMINAS.

Vou usar o exemplo de Minas no setor energético como exemplo concreto para tentar iluminar a polêmica e suas mistificações. A CEMIG e Furnas são símbolos do processo de desenvolvimento do estado com claras digitais de nosso maior estadista, JK. Cabe perguntar: a geração, transmissão e distribuição de energia elétrica sempre foram estatais? A resposta é não. A primeira usina hidrelétrica da América Latina, inaugurada em 1889, foi fruto de investidores privados que fundaram na minha cidade, Juiz de Fora, a Companhia Mineira de Eletricidade, tendo a frente o grande empresário inovador e empreendedor, Bernardo Mascarenhas. O objetivo era substituir a iluminação pública a gás pela elétrica na cidade e gerar energia para a Cia. Têxtil Bernardo Mascarenhas e outras empresas da região. Portanto, o argumento histórico não alimenta o forte preconceito contra as privatizações.

Mas, e hoje? A energia elétrica é toda estatal? Mais uma vez, não. A Light no Rio foi privada, virou estatal e voltou a ser privada. A ENERGIZA, que nasceu em 1909, como Cia. Força e Luz Cataguases-Leopoldina sempre foi privada e hoje abastece 16 milhões de pessoas, em 788 municípios brasileiros em nove estados da federação. O fato de ser privada não impediu a empresa de receber diversos prêmios em relação à qualidade de seus serviços e ao seu compromisso com a sustentabilidade ambiental. Portanto, o argumento fático também não socorre os antiprivatização.

Quem hoje sente falta do CREDIREAL ou do BEMGE estatais que foram privatizados? Arrisco a dizer, ninguém. O Secretário de Planejamento de Minas Gerais, Otto Levy, estima que é possível arrecadar 10 bilhões de reais com a privatização da empresa como contribuição à superação da atual situação pré-falimentar em que se encontra o Tesouro Estadual. E mais grave, alerta que com o fim das concessões obtidas, a empresa perderá valor de mercado. É preciso debater profundamente o uso dos recursos, a regulação eficiente, a modelagem da venda. Mas não erguer barreiras ideológicas quanto a uma necessidade histórica.

Enfim, menos discursos ideológicos estatistas e mais debate qualificado sobre as privatizações!


Marcus Pestana: Ajuste Fiscal e Privatizações (I)

O tema central da agenda brasileira de desenvolvimento é o grave desequilíbrio fiscal do setor público. Os monumentais déficits acumulados têm funcionado como verdadeira âncora a decretar o crescimento raquítico da economia brasileira nos últimos tempos. O desarranjo orçamentário dos governos tem repercussões múltiplas: na taxa de juros, na queda do investimento e da poupança, na confiança dos investidores, no aumento preocupante da dívida pública e, portanto, nos níveis de atividade econômica e do emprego.

Qualquer dona de casa ou trabalhador, mesmo sem dominar o árido terreno da teoria econômica, consegue compreender que o governo, assim como qualquer família, não pode gastar indefinidamente muito mais do que ganha, sob pena de chegar a uma situação de insolvência. A família que acumula anos de déficits no orçamento familiar vai se endividando nos carnês, nos bancos e agiotas. Até que a situação se agrava e a família começa a cortar gastos, tenta aumentar a renda familiar, até chegar ao nível de despesas essenciais incompressíveis. Não havendo outra saída começa a se desfazer do patrimônio familiar para pagar dívidas. E chega ao ponto em que não adianta vender a geladeira e o fogão para pagar a conta mensal do supermercado.

O governo também é assim, com uma única diferença, o poder central pode emitir moeda e se endividar até limites mais elásticos. Já os governos estaduais em crise vivem hoje sua hora da verdade. Experimentam déficits anuais gravíssimos e crescentes. E não podem mais se endividar. Diante de tamanho desequilíbrio abre-se a discussão sobre as privatizações de estatais para a obtenção de receitas em favor do ajuste fiscal.

As privatizações não envolvem apenas o objetivo de reequilibrar as contas públicas. Há também a visão de concentrar a ação do Estado no seu papel de coordenador, regulador e promotor de políticas públicas sociais, deixando para a iniciativa privada a gestão mais eficiente de atividades econômicas que podem e devem ser delegadas. Mas para que os frutos das privatizações sejam virtuosos e não caiam no caso da geladeira versus a conta mensal do supermercado, é necessário que os recursos apurados sejam canalizados para o ajuste patrimonial de longo prazo (abatimento de dívida financiada a juros altos, soluções de longo prazo para o sistema previdenciário, investimentos que aumentem o nível de atividade, etc.).

O cidadão consumidor de serviços públicos quando vai ao interruptor de luz ou a torneira não se pergunta se a energia elétrica ou o abastecimento de água são estatais ou privados. O que interessa à sociedade e ao cidadão é a segurança do abastecimento, a qualidade e tarifa justa. Como são serviços públicos e monopólio natural, podem perfeitamente serem entregues à iniciativa privada, desde que haja uma regulação correta e eficaz.

Há sempre na discussão das privatizações um manto ideológico e político que, muitas vezes, falseia o debate e ergue mitos e muros. Hoje o nível de investimento público é ridículo, prejudicando os objetivos centrais de uma educação pública de qualidade, de um sistema de saúde que responda melhor às angústias da população, de uma segurança mais eficaz ou de investimentos em saneamento e infraestrutura essenciais para o desenvolvimento.

Voltarei ao assunto na próxima semana discutindo casos concretos.


Marcus Pestana: São vidas, não são estatísticas

Certa vez li uma crônica de Marina Colasanti que me marcou profundamente onde ela concluía com uma interpelação: “A gente se acostuma, eu sei, mas não devia”. Banalizar coisas essenciais na vida que estão erradas é o caminho mais curto para a insensibilidade e a inércia.

Uma das grandes tragédias do Brasil contemporâneo se encontra no campo da segurança pública. A sociedade brasileira exige respostas firmes e consistentes à escalada da violência. Em algum momento, perdemos o controle da expansão do crime organizado. E o primeiro passo, creio, é não esconder dramas familiares nascidos de eventos violentos atrás de estatísticas e análises frias. A indignação com a perda de vidas não deve ser aplacada e sim motivar a construção de políticas públicas inteligentes que deem conta de mudar este triste panorama.

Muito menos estabelecer uma competição mórbida, cruel e sem sentido, entre perda de vidas de cidadãos derivada de “balas perdidas” e policiais no exercício de suas funções. Do lado de cá devem estar unidos governos, forças policiais e população contra o verdadeiro inimigo, o crime organizado.

O Rio de Janeiro é uma vitrine e uma caixa de ressonância do país.

A morte de Ágatha Vitória Sales Félix, de apenas 8 anos, no Complexo do Alemão, comoveu o país. Uma doce e alegre criança, que era uma aluna nota dez, gostava de balé, de desenhar flores e pássaros e espalhar seus desenhos pelas paredes de sua casa. Ágatha morreu com tiro de fuzil disparado por um policial. “A mamãe está aqui, fica com a mamãe”, era a prece que sua mãe fazia a caminho do Hospital. A diretora da escola previa um futuro brilhante para Ágatha. O avô desabafou: “Era filha de trabalhador. Ela falava inglês, tinha aula de balé, era estudiosa. Não vivia na rua não”.

De outro lado, em menos de 24 horas no Rio, morreram em serviço, em confronto com o tráfico, dois policiais da PM. O cabo Leandro de Oliveira tinha 39 anos e o soldado PM Felipe Brasileiro Pinheiro, apenas 34 anos. Os servidores públicos militares saem de casa para vivenciar, dia após dia, situações de verdadeira guerra. E as famílias deles merecem a mesma solidariedade que nos dominou com a morte da menina Ágatha. Um dado estarrecedor é que perdemos, em 2018, no Brasil, mais policiais que cometeram suicídio, foram 104 vidas perdidas, do que em decorrência de confronto nas ruas, 87 policiais mortos. Isto dá a dimensão do estresse profissional a que estão submetidos os servidores públicos da segurança.

E de nada adiantam bravatas ou discursos radicais de autoridades que retroalimentam a violência. Não é eficaz simplesmente agravar penas e lotar ainda mais um sistema prisional falido, verdadeira escola do crime. Não resolve uma política de confrontação pura e simples, que resulta muitas vezes em perda de vidas inocentes. Ao lado da necessária ação repressiva, é preciso um verdadeiro “choque de acesso às políticas públicas” nas comunidades pobres, a efetiva implantação do SUSP, o controle nas fronteiras do tráfico de armas e drogas, o aprimoramento do trabalho de inteligência e o estrangulamento dos mecanismos de financiamento do crime organizado.

A gente se acostuma, mas não devia. A alguns líderes do poder público brasileiro deixo uma opinião: menos palavras vãs e mais ações concretas. São vidas perdidas, não estatísticas.


Marcus Pestana: Porque ficamos para trás

O que não deu certo? Quais as razões para o Brasil ter perdido a sua trajetória de desenvolvimento? A reflexão essencial foi lançada pelo Acadêmico Edmar Bacha, um dos maiores economistas brasileiros, em sua conferência na Academia Brasileira de Letras. É intrigante mergulhar nesta discussão, já que o país foi conhecido como uma máquina de crescimento do pós-guerra até a crise de 1980, com maiores taxas médias anuais de 7,5%.

E não se trata de nenhum “complexo de vira-lata” ou pessimismo crônico. Os dados falam por si. Ao se comparar o PIB per capita de Brasil, Chile, China e Coréia do Sul revela-se um triste retrato da realidade: o Brasil que em 1980 ocupava a melhor posição, amarga hoje o último lugar. Em relação à Coreia do Sul, por exemplo, que tinha no início da década dos anos 1970 renda per capita menor que a nossa, fechou 2018 com um indicador 2,5 vezes superior a de nosso país.

Cabe registrar que apenas 130 anos atrás tínhamos ainda relações escravistas de produção. De 1988 a 1930 predominou o modelo primário exportador. Nossa industrialização tardia, entre 1930 a 1980, foi em ritmo acelerado e “marcha forçada” baseada em alto grau de intervenção estatal e fechamento da economia através do processo de substituição de importações. De 1980 até 1995 vivemos um período turbulento de instabilidade com a hiperinflação batendo às portas e estrangulamentos no Balanço de Pagamentos. O Plano Real desencadeou um novo ciclo, mas as conquistas do período foram colocadas em risco pelos equívocos do Governo Dilma, resultando em recessão, desemprego e crise de confiança.

O professor Edmar Bacha se detém na análise de algumas das causas desta trajetória. A primeira é o baixíssimo coeficiente de abertura ao comércio exterior. A mediana de doze países selecionados que romperam as amarras da pobreza revela um nível de comércio exterior de 75% do PIB. Enquanto no Brasil representa apenas 24% do PIB. Segundo Bacha, para se ter crescimento e incremento na produtividade, as empresas precisam de tecnologia, escala, especialização e concorrência, coisas que só uma economia aberta pode garantir.

Outro aspecto que explica nosso crescimento raquítico é a combinação entre baixa poupança, aumento dos preços dos bens de capital e produtividade insatisfatória. Isto tem a ver com o fechamento da economia, mas também como nossos problemas na educação e no processo de inovação científico-tecnológico.

Não foge também do alcance de Edmar Bacha a dramática situação fiscal que impede o governo de promover a agenda social – educação e cultura, saneamento e saúde, habitação, mobilidade urbana, segurança – essenciais pra que as pessoas se tornem mais produtivas. E também para superar os gargalos da situação desastrosa de nossa infraestrutura. Para recuperar a saúde financeira do setor público só mudando o perfil do gasto, atacando os gastos excessivos com previdência e pessoal e atraindo capitais privados para parcerias público-privadas, privatizações e concessões. Some-se a isso o intervencionismo estatal – controle de preços, quebra de contratos, regulação exagerada- e um ambiente institucional instável e hostil aos investimentos.

Edmar Bacha conclui: “A busca da República ainda incompleta deve ser simultaneamente liberal e progressista”.


Marcus Pestana || O necessário reposicionamento do SUS no Brasil do Século XXI

Passados mais de 30 anos do lançamento dos pilares para construção do Sistema Único de Saúde (SUS),no processo Constituinte de 1988, que implicou na mudança de paradigma na organização do sistema público de saúde no Brasil, chegou o tempo da maturidade; e é hora de enfrentar os novos desafios colocados.

Faz-se necessário abandonar a velha retórica que tece sempre loas ao SUS e mascara problemas efetivos a serem enfrentados. Os avanços são inegáveis, mas é preciso reconhecer a distância abissal que existe a separar o SUS constitucional daquele que ganha vida real e concreta no cotidiano da população.

Trinta anos depois, o SUS não é nem o ‘paraíso’ presente no discurso de alguns gestores e sanitaristas mais entusiasmados, nem o caos que ocupa, por vezes, as manchetes de parte da mídia e os discursos demagógicos de políticos populistas. O SUS é uma obra em permanente construção. Com tropeços e obstáculos, gargalos e vazios assistenciais sempre presenciamos avanços permanentes. Todavia, é inevitável perceber retrocessos nos últimos anos diante da brutal recessão e do agravamento da crise fiscal.

A grave restrição fiscal indica o pequeno espaço para incrementos reais significativos no orçamento do SUS nos planos nacional, estaduais e municipais nos próximos anos, o que dependerá fundamentalmente da capacidade negociadora dos gestores diante do sistema político decisório e da sociedade brasileira. A Emenda Constitucional que versa sobre o limite de gastos públicos, fixa um teto agregado e global por poder, mas não tetos setoriais.

A crise federativa, o estrangulamento orçamentário grave dos municípios e estados, a grande expectativa despertada pelos novos governos a partir das eleições de 2018 e a crise econômica dos últimos anos que aumenta a demanda sobre o SUS dramatizam o desafio.

O sistema público de saúde tem gestão e financiamento compartilhados em um país continental. Nenhuma nação no mundo apostou tão radicalmente na descentralização das políticas de saúde. Teremos, portanto, que administrar bem a ansiedade por resultados imediatos. A solidariedade entre os gestores das três esferas de poder é chave para a solução de problemas complexos.

Hoje é sabido que as estruturas flexíveis de gestão de serviços de saúde são muito mais eficientes e têm maior produtividade. É preciso traçar um rumo claro em relação aos arranjos institucionais ideais para os níveis de atenção primária, secundária e terciária à saúde.

O subfinanciamento do sistema público brasileiro de saúde é uma realidade incontestável desde seu nascimento. Diante da crise fiscal que inibe a expansão de gastos públicos no Brasil nos próximos anos e o subfinanciamento crônico do SUS é preciso investir pesado em inovação e melhoria da produtividade dos recursos, combatendo ineficiências e fazendo mais e melhor com cada real.

A reforma sanitária brasileira produziu uma mudança radical: de um sistema de aceso excludente para um de acesso universal; de uma centralização autoritária para a municipalização radical; de um modelo assistencial hospitalocêntrico e altamente medicalizada para a primazia da atenção da atenção primária e da vigilância em saúde; de uma fragmentação sistêmica para uma lógica única e integradora do ponto de vista federativo e assistencial com a organização de redes.

Depois de 30 anos de existência do SUS, chegamos ao impasse da maturidade: a contradição entre um marco constitucional e legal excessivamente generoso e aberto, financiamento insuficiente e pressão de custos crescentes em função da transição demográfica e da veloz incorporação de inovações tecnológicas.

Diante de tamanho desafio, temos que perseguir a busca de novas fontes de financiamento. Paralelamente, é essencial melhorar a gestão dos recursos existentes.

Podemos qualificar melhor princípios constitucionais e legais, introduzir ferramentas de gestão mais eficientes e identificar formas de melhorar o financiamento.

Não há mais lugar para discursos ufanistas. As mazelas e os gargalos presentes no dia a dia do usuário do SUS saltam aos olhos. Diante disso, a pior atitude é a inércia ou o refúgio em um fundamentalismo sem base real. A conquista da utopia dos constituintes é um processo permanente. Estancar os retrocessos e ter ousadia para mudar o que é preciso mudar, arquivando dogmas e ‘vacas sagradas’ e enfrentando com realismo e coragem as novas perguntas que a realidade coloca diante de nós, parece ser o caminho.


Marcus Pestana || Desafios e obstáculos no caminho da Reforma Tributária

O Congresso Nacional, reafirmando seu atual protagonismo, deu a largada para acelerar as discussões acerca da mudança do sistema tributário nacional. A Câmara dos Deputados instalou a Comissão Especial que apreciará a PEC que desencadeará a reforma desejada. No último dia 13, o deputado relator Agnaldo Ribeiro (PP/PB) apresentou seu plano de trabalho. Ele prevê a realização de diversos seminários e audiências públicas e a apresentação e a votação do relatório em outubro de 2019.

É sabido que nossa carga tributária é alta para os padrões de um país emergente, tendo atingido o pico histórico em 2018, chegando aos 35,07% do PIB. Ainda assim vivemos a mais profunda crise fiscal, o que demonstra que o tamanho do Estado e a estrutura de gastos estão muito acima da capacidade contributiva da sociedade e da economia brasileiras. Além disso, o atual sistema é complexo, confuso, disfuncional, burocrático, excessivamente caro e regressivo. É preciso ainda estancar a chamada guerra fiscal.

Quais as dificuldades que antevejo na travessia para a aprovação da reforma? Em primeiro lugar, há um efeito paralisante que sempre obstruiu outras tentativas de reforma a partir do conflito distributivo embutido em qualquer mudança dessa natureza. Há perdas e ganhos, “vencedores” e “perdedores”, e os interesses feridos naturalmente se mobilizam para evitar as mudanças. A discussão sobre quem pagará a conta não é trivial e pacífica.

Outra questão delicada é o conflito de interesses de natureza federativa. Há um clima justificável de desconfiança recíproca. O Governo Federal, desde a Constituição de 1988, alimentou a elevação exponencial da carga tributária através da criação de contribuições não compartilhadas com Estados e Municípios. Casos como o de Minas Gerais no qual o governo estadual sequestrou receitas constitucionais dos municípios também jogam lenha na fogueira das desconfianças. Isto é agravado sobremaneira pelo grande estrangulamento orçamentário nos três níveis de governo. Ninguém está em condições de perder receitas.

Uma última questão é qual seria o modelo tributário consistente e eficaz diante da economia do Século XXI e suas profundas transformações estruturais e dinâmica inovadora.

Existem quatro principais propostas na mesa de discussões. A apresentada pelo deputado Baleia Rossi (PMDB/SP), engendrada pelo Centro de Cidadania Fiscal liderado pelo economista Bernado Appy, que foca unicamente na criação de Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) a partir da unificação do IPI, do ICMS, ISS, PIS e COFINS.

Outra proposta avançada é a do ex-deputado Luiz Carlos Hauly que contempla uma base mais ampla para o futuro IVA, introduz alterações no IR e propõe uma nova contribuição sobre movimentação financeira para compensar a desoneração da folha e estimular a geração de empregos. O Ministro Paulo Guedes apresentará nos próximos dias sua proposta com um IVA mais tímido, alterações substanciais no IR e uma proposta de desoneração da folha. Já o movimento empresarial BRASIL 200 defende a tese do Imposto Único sobre transações financeiras e saques.

Muita água ainda vai rolar debaixo dessa ponte. O jogo só está começando. O importante é aproveitar a rara energia política reformista reunida hoje para simplificar e tornar mais justo e eficiente nosso sistema tributário.


Marcus Pestana: Redes sociais, democracia e a sociedade hiperconectada

Tempos confusos, tempos conturbados, mudança multidimensional e estrutural que se dá em meio à agonia e a incerteza são expressões utilizadas pelo primeiro e talvez maior intérprete da “Sociedade em Rede”, o sociólogo espanhol Manuel Castells, para qualificar os desafios da ruptura de paradigma representada pela revolução produzida pela Internet e suas redes sociais.

Como participante de uma geração “pré-Internet” sempre acreditei que democracia era tornar cada vez mais público o que é público e cada vez mais privado o que é da órbita individual. Mas a verdade é que parecemos condenados a viver numa “sociedade BBB”, hiperconectada, exibicionista, transparente além de qualquer limite e com uma concentração absurda de informações e poder em mãos das grandes plataformas utilizadas. É uma tendência universal e irreversível. A hiperexposição de tudo e todos têm vantagens e desvantagens. Ainda na era analógica, o grande cronista e teatrólogo Nelson Rodrigues cravou: “Se cada um soubesse o que o outro faz dentro de quatro paredes, ninguém se cumprimentava”.

A evolução do mundo moderno foi marcada pelas inovações tecnológicas que resultaram em saltos qualitativos na forma de produção e convívio social. A Internet foi mais uma inovação disruptiva e transformou a vida em suas dimensões econômica, social e política.

A inovação é neutra do ponto de vista moral e ético. O uso e suas consequências dependem de quem a utiliza. A Internet pode servir para grandes campanhas humanitárias e à difusão de conhecimento, mas também pode ser instrumento de redes de pedofilia. Há registros de que Santos Dumont e Einstein morreram carregados de tristeza em face do uso nas duas Grandes Guerras do avião e da bomba atômica, filha da famosa fórmula.

A internet e as redes sociais propiciaram um enorme aumento da produtividade e de eficiência na economia, mudaram padrões de comportamento e relacionamento entre as pessoas possibilitando maior aproximação em escala global e construíram uma poderosa ferramenta para o aprofundamento da democracia participativa, propiciando maior transparência e controle social sobre os processos de decisão.

Mas os efeitos negativos também vieram à tona. Eventos como as interferências no plebiscito do Brexit e na última eleição americana, assim como o vazamento de informações hackeadas de centenas de autoridades brasileiras colocam uma série de interrogações no horizonte. Soma-se a isso o uso de dados pessoais e o monitoramento de comportamentos individuais com objetivos mercadológicos, sem a total consciência e controle dos usuários. O “vício em redes” já começa a ser tratado como doença nociva à saúde.

Não é diferente o mau uso das redes sociais no Brasil, onde a plataforma fantástica de debate democrático transformou-se em ferramenta de fakenews, ataques violentos e abjetos a pessoas e desqualificação de instituições fundamentais.

A Internet e as redes vieram prá ficar. Não se deve jogar fora a criança recém-nascida junto com a água suja do banho. A regulação é extremamente difícil. Os hackers da “Vaza Jato” estavam em Araraquara, mas poderiam estar no Paraguai, em Miami, na Rússia ou na China.

O problema não está na ferramenta, um monumental avanço. Mais uma vez o centro da transformação está no avanço educacional e cultural dos seus usuários.


Marcus Pestana: Desenvolvimento econômico e intervenção estatal (Parte II)

Fica claro que o papel do Estado é uma questão em aberto e que não há receitas prontas e exatas. A realidade sepultou os sonhos daqueles que advogavam um Estado máximo, onde o planejamento centralizado substituísse os mecanismos de mercado.

A questão passa a ser a calibragem ideal entre o livre jogo das forças de mercado e a intervenção regulatória e de política econômica do aparato governamental. Mas as crises cíclicas, os desequilíbrios e as desigualdades impõem algum grau de intervenção e arbitragem do Estado. Esta não é uma questão abstrata e depende das circunstâncias históricas concretas.

O Brasil faz parte do bloco dos países de industrialização tardia. Até a década de 1930, tínhamos a dinâmica de acumulação capitalista liderada pelo setor agroexportador herdado de nossas raízes coloniais e escravistas.

A industrialização por substituição de importações se deu com alta participação e indução estatal. Até a organização do mercado de trabalho partiu do Estado com a CLT. No período getulista, no Plano de Metas de JK e no Segundo PND de Geisel, mecanismos de incentivos e proteção cambiais, creditícios, fiscais foram usados a esmo de forma heterodoxa em nome do objetivo central da industrialização do país. Sem falar na intervenção direta do Estado-empresário em setores como petróleo, mineração, siderurgia, energia e telecomunicações. O resultado foi um país de razoável nível de complexidade industrial, um agronegócio moderno e competitivo e os maiores índices mundiais de crescimento entre o pós-guerra e 1980.

Mas a atual crise expõe a necessidade de mudanças radicais. A crise fiscal aguda impede qualquer sonho de reprodução do protagonismo do Estado. A economia contemporânea exige descentralização, inovação, flexibilidade. As respostas virão dos investimentos privados. E é preciso criar o ambiente de negócios adequado.

As características do desenvolvimento capitalista nos legaram disseminadas na sociedade e nas instituições uma cultura anticapitalista, uma visão paternalista da ação do Estado e um baixo espírito empreendedor e inovador.

É evidente que temos que ter políticas públicas para garantir a equidade social e ações muito bem calibradas do governo para regular e combater desequilíbrios e distorções de mercado. Mas temos que deslocar o protagonismo para a sociedade e para os empresários e a ação do Estado para a órbita exclusiva do social e historicamente necessário.

O anacronismo ideológico tenta impregnar o debate político com visões atrasadas e preconceituosas em relação à dinâmica capitalista. Pergunto: qual foi o mal causado pelas privatizações dos setores de mineração, siderurgia, telecomunicações e aeronáutico? E a quebra do monopólio estatal da PETROBRAS? Ao contrário, os resultados positivos são visíveis. Para que insistir em tabelamentos e controles excessivos de preços ou no paternalismo excessivo nas relações trabalhistas quebrado com a recente reforma trabalhista? Qual foi o resultado da última onda intervencionista da chamada Nova Matriz Econômica da era Dilma, com a desorganização do setor elétrico, do açúcar e álcool, “campeões nacionais” e voluntarismo fiscal? Um desastre!

Portanto, precisamos de menos retórica ideológica e mais pragmatismo e competência. Menos Estado e mais sociedade e mercado. Mais Brasil e menos Brasília.


Marcus Pestana: A socialdemocracia morreu. Viva a socialdemocracia!

Ninguém mais tem dúvidas que o Século XXI embaralhou o mundo das ideias e abalou os paradigmas ideológicos. Após a Revolução Industrial vivemos sob a polaridade entre capital e trabalho, liberalismo e socialismo. O Estado mínimo cuidava apenas de assegurar curso à ordem constitucional e jurídica, preservar a estabilidade da moeda e da defesa nacional. O resto caberia à sociedade e aos indivíduos empreendedores. Era a famosa “mão invisível” de Adam Smith. As condições selvagens de organização do trabalho e da produção no mundo urbano-industrial, no entanto, despertava forte resistência dos movimentos dos trabalhadores e dos socialistas.

O fim da bipolaridade começa já no final do Século XIX, com o nascimento da tendência reformista liderada Lassalle. Começava a surgir a ideia não de uma ruptura revolucionária, mas de reformar por dentro a democracia liberal e a economia de mercado. Em 1917, o socialismo revolucionário passa a ser real com a experiência soviética. As duas grandes guerras e a profunda recessão de 1929 cristalizaram a divisão do movimento socialista. Nascia a socialdemocracia.

A dissolução da URSS e a queda do Muro de Berlim decretaram a falência do socialismo real. A globalização avançou. Vieram a internet e as redes sociais. As bases da democracia clássica começam a ser questionadas. Este é um processo em curso. Antes mesmo, o Estado assumiu configuração muito mais complexa, intervindo no mundo capitalista e democrático através da tributação, do gasto público, das políticas sociais e da regulação da economia de mercado. O fato é que os três grandes paradigmas ideológicos entraram em crise na morte do socialismo, na crise mundial de 2009 que colocou em xeque ingenuidades liberais e na crise fiscal do Estado de Bem Estar Social. Como disse outro dia o ex-deputado Roberto Brant: “Não foi a socialdemocracia que acabou, o que acabou foi o dinheiro”.

Novos conceitos imprecisos surgem: populismo autoritário, liberais na economia e conservadores nos costumes, esquerda democrática, terceira via, liberalismo conservador, liberalismo progressista. Enfim, há um novo mundo a exigir novas ideias.

O importante é que no Brasil e no mundo há um amplo espaço de diálogo entre liberais, socialdemocratas, democratas cristãos, socialistas democráticos em torno dos desafios contemporâneos acerca da democracia, da economia de mercado socialmente regulada, da sustentabilidade ambiental, do combate às desigualdades e da mudança do papel do Estado.

Diante do complexo e desafiador cenário contemporâneo o melhor é ficar com Raul Seixas: “prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela opinião formada sobre tudo”.


Marcus Pestana: O fim do ciclo político da Nova República e do presidencialismo de coalizão

Antes de recolher os votos na aprovação do corpo principal da Reforma da Previdência, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, em discurso denso e emocionado, fez uma enfática defesa da democracia e das instituições brasileiras. Disse ele: “Não haverá investimento privado sem democracia forte. Investidor de longo prazo não investe em país que ataca as instituições”. Era uma clara referência aos violentos ataques ao Congresso Nacional e ao poder judiciário, particularmente ao STF, nas manifestações dos setores mais radicais do bolsonarismo-olavismo, que advogam um populismo autoritário.

Diante do vácuo gerado pela indefinição do novo modelo de relacionamento entre os poderes republicanos e das fragilidades da articulação política do Palácio do Planalto, o Congresso Nacional optou por desenvolver uma agenda própria, liderando as transformações necessárias para a superação da presente crise. No mesmo discurso, o deputado Rodrigo Maia reafirmou o protagonismo do Congresso e sinalizou os próximos passos: Reforma Tributária e reorganização do serviço público.

Há trinta anos, o cientista político Sergio Abranches cunhou o termo “presidencialismo de coalizão” que ficou famoso para descrever a conjugação do nosso sistema eleitoral proporcional de lista aberta, o multipartidarismo e a escolha de mandatários do poder executivo sem vinculação às eleições legislativas. Foi o que vigorou no país de 1985 a 2018.

O ciclo político da Nova República, inaugurada sob a liderança e Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, teve seu fim decretado com a eleição disruptiva de 2018. O sistema político tradicional que sustentou o presidencialismo de coalizão foi derrotado em função da deterioração de seu funcionamento pela exacerbação do patrimonialismo, do clientelismo, da corrupção e de sua disfuncionalidade. Isto não apaga as expressivas vitórias econômicas, sociais e políticas. Mas já há consenso que o presidencialismo de coalizão morreu junto com a “velha política”, embora ninguém se arrisque a dizer o que o substituirá. É uma obra em construção.

Será um “parlamentarismo” disfarçado? Será um caminho permanente de conflitos e impasses entre os poderes? Como enfrentar as mudanças necessárias sem uma maioria parlamentar sólida? Ninguém ousa ainda arriscar. Algo novo nascerá.

O cenário futuro exigirá um reposicionamento de todas as forças políticas. O vice-presidente Marco Maciel gostava de dizer “que ideias são boas para a academia, mas a política no Brasil é fulanizada”. Numa precoce visão sobre 2022 é possível visualizar que a disputa presidencial já tem dois polos definidos. O bolsonarismo de um lado, e de outro, a esquerda dividida entre Ciro Gomes e PT, que não estão se reciclando diante dos novos tempos. Resta um vazio ao centro do espectro político.

Creio que serão necessárias ousadia e coragem para produzir uma reaglutinação criativa do campo democrático e reformista. Novos tempos exigem novas ferramentas. Em torno de princípios como a defesa da democracia, do combate às desigualdades, da economia de mercado, do Estado modernizado, da sustentabilidade ambiental e da ética, podemos criar um novo e forte partido para preencher o enorme vácuo existente hoje entre os extremos radicais que disputam a hegemonia política.


Marcus Pestana: Reforma Tributária: a vida continua

A Câmara dos Deputados deu alguns passos na direção da aprovação da reestruturação parcial do nosso sistema previdenciário. Pontos essenciais ainda serão definidos. Muitas concessões poderão ser feitas e tendem a desidratar o conteúdo, diminuir a equidade e tornar mais ralo o impacto fiscal. A mudança previdenciária é condição necessária, mas não suficiente para a reversão da crise. As projeções são de uma década perdida entre 2011 e 2020. Neste período, enquanto a Ásia emergente crescerá 93,0%, os EUA 24,5% e a União Europeia 18,5%, amargaremos uma marca que revela a paralisia do desenvolvimento brasileiro, 10,6%.

Outras medidas têm que ser tomadas para aumentar a produtividade, estimular o comércio exterior, diminuir os incentivos fiscais, abordar a agenda de reformas microeconômicas, privatizar estatais, conceder serviços públicos, construir parcerias público-privadas, dar eficiência a um Estado mais enxuto.

Mas de todas as ações necessárias no “day after” da reforma da previdência nenhuma tem a importância da mudança radical de nosso sistema tributário. Nossa carga tributária é alta para um país emergente e o perfil do nosso sistema é impressionantemente confuso, injusto, regressivo, ineficiente, burocrático, estimulando a sonegação, a elisão excessiva, a corrupção, a concentração de renda e obstaculizando o crescimento econômico e a modernização da economia. Como disse o ex-deputado Luiz Carlos Hauly, autor do relatório aprovado da reforma em 2018: “O sistema é anárquico e caótico, quem pode mais chora menos”, ou como gostava de caracterizar nas reuniões é “um verdadeiro manicômio tributário”.

Não é nada fácil viabilizar politicamente uma verdadeira reforma que mereça o nome. Sobre redistribuição de renda é bom falar e difícil de fazer. Quem tem não quer perder, que não tem quer ganhar. E essa regra vale para a disputa entre os segmentos sociais, os setores econômicos e os três níveis de governo. Não sei por que algumas pessoas ficam assustadas ao saberem que o Brasil é um dos países mais desigual do mundo. Os dois grandes sistemas institucionais (previdenciário e fiscal), que poderiam operar para diminuir desigualdades sociais, são concentradores e injustos. A carga tributária daqueles que têm até dois salários de renda familiar é superior a 50% e de quem tem mais de 30 salários mínimos menos de 30%. Isso reflete o predomínio de impostos indiretos, e não sobre a propriedade, a renda e a riqueza.

Mas, além disso, o sistema é ineficiente e prejudica o desempenho da economia. São impostos encavalados em cascata e com legislação descentralizada e confusamente complexa. Custo Brasil na veia.

Ou fazemos uma mudança estrutural profunda – previdência, tributos, orçamento, abertura da economia, reforma do Estado – ou não teremos futuro promissor. Isto depende de clareza de ideias e objetivos, liderança, capacidade política de construir consensos e participação ativa e consciente da sociedade. Não são ativos abundantes na atual conjuntura nacional.

Mas quem acha que vamos sair do circulo vicioso de nossa armadilha do crescimento para darmos respostas aos treze milhões de desempregados e cinco milhões de desalentados e também às novas gerações, sem coragem, atitude, e alguma dose da receita de Churchill (“Sangue, suor e lágrimas”), lastimo dizer: “chance zero”!


Marcus Pestana: A reforma da Previdência Social na reta final da votação

Aprofundar a consciência sobre a gravidade da situação

O assunto mais comentado na imprensa e nas redes sociais continua sendo a reforma de nosso sistema previdenciário. Assunto polêmico e de repercussão ampla, desencadeia um forte embate de opiniões dos mais variados matizes. É preciso muita serenidade e sensibilidade no tratamento do tema.

O Brasil precisa dar urgentemente uma guinada em seus destinos. O crescimento econômico é resistentemente baixo, o desemprego e o desalento assombram a vida de mais de 18 milhões de trabalhadores brasileiros, nosso desempenho nas avaliações internacionais de qualidade da educação é inaceitável, nos rankings de competitividade ficamos mal na foto e a capacidade fiscal de os governos gerarem políticas públicas impactantes é cada vez menor.

Para abordar uma crise tão profunda e cheia de faces não há a chamada “bala de prata”, uma panaceia qualquer ou um nocaute espetacular. Temos que percorrer uma longa agenda de reformas e mudanças visando recuperar os investimentos, melhorar a infraestrutura, qualificar o capital humano, aumentar a produtividade, tornar o ambiente de negócios mais saudável. Na melhoria do ambiente institucional, três grandes reformas deveriam puxar a fila: a previdenciária, a tributária e a política.

Mas a bola da vez é a reforma previdenciária. E por que, apesar de não ser uma varinha mágica que resolverá todos os problemas nacionais, ela tem hoje centralidade e urgência? A questão central hoje é o grave desequilíbrio das contas públicas. Isso impede a retomada dos investimentos, empurra os juros para a estratosfera, inibe a ação governamental. E o elemento central e explosivo é o desequilíbrio previdenciário.

Nunca é demais repetir. O sistema previdenciário foi consolidado mundo afora no século XX para proteger o trabalhador idoso e pobre que não consegue mais, por meio do seu trabalho, assegurar uma vida digna para si e sua família. O sistema tem que ser justo, portanto, do ponto de vista social. E sustentável, porque senão os direitos prometidos se assemelharão à venda de lotes na Lua.

O sistema brasileiro se esgotou, não é sustentável e muito menos justo. O déficit previdenciário cresce como bola de neve. E as futuras gerações é que pagarão o pato. E como dizer que é justo um sistema que concede um benefício médio de R$ 1.400 a dezenas de milhões de trabalhadores que se aposentaram no INSS e a outros poucos do regime próprio do setor público oferece aposentadorias e pensões médias entre R$ 9.000 e R$ 28 mil?

O relator da Comissão Especial, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), habilidoso e experiente, apresentou seu relatório refletindo a média das opiniões. Sabe que o pior inimigo do bom é o ótimo. O presidente Rodrigo Maia quer levar ao plenário ainda em julho. Mas a turbulência está só começando. A sociedade precisa aprofundar sua consciência sobre a gravidade da situação e agir junto à sua representação política no Congresso. Interesses feridos certamente exercerão forte pressão sobre os parlamentares.

Muito ainda há que se aperfeiçoar. Retirar Estados e municípios da reforma é gravíssimo equívoco. Desidratar a reforma atendendo a pressões setoriais e corporativas, também. O sistema de capitalização virá mais cedo ou mais tarde. Mas o fundamental é que a reforma da Previdência Social, robusta e eficaz, sirva de abre alas para tantas outras mudanças necessárias, e o Brasil retome a geração de renda e emprego para sua população