negacionismo

Murillo de Aragão: O alto custo da instabilidade política

Setores radicais estão querendo tornar pior o que já não está bom

Murillo de Aragão / Revista Veja

O semestre parecia positivo ao país. A vacinação seguia derrubando os índices de óbitos pela Covid-19 nos estados. A economia caminhava bem, e o câmbio em queda sinalizava que o cenário poderia se configurar para melhor. A arrecadação estava em alta e a dívida pública, em baixa. O Brasil, porém, é o Brasil. E, quando tudo poderia melhorar em meio à tragédia da pandemia, uma tormenta de tolices, equívocos e disputas frívolas arruinou a expectativa quando mais precisávamos dela.

Ainda que o Brasil seja melhor do que parece, setores radicais estão querendo que o que não está bom fique pior. Mesmo diante do risco de nova onda de Covid-19 e de uma crise hídrica que pode ser terrível, em especial em ambiente de inflação em alta e desemprego em nível assustador, há quem queira incendiar o parque institucional.

A instabilidade política trabalha contra o país. E quem a está incentivando não percebe isso. Cabe às instituições, inclusive o governo, conter os ânimos. Há tempos afirmei que o presidente Jair Bolsonaro tem em seus aliados mais radicais os seus principais adversários. Ao ser complacente com os delírios de seus apoiadores, para dizer o mínimo, Bolsonaro pode estar inviabilizando tanto o seu governo quanto o seu desejo de se reeleger.

“Não há caminho para rupturas no país sem que isso provoque imensos transtornos aos brasileiros”

As consequências são óbvias: Lula foi “ressuscitado” politicamente e o centro, que parecia pouco competitivo, pode se transformar em uma alternativa viável. No establishment econômico há um misto de enfado, desânimo e estupefação com a incapacidade do governo de capitalizar o que faz de bom. E, por outro lado, com a sua capacidade de se meter em querelas inúteis. Seu histórico é digno de uma república de bananas podres: ofensas pessoais, ameaças de invasão a órgãos públicos, paralisações, acusações sem prova, ameaças de agressões e não aceitação das regras democráticas, além de meteoros fiscais e propostas tributárias polêmicas.

Temos o privilégio de ser uma nação com poucos problemas gerados no exterior. Nossos problemas são 100% brasileiros. Mas estamos exagerando. Ao programarmos protestos contra instituições, passamos uma péssima imagem para os investidores. Como se estivéssemos, enquanto país, brincando de roleta-russa com um revólver carregado de balas.

Setores radicais que apoiam o governo querem forçá-lo a praticar haraquiri institucional. Só não percebem que o resto do país não quer isso. Por mais que o povo desconfie das instituições, somos um país cujo nível de reformismo é de baixo impacto. Acreditamos que mudanças cumulativas podem trazer bons resultados, e as reformas feitas nos últimos cinco anos mostram justamente que estávamos avançando.

Não há caminho nem clima para rupturas institucionais sem provocar imensos transtornos aos brasileiros, sobretudo aos que estão à margem do sistema. O direito de manifestação é livre e assegurado pela Constituição. E deve ser respeitado. Contudo, isso não significa que os manifestantes, sejam de qualquer espectro político, tenham passe livre para atacar instituições, vandalizar prédios e afetar o direto de ir e vir. É hora de termos mais juízo como nação e começar a pensar no elevado custo da instabilidade institucional.

Publicado em VEJA de 1 de setembro de 2021, edição nº 2753

Fonte: Veja
https://veja.abril.com.br/blog/murillo-de-aragao/o-alto-custo-da-instabilidade/


Adriana Fernandes: Governo evita falar, mas o país está sob risco de apagão

Crise hídrica no Brasil é gravíssima e o governo precisa com urgência 'dar a real' para a população sobre o cenário energético

Adriana Fernandes / O Estado de S. Paulo

A crise hídrica no Brasil é gravíssima e o governo precisa com urgência “dar a real” para a população sobre os riscos de racionamento de energia no País.

O Palácio do Planalto tem feito, no entanto, o contrário ao dar ordens para segurar a comunicação da crise para a população, seguindo o modus operandi no enfrentamento da pandemia da covid-19: o negacionismo do tamanho da encrenca. O governo atravanca a transparência necessária em um momento tão delicado para a economia, que combina alta de preços e risco de crise energética.

Há dois meses, o ministro Bento Albuquerque, de Minas e Energia, pediu, durante pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV, a “colaboração” da população para economizar energia e água devido à crise hídrica.

Na época, termos como racionamento e racionalização compulsória de energia foram proibidos de serem utilizados no governo depois que o Estadão/Broadcast antecipou o texto de uma minuta de medida provisória (MP) que previa a adoção desse tipo de medida.

De lá para cá, a crise se alargou. Um novo pronunciamento do ministro Bento estava marcado para a próxima segunda-feira para dar um alerta contundente à população, mas a sua fala foi cancelada.

Bento convocou na quarta-feira, 25, entrevista para anunciar um programa de redução voluntária voltado para consumidores residenciais, que começa em 1.º de setembro. O governo vai dar descontos nas contas de luz de consumidores residenciais que economizarem energia elétrica.

Mas o alerta do ministro foi contido e – por que não dizer? – reprimido no estilo “o gato subiu no telhado”. Bento falou que as perspectivas de chuvas até o fim do período seco deste ano (setembro e outubro) “não são boas no momento” e informou que os meses de julho e agosto registraram a pior quantidade de águas que chegaram aos reservatórios em toda a série histórica. A pior, a pior, a pior. Deveria ter repetido várias vezes.

Faltou contundência para mostrar a realidade. O ministro chegou a dizer que as medidas não se tratavam de racionamento. Um medo danado de falar essa palavra proibida no vocabulário do presidente Jair Bolsonaro.

Em vez disso, Bento disse, inclusive, que o governo não trabalhava com a hipótese de racionamento. Entre os técnicos, a recomendação era outra: a necessidade de maior assertividade e transparência.

A situação é bastante crítica na região Sul, que está sendo atendida com a energia acumulada do Nordeste. As perspectivas de chuva não estão se concretizando. Mas a piora se deu em todos os reservatórios.

Já não era hora de falar para a população de forma mais dura, alertando o que vem por aí? Sem rodeios.

Camuflar a gravidade pode custar caro no enfrentamento da crise que se agrava a passos largos, justamente no pior momento de alta dos preços. Os juros mais altos puxados pelo Banco Central já vão esfriar o processo de retomada do crescimento da economia brasileira. A crise hídrica piora esse futuro, porque tem um impacto grande sobre a capacidade de expansão do Produto Interno Bruto (PIB).

O resultado desse processo é a corrosão da expectativa futura de novos investimentos, como alertou o economista Fabio Terra, da Universidade Federal do ABC, em reportagem do Estadão de domingo passado sobre os riscos que fizeram os indicadores do mercado financeiro piorarem drasticamente neste mês de agosto.

Formou-se uma “tempestade perfeita” com um conjunto de fatores negativos reunidos: inflação, juros elevados, dólar elevado, riscos fiscais em alta, crise entre os Poderes e cenário externo menos favorável com a desaceleração da China.

É evidente que o governo quer evitar adotar o racionamento porque teme os seus efeitos nas eleições de 2022. Por outro lado, a energia com geração a qualquer custo tem seu preço. Muito alto ao provocar um tarifaço dos preços de energia.

Evitar falar em racionamento não garante bons resultados para ninguém. Não muda a realidade: o Brasil enfrenta a pior crise hídrica dos últimos 91 anos, com grave escassez nos reservatórios das principais usinas hidrelétricas e risco de apagão. Crise hidrelétrica sem rodeios.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,governo-evitar-falar-em-racionamento-nao-muda-o-fato-de-que-pais-esta-sob-risco-de-apagao,70003821584

*Título do texto original alterado para publicação no site da FAP


Míriam Leitão: Crise se agrava no setor elétrico brasileiro

Governo está atrasado porque é negacionista também no assunto e tem medo da queda da popularidade de Bolsonaro

Míriam Leitão / O Globo

A crise no setor de energia se agravou nos últimos dois meses, mas os especialistas já haviam alertado que isso iria acontecer. Ontem o governo convocou a imprensa para anunciar que haverá três programas para redução de consumo. Um para as grandes empresas, um para os consumidores residenciais e outro para os órgãos federais. A coletiva foi marcada pelo improviso e pela falta de informações sobre o funcionamento e os custos dessas medidas. O ministro Bento Albuquerque continua errando na comunicação, ao afirmar que não trabalha com a hipótese de racionamento. Na prática, isso já começa a acontecer para os órgãos federais. O governo está atrasado porque é negacionista também nesse assunto e tem medo da queda da popularidade do presidente Bolsonaro.

Os programas de redução de consumo só foram apresentados agora, no oitavo mês do ano. As empresas dizem que levará tempo até que haja confiança para uma adesão expressiva. Os órgãos federais que descumprirem as metas não serão punidos. E o consumidor residencial não sabe quem pagará pelo seu bônus. O risco é que seja ele mesmo, com aumento de bandeira tarifária. Ganha-se um desconto de um lado, paga-se mais via encargos de outro. Os especialistas são unânimes em afirmar que não há uma campanha de comunicação que mostre a gravidade desta crise elétrica.

O nível de água dos reservatórios das hidrelétricas do Sudeste e do Centro-Oeste está em 22,7%, o menor patamar para agosto dos últimos 20 anos, superando inclusive 2001. Essas duas regiões representam 70% da capacidade de armazenagem do sistema. A situação é crítica. Circula a informação no setor de que o presidente Bolsonaro vetou um pronunciamento que seria feito pelo ministro Albuquerque em rede nacional na última segunda-feira. Bolsonaro não quer notícia ruim às vésperas das manifestações do 7 de Setembro. Trocou-se isso por uma coletiva transmitida pelo canal oficial do ministério nas redes sociais.

As grandes indústrias dizem que é cedo para avaliar a eficácia do programa de racionamento voluntário. O consumidor cativo pagará os custos da medida sob a forma de Encargo de Serviços do Sistema. Esse é o mesmo encargo que contabiliza os gastos com as termelétricas, que continuarão operando em carga máxima. Ou seja, um custo irá se somar ao outro. As indústrias temem que o voluntário vire compulsório.

— Como o governo é pouco confiável, se você entrar nisso ele pode te obrigar depois. É o risco de o governo forçar a mão caso a situação se agrave. Ainda não houve uma postura de real conversa com a sociedade, com abertura dos dados para todos os agentes sobre esta crise. Como confiar? — diz o representante de um setor industrial.

O ex-diretor-geral da ANP David Zylbersztajn, especialista em setor elétrico, afirma que o risco de faltar energia em horários de pico no final do ano tem aumentado. No passado, houve governantes que contaram com a sorte e a chuva os salvou, mas não se deve apostar nisso.

— Bolsonaro precisa entender que há um risco de 30% de faltar energia. É um percentual muito alto. Ele está apostando nos 70%. O Lula fez isso em 2008 e deu certo. A Dilma fez isso em 2014 e empurrou a crise para 2015. Mas é papel do governo pensar no pior cenário. Se ele acontecer, será dramático para a economia — afirmou.

O consultor Luiz Augusto Barroso, da PSR, diz que o cenário piorou muito em relação às suas análises anteriores e as previsões de chuvas para o mês de setembro não estão boas. Com o baixo nível de água, o sistema elétrico já está operando no limite, o que aumenta o risco de falhas nos sistemas de geração e transmissão. Ele acha que algumas medidas do governo têm dado certo, como a flexibilização dos limites de armazenamento e vazão de água das hidrelétricas e o aumento de importação de energia de países vizinhos. Sobre o programa de redução de consumo das residências, diz que é fundamental, mas ainda faltam detalhes.

— Disseram que o dinheiro não virá do Tesouro, mas da tarifa. Ainda está pouco claro sobre como isso vai funcionar — afirmou.

Itaipu está hoje gerando 39% da sua capacidade. Se não fosse a energia dos ventos e do sol, que não havia na crise de 2001, o Brasil já poderia estar em colapso. A eólica em agosto gerou 166% mais energia do que Itaipu no Brasil, e o sol chegou a 10 GW de potência instalada.

A crise hídrica impacta a economia dramaticamente e já está afetando as famílias pela inflação da energia. O governo ao atuar do lado da oferta — e só agora ter medidas para conter a demanda — está contratando aumentos futuros e elevando os riscos do país.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/crise-se-agrava-no-setor-eletrico.html


Estudo aponta queda da eficácia de vacinas dentro de 6 meses

Pesquisa britânica mostra que proteção do imunizante da Pfizer contra covid caiu para 74% e da AstraZeneca, para 67%

DW Brasil

Uma pesquisa realizada no Reino Unido com base nos resultados de exames PCR de mais de um milhão de pessoas que haviam recebido as duas doses das vacinas da Pfizer-Biontech ou da AstraZeneca trouxe novas evidências sobre a redução da eficácia dos imunizantes contra a covid-19 ao longo do tempo.

A proteção da vacina da Pfizer-Biontech contra uma infecção caiu de 88% um mês após a imunização completa para 74% após cinco ou seis meses, e a proteção da AstraZeneca caiu de 77% para 67% após quatro ou cinco meses, segundo o estudo.

O resultado se soma a outras pesquisas já realizadas que apontam redução da eficácia das vacinas ao longo do tempo, e esquenta o debate sobre a necessidade de aplicar uma terceira dose de imunizante em quem já recebeu as duas doses enquanto muitas pessoas no mundo ainda nem receberam a primeira.

A pesquisa foi liderada pelo professor Tim Spector, do King's College de Londres, e feita com dados do aplicativo de pesquisa epidemiológica Zoe Covid. Spector afirmou à BBC que uma redução da proteção ao longo do tempo dos imunizantes já era esperada e não é um motivo para não se vacinar.

"As vacinas ainda fornecem altos níveis de proteção para a maioria da população, especialmente contra a variante delta, então ainda precisamos do maior número possível de pessoas para sermos totalmente imunizados", disse.

A Public Health England, agência de saúde pública do governo britânico, estima que a campanha de vacinação na Inglaterra evitou 84,6 mil mortes e 23 milhões de infecções até o momento.

Pesquisa mostrou queda da eficácia das vacinas contra a variante Delta após três meses de imunização completa. Foto: Miva Filho/SES-PE

Queda de eficácia contra a delta

Outro estudo britânico, realizado pela Universidade de Oxford e publicado na semana passada, a partir dos resultados de exames PCR de quase 400 mil adultos, já havia identificado queda da eficácia de ambas as vacinas contra a variante delta após três meses da imunização completa.

A pesquisa apontou que a eficácia da vacina da Pfizer-Biontech em infecções pela variante delta caiu de 94%, 14 dias após a segunda dose, para 78% após três meses, enquanto a eficácia da AstraZeneca caiu de 69% para 61% no mesmo período.

Esses resultados, em conexão com indícios de que a variante delta pode infectar pessoas vacinadas, que por sua vez podem transmitir o vírus, reforçam a perspectiva de que a imunidade coletiva contra o coronavírus será inalcançável.

Nesse cenário, a população irá conviver com o vírus e o combate à covid-19 não será resolvido como o sarampo, para o qual a vacina funciona por toda a vida. Mas as vacinas serão importantes para que as pessoas infectadas desenvolvam, em sua maioria, sintomas mais suaves da doença.



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Paciente de Covid-19 internado em UTI no Distrito Federal. Foto: Breno Esaki/Agência Saúde
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Projeção de alta nas internações

Spector, do King's College de Londres, estima que o nível de proteção nos idosos e nos trabalhadores do setor de saúde na Inglaterra, que tomaram a vacina primeiro, pode cair para menos de 50% até dezembro, quando começa o inverno no hemisfério norte, e afirma que doses de reforço serão necessárias para parte da população.

Se a taxa de infeção continuar alta, incentivada pela variante delta e o relaxamento de restrições, "esse cenário pode significar alta nas internações hospitalares e mortes", afirmou.

Ele ressalta que nem todos precisariam da terceira dose, e que aqueles que já foram infectados pela covid-19, se curaram e receberam a vacina podem ter um "reforço natural" equivalente a ter tomado três doses.

"Tudo precisará ser gerenciado com muito mais cuidado do que apenas dar [a terceira dose] para todo mundo, o que seria um grande desperdício e eticamente duvidoso considerando os recursos que temos. Precisamos pensar em uma abordagem mais focada do que da última vez", afirmou.

Desigualdade na vacinação mundial

A Organização Mundial de Saúde vem criticando os países que decidiram iniciar a aplicação da terceira dose, enquanto não há consenso científico sobre quem precisaria do reforço e muitas nações ainda não conseguiram nem aplicar a primeira dose na maior parte de sua população.

Em 13 de agosto, o o americano Seth Berkley, diretor executivo da Gavi Alliance – que promove a distribuição de vacinas para países mais pobres –, e o professor britânico Andrew Pollard, do grupo de vacinas da Universidade de Oxford, afirmaram que um número ainda maior de pessoas em todo o mundo morrerá se os países desenvolvidos ignorarem suas "responsabilidades com o resto da humanidade".

"Este é um momento fundamental para os tomadores de decisões", afirmaram. Na avaliação de ambos, a adoção da medida nos países mais ricos poderá enviar um sinal para todo o mundo de que a terceira dose é, de fato, necessária. Segundo eles, isso poderá fazer com que muitas doses de vacina fiquem fora do sistema, levando à morte de um número maior de pessoas que sequer tiveram a chance de receber a primeira dose.

Marcelo Queiroga: A partir de 15 de setembro será iniciada a aplicação de uma dose de reforço da vacina da Pfizer-Biontech nas pessoas com mais de 80 anos ou imunossuprimidas. Foto: Walterson Rosa/MS

Brasil anuncia terceira dose

Mesmo após o apelo da OMS, diversos países decidiram ir adiante com os planos de começar a aplicar uma terceira dose em parte de sua população já em setembro, inclusive o Brasil, devido a preocupações com o avanço da variante delta.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, anunciou nesta terça-feira que a partir de 15 de setembro será iniciada a aplicação de uma dose de reforço da vacina da Pfizer-Biontech nas pessoas com mais de 80 anos ou imunossuprimidas que tomaram a segunda dose da vacina há pelo menos seis meses. Nessa data, o governo espera que toda a população maior de 18 anos já tenha recebido pelo menos a primeira dose da vacina.

Alemanha e a França já anunciaram a terceira dose para os mais idosos e vulneráveis, enquanto Israel começou a administrar a terceira dose em pessoas com mais de 50 anos.

Os Estados Unidos autorizaram a dose reforço para cidadãos que têm o sistema imunológico debilitado, o que equivale a 3% de sua população.  E o Uruguai anunciou que oferecerá uma terceira dose da Pfizer-Biontech a quem tomou a Coronavac.

Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/estudo-aponta-queda-da-efic%C3%A1cia-de-vacinas-dentro-de-6-meses/a-58980546


Carlos Andreazza: Cristo Ipiranga e a fé caloteira

Na última quarta-feira, Bolsonaro disse que, “com fé, com vontade, com crença”, o Brasil poderia superar a inflação e o desemprego. No dia seguinte, à Comissão de Relações Exteriores do Senado, Paulo Guedes sapecou — com vontade — o combo chantagem/incompetência e mostrou ao presidente que não existe Cristo Ipiranga, ao mesmo tempo que lembrava ao povo quem será o sacrificado:

— Se precatório não passar, vamos mandar Orçamento de R$ 90 bilhões e vai faltar dinheiro para pagamentos até de salários.

Referia-se, pela ordem, à PEC dos Precatórios, por meio da qual pretende formalizar um calote em credores da União, condição movediça — fonte incerta — que a criatividade liberal encontrou para bancar programa permanente, o novo Bolsa Família; ao Orçamento de 2022, dentro do qual o fiscalista do amanhã finge tentar embutir a conta da reeleição do mito, enquanto, no mundo real, acionado vai o teto de gastos solar, para fora do qual dependuram-se fundos e outros infinitos em que os sócios do Centrão poderão encher seus balões quando lotados os orçamentos secretos; e aos recursos para custear a remuneração do funcionalismo público, despesa obrigatória, mas com que resolveu ser austero, já que, comprometido com os acordos do amortecedor Ciro Nogueira e do trator Arthur Lira, não tem braço para ser valente com gastos discricionários.

Não existe Cristo Ipiranga. Nem Posto Ipiranga. Nem sequer o Paulo Guedes que Paulo Guedes ainda apregoa. (Para que se avalie o prestígio: o Onyx Lorenzoni de Chicago perdeu o Ministério do Trabalho para que o Onyx Lorenzoni redpill tenha base por onde tocar sua campanha ao governo do Rio Grande.) Há um ministro da Economia bom de promessas, mas com graves dificuldades em formular políticas públicas e incapaz de acompanhar politicamente — e de executar — o pouco que propõe. O produto exemplar dessa miséria sendo o projeto de capitalização da Eletrobras, entregue ao patrimonialismo em troca de algo a ser vendido como privatização, afinal uma escada para que usineiros sem gás façam negócios subsidiados pelo trouxa cuja conta de luz subirá.


MINISTRO PAULO GUEDES


Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Coletiva do ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Marcos Corrêa/PR
O Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Paulo Guedes durante cerimônia do Novo FUNDEB. Foto: Isac Nóbrega/PR
O Ministro da Economia, Paulo Guedes e o presidente Jair Bolsonaro. Foto: Marcos Corrêa/PR
Paulo Guedes e Bolsonaro durante o Latin America Investment Conference. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Arthur Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara
O ministro da Economia, Paulo Guedes, durante palestra. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
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Diga-se que estelionato eleitoral também é modalidade de calote.

Aliás, o severo de propaganda — o que ameaça não pagar salário em nome da higidez de um teto arrombado — é o pai daquela PEC, a Emergencial, a do Futuro (a de rigores fiscais só para 2025), concebida para oportunisticamente permitir reajustes salariais no ano eleitoral que vem. Que não se espere coerência. O recado aos servidores é este mesmo — a ameaça: terão aumento em 2022, mas, se o Parlamento não aprovar a tunga nos credores, não receberão os salários. O recado aos legisladores — a chantagem: se não apoiarem o calote nos precatórios, darei calote no funcionalismo; e a culpa será de vós.

Calote ou calote, informou o ministro da Reeleição; que, enquanto deixa correr frouxa uma reforma do IR destinada a comer a arrecadação federal, quer engajar a todos (ou serão militantes traidores da pátria) na missão de legitimar os dinheiros com que bancar a campanha eleitoral golpista por meio da qual Bolsonaro, populista autoritário cuja existência competitiva depende da forja de conflitos, quer mais quatro anos para dilapidar a República.

Ao ouvir Guedes, lembrei-me do presidente do Banco Central falando em ruídos geradores de pressão inflacionária:

— Reconhecemos que há grande quantidade de ruído em torno do Bolsa Família e de novas medidas [referia-se à PEC caloteira dos Precatórios] que o governo divulgou.

Roberto Campos Neto tratando esse barulho como fato isolado, elemento episódico, e não como estado permanente, talvez, por envolvido demais, impossibilitado de perceber a constância do distúrbio derivado de o combo guedista de chantagem e incompetência cobrar sua fatura sob um presidente que é o próprio centro difusor de instabilidades.

Não tem — nunca teve — como dar certo.

Se Campos Neto não se comportasse como agente político, se não se turvasse participando de reuniões ministeriais e até de encontros de Bolsonaro com empresários, se não se tivesse tornado crente nas palestras de Guedes (para quem a peste não teria segunda onda), talvez a situação brasileira fosse um pouco melhor. Talvez o Banco Central não tivesse sido mergulhado na euforia de analfabetos em matéria democrática. Talvez não se emparedasse contaminado pela lógica dos robertos-jeffersons e daniéis-silveiras da Faria Lima. Talvez fosse um pouco mais conservador antes de forjar juros dinamarqueses num país com estabilidade política peruana.

Vai piorar. O golpismo de Bolsonaro — o do guarda da esquina — opera por dentro e por baixo. E logo teremos — à guisa de manifestação eleitoral — brasileiros armados se medindo nas ruas. O país subordinado a uma agenda de confrontos avessa ao mais mínimo requisito de prosperidade econômica. Ou não vemos o presidente segurar um de seus pedidos de impeachment contra ministros do Supremo — contra Barroso — para soltá-lo mais proximamente ao protesto de 7 de setembro? Parcelará a entrega, contratada nova página de abalo institucional. A fluência da vida republicana — alguma tranquilidade para investimento e geração de empregos — submetida à necessidade de alimentar base de apoio sectária, aquele comandante da PM para quem “liberdade se toma”.

A intenção é a mensagem. É fortalecer a posição de vítima do sistema, impedido de governar pelo establishment; isso enquanto, no mundo real, oferece mais ministérios — talvez tirados de Guedes — aos parceiros do Centrão, o sistema.

Certeza: Guedes fica. Sem ele desanda — crê.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/carlos-andreazza/post/cristo-ipiranga-e-fe-caloteira.html


Míriam Leitão: A cena do país em desequilíbrio

Míriam Leitão / O Globo

Os governadores tinham maioria para assinar uma carta contra as ameaças de Jair Bolsonaro à democracia, mas preferiram fazer um movimento estratégico e aceitaram propor uma reunião ao presidente. Na ata do Fórum dos Governadores está claro o que foi discutido e isso, segundo me disse um governador, mostra o isolamento do presidente. Se o encontro acontecer, contudo, Bolsonaro vai aproveitar para reafirmar sua beligerância. Ele está usando a radicalização, que inclui até o pedido de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, para manter mobilizados os seus apoiadores até a manifestação de 7 de setembro. Bolsonaro quer conflito, convulsão social, por isso os governadores preferiram propor o diálogo.

A economia continua demonstrando cada vez mais desconfiança em relação ao presidente e à gestão econômica. Ontem o Ibovespa caiu em dia de alta nas outras bolsas. O dólar teve mais um dia de volatilidade. A tendência de todos os indicadores mostra a deterioração da confiança, e o mês de agosto marcou esse ponto de virada na percepção do mercado financeiro.

O risco institucional passou a ser considerado central nas avaliações sobre o governo Bolsonaro. Nas últimas semanas o dólar saiu do patamar de R$ 4,90 para R$ 5,30, apesar de o país estar no meio de um ciclo de alta de juros no mundo de juros baixos. Isso deveria valorizar a moeda brasileira. A projeção de crescimento vai murchando para o ano que vem. No Focus está em 2%, mas em várias instituições formadoras de opinião no mercado, como o Itaú, está em 1,5%. A MB calcula 1,4%.

Nos últimos dias o país viu uma sucessão de notas de partidos políticos e manifestações de instituições da sociedade civil contra o governo. Apesar disso, Jair Bolsonaro colherá uma enorme vitória hoje graças ao Senado Federal. Críticos do presidente e integrantes da oposição ajudarão a fortalecer o projeto Bolsonaro ao votarem pela recondução do procurador-geral da República, Augusto Aras.

Aras foi durante dois anos subserviente a Bolsonaro. Ao fazer isso, ele traiu o papel constitucional da PGR. Para quem precisa de números para ver isso, as professoras Eloísa Machado e Luiza Pavan Ferraro, da FGV Direito de São Paulo, não deixaram dúvidas. As duas publicaram na “Folha de S. Paulo”, no dia 19, um artigo mostrando que 287 ações questionando a constitucionalidade dos atos do presidente foram apresentadas ao Supremo. “Chama a atenção, diante da agenda de ofensas contínuas à Constituição promovidas pelo governo Bolsonaro, a quase inexistente participação da Procuradoria-Geral da República, enquanto autora da ação. Propôs apenas 1,74% das ações”, disseram as professoras. Há outro número estarrecedor: em 93,9% das manifestações da PGR e da AGU houve alinhamento de posições. Aras é o agente de Bolsonaro no MPF e hoje o Senado será cúmplice desse atentado à Constituição ao dar a ele mais um mandato.

A ata da reunião dos governadores registrou “a escalada constante de ameaças de ruptura institucional” do presidente. Colocou também o dedo em outra ferida: o risco de as polícias militares se politizarem. Ontem mesmo o dia começou com o governador de São Paulo, João Dória, exonerando o coronel Aleksander Lacerda que, segundo revelou o “Estado de S.Paulo”, estava em suas redes ofendendo o governador, o STF, e conclamando para a manifestação bolsonarista no dia 7 de setembro.

Os governadores também falam do resultado disso: “Cria-se em decorrência dessa situação um cenário de grande instabilidade e insegurança perante os investidores nacionais e internacionais, sendo necessário para o Brasil salvaguardar um ambiente estável e atrativo para o crescimento econômico”.

Quem olha para qualquer lado da economia vê a desconfiança aumentando. Não faltam motivos. Ontem o ministro Paulo Guedes declarou que “pode ser que o Congresso tire o precatório do teto”. Ou seja, Guedes tentará de novo apresentar o inaceitável como se fosse coisa do Congresso.

Todo esse barulho se reflete nos números. O Ibovespa acumula queda de 1,16% no ano —tendo caído 10% desde junho — enquanto o índice americano S&P500 tem alta de 21%. O Banco Central tem que enfrentar todas essas incertezas e é por isso que já se fala em Selic a 8%. A questão é que não há juros que segurem uma crise de confiança quando o risco é de ruptura institucional.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/cena-do-pais-em-desequilibrio.html


Merval Pereira: Presença inaceitável

Merval Pereira / O Globo

O afastamento do coronel da Polícia Militar de São Paulo Aleksander Lacerda, que chefiava o Comando de Policiamento do Interior-7, em Sorocaba, por fazer ofensas pesadas a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e ao governador de São Paulo, João Doria, e que convocou pelo Facebook seus seguidores para as manifestações de 7 de setembro, foi uma ação acertada, ao mesmo tempo exemplar e prenunciadora de problemas que estão por vir.

A atitude do Comando-Geral da PM de São Paulo é importante para controlar a tentativa de avanço bolsonarista nas polícias militares, que ocorre em vários estados, e reforça o caráter legalista e de respeito à Constituição da corporação. Bolsonaro alimentava, antes mesmo de ser eleito, essa subversão nas forças militares auxiliares, na tentativa de ter uma força armada para apoiar um golpe ou uma rebelião.

Não foi outra, também, a intenção dele ao liberar o porte de armas, proporcionando que em 2020 fossem registradas 180 mil novas armas de fogo na Polícia Federal, um aumento de 90% em relação ao ano anterior. As manifestações de seguidores quando era candidato, nos aeroportos por todo o país, imagens que viralizavam revelando uma força inaudita de sua campanha, eram organizadas por militares da reserva e da ativa, especialmente policiais militares.

Não se imaginava na época, mas desde então esses “organizadores” andavam armados, especialmente depois do atentado que Bolsonaro sofreu em Juiz de Fora. Ao anunciar que estará presente e discursará em Brasília e São Paulo, nas manifestações marcadas para o Dia da Independência, o presidente as endossa, apesar de estarem sendo convocadas a favor do fechamento do Supremo, contra ministros específicos, como Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, e também contra o Congresso, que acabou com a pantomima da emenda constitucional a favor do voto impresso. Portanto são manifestações antidemocráticas.
Não foi a pessoa física de Jair Bolsonaro que entrou com um pedido de impeachment contra ministro do Supremo, nem será ela que estará presente na Avenida Paulista, mas sim o presidente da República, não sendo aceitável que isso aconteça sem uma resposta institucional à altura. Caso se confirme essa “ameaça”, a situação será muito grave, e as forças democráticas precisam se unir contra isso.

Além dos muitos crimes de responsabilidade que Bolsonaro vem cometendo desde o início de seu governo, esse, a ser cometido no Dia da Independência, será talvez o mais inegável, e o mais grave, pois repetição de atos anteriores, de apoio a manifestações antidemocráticas que aconteceram em Brasília, inclusive na frente do quartel do Comando-Geral do Exército, rejeitados na ocasião, mas não punidos.

Essas manifestações, aliás, são investigadas há muito pelo Supremo Tribunal Federal, e foi com base nelas que seguidores bolsonaristas radicalizados, como o presidente do PTB, Roberto Jefferson, foram presos recentemente, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, responsável pelos inquéritos. Não é por outra razão que Bolsonaro está mirando-o preferencialmente, para dar satisfação a seus aloprados.

No Brasil todo, o presidente alimenta o bolsonarismo entre os policiais militares, comparecendo, desde o início do mandato, a formaturas de PMs com a intenção de infiltrar seus pensamentos nas forças militares auxiliares, que atuam em coordenação com o Exército nos estados.

O serviço de inteligência da Polícia Civil de São Paulo detectou movimento de incentivo a que os seguidores de Bolsonaro compareçam às manifestações armados, alegadamente para reagir a alguma agressão. Sabidamente, é provável que militantes infiltrados incentivem atos de violência para justificar arruaças. Tivemos em tempos recentes a presença de black blocs em passeatas. A democracia terá problemas se a Polícia Militar for contaminada por essa tentativa golpista do presidente. As Forças Armadas terão de enfrentar essa situação.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/presenca-inaceitavel.html


Isolado, Bolsonaro radicaliza para inflamar atos de 7 de Setembro

Presidente volta a defender voto impresso, enquanto chefes de Executivos estaduais pedem reunião para baixar tensão de crise

Marianna Holanda, Renato Machado e Thiago Resende / Folha de S. Paulo

Isolado nos ataques ao STF (Supremo Tribunal Federal), Jair Bolsonaro radicaliza o discurso e inflama os atos de apoio ao governo marcados para o 7 de Setembro.

Avisados do risco de infiltração de bolsonaristas nas Políciais Militares, governadores pedem trégua e querem encontrar o presidente para estancar a crise institucional.

A apresentação por Bolsonaro do pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do STF, na sexta-feira (20), elevou a tensão entre os Poderes. Nesta segunda (23), o presidente voltou à velha pauta do voto impresso.

A defesa do instrumento é feita mesmo depois de a Câmara ter derrotado a proposta. O voto impresso é o tema que mais mobilizou recentemente a militância bolsonarista e serve de munição para falas golpistas do presidente.

Em entrevista à Rádio Regional, de Eldorado (SP), Bolsonaro disse de novo que participará dos atos pró-governo em São Paulo e Brasília, que serão realizadas no Dia da Independência, e insistiu na suspeição do processo eleitoral. ​

"O que que é a alma da democracia? É o voto. O povo quer que você, ao votar, tenha a certeza de que o teu voto vai para o João ou para a Maria. Não quer que, num quartinho secreto, meia dúzia de pessoas conte os seus votos", disse o presidente.

Bolsonaro insistiu ainda em falar de um ataque de hackers ao sistema do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em 2018, motivo pelo qual já é investigado pelo STF por vazamento de informações sigilosas.

Segundo a corte eleitoral, porém, nunca houve fraude no sistema de apuração das urnas eletrônicas nem os votos são apurados de forma secreta.


DEMOCRACIA BRASILEIRA


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"A gente espera que tenhamos eleições limpas, democráticas e com contagem pública de votos no ano que vem. Não podemos conviver com essa suspeição", afirmou o presidente.

Bolsonaro chegou a prometer reduzir a pressão pela mudança no sistema eleitoral, segundo o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), o que não ocorreu. Lira, por sua vez, foi cobrado por aliados por ter confiado na promessa.

Mesmo depois de a PEC (proposta de emenda à Constituição) ter sido reprovada na comissão especial, o presidente da Câmara a levou para o plenário.

Lá também foi derrotada, mas trouxe grande desgaste a deputados. Para ser aprovada, a PEC precisava do apoio de 308 parlamentares. Teve 229 favoráveis e 218 contrários.

Já a investigação de Bolsonaro pelo suposto vazamento do caso de hackers foi determinada por Moraes, que acolheu a notícia-crime do TSE.

Moraes já havia decidido incluir o presidente como investigado por causa da transmissão de uma live em que prometia comprovar supostas fraudes nas urnas eletrônicas, mas, ao final, apresentou apenas um compilado de relatos já desmentidos pelo TSE.​

Na entrevista, Bolsonaro saiu em defesa de apoiadores alvo de investigações. Ele citou uma "caça às bruxas" ao criticar ainda prisões decretadas por Moraes, como a do deputado afastado Daniel Silveira (PTB-RJ), do blogueiro Oswaldo Eustáquio e, mais recentemente, do presidente do PTB, Roberto Jefferson.

Todas as prisões foram determinadas por Moraes por ser relator dos inquéritos de fake news e dos atos antidemocráticos —este último acabou extinto, transformando-se numa nova linha de investigação de notícias falsas.

"A gente não pode aceitar passivamente isso dizendo 'ah, não é comigo'. Vai bater na sua porta", disse o presidente nesta manhã, sem detalhar o que significaria não "aceitar passivamente".

Mais tarde, em conversa com apoiadores no Palácio da Alvorada, Bolsonaro disse que está conspirando para que todos cumpram a Constituição.

Ele não deu detalhes sobre que tipo de trama está elaborando ou se a declaração era resposta irônica aos críticos de suas investidas, por exemplo, contra as eleições de 2022 e o Judiciário.

"Só tenho uma coisa a falar. Estou conspirando, sim, e muito. Para que todos cumpram a nossa Constituição, ok? Essa é a minha conspiração. Cumpram a Constituição, só isso", disse Bolsonaro.


O MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (STF)


Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
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Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministros Luís Roberto Barros e Alexandre de Moraes. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
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O pedido de impeachment de Moraes, segundo aliados do Planalto, foi "acelerado" por Bolsonaro como resposta à operação da Polícia Federal que teve como alvo, na sexta-feira, o cantor sertanejo Sérgio Reis e o deputado federal Otoni de Paula (PSC-RJ). Ambos são aliados de Bolsonaro.

As medidas foram solicitadas pela PGR (Procuradoria-Geral da República) e autorizadas por Moraes.

O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), STF, STJ (Superior Tribunal de Justiça), OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e entidades de juízes e procuradores reagiram ao pedido de impeachment.

Em paralelo cresceu a mobilização pelo 7 de Setembro para mostrar força.

Nesta segunda, reportagem do jornal O Estado de S. Paulo mostrou que o coronel Aleksandro Lacerda, comandante de sete batalhões de PM do interior paulista, fez postagens convocando amigos para o ato bolsonarista da próxima semana.

Nas redes sociais, aliados do presidente saíram em defesa do coronel, que foi afastado.

Em meio a esse clima, governadores de estados realizaram uma reunião na manhã desta segunda e decidiram atuar conjuntamente para tentar harmonizar a relação entre os Poderes.

Inicialmente, eles informaram que pediriam uma reunião com Bolsonaro na próxima semana e outras com os chefes dos demais poderes.

Mais tarde, no entanto, o Fórum dos Governadores encaminhou os convites para um encontro único reunindo Bolsonaro e todos os outros chefes de poderes.

Foram enviados ofícios para os presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e também para o presidente do STF, ministro Luiz Fux.

O objetivo é que o encontro aconteça antes de 7 de setembro.

"O objetivo é demonstrar a importância de o Brasil ter um ambiente de paz, de serenidade onde possamos garantir a forma de valorização da democracia, mas principalmente criar um ambiente de confiança que permita atração de investimentos, geração de empregos e renda", disse o governador do Piauí, Wellington Dias (PT).

A reunião do Fórum dos Governadores já estava prevista, mas de última hora teve incluída na pauta a possibilidade de uma ruptura institucional.

Além de Ibaneis Rocha (MDB-DF) e Dias, que estavam no Palácio do Buriti, em Brasília, outros 22 governadores, entre eles o de São Paulo, João Doria (PSDB), participaram de forma remota.

A postura de Bolsonaro, que apresentou pedido de impeachment de Moraes, foi criticada por governadores.

"Foi uma proposta de consenso de todos nós, governadores, pela nossa disparidade de posições políticas e partidárias, mas, pela harmonia que temos no nosso grupo, nós temos condições de ajudar nessas relações", afirmou Ibaneis.

Durante a reunião, houve resistência da parte de alguns governadores a adotarem uma postura de maior confronto com Bolsonaro, segundo alguns presentes no evento.

Mesmo tendo rompido com o presidente da República, Carlos Moisés (sem partido), de Santa Catarina, foi um dos que se posicionaram contra uma medida mais enfática.

Além de Moisés, também se posicionaram de maneira contrária a uma carta em repúdio aliados de Bolsonaro, como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), e o de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo).

"O que nós devemos fazer é defender a democracia, Moisés, e não silenciar diante das ameaças que estamos sofrendo constantemente", reagiu Doria.

O governador paulista havia sido o defensor de elaborarem a carta às ações recentes de Bolsonaro. Uma parte dos presentes, no entanto, argumentou que a medida apenas serviria para acirrar os ânimos.

Apesar de o colegiado de governadores torcer pela trégua na relação entre os Poderes, reservadamente, não são todos que acreditam ser possível.

Um deles disse à Folha que a tentativa de conciliação se faz necessária até para, depois, ter o argumento de tentativa e frustração para os que ainda não se convencem da falta de diálogo. Apesar da descrença, disse que participaria da reunião.

Por outro lado, quem torce por uma melhora na relação aposta as fichas em Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil e que se define como "amortecedor".


BOLSONARO EM IMAGENS


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Entrevista ao apresentador Sikêra Júnior. Foto: Alan Santos/PR
Motociata Acelera pra Jesus. Foto: Alan Santos/PR
Motociata Acelera pra Jesus. Foto: Alan Santos/PR
Bolsonaro cumprimenta o general Eduardo Villas Boas, em cerimônia no Planalto. Foto: Alan Santos/PR
Entrega de espadim aos cadetes na Aman. Marcos Corrêa/PR
Entrega de espadim aos cadetes na Aman. Marcos Corrêa/PR
Presidente visita estátua de Padre Cícero em Juazeiro do Norte. Foto: Marcos Côrrea/PR
Cerimônia de entrega de residenciais no Cariri. Foto: Marcos Corrêa/PR
Entrega da "Ordem da Machadinha" em Joinville (SC). Foto: Alan Santos/PR
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A leitura é de que ele será capaz de convencer o presidente a baixar a temperatura e encontrar os governadores por mais diálogo. Outro item de preocupação abordado durante a reunião foi a atuação de policiais militares durante a crise institucional no país.

Os governadores então assumiram um compromisso público e formal de que as corporações não serão usadas politicamente.

​Ibaneis foi questionado especificamente sobre a atuação da PM do Distrito Federal durante os protestos de 7 de Setembro. Respondeu que ele e seu comandante têm total controle sobre a corporação.

Para incentivar mobilizações em São Paulo pró-governo federal, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) lembrou da demanda de aumento salarial da corporação e criticou a medida do governo paulista de pôr uma câmera no uniforme dos agentes.

Com as ações filmadas, a PM de São Paulo atingiu a menor letalidade em oito anos. A novidade, contudo, enfrenta resistência entre policiais.

"[João Doria] já não tem moral com a tropa e ainda faz ameaça. Isso só faz crescer os atos para 7 de Setembro", inflamou o filho do presidente.

A deputada Carla Zambelli (PSL-SP), uma das principais aliadas de Bolsonaro, chamou o governador de "DitaDoria". Ambos os deputados usavam a hashtag para convocação do ato de 7 de Setembro.

Nesta segunda (23), em mais uma derrota para o Executivo no STF, a ministra Cármen Lúcia manteve a decisão da CPI da Covid de quebrar os sigilos telefônico, fiscal, bancário e telemático do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR).

A magistrada afirmou que a comissão apresentou motivação que justifica a medida, entre elas a de que Barros exercia suposta liderança sobre agentes públicos e privados com atuação no Ministério da Saúde.

"O cenário descrito apresenta inegável relevância no interesse de esclarecimentos em benefício da sociedade. Há de serem aclarados os fatos investigados, os quais se vinculam diretamente aos objetivos da Comissão Parlamentar de Inquérito", disse.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/08/isolado-bolsonaro-radicaliza-para-inflar-atos-de-7-de-setembro-e-governadores-pedem-tregua.shtml


Governadores são fiadores da democracia e das políticas públicas contra Bolsonaro

Fernando Abrucio e Luiz Fernando Nogueira / O Estado de S. Paulo

Após quase quarenta anos da épica campanha das Diretas Já, os governadores se unem novamente para defender a democracia. Enquanto a mobilização de 1984, que uniu políticos de diversas matizes e inúmeros atores sociais, tinha como bandeira o retorno da democracia, o IX Fórum dos Governadores, realizado nesta segunda, visa afiançá-la. O federalismo, tal como o Congresso Nacional e a Suprema Corte, também pode ser visto como uma instituição que pode garantir salvaguardas democráticas.

A criação de freios ao autoritarismo do presidente Bolsonaro tem se tornado cada vez mais importante. Desde o início do mandato, ele demonstrava que seu maior inimigo era a ordem política estabelecida pela Constituição de 1988, seja no campo das políticas públicas, seja por conta de suas estruturas democráticas. Com a eclosão da pandemia, esse ímpeto tornou-se mais forte, e naquela época os governadores de boa parte dos Estados foram fundamentais para evitar que o país mergulhasse numa combinação de negacionismo com ditadura do Governo Federal. Vive-se agora no pior momento do bolsonarismo, com a queda da popularidade presidencial e a instauração de uma crise de múltiplas dimensões – econômica, política e social. Novamente, será necessário ter os líderes do governo estadual como parceiros do STF e, por enquanto, do Senado para segurar a boiada autoritária.

Esta movimentação das lideranças estaduais, que assume um caráter institucional, não significa apenas uma reação às ações autoritárias do presidente Bolsonaro. Ela é também uma reação contra o ataque bolsonarista ao desenho do sistema federativo brasileiro. É uma defesa de um modelo de federalismo cooperativo, previsto e desenhado pela Constituição de 1988 e que foi construído de maneira incremental nos trinta anos seguintes, embora com estruturas e resultados desiguais entre os setores de políticas públicas.

O modelo bolsonarista de federalismo tornou-se inimigo de sistemas de políticas públicas como SUS na Saúde, o SUAS na Assistência Social, o Sisnama no Meio Ambiente e toda a estrutura de cooperação e coordenação federativa que foi criada na Educação. No lugar desses modelos cooperativos e pactuados de relacionamento intergovernamental, o Governo Bolsonaro tem optado por um projeto baseado no conflito com os outros entes federativos, na criação de programas federais que não dialogam com Estados e municípios, na redução do papel da União de reduzir a desigualdade territorial do país e no ataque à própria governança dos governos estaduais, como ocorre no incentivo a motins das Polícias Militares.

Esse projeto federativo ganhou vigor com a pandemia. O resultado foi a falta de cooperação entre os níveis de governo e de coordenação nacional das políticas públicas. O SUS perdeu parte de sua efetividade, a política educacional ficou sem nenhum norte em meio ao fechamento das escolas, os órgãos ambientais foram enfraquecidos e a política de Assistência Social transformou-se numa distribuição sem planejamento e articulação institucional de dinheiro aos mais pobres e aos órfãos da crise. No fundo, ao enfraquecer o federalismo, Bolsonaro gerou um enorme processo de desinstitucionalização de setores e programas governamentais arduamente construídos por vários governos de partidos diferentes.

Neste contexto, prefeitos e governadores optaram por fortalecer as formas de articulação e cooperação intergovernamental, criando estruturas ou consolidando as já existentes. No campo estadual, encaixa-se neste modelo o Consórcio Nordeste, que reuniu esforços conjuntos para uma atuação mais homogênea por parte dos estados da região. Também entra aqui o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), que passou a produzir orientações técnicas para os estados atuarem no enfrentamento da Covid-19. O mesmo poderia ser dito sobre Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação (Consed), fundamental para o debate e disseminação de soluções no campo educacional.

Vale notar que os Estados não só fortaleceram a cooperação entre si, como ainda assumiram maior protagonismo nas políticas públicas. Esse fenômeno aparece tanto na execução de políticas públicas, quanto na ampliação de sua capacidade de coordenar os municípios de sua jurisdição. Alguns Estados, como Ceará, Espírito Santo e São Paulo, já dispunham de expertise de coordenação em diversas áreas de políticas públicas – como é o caso da Educação e da própria Saúde –, o que pode ter favorecido sua atuação. Noutros, houve grandes inovações, com excelentes resultados, como na experiência do Maranhão. Mas em muitos lugares o aprendizado foi mais tortuoso. De todo modo, os governos estaduais, por necessidade, tornaram-se mais importantes, sendo que em pelo menos 15 deles há hoje políticas sociais, de transferência de renda e ajuda à população mais pobre, que já competem com programas federais como o Bolsa Família, mesmo que ele seja turbinado. Isso já terá efeitos nas eleições.

A mobilização recente dos governadores, portanto, é uma defesa não só da democracia, como também da qualidade das políticas públicas. O cenário atual preocupa, porém, pois o Governo Bolsonaro procura dividir os governos de Estado, dando apoio mais específico e clientelista a alguns deles, além de buscar destruir a governança democrática estadual, seja incentivando grupos bolsonaristas radicais a jogar contra as governadorias nas Assembleias, seja incitando as Políciais Militares contra as instituições democráticas.

Sair dessa encruzilhada federativa legada por Bolsonaro não será fácil, uma vez que a aposta do presidente é pelo confronto com as instituições democráticas como forma de manter-se no poder, o que pode ocorrer com a realização de uma eleição marcada pelo medo e terror, ou, ainda, por algum tipo de golpe. Os governadores precisam se unir contra isso, porque sem democracia não haverá mais a sua função a zelar, como bem sabem as lideranças regionais do pré-1964. Mais do que isso, se as lideranças dos governos estaduais forem bem-sucedidos em reverter o federalismo bolsonarista, a tarefa de reconstrução das políticas públicas poderá aproveitar tanto as lições positivas do federalismo cooperativo em que União tinha um papel-chave, como, ainda, incorporar as inovações de cooperação intergovernamental e de coordenação estadual que foram criadas para enfrentar um presidente que jogou contra a democracia e a Federação ao mesmo tempo.

Fernando Luiz Abrucio, Doutor em Ciência Política pela USP, Professor da FGV – EAESP e Coordenador da área de Educação do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo (Ceapg)

André Luis Nogueira da Silva, Doutor em Administração Pública e Governo pela FGV – EAESP. Servidor público e Pesquisador-colaborador do Centro de Estudos em Administração Pública e Governo (Ceapg) e do Departamento de Políticas Públicas da UFRN

Fonte: Blog Gestão, Política e Sociedade / O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/governadores-sao-fiadores-da-democracia-e-das-politicas-publicas-contra-bolsonaro/


Luiz Carlos Azedo: Bolsonaro, agora, politiza o fracasso

A maioria dos ministros se queixa do foco errado. O Palácio do Planalto é uma ‘jaula de cristal’, na qual o presidente da República constrói um mundo só dele

Aos 32 meses de mandato, o presidente Jair Bolsonaro se depara com um cenário mórbido e nebuloso: a “gripezinha” matou 575 mil pessoas, o país tem 14 milhões de desempregados e a inflação pode chegar a 9%, se não houver uma mudança de rumo. Deficit fiscal, insegurança jurídica e instabilidade política formam o tripé que afugenta os investidores. A janela de oportunidade da retomada da economia global está sendo perdida.

Os verdadeiros problemas do país são de natureza objetiva e exigem soluções criativas, exequíveis e amparadas por amplo consenso nacional. Em circunstancias normais, diante da gravidade da pandemia e de suas sequelas, principalmente a iniquidade social, o presidente da República, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) convergiriam suas decisões na direção dessas soluções. Mas não é o que acontece. Estamos na antessala de uma grave crise institucional, fabricada por Bolsonaro.

Seu problema não é falta de governabilidade — conta com o apoio do Centrão no Congresso. É a governança, “a maneira pela qual o poder é exercido na administração dos recursos sociais e econômicos de um país, visando o desenvolvimento, e a capacidade dos governos de planejar, formular e programar políticas e cumprir funções”, segundo o Banco Mundial. São características da boa governança: Estado de direito, transparência, responsabilidade, orientação por consenso, igualdade e inclusividade, efetividade e eficiência e prestação de contas. Essa não é a praia de Bolsonaro.

A agenda do país é discutida em milhares de lives, pelos mais diversos públicos, que buscam saídas para a situação em que nos encontramos de olho no futuro. O presidente ignora tudo isso, empenhado em levar adiante um programa ideológico, que só empolga os setores mais reacionários da sociedade. Mesmo os conservadores, que o apoiaram na eleição e participam do governo, têm uma agenda liberal voltada para os problemas reais, ainda que ignorem as questões sociais. Bolsonaro está governando apenas para seus seguidores fanatizados. A maioria dos ministros já se deu conta disso e se queixa do foco equivocado. O Palácio do Planalto é uma “jaula de cristal”, na qual Bolsonaro constrói um mundo só dele.

As atenções do país estão voltadas para as manifestações convocadas para o dia 7 de setembro, que são apoiadas por Bolsonaro. Não haverá desfiles militares por causa da pandemia, porém estão previstas concentrações de defensores da intervenção militar em muitas cidades. Até a semana passada, pretendiam parar o país, cercar Brasília, invadir e fechar o Supremo Tribunal Federal (STF). Como era de se esperar, os mais ousados, como o presidente do PTB, Roberto Jefferson, e o cantor Sérgio Reis, já sofreram as consequências desse projeto sedicioso. Mas Bolsonaro, em solidariedade a eles, pediu o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news, que investiga a atuação de grupos extremistas, e escalou mais um degrau no seu confronto com o Supremo.

Ontem, 23 governadores e dois vices se reuniram em Brasília para discutir a situação e construir uma barreira de contenção à escalada da radicalização golpista. Querem um encontro com Bolsonaro para discutir a relação republicana entre os entes federados. Coincidentemente, o governador de São Paulo, João Doria, demitiu o coronel da Polícia Militar que comandava a corporação no interior paulista porque atuava nas redes sociais convocando para os atos de 7 de setembro e pedindo o fechamento do Supremo. Os governadores firmaram uma espécie de pacto para impedir motins nas polícias militares. O caldo de cultura para isso existe, foi fomentado pelo presidente.

Ciclo fechado
Enquanto segue o baile da política, a economia se deteriora a olhos vistos. O cenário é de menos crescimento e mais inflação. Os juros de longo prazo superam 10% ao ano, segundo as taxas dos contratos futuros com vencimento em janeiro de 2031. As apostas para o crescimento em 2022 caminham para a casa de 1,5%, uma taxa incapaz de gerar um volume expressivo de empregos. Para 2021, ainda prevalecem estimativas na casa dos 5% ou um pouco mais. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) pode fechar 2021 em 7,5%, muito acima da meta de 3,75% deste ano.

As reformas tributária e administrativa subiram no telhado. O que não passou até agora, provavelmente não mais passará. O Congresso não quer saber de remédios amargos. Bolsonaro também é negacionista na política monetária. O cobertor é curto, a política econômica deriva para o naufrágio. A alternativa que restou foi politizar o fracasso e pôr a culpa nos outros. Como não pode responsabilizar a oposição, culpa as instituições da República, principalmente o Supremo. É a velha cantilena de que a democracia não funciona.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-bolsonaro-agora-politiza-o-fracasso

Brasil vive 'mistura de pandemia com pandemônio', diz Gonzalo Vecina

Para o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, classificar como crime o que está acontecendo no Brasil durante os meses de pandemia não é nenhum tabu

André Biernath / BBC News Brasil

Professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e do mestrado profissional da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Vecina Neto ainda é presidente do Conselho Consultivo do Instituto Horas da Vida e traz no currículo o fato de ser fundador e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa.

Numa entrevista exclusiva à BBC News Brasil, o médico avaliou o ritmo da vacinação contra a Covid-19, a ameaça das novas variantes do coronavírus e as perspectivas para o fim da pandemia.

Confira os principais trechos a seguir.

BBC News Brasil - Como o senhor vê o avanço da campanha de vacinação contra a covid-19 no Brasil? No que poderíamos estar melhor ou pior?
Gonzalo Vecina Neto - Bom, em primeiro lugar, nós temos uma falta de coordenação. O Ministério da Saúde já passou por várias gestões nesses meses e isso gera uma descontinuidade administrativa e um clima ruim.

Nós estamos fazendo uma vacinação sem uma campanha. Isso é impressionante. É a primeira vez que isso acontece na história do Programa Nacional de Imunizações, o PNI.

O PNI foi fundado em 1973 e, desde então, está bem claro o papel do Ministério da Saúde na definição de muitas questões relacionadas à vacinação. Agora, os Estados e os municípios fazem o que podem, mas sem uma coordenação do Governo Federal. Não há campanha alguma, no sentido de existir a comunicação, a convocação dos grupos, dos dias que as pessoas devem ir aos postos ou quando voltar para a segunda dose.

Veja bem, nós estamos em meio às campanhas de vacinação contra a Covid-19 e contra a gripe. Nós temos cerca de 80 milhões de doses de vacina contra a gripe e só usamos 40% desse total. E qual o motivo? As pessoas não foram convocadas para irem tomar a vacina.

No caso da Covid-19, além da ausência de uma campanha, há todo o despreparo da rede de vacinação. Nós temos 38 mil salas de vacinação no Brasil, com uma capacidade de imunizar 70 milhões de pessoas por mês sem estresse, só aproveitando o horário comercial e os dias úteis. No entanto, estamos com dificuldade em vacinar 15 ou 20 milhões de pessoas por mês.

Isso é causado pela descoordenação e pelo fato de não termos doses suficientes. A compra dos lotes foi tardia demais. Somente em março deste ano o [ex-ministro da Saúde e general Eduardo] Pazuello fechou alguns contratos, no que foi seguido pelo [atual ministro Marcelo] Queiroga.

Nós estamos desde o início do ano com uma lentidão na vacinação justamente pela falta de doses e pelo desarranjo estrutural do governo.



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BBC News Brasil - Nos últimos dias, diversas cidades brasileiras alcançaram a marca de quase 100% da população acima de 18 anos vacinada com a primeira dose. Como isso deve ser encarado? Há motivo para comemorar e celebrar o feito?
Vecina Neto - A primeira dose ajuda a proteger, mas a proteção de verdade só é obtida após a segunda dose. Eu acho auspicioso qualquer tipo de conquista que tivermos no meio dessa desgraça. Afinal, o Brasil vive a mistura de pandemia com pandemônio.

Mas, infelizmente, os nossos problemas vão muito além disso. Nós ainda temos que vacinar toda a população adulta com as duas doses. Falamos de cerca de 160 milhões de brasileiros. Logo, são 320 milhões de vacinas.

Se o Brasil tivesse vacinado 70 milhões de pessoas por mês a partir de janeiro, pois tínhamos essa capacidade, teríamos terminado essa primeira etapa no mês de maio. Nós estamos em agosto e só agora chegamos a essa marca.

É auspicioso aplicar a primeira dose em toda a população adulta? Claro que é. Mas é pouco pra quem podia fazer muito mais.

BBC News Brasil - Com todos os adultos vacinados com a primeira dose, temos agora três possíveis frentes. Um, garantir a segundo dose a esse monte de gente. Dois, aplicar uma terceira dose em grupos vulneráveis, como idosos e profissionais da saúde. E três, começar a imunizar os adolescentes. Na visão do senhor, a quais dessas frentes precisamos dar prioridade?
Vecina Neto - Bom, a primeira questão que devemos focar é na segunda dose. E necessitamos pensar nos casos específicos, como as gestantes que tomaram a primeira dose da AstraZeneca e agora precisarão tomar a da Pfizer. Outro ponto é avaliar a intercambialidade de vacinas. Alguns países europeus deram a primeira dose da AstraZeneca e a segunda da Pfizer e viram que a mistura traz um aumento da eficácia e uma proteção melhor.

Ainda nessa seara, precisamos definir melhor os intervalos. Na vacina da Pfizer, o tempo entre a primeira e a segunda dose é de 21 dias, e nós no Brasil recomendamos 90 dias, até para conseguirmos vacinar mais gente.

Agora está na hora de voltar atrás dessa política. Já no caso da AstraZeneca, o ideal é manter mesmo essa espera de 90 dias. Em relação à segunda dose, apesar dos pequenos ajustes, o que precisamos é vacinar e pronto.

Já no caso dos menores de 18 anos, penso que vamos vaciná-los assim que todos os grupos de maior risco estiverem protegidos. Mas é óbvio que precisamos proteger também os adolescentes, e a vacina que temos aprovada no Brasil para essa faixa etária, de 12 a 17 anos, é a da Pfizer.



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Mas, mesmo nesse grupo, temos que pensar também em priorizar os jovens com comorbidades, porque eles têm um risco maior. Por isso, indivíduos com síndrome de Down, doenças raras, câncer, obesidade e asma deveriam ser vacinados antes.

Já sobre a terceira dose, me parece estar claro para o mundo inteiro que precisaremos disso. É lógico, vamos começar com os grupos de maior risco, como os mais idosos.

Mas eu acredito que essa dose de reforço deveria ser dada só depois de terminarmos a vacinação dos outros grupos. Não adianta deixar tudo pela metade, pelo meio do caminho. Daqui a pouco isso vai ser ruim para nós mesmos.

Temos que terminar a vacinação com a primeira dose, convocar as pessoas para a segunda dose e aí iniciar a revacinação pelos grupos prioritários. Muito provavelmente teremos a terceira e até a quarta dose da vacina contra a Covid-19, inclusive.

O grande problema é que o mundo está produzindo pouco em relação à demanda que temos. Precisaríamos de 14 bilhões de doses de vacina agora. Se pensarmos em terceira dose, são 21 bilhões. No entanto, estamos produzindo entre 3 e 4 bilhões neste ano.

Como sempre diz o Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, se nós não vacinarmos os países pobres da África e do Sudeste Asiático, o vírus vai continuar circulando. E, enquanto o vírus circula, aparecerão mutações que podem ser resistentes às vacinas já disponíveis.

Nós temos que deixar esse egoísmo de lado, essa história do "eu primeiro e depois o resto". A prioridade deveria ser vacinar toda a população mundial. Mas os países mais desenvolvidos, e mesmo aqueles em desenvolvimento, como o Brasil, estão mais preocupados com o próprio umbigo. Como se a pandemia começasse e terminasse em seus próprios territórios.

BBC News Brasil - E o que justificaria a necessidade de uma terceira dose agora? A queda dos anticorpos? A circulação de variantes de preocupação, como a Delta? Ou uma mistura desses fatores?
Vecina Neto - O primeiro ponto é que temos vacinas diferentes, com eficácias variáveis. A CoronaVac tem 50%, a Pfizer chega a 95% e por aí vai. Se eu pudesse priorizar uma vacina, é claro que eu escolheria a de maior eficácia para toda a população. Mas o problema é que a demanda está muito mais alta que a oferta. Com isso, eu tenho que usar todas as opções disponíveis.

Isso não significa que eu não usaria a CoronaVac, até porque ela tem uma grande serventia. Falamos de uma vacina que é menos eficaz, mas que, mesmo assim, derruba o risco de mortalidade por Covid-19 em mais de 90%.

A terceira dose deveria começar pelas pessoas mais idosas. Nas idades mais avançadas, nós sabemos que existe um fenômeno chamado imunossenescência. É o envelhecimento do próprio sistema imunológico, que não funciona como anteriormente.

O segundo ponto que justificaria a terceira dose é a queda na produção de anticorpos com o passar dos meses.

Não temos muitos estudos sobre isso, mas, no caso da vacina da Pfizer, verificou-se uma diminuição após algum tempo. Até quando essa proteção cai? Não sabemos, até porque não tivemos tempo suficiente para aprender isso.

Gonzalo Vecina Neto
Gonzalo Vecina Neto foi presidente da Anvisa e é professor da Faculdade de Saúde Pública da USP. Foto: Arquivo pessoal

De uma forma ou de outra, o vírus vai continuar circulando pela falta de uma imunidade coletiva, até porque os países estão com taxas de vacinação muito diferentes. E é normal que precisemos de reforços de tempos em tempos.

Veja o caso da febre amarela. Há alguns anos, a recomendação era que se tomasse uma nova dose a cada dez anos. De repente, diante de um surto e de uma escassez, os cientistas estudaram melhor o assunto e descobriram que não havia essa necessidade de reforço. Houve também um fracionamento das doses, o que permitiu levar a proteção a um maior número de pessoas.

Isso também está acontecendo com os imunizantes contra a Covid-19. Uma cidade do Espírito Santo está estudando a aplicação de meia dose da AstraZeneca, para ver se ela confere uma boa proteção. Se isso der certo, nossa capacidade de vacinação duplicaria.

Essa pandemia está nos mostrando que é preciso ter um pouco de humildade e aceitar os aprendizados que aparecem pelo caminho.

BBC News Brasil - Ainda sobre as variantes, já está provado que a Delta circula pelo Brasil e dados da vigilância genômica do Rio de Janeiro mostram que ela representa mais da metade das amostras analisadas no Estado recentemente. Como o senhor vê o avanço dessa linhagem no país? O que poderíamos ter feito para evitar isso e o que deveríamos fazer agora?
Vecina Neto - Primeiro, me parece que a Delta está evoluindo aparentemente mais devagar no Brasil do que ela fez na Europa e na Ásia.

Quando você analisa o que aconteceu nessas duas regiões, é algo muito surpreendente. Essa variante dominou a cena com muita rapidez. Em países com 80% de cobertura vacinal, como Israel, foi necessário fazer lockdown de novo.

Aqui no Brasil, nós tivemos notícias sobre a chegada dela já faz um bom tempo. E, claro, o que nós temos de informação pode ser muito menos do que aquilo que está ocorrendo de fato. Até porque não tivemos controle nenhum.

Parece que nós desaprendemos totalmente a lição milenar de que o isolamento é uma das melhores estratégias para lidar com uma doença infectocontagiosa. Mesmo quando a humanidade não sabia o que provocar a peste bubônica, a varíola e a sífilis, o isolamento sempre fez o número de casos diminuir.

E nós aqui no Brasil não usamos esse conhecimento milenar. Não fizemos nada daquilo que o mundo apontava que era necessário. As pessoas vinham de outros países para cá, estavam com febre, tinham o teste PCR positivo e, mesmo assim, saíam livres, leves e soltas para contaminar todo mundo.

Isso é uma coisa impensável. Nós ignoramos toda a verdade epidemiológica que já conhecíamos.

O que deveríamos fazer com uma pessoa com um PCR positivo? Isolá-la por 14 dias. Por que? Para que ela não espalhe o vírus e produza novos casos. E por que isso é necessário? Para evitarmos as mortes.

O comportamento da vigilância epidemiológica brasileira foi criminoso. Se havia alguma dúvida se podíamos chamar alguém de genocida, isso não existe mais.

Não compramos vacinas. E estamos chegando ao número de 600 mil mortos, com grandes possibilidades de chegarmos aos 800 mil até o final do ano. Isso é criminoso.

Nós permitimos que a variante Delta se espalhasse por aí. E nós temos agora as subvariantes derivadas da Gama, como a Gama Plus, que aparentemente tem mutações semelhantes à Delta e pode ser mais infectante.

Então essa interação das linhagens de coronavírus é algo que precisamos aprender um pouco mais. Será que a Gama e a Gama Plus estão segurando a entrada da Delta?

Essa coisa das mutações é algo muito inteligente. A natureza produz essas modificações que são melhores, ao menos do ponto de vista do vírus. E o uso da palavra melhores aqui não significa que elas são mais mortais, até porque, se o vírus mata o seu hospedeiro muito rápido, ele não consegue se espalhar com tanta rapidez.


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Essa capacidade das variantes do coronavírus de se espalharem com mais facilidade abre até a possibilidade de ele conviver conosco por muito tempo. É provável que ele se transforme num vírus sazonal, como outros que causam gripes e resfriados.

Especificamente sobre a Delta, o que está acontecendo no Rio de Janeiro vai nos mostrar se teremos uma terceira onda e todas as consequências relacionadas a ela.

Até porque estamos agora com uma diminuição do número de casos e óbitos, mas eles ainda estão muito próximos ao que vimos na primeira onda. Ou seja, estamos num platô elevado de 900 mortes por dia.

Na segunda onda, nós chegamos a 4 mil mortes por dia. Depois, tivemos a diminuição em que estamos agora.

Resta saber se as variantes Gama Plus ou Delta levarão a uma nova subida e até que ponto a cobertura vacinal que já temos será capaz de segurar a doença e diminuir os casos graves ou as mortes por covid-19. Sem dúvida, estamos numa situação sanitária perigosa.

BBC News Brasil - De um lado, temos o otimismo pelo avanço da vacinação. Do outro, a apreensão com a variante Delta. No meio, prefeitos e governadores anunciam o relaxamento das medidas, a liberação de público nos estádios de futebol e a realização de festas populares, como o carnaval. Como o senhor vê as políticas públicas em relação ao atual estágio da pandemia no Brasil?
Vecina Neto - O Brasil é muito desigual. Talvez esse seja o principal problema de nosso país. Mas existem outros problemas tão graves quanto. Um deles é a impunidade.

Aqui, as pessoas podem cometer as maiores barbaridades sem sofrer consequências. O presidente [Jair Bolsonaro] fala para as pessoas não usarem máscaras. Daí vem alguém do Ministério Público e diz que as máscaras não estão comprovadas cientificamente, quando temos milhares de trabalhos mostrando a necessidade do uso delas.

O Ministério Público é o guardião das leis. E a lei é um arranjo escrito que permite a conformação da vida em sociedade.

Agora, se o guardião deste código tão importante vem e me diz que as máscaras nem são tão importantes assim, que elas são secundárias, mesmo quando há leis determinando seu uso, isso só reforça o clima de impunidade.

Enquanto isso, os prefeitos e governadores estão prestando atenção nas eleições de 2022. Eles acham que o povo vai esquecer as milhares de mortes, até porque estamos nesse clima de oba-oba da reabertura geral.

Talvez um outro grande problema que nós temos, junto da desigualdade e da impunidade, seja o esquecimento. E muitos apostam que esse clima de otimismo atual fará o povo não lembrar de tudo que aconteceu e não chorar mais as mortes.


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BBC News Brasil - E como essa falta de coordenação entre municípios, Estados e Governo Federal contribuiu para que a pandemia tivesse números tão expressivos em nosso país?
Vecina Neto - Veja os exemplos que temos na Europa. A Alemanha talvez seja o melhor modelo de como um líder faz a diferença.

Na Inglaterra, o primeiro-ministro Boris Johnson começou a crise sanitária da pior maneira possível, no mesmo estilo de Jair Bolsonaro, no Brasil, e Donald Trump, nos Estados Unidos. Mas aí ele teve a doença, foi tratado pelo serviço de saúde pública, o NHS, e pediu desculpas. Em Israel foi a mesma coisa.

Nessas horas, ter um líder é fundamental. É preciso que alguém governe o país. Veja o que aconteceu na Nova Zelândia. Eles tiveram um número de mortes que dá pra contar nos dedos da mão. Por que? Porque tinham um governo com projeto, que fez as intervenções sanitárias.

Temos no Brasil um presidente ensandecido e mal informado, que ainda vê a imunidade de rebanho como a solução.

Ele acredita nisso até hoje. Outro dia fez um discurso reclamando da crise econômica, da inflação, do aumento no preço da gasolina… E botou a culpa nos governadores e prefeitos.

E nós tivemos governadores muito irresponsáveis também, especialmente no Norte.

Os Estados dessa região são aqueles que possuem a maior desigualdade social. A pobreza de uma cidade como Manaus é assustadora. Dentro da exuberância da floresta, com tanta fruta, peixe, água e calor, a pobreza é terrível.

A pandemia foi muito mal administrada por falta de um alinhamento entre os gestores públicos. Eles deveriam estar alinhados com o conhecimento científico e as melhores práticas para diminuir o impacto da pandemia.

A História vai contar tudo o que passamos e colocará no devido lugar todos os patrocinadores do genocídio

BBC News Brasil - Um exemplo recente de briga entre os poderes aconteceu entre o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, por uma discordância no envio de doses das vacinas. Como o senhor vê essa discussão em particular?
Vecina Neto - Doria é candidato à Presidência da República. Então ele está fazendo seu teatro para isso.

Mas, nesse caso em particular, ele até tinha razão, pois o Ministério da Saúde mandou uma quantidade menor de doses de vacina para São Paulo.

Agora, não dá pra saber se esse envio reduzido foi por lapso ou má vontade. Acho que as duas coisas são possíveis.

O Ministério da Saúde errar já é algo absolutamente comum, porque eles são muito incompetentes. Vimos recentemente o próprio ministro, Marcelo Queiroga, falar que as máscaras são apenas um detalhe. E ele é médico!

O fato é que o Ministério da Saúde está acéfalo, assim como o PNI. Não há coordenação do programa de imunizações brasileiro. Um dos últimos coordenadores foi demitido porque se envolveu nessa lambança da compra de vacinas da Índia, com distribuição de dinheiro para corrupção.

BBC News Brasil - Mesmo com a necessidade de manter as medidas restritivas, não podemos ignorar o fato de estarmos há um ano e meio na pandemia e as pessoas estão cansadas. Como manter a população engajada num cenário desses?
Vecina Neto - Essa é uma das questões mais complexas. Realmente as pessoas estão cansadas de usar máscara e manter o distanciamento social. Temos um ano e meio de tensão e todos estamos sofridos. Mas qual o caminho?

Não temos muita saída: precisamos continuar vacinando e exigir o uso de máscaras em ambientes públicos, especialmente nos locais fechados.

O duro é você explicar para as pessoas os detalhes e as particularidades de cada situação. Falamos em aglomeração, mas como definir isso? Três pessoas já formam uma aglomeração? Ou dez?

Praia lotada no RJ
O médico sanitarista entende que flexibilizações podem até acontecer, mas é preciso voltar atrás se os casos e as mortes voltarem a subir. Foto: Reuters

Diante de todas as dificuldades, eu acho que precisamos continuar a dizer que as máscaras são necessárias em qualquer circunstância. Precisamos tomar muito cuidado com lugares fechados, como cinemas e teatros. É necessário pensar na taxa de ocupação e na circulação do ar nesses ambientes.

E no campo de futebol, pode haver aglomeração? Não pode. Mas e se todo mundo estiver vacinado? Talvez.

Nós estamos nesse momento de tensão. Eu acho que podemos pensar em flexibilizações, mas precisamos deixar claro que, se piorar, vamos fechar tudo de novo. Nossa prioridade é ter um sistema de saúde com capacidade de atender os casos que surgirem. Foi isso que fizemos na primeira onda e acabou sendo um fracasso na segunda.

BBC News Brasil - Para a maioria da população mundial, a atual pandemia é inédita em escala e impacto. Mas como sairemos dela? Como acaba uma pandemia? E o senhor já vê perspectivas de isso acontecer em algum momento?
Vecina Neto - A gente pensava que a pandemia acabava quando não tivéssemos mais pessoas suscetíveis. Mas nós aprendemos que, com a Covid-19, isso nunca vai acontecer, já que as pessoas podem se reinfectar pelas novas variantes.

Se o coronavírus que saiu de Wuhan, na China, fosse o mesmo hoje em dia, com certeza poderíamos pensar em imunidade de rebanho assim que acabassem as pessoas suscetíveis. Mas daí vieram as variantes Alfa, Beta, Gama e Delta e acabaram com isso.

Bom, se não será pela imunidade de rebanho, é difícil pensar que a pandemia acabará pela vacinação. As vacinas não são 100% eficazes e eventualmente o vírus poderá driblar as doses disponíveis hoje.

Me parece, então, que essa pandemia não vai acabar. Ela será substituída por uma doença que vai conviver conosco a partir de um ou dois anos, ou quando tivermos toda a população vacinada, inclusive jovens e crianças, com a garantia de uma proteção contra os casos mais graves e as mortes.

Isso significa que a Covid-19 se tornará uma doença endêmica e continuará conosco. E talvez precisaremos de novas campanhas de vacinação no futuro para manter a letalidade dessa doença bem baixa.

Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58276775


A Bíblia não é a Constituição

Não se pode ter a pretensão de, como juiz, assumir, ainda que em surdina, a voz de Deus

Celso Lafer / O Estado de S. Paulo

 “Notável saber jurídico” e “reputação ilibada” são os critérios de escolha de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) estabelecidos pela Constituição. A sua indicação cabe ao presidente da República, mas a escolha só se efetiva depois de avaliação e aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal.

Os parâmetros constitucionais são explícitos. Não cabe abrir espaço para considerações a respeito da fé religiosa de um indicado. Não é critério que se coadune com o Direito brasileiro o ingrediente de ser “terrivelmente evangélico”. É, no entanto, o que o presidente aponta como uma faceta de sua escolha preferencial do nome de André Mendonça para o cargo.

Trata-se de um vício de origem no âmbito de um Estado de Direito, que consagra a objetividade do “governo das leis” e repele o idiossincrático de um “governo de homens”. Requer, assim, pronta refutação, pois o Brasil é um Estado laico desde a proclamação da República. Não é um Estado confessional, no âmbito do qual existam vínculos entre o poder político e uma religião.

Em nosso país, na linha da tradição constitucional americana, que inspirou Rui Barbosa, existe, como dizia Jefferson, um “wall of separation” entre o Estado e as religiões. Esse é o sentido do artigo 19 da Constituição. É por isso que a fé religiosa não é critério de escolha para cargos governamentais, muito especialmente o de ministro do STF, instituição que tem, no topo do Judiciário, a responsabilidade pela guarda da Constituição e de seus dispositivos, incluída a laicidade.

A laicidade relaciona-se com grandes matérias constitucionais. Entre elas, a tutela dos direitos humanos, a asserção do pluralismo e da diversidade da sociedade e a aceitação do outro na prática e nos costumes da convivência da cidadania numa democracia.

Estado laico significa Estado neutro em matéria religiosa, não solidário em relação a qualquer atividade religiosa, pois não se fundamenta numa fé, como, na situação-limite, em Estados teocráticos, nos quais poder religioso e poder político se fundem.

A laicidade obedece à lógica da sabedoria liberal da arte da separação das esferas e da sua autonomia. A separação Igreja-Estado está em consonância com a lição dos Evangelhos: “A César o que é de César, a Deus o que é de Deus”.

A laicidade se contrapõe ao dogmatismo e à intolerância. É uma regra de calibração que permite a gestão pública de diferenças religiosas e de opinião. É a base de uma postura aberta em relação ao diverso e ao diferente que caracteriza a pluralidade da condição humana. Tem como método o persuadir, e não o coagir. Parte do pressuposto de que a verdade não é una, mas múltipla, e tem várias faces, dada a complexidade ontológica da realidade.

A laicidade é uma das maneiras de responder aos problemas da intolerância e de um dos seus desdobramentos, a polarização fundamentalista, intransitiva e excludente.

Historicamente, deve-se ao espírito laico a tolerância religiosa, da qual proveio o direito de liberdade de crença e de pensamento, de opinião e da cultura. Dela se originou a revolução científica, o processo incessante de ampliação do saber, que nasce e se desenvolve pela negação do dogmatismo e se baseia na capacidade de revisão contínua dos próprios resultados da pesquisa, à luz da razão e das provas da experiência – e não da fé. É o que fundamenta a liberdade da pesquisa e a autonomia da universidade.

Graças à tolerância deu-se a dinâmica das transformações das relações de convivência por meio da afirmação da democracia, consagrada na Constituição de 1988. É o que cria espaço para a contenção da violência entre grupos e indivíduos, maiorias e minorias, propiciando plataforma comum, na qual todos os cidadãos podem encontrar-se enquanto membros de uma comunidade política, diversificada nas suas crenças e opiniões.

Num Estado laico, o Direito é a sua moldura jurídica. A Bíblia não é a Constituição. Por isso, o juiz deve decidir de acordo com o Direito e os valores nele positivados. O seu método de interpretação deve seguir o espírito laico do exame crítico dos assuntos e dos seus problemas. Nas suas decisões, deve respeitar e buscar no mundo – e não no transcendente – a ética, do viver honesto dos clássicos princípios de não prejudicar ninguém e dar a cada um o que é seu.

Um juiz num Estado laico não pode buscar a fundamentação de suas decisões nas suas crenças religiosas. Não pode ter a pretensão de, como juiz, assumir, ainda que em surdina, a voz de Deus. Num Estado laico e plural, nas decisões do Judiciário vale o que diz Camões: “O que é de Deus, ninguém o entende/ Que a tanto o engenho humano não se estende” e “ocultos os juízos de Deus são”.

Um juiz “terrivelmente evangélico” representa o risco de transpor os seus conselhos de pastor para os seus fiéis, no âmbito próprio da sociedade civil, em inapropriados comandos jurídicos-judiciais do Estado para a sociedade brasileira. É um risco que caberá ao Senado avaliar com a devida profundidade.

*Professor emérito da Faculdade de Direito da USP, foi ministro das Relações Exteriores (1992 e 2001-2002)

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,a-biblia-nao-e-a-constituicao,70003811047