mito

Nas entrelinhas: Entre o mito do super-herói e a fama de traidor

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

Autor do best-seller O Nome da Rosa, o escritor italiano Umberto Eco nasceu em 1932, em Alessandria, no noroeste da Itália, e cresceu à sombra do fascismo. Aos 10 anos, venceu um concurso de redação sobre o tema “Devemos morrer pela glória de Mussolini e pelo destino imortal da Itália?”. Muitos anos mais tarde, num ensaio publicado no The New York Review of Books, relembrou o episódio para explicar as muitas faces do fascismo: “Minha resposta foi positiva. Eu era um garoto esperto”, escreveu, ironicamente.

Para ele, uma das características do fascismo é a obsessão pela trama, segundo a qual todos os eventos da história são resultados de conluios secretos. Obviamente, essa é uma das características de seus livros, entre os quais O pêndulo de Foucault, Cemitério de Praga e Seis passeios pelos bosques da ficção. Número Zero, o último romance de Eco, põe em cena um jornalista italiano que tenta provar a tese de que Mussolini não foi morto em 1945. Umberto Eco era um estudioso da cultura de massas, em particular dos heróis das histórias em quadrinhos.

É o caso, por exemplo, do Superman. Eco define a mitificação como um simbolismo inconsciente, a identificação nem sempre racional, que projeta desejos, comportamentos e medos emergente nos indivíduos, nas comunidades ou em toda uma época histórica. O Superman é um mito moderno. O herói dotado de poderes superiores aos do homem comum é uma constante da imaginação popular.

Entretanto, os super-heróis das histórias em quadrinhos se humanizam na medida em que alguns de seus atributos são os mesmos de um homem comum, como é o caso do personagem Clark Kent, o herói que possui uma identidade secreta. Com óculos e penteado diferenciado, Clark consegue confundir seus colegas de trabalho e fazer com que ninguém desconfie que, na verdade, é o Superman. A aproximação entre o herói e o leitor se dá no campo dessa possibilidade.

O homem comum pode exercer a mesma virtude, aquela que dará o desfecho mais importante da história, mas não é baseada na força física ou em características supra-humanas. No trabalho, Kent é um tanto atrapalhado, não tem projeção social relevante e é míope, apesar de ter uma visão de raio-x. Constrói-se um mito, também, pela identificação e aproximação. O indivíduo comum, funcionário, sem recursos, dotes e força, se identifica imediatamente.

Eco era professor da Universidade de Bolonha, nos campos da crítica cultural, da semiologia e do medievalismo, além de romancista. Como ensaísta e crítico, navegou entre James Joyce e o Super-Homem. Morreu em decorrência de câncer, em 19 de fevereiro de 2016, aos 84 anos, em Milão, na companhia da mulher e de 30.000 livros. Em 2015, ao ser homenageado na Universidade de Torino, criou grande polêmica ao dizer que a internet deu voz a multidões de imbecis.

Teorias conspiratórias

O senador Marcos Do Val (Podemos-ES) é um personagem das redes sociais que nos remete às histórias em quadrinhos. Criado por um velho mestre japonês de Aikido, arte marcial na qual é faixa-preta 2º dan, depois de prestar serviço militar no Exército, no início dos anos 1990, fundou a CATI, empresa de segurança voltada ao treinamento avançado de policiais, focado no uso não violento da força. Por meio dessa empresa, ministrou cursos e palestras que visam a difusão de diversas técnicas e doutrinas inerentes a abordagens e imobilizações táticas não letais.

Ganhou fama após se tornar instrutor da polícia de Dallas, Texas, nos EUA, nas unidades da SWAT, no final dos anos 1990. Isso lhe abriu as portas para o treinamento de agentes do FBI, DEA, U.S. Marshalls, o grupo antiterrorismo da equipe de Operações Especiais da Nasa (a Marshall Space Flight Center), a segurança do Vaticano, a Carabineri da Polícia de Roma e para militares das Forças Armadas Americanas. Tornou-se, assim, uma espécie de mito entre os capixabas e ganhou muita projeção nas redes sociais entre os bolsonaristas, que lhe garantiu a eleição ao Senado.

Do Val pode ser o elo perdido da conspiração para impedir a posse do Lula e, depois, para destituí-lo, em 8 de janeiro. A sua reunião com o presidente Jair Bolsonaro e Daniel Silveira, na qual teria sido proposto que gravasse uma conversa comprometedora com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, se encaixa perfeitamente na trama golpista. Os dois supostos encontros com o ministro, no qual relatou o convite e as conversas ocorridas no encontro, também. A troca de mensagens com Silveira, idem.

Isso explicaria o teor da minuta de decreto encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, outros fatos protagonizados por Bolsonaro e seus aliados de extrema direita, bem como as decisões tomadas por Moraes na sequência desses episódios. Mas acontece que, a cada entrevista, Do Val muda a versão dos fatos, a ponto de não lembrar se a reunião clandestina com Bolsonaro foi no Palácio do Alvorada ou na Granja do Torto.

É aí que surgem as teorias conspiratórias de que estaria fazendo a denúncia para provocar uma CPI no Senado ou, mesmo, provocar o afastamento de Moraes nas investigações. Num de seus depoimentos, queixou-se de ser chamado de traidor nas redes sociais pelos bolsonaristas, o que teria motivado a sua decisão de contar tudo o que sabe. Tanta contradição, agora, também alimenta a tese de que Do Val se tornou um mitômano. A persona do super-herói nas redes sociais está sendo desconstruída por seus adversários de esquerda e antigos aliados de direita.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-entre-o-mito-do-super-heroi-e-a-fama-de-traidor/

Arsenal mítico é destaque na Semana de Arte Moderna de 1922, segundo professor

Luciara Ferreira e João Vitor*, com edição do coordenador de Publicações da FAP, Cleomar Almeida

Um “arsenal mítico” com simbolismo, lendas e cultura indígena fez a Amazônia protagonizar o modernismo para além das divisas de São Paulo. O doutor em história Aldrin Figueiredo, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), destaca a importância dos mitos na década de 1920, que, segundo ele, tentavam romper o “cordão umbilical” responsável por ligar o Brasil à Europa.

https://youtu.be/_YTi-UdgQ7Y

O “cordão umbilical” está relacionado às tradições europeias descritas pelo professor de artes da Universidade de São Paulo (USP) Tadeu Chiarelli. “As ligações com a Europa são desejadas. Você pinta o tema brasileiro, mas a visualidade e a tradição são europeias”.

Figueiredo dá ênfase ao mito de Macunaíma e ao da Cobra Norato. Ele confirmou presença no evento virtual sobre identidade e diferenças da Semana de Arte Moderna de 1922, organizado pelo jornalista Sergio Leo. O webinar será transmitido, na quarta-feira (4/5), a partir das 18 horas, nas redes sociais e no portal da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília.

Também confirmou participação na live o artista visual Luis Quesada. Ele ressaltou a importância das apropriações culturais indígenas, que, conforme acrescentou, foram vitais para o modernismo brasileiro. “Nelas encontramos o que há de mais revolucionário dentro da Arte moderna brasileira”, disse. 

Mitos

Escrito por Mário de Andrade, Macunaíma conta a história de um índio que viaja até São Paulo para recuperar sua muiraquitã, nome dado pelos índios a pequenos amuletos trabalhados em forma de animal, geralmente representando sapos. 

Já o mito Cobra Norato é a lenda amazônica que inspirou o poema de Raul Bopp, publicado em 1931. Trata-se de uma gigantesca serpente que habitava os rios caudalosos da Amazônia. Ligada à criação do mundo, a Boiuna podia mudar o curso das águas e dar origem a muitos animais.

Identidade nacional

Figueiredo diz que a Amazônia é considerada um lugar de destaque na construção da identidade nacional a partir de uma concepção moderna. Porém, de acordo com ele, não como um polo destacado de debate, mas como um repertório da tradição das lendas e dos mitos. Um lugar fora da história.

A Semana de Arte Moderna, realizada entre 11 e 18 de fevereiro de 1922, foi um dos marcos do modernismo no Brasil. A Fundação Astrojildo Pereira tem realizado atividades desde o ano passado para celebrar o centenário.

Confira aqui matérias e artigos do organizador do evento 

Serviço

Webinário sobre Semana de Arte Moderna - Identidade e Diferenças.

Dia: 4/5/2022

Transmissão: a partir das 18h

Onde: Redes sociais (Facebook e Youtube) e portal da Fundação Astrojildo Pereira

Realização: Fundação Astrojildo Pereira

*Integrantes do programa de estágio da FAP, sob supervisão do jornalista, editor de conteúdo e coordenador de Publicações da FAP, Cleomar Almeida


Fernando Gabeira: A metamorfose do mito

Aparentemente, caminho de Bolsonaro é sem pedras. Congresso dá apoio em troca de cargos, eleitores gratos ao novo benfeitor

Se a frase não tivesse uma conotação tão negativa para ele e seus seguidores, diria que Bolsonaro saiu do armário. Melhor então dizer que mostrou sua face e, se quiserem imagem mais antiga, rasgou a fantasia.

Creio que um marco temporal da metamorfose foi a prisão de Fabrício Queiroz. Uma dose de criptonita na veia do mito de milhões de brasileiros que contavam com sua força para derrubar o velho regime e acabar com a corrupção.

Naquele manhã, Bolsonaro despertou não como o personagem de Kafka, sentindo-se uma barata. Percebeu que era apenas mais um animal na floresta de Brasília. Não era do mesmo tipo dos que se financiam com dinheiro de empresas. Mas sabia que seu esquema ficaria evidente para qualquer analista político, independentemente do grau de miopia.

Vários mandatos na família, pouco mais de uma centena de funcionários, uma boa parte fantasma, e estava resolvido o problema financeiro de campanha e melhoria de vida, capitalizando em negócios imobiliários. Era preciso reencontrar o Centrão, um grupo do qual nunca esteve distante. Seus partidos ao longo dos 28 anos de mandato sempre foram fisiológicos. E o Centrão não significa apenas garantia contra impeachment. Há ali toda uma sabedoria de como se dotar de uma pele de elefante para se escudar das críticas.

Bolsonaro sempre foi um combatente ideológico. Ele só adotou o tema da corrupção quando percebeu que essa era a grande fragilidade da esquerda. Nesse ponto, tentei até dizer a ele nas entrelinhas de uma entrevista, Bolsonaro não difere do movimento militar de 64. Eles falavam em combater a subversão e a corrupção. Mas terminaram apoiando Paulo Maluf, numa tentativa de derrotar Tancredo Neves. É um tipo de pensamento onde existem os nossos corruptos e os deles.

A investida contra Moro por não conseguir intervir na PF do Rio era destinada exatamente a evitar que sua família e amigo fossem incomodados. Não adiantou, Fabrício Queiroz foi incomodado no refúgio de Atibaia em junho.

Agora não há mais mistério. Bolsonaro abandona a fantasia e sabe que perde também uma fração de eleitores que acreditava em seu programa e consegue constatar que foi para o espaço. Somadas às perdas com o desastroso negacionismo diante do coronavírus, era preciso buscar outro norte, ou outro Nordeste para sobreviver. É uma fórmula consagrada pelas pesquisas de popularidade.

Um instrumento sempre denunciado pela direita como uma forma de compra de eleitores, o Bolsa Família ressurge como tábua de salvação. Por que não inventar um Bolsa Família para chamar de seu?

E lá se vai Bolsonaro com um chapéu fake de boiadeiro cavalgando seu novo destino. Aparentemente, um caminho sem pedras. O Congresso dando apoio em troca de cargos, eleitores agradecidos ao seu novo benfeitor. Mas há nuvens no horizonte. Onde conseguir dinheiro para financiar esse projeto de reeleição que, na aparência, é um projeto social? Pedaladas no Orçamento podem resultar em impeachment. Mas nem sempre.

Será preciso jogar fora duas importantes bandeiras: a racionalização da máquina e a venda de estatais improdutivas. Esta semana já foram para o espaço os responsáveis por elas no governo. Os pilotos saltaram do avião. Como supor que seja possível ratear cargos nas estatais e, simultaneamente, pedir que as forças políticas aceitem sua passagem para a iniciativa privada?

Um presidente apoiado no Centrão não será novidade. Bolsonaro não se interessa tanto pelo Líbano quanto pelas fórmulas do MDB de Temer para manter a fidelidade de deputados em caso de processo. A tendência será a de um governo como os outros, apoiado no toma lá dá cá, e estourando o teto de gastos para sobreviver politicamente.

O perigo não é só a bancarrota. A própria classe média pode de novo se enfurecer e surgir por aí um novo salvador para implodir o sistema e acabar com a corrupção. Conheço esse filme desde as últimas décadas do século passado. Collor, o caçador de marajás, fracassou; Lula, prometendo introduzir a ética na política, acabou se desvencilhando dela.

Não eximo ninguém de sua responsabilidade pessoal. Mas essa armadilha histórica da qual não conseguimos escapar merecia uma reflexão. Nossas elites são intrinsecamente desonestas ou também há algo errado com nosso sistema político?

A sucessão de salvadores da pátria não é um fenômeno qualquer. Com Bolsonaro, ela nos jogou nos perigosos limites da democracia.


Ricardo Noblat: O desmanche de um mito

Nunca antes na história deste país um presidente da República havia sido denunciado por corrupção. Michel Temer foi o primeiro, acusado pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, de corrupção passiva. Destinava-se a Temer a mala de dinheiro do Grupo JBS arrastada por rua de São Paulo pelo ex-deputado Rocha Loures (PMDB-PR).

Nunca antes na história deste país um ex-presidente da República havia sido condenado por corrupção. Lula foi ao ser sentenciado pelo juiz Sérgio Moro a nove anos e meio de prisão no processo do tríplex do Guarujá. Se a segunda instância da Justiça confirmar a sentença, ele será preso. Mesmo que não seja, ficará impedido de disputar eleições.

A primeira e única vez até aqui que Lula provou os dissabores da cadeia foi na condição de perseguido pela ditadura militar implantada no país em 1964, e que duraria 21 anos. Muito bem tratado, à época, pelo delegado Romeu Tuma, que depois se tornaria seu amigo e ingressaria na política, Lula fez greve de fome chupando balas. Foi logo solto e virou herói.

Mesmo que por ora solto e candidato a roubar do ex-ministro José Dirceu a condição de “guerreiro do povo brasileiro” conferida pelos militantes do PT, dificilmente Lula será encarado daqui para frente como herói pela larga maioria daqueles que no passado recente o enxergaram como tal. Sua biografia ganhou para sempre a mancha indelével da corrupção.

Pouco importa que ainda ostente o título de campeão das pesquisas de opinião pública com algo como 30% das intenções de voto para presidente se as eleições fossem hoje. . Tais pesquisas também o apontam como campeão de rejeição. Mais de 60% dos entrevistados dizem que jamais votariam nele. De resto, só haverá eleições em outubro do próximo ano.

A condenação de Lula por Moro produzirá efeitos no campo da esquerda. De saída reforçará as chances de Ciro Gomes (PDT-CE) de conseguir o apoio do PT para concorrer à presidência. Não se descarte a hipótese de Dilma desejar a mesma coisa. Afinal, em desrespeito à Constituição, seus direitos políticos foram preservados, embora ela tenha sido deposta.

Se escapar da Lava Jato sem maiores sequelas, pela direita o governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) é o nome que terá mais a lucrar lucrar com a condenação de Lula. O prefeito João Dória não será páreo para ele na coligação de partidos a ser encabeçada pelo PSDB. A Dória restará a candidatura ao governo de São Paulo que atrai também o senador José Serra.

Quanto a Temer... Mesmo que a Câmara negue autorização para que seja julgado pelo Supremo Tribunal Federal, enfrentará uma segunda e talvez a uma terceira denúncia por corrupção e obstrução da Justiça, fora as delações do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e do doleiro Lúcio Funaro. Caso sobreviva, governará como um morto-vivo.