ministério da saúde

Ricardo Noblat: O último general da ativa no governo está com os dias contados

Adeus a Pazuello

 Cabeças rolarão rolar dentro do governo para marcar a passagem de um ano infernal para outro capaz de renovar a esperança dos brasileiros em dias melhores. É sempre assim que agem os presidentes da República ao se verem em apuros uma vez que querem manter a própria cabeça no lugar.

Especialista em logística, ministro da Saúde que sucedeu a dois médicos que insistiam em dizer a Bolsonaro o que ele não queria ouvir, Eduardo Pazuello, posto ali para obedecer sem discutir às ordens que viessem do alto, é uma das cabeças que deverão rolar. É também o último general da ativa no governo.

A cobiça por seu cargo só faz crescer entre os políticos mais fisiológicos, aqueles corriqueiramente dispostos a socorrer governos enfraquecidos em troca de sinecuras. 2021 antecede 2022, ano de eleições gerais. Um ano assim serve para que os políticos façam caixa para financiar despesas futuras.

Pazuello será degolado, mas não só por isso. Seu desempenho como ministro foi um desastre monumental. E não importa que tenha sido um desastre por culpa, em primeiro lugar, de quem o escolheu, mais interessado em quem lhe dissesse amém do que em quem desse conta de enfrentar uma pandemia.

O Brasil está cada vez mais próximo de ultrapassar a marca dos 200 mil mortos pelo vírus, e dos 8 milhões de infectados. São números que lhe garantem um lugar no pódio dos países mais flagelados pela doença. Não tem vacina, nem seringas e agulhas para aplicá-la, e o orçamento da Saúde para 2021 é deficitário.

A coleção de erros cometidos por Pazuello e a equipe de militares carregada por ele para o ministério detonou a fantasia de que só os oficiais com sólida formação alcançavam o generalato. O que dele se esperava como especialista em logística é que pelo menos disso soubesse cuidar muito bem. Como se vê, não soube.

Poderia ter poupado do vexame seus colegas de farda, curvando-se às pressões para que pedisse a passagem para a reserva, mas não pediu. Fez questão de manter-se ao mesmo tempo como ministro de Estado e membro do Estado Maior do Exército. Um pé de cada lado do balcão. Emporcalhou a farda.

Teve pelo menos uma oportunidade de sair por cima. Foi quando, depois de autorizado por Bolsonaro, anunciou que o governo compraria a vacina chinesa Coronavac. Desautorizado pelo chefe no dia seguinte, ao invés de pedir demissão, humilhou-se: “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”.

Ali, enterrou-se como ministro, e enterrou sua carreira dentro do Exército. Ninguém premia um oficial derrotado.


El País: Atraso do Brasil em começar vacinação retarda retomada da economia

Especialistas acreditam que PIB do primeiro trimestre do ano pode vir negativo caso a Covid-19 não seja controlada. Fim do auxílio emergencial deve causar salto na taxa de desemprego

Heloísa Mendonça, El País

Enquanto mais de 40 países do mundo já começaram a aplicar vacinas contra a covid-19, o Brasil continua em disputas políticas, sem uma data para o início da imunização e ainda não aprovou o registro de nenhum imunizante. Com mais de 7,5 milhões de casos de coronavírus registrados no país, tendência de alta em vários Estados e quase 200.000 mortes pela doença, o presidente Jair Bolsonaro chegou a dizer que não “dá bola” nem se sente pressionado pelo avanço da vacinação no mundo. A demora por um plano, no entanto, tem graves consequências. Além de não frear a perda de muitas vidas, o atraso deve dificultar ainda mais a retomada da economia brasileira, que já irá encontrar vários percalços em 2021, como alta do desemprego, da inflação e o agravamento do rombo das contas públicas.

O quadro é claro. Quanto mais o país demorar para aplicar o plano de vacinação nacional, mais tempo estenderá a crise. A atividade econômica deve ter um tombo de quase 5% em 2020. “A vacina é a única forma efetiva de resolver o problema. Só assim você consegue retomar a economia de forma contínua e não fica nesse abre e fecha das atividades, nessa incerteza, como estamos vivendo novamente com o aumento de casos”, explica Joelson Sampaio, coordenador do curso de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo. Segundo ele, os países que já conseguiram sair na frente na imunização da população serão os primeiros a sentirem os impactos na retomada da economia.

O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, já reconheceu que só a vacinação em massa da população conseguirá garantir um retorno seguro ao trabalho e retomada do crescimento econômico brasileiro.

Apesar do mercado projetar um cenário um pouco mais otimista para o próximo ano, apostando em um crescimento de cerca de 3,5% do Produto Interno Bruto, algumas instituições financeiras não descartam um primeiro trimestre negativo caso a vacinação não comece rápido e os registros da doença continuem em alta. “Vamos torcer para que todos estejam vacinados, porque, em um cenário com 400 mortes diárias pode ocorrer um trimestre negativo. Precisamos que a taxa de mortes caia. Agora [nas primeiras semanas de dezembro], os dados pioraram, e isso aumenta o risco de termos um PIB negativo no primeiro trimestre de 2021”, disse Mario Mesquita, economista-chefe do banco Itaú, em uma apresentação sobre as perspectivas para o próximo ano. Ele aponta ainda que, mesmo que as autoridades não imponham restrições às atividades, o aumento das mortes faz com que as próprias pessoas passem a sair menos de casa para utilizar serviços que impliquem em aglomerações.

Soma-se a esse quadro o fim do auxílio emergencial, benefício criado para minimizar os impactos econômicos da pandemia. Ao menos 40 milhões de pessoas começarão o próximo ano sem esse amparo do Governo em meio a uma pandemia e sem plano de vacinação. O encerramento da ajuda irá diminuir a renda da população mais vulnerável, a injeção de dinheiro na economia e deve provocar um aumento no desemprego no país. Muitas pessoas que perderam seus postos de trabalho não voltaram a procurar outro por conta da pandemia e das regras de quarentena, já que contavam com a transferência de renda.

Dados divulgados nesta terça-feira (29) pelo IBGE mostram que a taxa de desemprego ficou em 14,3% no trimestre encerrado em outubro, uma avanço de 0,5 ponto porcentual em relação ao trimestre encerrado em julho. O Brasil tinha 14,1 milhões de desempregados no trimestre, 931.000 a mais do que no trimestre móvel anterior, encerrado em julho. O aumento da fila do desemprego é um reflexo de um número maior de brasileiros que decidiu sair em busca de uma vaga com a flexibilização das regras de isolamento.

Além de mais pessoas à procura de emprego, houve alta de 2,8% na população ocupada, que chegou a 84,3 milhões de pessoas. “Esse cenário pode estar relacionado a uma recomposição, ao retorno das pessoas que estavam em afastamento. Nesse trimestre percebemos uma redução da população fora da força de trabalho e isso pode ter refletido no aumento de pessoas sendo absorvidas pelo mercado de trabalho e também no crescimento da procura por trabalho”, explica a analista da pesquisa Adriana Beringuy.

Há ainda, no entanto, queda na ocupação e aumento na população fora da força quando a comparação é feita com o mesmo período do ano passado. “Temos uma população ocupada que é menor em quase 10 milhões de pessoas e um aumento de 12 milhões na população fora da força [que inclui pessoas que não estavam trabalhando nem procuravam por emprego]. Então esse pode ser um início de uma recomposição, mas as perdas acumuladas na ocupação durante o ano ainda são muito significativas”, completa.

Para o professor João Saboia, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é inevitável que a fila do desemprego aumente com a extinção do auxílio emergencial, já que o mercado não conseguirá absorver todas as pessoas que voltarão a buscar novos postos. “E mesmo quem conseguir um novo emprego será mal absorvido, informalmente ou com nível de renda muito baixo”, explica. A maior parte do aumento no número de ocupados do último trimestre veio do trabalho informal, segundo o IBGE.

Terceiro trimestre pode ter pico de desemprego

O primeiro trimestre de 2021 deve ser o mais preocupante, na avaliação de Saboia. “Sem auxílio e provavelmente sem vacina praticamente, é difícil pensar como retomar. Também são os meses de verão quando historicamente a economia anda mais devagar. Depois, pode ser que a atividade comece a sair mais do fundo do poço, mas vai ser tudo muito lento”, analisa.

De acordo com a corretora XP, a grande fonte de incerteza relacionada ao desemprego ainda é quanto à transição do fim da ajuda às famílias e empresas em 2021 com os desafios da economia brasileira, como a agenda de reformas que podem trazer confiança, principalmente, ao setor de serviços em recontratação. A corretora estima que a taxa de desemprego alcançará sua maior taxa no primeiro trimestre de 2021, chegando a quase 16%.

Inflação pressionada por alimentos e luz

Outro vento em contra no início de 2021 é a inflação. A pandemia pressionou os preços, principalmente dos alimentos e pode ter reflexos ainda no início do próximo ano. Nos últimos meses do ano, a inflação acelerou e o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15), uma prévia da inflação oficial, fechou em 4,23%, acima da meta de 4%. A pressão também foi causada pela decisão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de cobrar bandeira vermelha, aumentando o valor da conta de luz dos consumidores no último mês do ano. Segundo analistas, o preço dos alimentos deve começar arrefecer no primeiro trimestre. Para 2021, a meta fixada pelo Banco Central é de 3,75%, e o mercado financeiro estima algo em torno de 3,34%, também segundo o Focus. No próximo ano a tendência é de um “espalhamento” da inflação.

A pandemia também piorou a saúde das contas públicas do Brasil que já estão há anos no vermelho. O rombo fiscal acumulado entre janeiro e novembro deste ano foi de 699,1 bilhão de reais, o pior desempenho da série histórica iniciada em 1997. Em relação ao mesmo período de 2019, houve um recuo de 9,7% nas receitas e avanço de 39,3% nas despesas. A meta fiscal para este ano admitia um déficit de até 124 bilhões nas contas do governo central, mas a aprovação, pelo Congresso, do decreto de calamidade pública para o enfrentamento da pandemia autorizou o Governo a descumprir o valor em 2020.

Em nota nesta terça-feira, o ministério da Economia afirmou que há três desafios para o próximo ano: o emprego, o crédito e a consolidação fiscal. A pasta projeta um crescimento de 3,2% do PIB em 2021 e afirmou que “com a vacinação ganhando força no mundo, o cenário internacional, será propício” para o Brasil, já que a taxa de juros internacional está baixa e deve manter esse patamar, “o que nos favorece para manter os juros baixos internos” e por estimular “capitais internacionais que busquem oportunidades de retorno”.

Enquanto o ministério da Economia aposta no avanço da vacinação no mundo, Bolsonaro, que já afirmou que não tomará vacina contra covid-19, chegou a dizer que se alguém “virar um jacaré” por tomar o imunizante, não poderia tomar qualquer medida contra os fabricantes. O presidente também afirmou que são os laboratórios que precisam correr atrás de registros de vacinas para vender ao Brasil.

O país se encontra no meio de uma batalha política entre Bolsonaro e o governador de São Paulo João Dória na corrida por uma vacina. O país inicialmente centrou esforços na vacina da AstraZeneca, a chamada “vacina de Oxford”. O Governo Federal assinou um acordo para a realização dos testes da fase três do imunizante e de transferência de tecnologia, com a promessa de produção de milhões de doses pela Fiocruz. Nesta segunda, a Fiocruz afirmou que se encontra no processo de submissão contínua e que deverá enviar os últimos dados à Anvisa até 15 de janeiro. São Paulo, no entanto, diz que começará sua imunização no dia 25 de janeiro com a vacina do laboratório chinês Sinovac, que assinou um acordo de cooperação com o Instituto Butantan. Porém, o Governo paulista adiou a divulgação de seus dados de eficácia da vacina três vezes, enquanto a Sinovac tenta combinar dados de teste globais que incluem Indonésia, Turquia e Chile. Por enquanto o que ronda o país é uma nuvem de incertezas e nenhuma data concreta de vacinação.


Hélio Schwartsman: Brasil errou ao apostar em apenas duas vacinas

Faria mais sentido assegurar que o país tivesse acesso ao máximo possível de doses do maior número possível de vacinas

Se há algo que une militares de direita a sanitaristas de esquerda é a preocupação, às vezes obsessiva, com a transferência de tecnologia. É claro que é melhor ser capaz de fabricar seus próprios imunizantes do que não ser, em especial se houver necessidade de revacinações periódicas como parece ser o caso da Covid-19. Mas eu receio que, ao buscar primariamente acordos que previssem a transferência de tecnologia, o Brasil tenha limitado demais suas apostas.

O governo federal jogou tudo no imunizante da Universidade de Oxford/AstraZeneca, que deverá ter produção local pela Fiocruz, e o governo paulista investiu apenas na Coronavac, parceria entre chineses e o Instituto Butantan.

Na situação de emergência pandêmica que vivemos, teria feito mais sentido assegurar que o país tivesse acesso ao máximo possível de doses do maior número possível de vacinas, mesmo que sem previsão de autossuficiência.

E, para piorar, não tiramos a sorte grande em nossas apostas. A vacina Oxford apresentou 70% de eficácia (contra 95% do biofármaco da Pfizer) e atrasou. A Coronavac ainda não divulgou seus números, mas já sabemos que o braço brasileiro do estudo não apresentou eficácia superior a 90%.

Ficamos para trás em relação a outras nações, mas ainda não estamos no pior dos mundos. Quando falamos em eficácia, o “endpoint” (desfecho clínico) considerado é o desenvolvimento de doença. Significa, no caso da Oxford, que 70% dos voluntários que tomam a vacina ficam protegidos contra formas sintomáticas da moléstia. Mas esse não é o único “endpoint” relevante.

Outros desfechos de interesse são saber se as vacinas evitam a infecção propriamente dita (se o fizerem, fica bem mais fácil controlar a circulação do vírus) e se são capazes de prevenir os quadros graves e os óbitos. Se nossas vacinas transformarem uma doença potencialmente letal numa gripezinha, já estamos bem servidos.


Paulo Fábio Dantas Neto: Saúde Pública e Política - A eficácia da estratégia maricas

Há duas semanas - mais precisamente em 11 de dezembro passado - o ex-ministro da Saúde, Luiz Mandetta, concedeu significativa entrevista à Globo News. Além de tê-la assistido e gostado do que ouvi, constatei a repercussão razoável e favorável que obteve, na imprensa escrita e em redes sociais, aquela parte, digamos, politicamente notável da entrevista. Mandetta foi contundente, preciso e didático na crítica à conduta e à atitude do capitão Bolsonaro, desde o início da pandemia do coronavírus. De certo modo, o ex-ministro fez chover em terreno enxarcado. Reiterou críticas já formalizadas em livro que lançou recentemente e que têm sido compartilhadas e fartamente veiculadas, através de diversos meios de comunicação, por vozes de diversos setores da sociedade e diferentes posições do espectro político do País.  

Mas o fez de um modo tão direto, objetivo e bem informado, que não se tratou de mais uma chuvinha contra a ideia de gripezinha. Foi um furacão de admoestações éticas e políticas ao Presidente da República, capaz de adubar o terreno em que se poderá, talvez, no futuro, plantar iniciativas políticas e jurídicas concretas para questionar, com propriedade, a sua permanência no cargo. Mereceu aplausos de quem sentiu a alma lavada, após tantos meses de desgoverno, vividos em meio à constatação de que Bolsonaro, malgrado o rol de irresponsabilidades e mesmo crimes em que incorreu e incorre, segue irremovível, no momento, seja por ter apoio parlamentar mínimo para se segurar no cargo, seja por contar com apoio popular relevante.

Feito o registro do que reluz, passo ao que mais me impactou na entrevista e que tem se mantido relativamente na penumbra, sem eco importante no noticiário e ainda menos na análise de colunistas. Trata-se de duas constatações às quais aquela fala de Mandetta nos induz, ambas com implicações lógicas diretas sobre o plano político do “que fazer".

A primeira é que se não houver vacinação, em grau importante, já em fevereiro, estará armada a cena de uma tragédia sanitária maior que a atual. Isso porque março e abril são meses, lembra Mandetta, de sazonalidade de vírus. O sistema de saúde não dará conta de evitar centenas de mortes diárias remanescentes de falhas no combate à primeira onda, mais a contaminação da segunda onda (agora, sabemos, com adendo da mutação do vírus), e demandas da sazonalidade de outros vírus, também matadores de idosos não tratados. Em 2020 foi possível, ao Ministério da Saúde, coordenar ações com êxito, em março e abril, pois houve distanciamento e isolamento, hoje impraticáveis nos níveis em que se praticou naquele momento.  Sem falar na ausência atual de capacidade e disposição coordenadora de um ministério marcado pela inépcia.

É evidente que reconhecer a impossibilidade atual de se atingir níveis de distanciamento e mesmo isolamento a que se chegou há oito ou nove meses atrás não significa capitular perante a “fuga para a frente” que se assiste nas cidades brasileiras, como se a volta da “normalidade” econômica fosse algo factível e irreversível, na presença do vírus e de suas mutações. Vamos observar que países que já começaram a vacinar estão fazendo as duas coisas ao mesmo tempo, isto é, reintroduziram medidas que aumentam o isolamento, ao tempo em que andam com a vacinação, processo necessariamente não tão rápido, quando se trata de vacinar uma população inteira. Para atenuar o quadro trágico, negociações, de que falarei mais adiante, precisarão passar também por aí, apesar das resistências entrincheiradas, que certamente não serão poucas, nem brandas.

A segunda constatação é, justamente, a impossibilidade do SUS planejar e operar uma campanha de vacinação imediata, a nível nacional, funcionando só com duas pernas, a dos estados e a dos municípios. Seja "robusto", ou não, o suposto plano do governo federal, esse problema da vacina não se resolverá, do ponto de vista dos usuários, sem uma solução nacional, seja pelo MS, pelo Congresso, pelo STF ou pelos três juntos, como propôs, recentemente o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.

É preciso aprofundar esse ponto, ligado à segunda constatação a que nos levou a entrevista do ex-ministro da Saúde. Somos uma federação de estados autônomos, não soberanos. Qualquer reunião de governadores – e algumas, politicamente incentivadas, em boa hora, têm ocorrido - deixa clara a complexidade desse fato. São assimétricas as condições de autonomia dos diversos estados, mas, à exceção, talvez, de São Paulo, nenhum tem combustível material e gerencial para dispensar, mesmo só por algum tempo, o MS como vértice de um sistema. O Brasil não é um estado unitário em que o governo central decide e o resto segue, mas também não é instituição confederativa, em que estados subnacionais podem decidir fora de diretrizes e constrangimentos coletivos.  Numa federação minimamente ordenada (e a nossa é bem ordenada no que respeita a políticas de saúde) precisa haver regramento comum e mesmo estados mais ricos e poderosos não podem (ou ao menos não devem) comportar-se como membros, com poder de veto, de algo como o Conselho de Segurança da ONU.  O problema político, social e sanitário, do qual o ministro Pazuello é apenas a expressão mais banal, só encontrará solução razoável em arenas decisórias nacionais. É bem vinda, necessária e ajuda muito, toda iniciativa de governadores, prefeitos, assembleias legislativas, câmaras municipais e sociedade civil que leve em conta essa realidade, sem desafiá-la.  Mesmo se o alvo do apelo for o Judiciário, como no caso da que foi aventada pelo governador Flavio Dino.

Juntemos as três constatações de curto prazo (Bolsonaro não cai, a vacinação é urgência urgentíssima e não pode se fazer sem o governo federal) e temos algum norteamento sobre o que fazer. Sinto se sou mensageiro de má notícia, mas, se queremos vacina já, é preciso pressionar, sim, mas também se entender e negociar com o governo Bolsonaro. Quem acha impraticável, deve, daí, tirar a consequência de que morreremos como baratas.

Na coluna passada, tratando de tema da “política dos políticos”, assim comparei as respectivas eficácias da estratégia polarizadora (atitude política negativa, voluntarista, que pretende confrontar o adversário) e da unidade com entendimento (atitude política positiva, prudencial, que pretende isolá-lo) para vencer a política antipolítica de Bolsonaro: “Santos guerreiros são ineptos para lidar com o tipo de maldade que o presidente encarna.  Provam-no os sucessivos momentos em que foi desafiado nesses termos e, das urnas ou pesquisas, emergiram efeitos perversos (...) a experiência de dois anos de labuta com o fator Bolsonaro traz bons conselhos. Olhar para os resultados das eleições e para frentes políticas que se formaram e venceram. Lembrar dos trinta primeiros dias de enfrentamento articulado da pandemia no Brasil (...) Bolsonaro se isolou e perdeu espaço. Ao inverso, recupera-se sempre que se perde o foco nesse processo plural e incremental” e sempre – completo agora - que o foco é desviado para o terreno pantanoso da “vontade política”, refúgio de demagogos que a receitam como elixir contra males que não sabem combater.

Essa chave interpretativa da eficácia de estratégias políticas pode ser usada para abrir um horizonte menos sombrio para as controvérsias sobre vacinação e vacinas. Peço licença, nesse ponto, para usar um chiste do Presidente, invertendo seu sentido negativo. Maricas é bom sinônimo de prudente, no caso da vacina. Bons negociadores são, nesse momento, mais importantes do que a soma de todas as (também necessárias) macro análises sofisticadas do problema sanitário e econômico e de todos os discursos justamente indignados com a iniquidade da cena social e com a incúria genocida do governo na Saúde.

Claro que negociadores políticos não deixarão como legado o melhor e mais racional plano de vacinação, nem a estratégia mais persuasiva e ousada para derrubar a popularidade de Bolsonaro, a curto ou a médio prazo. São maricas, afinal. Onisciência e intrepidez são, para eles, por definição, faculdades estranhas. Mas podem servir, por exemplo, para obter apoio de partes do mal chamado “centrão” para a autoconvocação do Congresso em janeiro. Quem, por premissa, vê como nula a chance de se arrastar esse governo a qualquer negociação, ajudaria se suspendesse provisoriamente esse ceticismo radical e somasse sua voz em favor dessa medida de utilidade pública. Ela é crucial para que as questões da vacinação e da sucessão das mesas do próprio Congresso possam ser tratadas, objetiva e publicamente, para além do maniqueísmo das redes, das linhas e entrelinhas do jornalismo político e das ações de afago e chantagem do governo sobre deputados e senadores. Somente sob holofotes a saúde pública receberá o tratamento de prioridade absoluta que precisa ter nesse momento. Quem quer Vacina Já deve não apenas ser maricas no trato com o vírus da Covid. Deve sê-lo também para escolher, pelas evidências, uma estratégia política maricas, quer dizer, reconhecer a maior eficácia de uma política positiva para lidar com o vírus extremista que infectou o país em 2018 e impedir que venha uma segunda onda, em 2022. 

*Cientista político e professor da UFBA. 


Mariliz Pereira Jorge: 'Para que essa ansiedade?', pergunta Pazuello, o tranquilão

Ministro da Saúde questionou angústia pela chegada da vacina contra Covid-19

O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que não entende xongas de saúde, não deve fazer ideia de que quatro em cada dez brasileiros tem experimentado algum nível de ansiedade por causa da pandemia. Entre 16 países, somos o que mais sofre, segundo pesquisa da Ipsos.

Talvez esses dados iluminem o titular da pasta que, ao ser questionado sobre detalhes do “plano de imunização” do governo, minimizou a complexidade de proteger 200 milhões de pessoas. “Para que essa ansiedade, essa angústia?” Segundo Pazuello, temos o maior programa de imunização do mundo e somos os maiores fabricantes de vacina da América Latina. Ok, conte agora uma novidade. Que dia começa a vacinação?

Ele diz que pode começar em dezembro. Muda para janeiro. Março. A última notícia é de que será em fevereiro. Depois da divulgação do “plano” ficou claro que o único projeto que o governo tem é de extermínio. Não tem plano. O brasileiro que não entrou em negação, se não morrer de Covid, sucumbe ao pânico. Mas o ministro tranquilão não entende por que estamos ansiosos.

Temos mais de 180 mil mortes pela Covid-19. O Brasil está perto de voltar a enterrar mil pessoas todos os dias. Os hospitais estão lotados. Os casos estão explodindo em cidades sem UTI. Para que angústia?

E ainda tem Jair Bolsonaro. Ele tem dado declarações com sinal trocado. No lançamento do “plano” falou sobre a importância de “união para buscar a solução de algo que nos aflige há meses”, um dia depois de ter conspirado sobre a segurança da vacina e de ter dito que não vai tomá-la. O resultado é o aumento da desconfiança na população. Mas pra que ficar ansioso?

Milhares de pessoas passarão as festas de dezembro, assim como já ficaram o ano todo, longe dos seus. Perdemos familiares, amigos, emprego, esperança, mas Pazuello não sabe por que estamos ansiosos por uma bendita vacina.


Carlos Andreazza: A pazuellização

Nem sequer seringas temos. Mas teremos. Né, general?

Um governo que ancorou seu negacionismo frente à pandemia num discurso de compromisso radical com a saúde econômica deveria ser obcecado por vacinar maciçamente a população. Porque só a vacinação destravará a economia.

Este, no entanto, é um governo que só criou — e cria — dificuldades para a vacinação. Na prática, o governo Bolsonaro — força regressiva, dependente de imprevisibilidades, que melhor vigorará quanto maior for a calamidade — lida com a pandemia de forma antieconômica. É um contrassenso. É, pois, a mais pura expressão do bolsonarismo, fenômeno reacionário anabolizado pela dissonância cognitiva.

A principal constituição discursiva de Jair Bolsonaro ante a peste apenas se serviu da preocupação com a economia para fabricar conflitos e difundir teorias da conspiração. Falamos de um presidente que manteve taxa de aprovação acima de 30% mesmo, no auge da pandemia, quando cultivava declarações beligerantes no cercadinho do Alvorada. Ingênuo crer que sua pregação antivacina não resultasse em aumento no número daqueles que não pretendem se imunizar.

Isso passa, contudo. Reverte-se. No caso da Covid-19, é ter as doses nos postos para que a desconfiança dos que dizem que não se vacinariam se converter em braço esticado. Sim: teremos os antivacinas vacinados. E continuarão bolsonaristas. Ok. O problema é a cisão social derivada da descrença; o eco influente da desinformação — sim, genocida — sobre outrora sólida cultura vacinal. Voltou o sarampo. A estúpida campanha antivacina produz atraso objetivo quando o estúpido é o presidente da República.

No mundo real, vários países iniciam seus programas de vacinação já neste dezembro. O Brasil não poderia mesmo formar entre os primeiros. Não é o Reino Unido. A questão é se precisaria ficar tão atrás. Há países em condições político-econômicas piores que começarão antes. Isso é produto da incompetência; da pazuellização do Brasil. O governo brasileiro é péssimo de serviço, o que foi potencializado — esta ruindade sabotadora — pela doença ideológica bolsonarista.

Meses de delinquência criaram a lama para este ambiente de caos anestesiado. De modo que o governador Ronaldo Caiado, de Goiás, deveria calibrar melhor a leitura das razões para o que diagnosticou — corretamente — como corrida maluca por vacinas. E pensar sobre quem prospera investindo na loucura.

Não há corrida maluca porque um governador — diante, por exemplo, de empecilhos forjados por uma Anvisa a serviço de um projeto de poder — tomou a frente para assegurar a vacinação dos seus. Há corrida maluca porque o governo federal — por meio de atitude sociopata — recusou-se, boicotando qualquer esforço coordenado, a comandar o processo. O governo Bolsonaro plantou o cada um por si.

Caia quem quiser na armadilha polarizadora sobre quem teria politizado primeiro; se Bolsonaro ou Doria. Políticos politizam. Claro que olham para 2022. Normal. Todos o fazem, inclusive Caiado. Com uma diferença: tudo o mais constante, só um entre os politizadores terá vacina para aplicar em janeiro. É uma diferença civilizacional.

O pânico, esta é a palavra, quem promove agora, por medo de natureza político-eleitoral, é o governo federal reativo, cujo plano nacional de vacinação — um catadão vergonhoso cuspido no papel — só existe porque obrigado, feito às pressas sob a vara de um Supremo que se deixa enganar. Como acreditar que um Ministério da Saúde inconfiável, que se prestou a cavalo de um mistificador, cavalo também sendo o Exército, e que nada planeja desde abril, seria — será — capaz de conceber um programa vacinal em semanas?

Foram meses de escolhas cretinas. A começar pela inexistência de convênios com todos os grandes produtores de vacina. Precisaríamos de todas. O governo, porém, preferiu restringir-se a um só fabricante, incapaz de atender a toda nossa demanda — e de que ficaríamos cativos em caso de alguma delonga no trâmite de aprovação de seu imunizante. Foi o que ocorreu.

Acontece. Ninguém obrigou o Brasil a se atrelar ao destino de um só laboratório. Quem dera, porém, fosse apenas esse o nosso espeto... Nem sequer seringas temos. Mas teremos. Né, general? A questão é quando. Questão — quando? — que projeta fosso de negligência em que milhares morrerão.

Nunca tive dúvida de que, havendo vacinas, o governo federal correria para comprar todas, inclusive a CoronaVac, aquela chinesa, a comunista etc. Aquela que Bolsonaro disse que não compraria. Comprará. O mundo real se impõe. Nunca duvidei de que o governo safado testaria até a tese do confisco; a surpresa sendo um macaco velho como Caiado, pazuellizado, deixar-se servir por boi de piranha da barbárie.

O mundo real se impõe. E a lei se imporá, inclusive para tornar a Anvisa bolsonarista irrelevante... A lei se imporá também ao processo de pazuellização da vida pública. O revés é o tempo perdido —sempre ele. Veja o caso da vacina da Pfizer. O Ministério da Saúde, leviano, arrotou várias dificuldades, antecipando-se para difamar um imunizante porque exigiria geladeiras especificas. E agora é o “ai, Jesus” — com Pazuello, talvez já convencido de que haja demanda, anunciando acordo para aquisição de milhões de doses antes mesmo de o contrato assinado.

Compraremos todas, qualquer que seja o preço. E esperaremos — no fim da fila. O mais caro preço. Párias e otários.


Eliane Cantanhêde: Troféu dos 180 mil vai para...

Com plano confuso de vacinas, Saúde quer mesmo é desovar cloroquina contra o 'bichinho'

Acerta o ministro Paulo Guedes em deixar de lado o foco fiscal e se dispor a destinar até R$ 20 bilhões para a vacinação em massa contra a pandemia. Erra o ministro Eduardo Pazuello ao entrar numa guerra política insana e planejar gastar R$ 250 milhões na distribuição de um remédio encalhado e desautorizado para a covid em todo o mundo. 

Tão fundamental, o equilíbrio das contas públicas é sempre ignorado pelo Brasil, entra governo, sai governo, mas não é hora de pensar nisso e, sim, em como combater o maior mal do século. Dinheiro para vacinação não é gasto, é investimento: na vida, na volta à normalidade, na sustentabilidade do sistema público e privado de saúde, na recuperação da economia e na volta dos empregos.

Não basta, porém, a decisão de investir, é preciso ter no que investir. Ou seja: é obrigatório ter planejamento, cronograma, meta, acordos com fornecedores de luvas, seringas, embalagens, refrigeradores e, o mais importante, vacinas. O Ministério da Economia diz que tem dinheiro, o da Saúde tem o plano? Qual a consistência do que foi entregue ao STF?

Perdido, depois de desautorizado pelo presidente Jair Bolsonaro a negociar a vacina do Instituto Butantã, Pazuello joga datas ao léu e agora fala em dezembro. Mas, se o presidente diz que a pandemia “está no finalzinho”, o que está mesmo no finalzinho é dezembro, é 2020. O que foi feito, foi; o que não foi, não foi. Com o mundo inteiro desesperado por vacinas, os países que chegaram primeiro nas farmacêuticas chegam primeiro aos seus cidadãos. O resto fica chupando dedo.

Sem vacina em tempo e em quantidades seguras, o Ministério da Saúde imagina atalhos espinhosos, como “requisitar” (ou confiscar?) vacinas de quem foi mais diligente e criar um “kit covid” para desovar os estoques de cloroquina encomendados teimosamente por Bolsonaro ao amigão Trump e aos laboratórios das Forças Armadas. Senão, vai ter de prorrogar a validade da cloroquina, como a gente não faz com o iogurte da geladeira, mas eles fizeram com os 7 milhões de testes jogados no almoxarifado da incompetência.

Agora, é torcer para a pressão que partiu de São Paulo chegar ao resto do País e gerar senso de urgência e ação, porque somos 210 milhões e é necessário apostar no máximo de vacinas, com rapidez, segurança e a confiança da população na nossa Anvisa, de tão boa imagem, serviços prestados e quadros de excelência.

Enquanto isso, o País e os próprios governadores se dividem. Ronaldo Caiado (GO), errático, está irado com João Doria (SP) – que “criou dois Brasis, um com e outro sem vacina”, ao anunciar para 25 de janeiro uma vacina ainda sem autorização da Anvisa –, mas passa a mão na cabeça de Bolsonaro, quem efetivamente criou esses dois Brasis.

(Detalhe: médico ortopedista, Caiado já fez 32 testes, todos negativos, mas sua mulher e duas filhas estão com covid. Nenhuma das três tomando cloroquina...)

O curioso, ou drástico, é como as situações se confundem nos Estados Unidos e no Brasil, onde o coronavírus ganha a guerra e vai fazer uma grande festa no Natal e no ano-novo. Há, porém, duas diferenças. Nos EUA, a vacinação está para começar e tudo muda de figura em janeiro. Lá, há definição e horizonte. Cá, indefinição e nebulosidade.

À Globonews, na sexta-feira passada, o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta previu uma segunda onda em março/abril e contou como fez de tudo para tentar convencer Bolsonaro da gravidade do vírus, desde um denso documento até explicar que é “um bichinho que entra pelo nariz e passa de uma mão para outra”. E avisou: no pior cenário, se nada fosse feito, o Brasil chegaria a 180 mil mortes em dezembro. Bolsonaro optou pelo ego e os terraplanistas. Para quem vai o troféu dos 180 mil?


Míriam Leitão: General não sabe preparar a guerra

O general está errando na estratégia de guerra e falhando na execução de sua missão. Ao ministro general Eduardo Pazuello foi entregue a tarefa de proteger a saúde dos brasileiros em plena pandemia. Isso é uma guerra. O inimigo é altamente letal, já foram 179 mil os brasileiros mortos. Pazuello deveria usar toda a munição e todas as armas disponíveis, mas escolheu apenas algumas. Ele nos desarma diante de inimigo perigoso ao desprezar a vacina do Instituto Butantan e demonstra ter dúvidas se haverá demanda por proteção entre as potenciais vítimas do coronavírus.

Ontem Pazuello tentou consertar o que havia dito na véspera, mas os últimos dias foram esclarecedores para quem tinha alguma dúvida de que o governo escolheu mal o general desta guerra. E escolheu mal porque o próprio presidente demonstra não se importar com os efeitos da pandemia, desde o começo.

Na reunião com os governadores na terça-feira ficaram claros os erros de estratégia, de avaliação, de planejamento e de logística do ministro da Saúde. Diante de um inimigo perigoso e desconhecido, um bom comandante não faz o que ele fez. Até agora ele escolheu uma única vacina, a Oxford AstraZeneca, e admitiu comprar a da Pfizer. Só que ele mesmo disse que as quantidades de vacinas que os laboratórios podem oferecer são “pífias”. Nesse contexto de escassez de oferta, fica ainda mais difícil entender por que ele desfez o acordo que havia firmado em outubro com a vacina Coronavac. Na briga com o governador de São Paulo, João Dória, Pazuello disse que o Instituto Butantan não é de São Paulo, e sim brasileiro. A verdade é que ele é administrativamente paulista porque há um século foi fundado pelo governo de São Paulo. Ao mesmo tempo, é de todo o país pela confiança que a população brasileira tem no nosso maior fabricante de vacinas. Mas, diante da afirmação de Pazuello, ficou mais claro que o governador João Dória fez a pergunta certa. Por que discriminar a vacina na qual trabalha o Instituto Butantan?

Todo general sabe, por dever de ofício e longo treinamento, que é preciso, numa guerra, manter a união. Pazuello até falou que não devemos nos dividir. Perfeito. Mas quem tem dividido o país desde o começo é o presidente. Ou é preciso lembrar as vezes em que ele atacou governadores? A demora de tomada de decisão do governo federal está provocando essa divisão, com cidades e estados indo procurar diretamente a forma de proteger sua população. O prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, procurou o governo de São Paulo. Vários governos estaduais, também. O governador Flávio Dino foi ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Se o ministro tivesse desde o começo assumido o papel de liderança que o governo federal sempre teve em programas de imunização, se mantivesse diálogo contínuo com os governadores, se tivesse mostrado senso de urgência e discernimento, não precisaria pedir por unidade. Ela aconteceria naturalmente e sob o comando do Ministério da Saúde. Quando os governadores pedem uma reunião com o ministro para discutir o programa nacional contra o coronavírus é a prova de falha da liderança. O ministro já deveria ter transformado esses encontros em rotina, deveria ter apresentado seu programa, deveria ter adotado a estratégia comum em todos os países de apostar em várias vacinas viáveis. Ou seja, seu dever no cumprimento da missão era usar a melhor estratégia da guerra, manter todos unidos contra o inimigo comum e usar todas as armas e munições.

A referência bélica é em sentido figurado. Armas e munições são as vacinas que nos garantirão a vida e o funcionamento normal da economia. Não apenas o imunizante, mas as seringas, agulhas, cronograma, planejamento, capacidade de estocagem e de transporte. A logística da imunização, enfim. Mas a prioridade de Bolsonaro é literal. Ontem o governo levou a zero as alíquotas de importação de revólveres e pistolas.

O governo atende ao desejo dos clubes de tiros, mas o general da Saúde tem dúvida se há interesse da população em se defender do vírus. “Se houver demanda”, disse e repetiu Pazuello. Ele assim o fez para mais uma vez demonstrar que segue na tropa do presidente da República que sempre negou a gravidade da pandemia e a necessidade de proteção contra o inimigo. O general está perdido no tiroteio.


Ricardo Noblat: Saída de Pazuello do governo é só uma questão de tempo

Ou porque será sacrificado ou porque pedirá demissão

Até quando o general Eduardo Pazuello, ministro improvável da Saúde tanto quanto Jair Bolsonaro é presidente acidental, ainda suportará o desgaste que sofre em decorrência de sua abissal ignorância sobre assuntos que é obrigado a tratar? E até quando o Exército assistirá inerte à desmoralização de um dos seus oficiais?

Pazuello não é apenas mais um militar de alto coturno que serve ao governo de um ex-capitão afastado contra sua vontade da caserna por indisciplina e conduta antiética nos anos 80 do século passado. É o único general da ativa e, como tal, membro do alto comando do Exército. Isso faz muita diferença – ou melhor: deveria fazer.

Seu colega Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria do Governo, levou meses para finalmente se render à pressão superior e pedir passagem para reserva. Militar da ativa não pode ocupar os dois lados do balcão, ora sentando-se com os que governam o país, ora com os que ditam os rumos das Forças Armadas.

Uma coisa nada tem a ver com a outra. O Exército é uma instituição permanente e apartidária. Não deve confundir-se, nem deixar-se confundir com governos cuja duração máxima é de oito anos. Era de quatro até que nos anos 90 o presidente Fernando Henrique Cardoso pegou gosto e quis ficar mais quatro. Ficou.

O Brasil registrou, ontem, quase 800 mortes pela Covid-19 em 24 horas, e o total ultrapassou a marca de 178 mil. O número de infectados se aproxima dos 7 milhões desde o começo da pandemia. Na gestão de Pazuello, a quantidade de casos aumentou 30 vezes. E se não bastasse, ele continua a dizer asneiras.

Em debate com governadores, entre eles João Doria (PSDB), de São Paulo, o ministro bateu seu recorde de asneiras. Visivelmente desconfortável no papel que Bolsonaro o forçou a viver, Pazuello disse a certa altura do duro interrogatório que enfrentou:

“Eu já expus a todos os governadores: quanto à vacina do Butantã, que não é do Estado de São Paulo, é do Butantã, eu não sei por que o senhor [Doria] tanto fala como se fosse do Estado, ela é do Butantã. O Butantã é o maior fabricante de vacinas do nosso país e é respeitado por isso”.

Por descuido ou por pena do general, Doria não respondeu que o Instituto Butantã foi fundado pelo governo de São Paulo em 1901 e desde então faz parte da Secretaria de Saúde do Estado. Ele é o fabricante por aqui da Coronavac, a vacina chinesa que desperta em Bolsonaro seus instintos mais primitivos.

Em outubro último, em entrevista à rádio Jovem Pan, Bolsonaro afirmou: “A vacina da China nós não compraremos. É decisão minha”. Está gravado, o que não o impedirá de desmentir como já desmentiu que tenha dito duas vezes que o coronavírus não passava de uma gripezinha. Também está gravado, mas e daí?

O ponto alto do discurso de Pazuello aos governadores foi sobre o futuro da CoronaVac: “Quando a vacina estiver registrada, avaliaremos a demanda, e se houver demanda e houver preço, nós vamos comprar. Havendo demanda, todas as vacinas serão alvo de de nossas compras”.

Havendo demanda? Já não há?

Falta um plano de vacinação em massa. O que existe é um arremedo de plano repleto de buracos. Falta senso de urgência. Falta planejamento. Falta articulação com Estados e municípios. Falta comprar vacinas que outros países já compraram. E faltam insumos básicos, como agulhas, para que a vacinação possa começar.

Pazuello não sabe o que diz. E tem medo de dizer o que possa enfurecer Bolsonaro. Há mais de um mês, autorizado por ele, o ministro anunciou a compra de 46 milhões de doses da CoronaVac. No dia seguinte, foi desautorizado. Pazuello então admitiu envergonhado: “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”.

Tem um general que se humilha e que é humilhado em praça pública dia sim, o outro também, e isso não é uma coisa que dignifique o Exército de Caxias.


Beatriz Jucá: Brasil fica para trás na estratégia de vacinação contra a covid-19 e acende alerta

Ausência de informações sobre estratégia nacional levanta receio de que o país desperdice sua expertise na imunização contra o coronavírus. Governo admite que vacina não será oferecida a toda a população em 2021

Enquanto laboratórios anunciam resultados preliminares promissores de suas vacinas contra o coronavírus e o mundo já desenha seus planos de vacinação, ainda não se sabe quase nada sobre quais serão as estratégias que o Brasil deverá adotar. O país ―onde a pandemia voltou a ganhar velocidade nas últimas semanas― dispõe de um Programa Nacional de Imunizações (PNI) reconhecido mundialmente, mas tem visto a disputa ideológica contaminar as decisões sobre as ações de combate ao vírus deste o início da crise. Diante da ausência de informações sobre o plano vacinal, pesquisadores e parlamentares receiam que o país desperdice sua expertise e não consiga apresentar uma estratégia consistente à sociedade logo que as vacinas sejam registradas. Na última semana, o Ministério da Saúde admitiu que a vacina contra a covid-19 não deverá ser disponibilizada para toda a população em 2021 e que a lógica de imunização deve ser semelhante à da vacinação contra a gripe, que prevê a aplicação do medicamento em grupos específicos.

Por enquanto, nenhum laboratório solicitou ainda o registro de sua vacina à Anvisa e o órgão diz que precisará de pelo menos 60 dias pra analisar eventuais pedidos. No mundo, ainda não há um medicamento imunológico licenciado, mas os países já começam a informar parte de suas estratégias. A Espanha, por exemplo, já anunciou que dividiu a população em 15 grupos e definiu quais teriam prioridade para receber a vacina: idosos em casas de repouso, cuidadores e pessoas com deficiência. No Brasil, um comitê técnico (do qual participam representantes do Governo, secretarias estaduais e municipais da Saúde, entidades de classe e organismos internacionais) foi criado em setembro para pensar nas estratégias. Uma reunião está prevista para a esta terça-feira para discutir uma primeira versão de um plano de vacinação para a covid-19. O país optou por esperar os registros dos imunizantes para avaliar quais serão incorporados no SUS e, a partir daí, desenvolver seu plano nacional.

O Brasil já tem um acordo para a transferência de tecnologia da vacina da AstraZeneca e participa de um consórcio global para ter prioridade na aquisição de outras nove vacinas, o Covax Facility. Também tem dialogado com laboratórios, ainda que não haja novos contratos de aquisição avançados neste momento. Alguns Estados já fizeram acordos para adquirir vacinas promissoras, como por exemplo São Paulo com a Coronavac e a Bahia com a Sputinik V. Mas desde que a corrida por uma vacina entrou na retórica ideológica de Bolsonaro, paira uma desconfiança sobre as futuras ações de imunização. O Ministério da Saúde afirma que trabalha com a possibilidade de incorporar diferentes vacinas no plano nacional, mas a possibilidade de rejeição de determinados imunizantes ganhou força desde que o presidente desautorizou seu ministro a firmar um contrato de intenção de compra da Coronavac, adquirida pelo seu adversário político e governador de São Paulo, João Dória.

O ministro Eduardo Pazuello garante que o plano nacional está, sim, sendo construído e chegou a afirmar que parte dele já estaria pronto. “Podem ficar tranquilos. Estamos acima do momento, estamos adiantados. Quando estivermos com dados logísticos das vacinas, a gente fecha o plano”, afirmou na última semana, sem apresentar maiores detalhes. Pazuello disse apenas que a lógica segue a mesma de outras campanhas: estudar os grupos prioritários e as áreas mais afetadas. No dia seguinte, porém, a equipe técnica do Ministério da Saúde afirmou que o que está definido são os objetivos do plano: reduzir a mortalidade e proteger pessoas mais expostas, já que neste momento não há capacidade de produção de vacina para toda a população brasileira.

“Definimos objetivos para a vacinação, porque não temos uma vacina para vacinar toda a população brasileira. Além disso, os estudos não preveem trabalhar com todas as faixas etárias inicialmente, então não teremos mesmo como vacinar toda a população brasileira”, disse a coordenadora do Programa Nacional de Imunizações, Francieli Fantinato. Gestantes e crianças, por exemplo, não entraram nos testes dos imunizantes. Segundo Fantinato, os detalhes logísticos de um plano nacional de vacinação só devem ser definidos após o registro pela Anvisa. Por enquanto, a pasta trabalha em uma fase preparatória para desenvolver sua estratégia.

Mas a demora para algumas definições preocupa especialistas e parlamentares. A cobrança para que o Governo apresente um plano de vacinação para a covid-19 está na Justiça. O Supremo Tribunal Federal recebeu pelo menos quatro ações sobre o tema, motivadas pelo discurso de Bolsonaro contra a obrigatoriedade da vacinação e por sua rejeição à Coronavac. A Corte deverá tomar uma decisão no dia 4 de dezembro, mas nesta semana o ministro Ricardo Lewandowski, que é relator das ações, antecipou o voto favorável à iniciativa. Lewandowski declarou que, na iminência de aprovação de várias vacinas, “constitui dever incontornável da União considerar o emprego de todas elas no enfrentamento do surto da covid-19”.

A microbiologista Natalia Pasternak alerta que um atraso no planejamento da vacinação é prejudicial, mesmo com a expertise do SUS, especialmente no caso do coronavírus. O cenário que se desenha no momento é que os países precisarão adotar diferentes vacinas para atingir a imunização coletiva e, num país continental como o Brasil, exige-se um plano complexo. Os medicamentos imunológicos mais promissoras atualmente envolvem diferentes necessidades de logística e armazenamento (alguns precisam de ultracongeladores), então é importante que o Governo planeje quais deverão ser incorporadas e quais seriam as mais adequadas para cada região, além de desenvolver um sistema de controle da vacinação e das doses de cada usuário.

“O Ministério da Saúde está devendo esse planejamento. Espero que estejam planejando e só não tenham comunicado ainda à população. Pensar que não há um plano é desastroso”, afirma Pasternak. A pesquisadora argumenta que é preciso pensar na aquisição de equipamentos (como câmaras frias para determinados medicamentos), nas possibilidades de distribuição, nas necessidades de ampliação de estruturas de postos de saúde e mesmo um plano de capacitação rápida para profissionais. “Quais vacinas vão pra quais regiões? A Coronavac e a da AstraZeneca são mais fáceis de armazenar. Quem vai ser atendido com qual vacina? E fazer um acompanhamento adequado, porque cada uma delas tem seus regimes de doses. Tudo isso precisa de planejamento e treinamento de pessoal”, explica. Para ela, a falta de transparência do Governo sobre isso deixa a população desamparada e confusa, além de estimular teorias da conspiração contra as vacinas.

A questão também tem preocupado parlamentares da comissão externa da Câmara que acompanha as ações de enfrentamento à pandemia. O ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha (PT), opositor de Bolsonaro e membro do colegiado, teme que o Brasil priorize a vacina da AstraZeneca e opte por um plano de vacinação mais restrito diante da guerra política protagonizada pelo presidente. “Acredito que o desejo do atual Governo é um plano limitado de vacinação, usando apenas a vacina de Oxford (Astrazeneca). Ele torce pra que esta seja a primeira registrada, quando o Brasil deveria ter uma postura mais ousada e participar de vários projetos, mas pra isso tem que ter investimento. E o Governo está querendo retirar recursos da Saúde em 2021″, afirma.

A vacina da AstraZeneca ―a principal aposta do Governo até o momento― deve refazer testes após um problema de falta de transparência sobre os dados preliminares. Novos dados apresentados sobre seu estudo geraram dúvidas sobre sua autêntica eficácia. Isso deve acarretar atrasos no seu registro, mas o Brasil diz que não modifica seu planejamento. O Ministério da Saúde dialoga com outros laboratórios, mas mesmo assim já admitiu que não deverá oferecer a vacina da covid-19 a toda a população em 2021. A estratégia, assim como na imunização contra a gripe, será a de definir grupos prioritários com base em mortalidade, exposição e análise epidemiológica. “O fato de determinados grupos da população não serem imunizados não significa que não estarão seguros, porque outros grupos que convivem com aqueles estarão imunizados e dessa forma não vão ter a possibilidade de se contaminar”, afirma o número 2 da pasta, Élcio Franco.

O risco de desigualdade na vacinação

As vacinas só poderão ser distribuídas nacionalmente pelo SUS se tiverem aval da Anvisa e forem implementadas pelo Governo Federal. São Paulo, por exemplo, pode incluir a Coronavac em seu programa, mas não pode distribuir para outros Estados. Nesse sentido, há um risco de que haja desigualdade na distribuição das vacinas, já que Estados mais pobres podem não ter recursos para adquiri-las. Isso já aconteceu no país, mas nos últimos anos o programa nacional foi ganhando robustez e promovendo campanhas unificadas e amplas de imunização. “O Governo Federal deve garantir calendário mais amplo possível. Até porque o Estado isolado dificilmente vai ter força para garantir a transferência de tecnologia”, argumenta Padilha. Por enquanto, o Governo de São Paulo não diz se trabalha com um plano próprio ou se esperará as diretrizes do Governo Federal. Afirma apenas que trabalha nas estratégias de vacinação e que elas serão divulgadas no momento oportuno.

Enquanto isso, a pandemia volta a ganhar força no Brasil. O ministro Pazuello admitiu nesta semana novos “repiques” de infecções, especialmente nas regiões Sul e Sudeste, mas não apresentou novas ações para conter os contágios. A estratégia continua voltada ao tratamento de pessoas já infectadas. O país segue falhando em uma política de controle e rastreio de casos, mesmo dispondo de um amplo exército de agentes de saúde, presentes em praticamente todos os municípios. O ex-ministro Mandetta chegou a justificar que, no início da crise, essa estrutura não foi utilizada para o rastreio porque havia escassez de equipamentos de proteção individual e testes.

Mas nove meses e duas trocas de ministros depois, o país continua sem uma política efetiva de controle de casos. E quase sete milhões de testes RT-PCR que poderiam ser usados para controlar a pandemia estão vencendo nos estoques do Governo, conforme noticiou o Estadão. O Ministério da Saúde diz a empresa responsável pelos testes já pediu a prorrogação da validade desses insumos à Anvisa e que monitora o caso. Os testes venceriam em dezembro e janeiro. A pasta também diz que não há risco de falta de testes. “Estamos repetindo os mesmos erros. No começo do ano, a gente demorou a reagir. De novo, vemos aumento de casos na Europa e também não nos preparamos para o aumento que chegaria aqui. Nunca tivemos um planejamento realmente organizado, centralizado, e direcionado pelo Ministério da Saúde. Passaram-se nove meses. Não deu tempo até agora de termos um plano de enfrentamento?”, questiona a microbiologista Natalia Pasternak.


Elio Gaspari: De Marechal.Bittencourt para Pazuello: 'Vosmicê está sendo frito'

O senhor está numa situação rara nos anais militares, responde a um comando confuso e a um Estado-Maior inerte

Estimado general Eduardo Pazuello

O senhor sabe que sou o patrono da arma da Intendência, mas só alguns oficiais lembram quem fui. Menos gente recorda que sou o único marechal do nosso Exército que morreu literalmente defendendo o poder civil.

Na tarde de 4 de novembro de 1897 acompanhei o presidente Prudente de Moraes ao desfile da tropa que voltava vitoriosa de Canudos. Um anspeçada avançou com uma garrucha, ela falhou e ele avançou com uma faca contra Sua Excelência. Interpus-me, embolamo-nos e ele me feriu no peito, na virilha e numa das mãos. Morri pouco depois.

O lugar onde caí, em frente ao Arsenal de Guerra, que hoje é o Museu Histórico Nacional, foi demarcado com uma placa de bronze e dois mourões. Puseram um busto meu do outro lado da rua e minhas luvas ensanguentadas ficavam numa vitrine do museu.

O busto saiu de lá, os mourões foram derrubados e hoje a placa fica embaixo dos chassis dos carros que lá estacionam. O Exército pouco fala do meu gesto. Marechal-ministro que morre defendendo um presidente civil é coisa esquisita. Afinal de contas, desde 1897, generais depuseram três presidentes. A memória das gentes é bastante seletiva.

Deixemos de velharias, general Pazuello. Escrevo-lhe para dizer que vosmicê está sendo frito, como se diz hoje. Consigo fritam-se os militares. O senhor substituiu dois médicos e levou pelo menos 20 oficiais para o Ministério da Saúde. No dia da sua posse os mortos da pandemia eram 15 mil. Hoje passaram dos 170 mil. Nossa Arma não tem parte nisso, mas fomos metidos na fabricação de cloroquina e acompanhamos um negacionismo irracional. A máquina da administração civil estoca testes que arriscam perder a validade dentro das caixas.

Seu comandante já disse que a pandemia talvez seja “a missão mais importante de nossa geração”. Que seja.

Conheci os casacas dos primeiros anos da República. Quando disseram que eu era o “Marechal de Ouro”, queriam contrapor-me ao Floriano Peixoto, o “Marechal de Ferro”, com que me dou muito bem. Os casacas não mudam e digo-lhe que muitos colegas nossos, deixando o serviço ativo, encasaqueiam-se.

Não me cabe dizer como, mas digo-lhe que deve impedir o prosseguimento de sua fritura. Na semana passada o mundo bateu o recorde de mortes provocadas pela pandemia. Vem aí o desafio logístico da aplicação de uma vacina. Não vislumbro um dedo de racionalidade no planejamento dessa operação.

O senhor está numa situação rara nos anais militares. Responde a um comando confuso, a um Estado-Maior inerte e tem que aguentar fogos inimigos e dos amigos.

Na Revolta da Vacina de 1904, na qual meteram-se alguns generais atraídos pelos casacas, o presidente da República deu mão forte ao doutor Oswaldo Cruz. Rodrigues Alves engrandeceu a medicina brasileira apoiando seu colaborador. Vossa fritura não tem motivo para apequenar nossa arma.

Outro dia estive com meu colega Cordeiro de Farias. Ele me contou o que disse ao presidente Castello Branco quando ele decidiu aceitar a candidatura do marechal Costa e Silva à Presidência: “Não quero ter parte nisso” (A frase só foi conhecida décadas depois).

Atenciosamente, do seu companheiro de Arma

Marechal Carlos Machado Bittencourt

O holofotismo de Lewandowski ao dar prazo para um plano de vacinação

O ministro do STF não disse qual vacina será aplicada e não explicou o que o tribunal tem a ver com uma atribuição do Poder Executivo.

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, deu 30 dias de prazo ao governo para apresentar um plano de vacinação contra a Covid.

Não disse, nem poderia dizer, qual vacina será aplicada. Também não disse como. Não explicou o que o tribunal tem a ver com uma atribuição do Poder Executivo.

Lewandowski se zangaria se um cabo lotado no Planalto desse 30 dias de prazo aos ministros do Supremo para conceder ou negar uma liminar a quem a pede.

Em 2014 o ministro era um campeão de rapidez nesse quesito (17 dias). Um colega seu demorava 74 dias para fazer o mesmo serviço.​

LORD MARADONA

Já se disse tudo sobre Maradona. Resta o seu momento de cavalheirismo. Depois de ter feito um dos maiores gols da história do futebol, driblando cinco ingleses numa corrida de dez segundos e 55 metros, ele homenageou suas vítimas: “Eu duvido que conseguisse a mesma coisa jogando contra outro time. Eles teriam me derrubado”.

EREMILDO, O IDIOTA

Eremildo é um idiota e tornou-se um admirador do prefeito Bruno Covas porque ele disse que “coloco minha mão no fogo” pelo seu vice, Ricardo Nunes. O cretino viu em Covas um corajoso altruísta. Afinal, coloca as próprias mãos no fogo, não as dos outros.

Negacionismo do governo tomou conta da cabeça de Paulo Guedes

Enquanto Bolsonaro diz que a segunda onda é conversinha, ministro vai adiante: a evidência empírica é que a doença diminuiu

Em março, quando a pandemia ainda não havia matado gente no Brasil, o ministro da Economia, doutor Paulo Guedes, disse que os dados que lhe chegavam eram “alarmantes”. Em poucos dias coordenou uma bem sucedida operação de resgate dos “invisíveis” com o auxílio emergencial.

Passaram-se os meses e o negacionismo do governo tomou conta da cabeça do economista. Enquanto Bolsonaro diz que a segunda onda é “conversinha”, ele vai adiante: “A evidência empírica é que a doença diminuiu”.

No dia em que ele disse isso a média móvel de mortes estava em 496. No início do mês era de 420.

Pode ser que não haja segunda onda, mas diminuindo a doença não está.

BANCO CENTRAL

O projeto de autonomia do Banco Central subiu no telhado da atual legislatura da Câmara dos Deputados.

MANICÔMIO

Se alguém dissesse que um dia o governo brasileiro arrumaria uma encrenca com o seu maior parceiro comercial, passaria por doido. Se esse maluco dissesse que a retórica do confronto seria alimentada por teorias da conspiração, seria internado.

Os Bolsonaro acreditam que o atual embaixador da China está no Brasil para derrubar o capitão. Ele mesmo disse isso ao ex-ministro Luiz Henrique Mandetta. Nas suas palavras, no livro “Um Paciente Chamado Brasil”, reproduzindo uma conversa que teve com o capitão em abril:

“Ele acreditava na teoria de que a China tinha inventado a pandemia, de que o embaixador chinês estava aqui para derrubá-lo e que esse mesmo embaixador havia sido o promotor dos protestos de rua em 2019 no Chile contra o presidente Sebastián Piñera, e tinha trabalhado para que o Mauricio Macri perdesse a eleição na Argentina. O embaixador chinês era um agente para desestabilizar a direita na América do Sul e promover a volta da esquerda, e ninguém tirava isso da cabeça dele. O coronavírus era parte do plano”.

Esse estado de espírito disseminou-se no entorno do Planalto e o tenente-coronel indicado para uma diretoria da Agência de Vigilância Sanitária já curtiu uma mensagem na qual um empresário chamava o governador João Doria de “China boy”.

Para complicar o quadro, o embaixador Yang Wanming é um diplomata barulhento e arrogante que subscreve notas redigidas em péssimo português.


O Estado de S. Paulo: Vazamento de senha do Ministério da Saúde expõe dados de 16 milhões de pacientes de covid

Funcionário do Albert Einstein divulgou na internet lista com usuários e senhas que davam acesso aos bancos de dados de testados, diagnosticados e internados; autoridades como Bolsonaro tiveram privacidade violada

Fabiana Cambricoli, O Estado de S.Paulo

Ao menos 16 milhões de brasileiros que tiveram diagnóstico suspeito ou confirmado de covid-19 ficaram com seus dados pessoais e médicos expostos na internet durante quase um mês por causa de um vazamento de senhas de sistemas do Ministério da Saúde.

Entre as pessoas que tiveram a privacidade violada, com exposição de informações como CPF, endereço, telefone e doenças pré-existentes, estão o presidente Jair Bolsonaro e familiares; o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello; outros seis titulares de ministérios, como Onyx Lorenzoni e Damares Alves; o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e mais 16 governadores, além dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

A exposição de dados não foi causada por ataque hacker nem por falha de segurança do sistema. Eles ficaram abertos para consulta após um funcionário do Hospital Albert Einstein divulgar uma lista com usuários e senhas que davam acesso aos bancos de dados de pessoas testadas, diagnosticadas e internadas por covid nos 27 Estados. Conforme o Einstein, o hospital tem acesso aos dados porque está trabalhando em um projeto com o ministério.

Com essas senhas, era possível acessar os registros de covid-19 lançados em dois sistemas federais: o E-SUS-VE, no qual são notificados casos suspeitos e confirmados da doença quando o paciente tem quadro leve ou moderado, e o Sivep-Gripe, em que são registradas todas as internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), ou seja, os pacientes mais graves.

A exposição dos dados foi descoberta pelo Estadão após uma denúncia recebida pela reportagem com o link para a página onde as senhas dos sistemas estavam disponíveis. A planilha com as informações foi publicada em 28 de outubro no perfil pessoal de Wagner Santos, cientista de dados do Einstein, na plataforma github, usada por programadores para hospedar códigos e arquivos.


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A reportagem acessou o sistema para checar a veracidade dos dados. Ao verificar que as senhas eram válidas, buscou registros de autoridades que já haviam divulgado publicamente diagnóstico ou suspeita de covid e confirmou que os dados estavam corretos.

Os bancos de dados do ministério trazem, além das informações pessoais dos pacientes, detalhes considerados confidenciais sobre o histórico clínico, como a existência de doenças ou condições pré-existentes, entre elas diabete, problemas cardíacos, câncer e HIV.

Alguns registros de pacientes internados traziam até informações do prontuário, como quais medicamentos foram administrados durante a hospitalização. No registro de Pazuello, por exemplo, era possível saber em qual andar do Hospital das Forças Armadas ele ficou internado e qual profissional deu baixa em sua internação.

Tanto pacientes da rede pública quanto da privada tiveram seus dados expostos. Isso porque a notificação de casos suspeitos ou confirmados de covid ao Ministério da Saúde é obrigatória a todos os hospitais.

Para o advogado Juliano Madalena, professor de Direito Digital e fundador do fórum direitodigital.io, o vazamento das senhas e exposição dos dados que deveriam ser resguardados pelo poder público é preocupante. De acordo com o especialista, as informações podem ser usadas para fins comerciais por diferentes empresas. “Dados de saúde podem ser usados por empresas do ramo que queiram criar produtos específicos voltados para um público, por empresas de seguro de vida ou planos de saúde de forma indevida, muitas vezes até com aspecto discriminatório, pois você tem as informações sobre o histórico de saúde da pessoa”, diz.

O advogado diz que, considerando a Lei Geral de Proteção de Dados, é dever de quem controla e acessa os dados adotar medidas que evitem vazamentos. Nesse caso, tanto o Einstein e seu funcionário quanto o Ministério da Saúde podem ser responsabilizados por dano coletivo por terem exposto informações de milhões de pessoas. Mesmo quando não agem de forma proposital, responsáveis por vazamento de dados pessoais e sensíveis podem ser obrigados judicialmente a pagar indenizações por dano coletivo.

Ministério da Saúde e Einstein vão investigar responsabilidade

Após serem comunicados pelo Estadão sobre o vazamento das senhas de sistemas federais, o Hospital Albert Einstein e o Ministério da Saúde disseram que as chaves de acesso foram removidas da internet e trocadas nos sistemas, informações confirmadas pela reportagem. Afirmaram ainda que uma investigação interna será aberta pelo Einstein para apurar as responsabilidades.

O Einstein afirmou que foi comunicado somente na tarde de ontem, após contato da reportagem, que “um colaborador teria arquivado informações de acesso a determinados sistemas sem a proteção adequada”. O hospital diz ter comunicado o Ministério da Saúde para que “fossem tomadas as medidas para assegurar a proteção das referidas informações”.

O Einstein afirmou ainda que todos os seus funcionários passam por treinamento de segurança digital e que “tomará as medidas administrativas cabíveis”. Questionado sobre o tipo de serviço que prestava para o ministério, o hospital informou que trata-se de um projeto do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS) em que dados epidemiológicos eram usados para fazer análise preditiva da pandemia.

A reportagem questionou a instituição o motivo de ela ter acesso aos dados pessoais e não apenas informações sem identificação e foi informada que o banco de dados não fica disponível para o Einstein e somente ao funcionário do hospital que ficava baseado no próprio Ministério da Saúde.

Já o órgão federal confirmou a parceria e disse que realizou reunião com o Einstein para esclarecimento dos fatos. Disse que o profissional Wagner Santos, que publicou as senhas, é contratado pelo Einstein e atua no ministério desde setembro como cientista de dados. “No âmbito das medidas de segurança do ministério e em atendimento aos protocolos de compliance e confidencialidade, ele assinou termo de responsabilidade antes do acesso à base de dados do e-SUS Notifica”, disse a pasta federal.

De acordo com o ministério, o Einstein confirmou que houve falha humana de um dos seus colaboradores - e não do sistema e informou que iniciou processo de apuração dos fatos. O órgão disse que está realizando “o rastreamento de possíveis sites ou ciberespaços onde os dados podem ter sido replicados”.

A pasta disse também que o Departamento de Informática do SUS (DataSUS) revogou imediatamente todos os acessos dos logins e das senhas que estavam contidos na referida planilha divulgada pelo funcionário do Einstein. “O Ministério da Saúde ressalta que todos os técnicos que têm acesso aos seus sistemas de informação assinam termo de responsabilidade para uso das informações e todos estão cientes de que a divulgação de informações pessoais está sujeita a sanções penais e administrativas.”

Também procurado pela reportagem, o funcionário Wagner Santos, do Einstein, confirmou que publicou a planilha de senhas em seu perfil na plataforma github para a realização de um teste na implementação de um modelo, porém esqueceu de remover o arquivo da página pública.