minas gerais

Foto: Renan Martelli da Rosa/Shutterstock

Revista online | 1789 e 1822: duas datas emblemáticas

Ivan Alves Filho*, especial para a revista Política Democrática online (47ª edição: setembro/2022)

O que verdadeiramente importa para a análise da Conjuração Mineira, em sua estreita ligação com os acontecimentos que culminaram na Independência do Brasil, é a compreensão do seu sentido histórico. Qual o traço de união existente entre o revolucionário Joaquim José da Silva Xavier, os poetas Tomás António Gonzaga e Cláudio Manoel da Costa e destes ao Padre Toledo e ao alfaiate Vitoriano Veloso? Todos sonharam com um país mais próspero e soberano. E o fizeram, basicamente, no espaço que vai do chamado Campo das Vertentes à região de Outro Preto, em Minas Gerais. 

Na ordem do dia estava a luta pela construção da Nação brasileira. Essa é a característica fundamental do movimento de 1789, em Minas Gerais. E por que Minas? Porque em suas terras se formou, pela primeira vez entre nós, um mercado interno, colocando o brasileiro de Goiás em contato com o brasileiro do Rio de Janeiro e este com o brasileiro da Bahia. Para a região das minas, entrava o gado de outras áreas e o sal do Rio de Janeiro. Pela outra porta, saía o ouro. E por aí vamos. Ou seja, estava sendo plantada a semente da união entre os brasileiros e as prisões que ocorreriam em vários pontos da Colônia revelavam isso: conjurados foram detidos tanto na Capitania do Rio de Janeiro quanto naquela de Minas Gerais e mesmo na Bahia e no Mato Grosso. Nunca é demais recordar que Minas Gerais era o centro geográfico do futuro país, e que suas terras faziam divisa com várias outras capitanias. Surgia assim um sentimento de brasilidade, que a cultura tão bem expressava, o mesmo se dando com a nova organização econômica e até a conformação geográfica como ficou dito. É de se observar que, por aqui, a cultura saía na frente, como que se antecipando ao Estado Nacional. Todo o poder à sociedade civil, tal poderia ser a palavra de ordem da Conjuração Mineira.

Veja todos os artigos da revista Política Democrática online: Edição 46

O ouro de Minas Gerais (cerca de 75% de todo o ouro extraído na Colônia) contribuía para integrar o Brasil à nova fase da ordem econômica mundial, pautada pela acumulação primitiva de capital. Isso fazia com que os revolucionários de 1789 se movessem em um contexto marcado pela irrupção do ideário burguês no Ocidente. Eram os tempos da Revolução Americana e das transformações revolucionárias na França. Com a seguinte diferença, que dificultava um pouco mais as coisas: a Revolução Burguesa nos trópicos se processava em um ambiente colonial-escravista. As barreiras a serem transpostas eram portanto muito grandes e bem diferentes daquelas das Metrópoles em transição para o modo de produção capitalista.

A ousadia desse movimento político pode ser medida pelo fato de que, entre nós, o Estado nascera de fora para dentro, quase que por decreto. O que possibilitou isso foi o Regimento Tomé de Sousa, datado de 1548, o qual organizara as bases da ocupação do país, forjando toda uma administração. A primeira capital da Colônia, Salvador, surge desse processo. Havia algo de artificial nisso? Certamente. Sob essa ótica, o sonho dos revolucionários de 1789 ganha ainda maior relevo, uma vez que  combinava com uma realidade concreta, ou seja, a nacionalidade em formação - a qual, por seu turno, apresentava problemas reais e até novos. Urgia, assim, tentar uma solução. Dessa vez, o Estado fazia mais sentido.

Confira, abaixo, galeria de imagens:

Estátua de Tiradentes, em Minas Gerais | Foto: Luis War/Shutterstock
Igreja Matriz de Santo Antônio na cidade de Tiradentes, patrimônio cultural de Minas Gerais | Foto: Fred S. Pinheiro/Shutterstock
Rua de pedras e casas com estilo predominante da região de Minas Gerais | Foto: Márcia Heliane Gomes
Duzentos  anos da Independência do Brasil | Foto: Gerson Fortes/Shutterstock
Revolução Americana | Foto: Joseph Sohm/Shutterstock
A Revolução Burguesa nas regiões se processava em um ambiente colonial - escravista | Foto: woff/Shutterstock
A abolição da escravatura no Brasil foi decretada em 13 de maio de 1888, por meio da Lei Aurea | Foto: Valery Sidelnykov/Shutterstock
A Proclamação da República aconteceu em 15 de novembro de 1889 e resultou na derrubada da monarquia e na instauração da república no Brasil | Foto: Leonidas Santana/Shutterstock
Estátua de Tiradentes, em Minas Gerais
Igreja Matriz de Santo Antônio na cidade de Tiradentes, patrimônio cultural de Minas Gerais
Rua de pedras e casas com estilo predominante da região de Minas Gerais
Duzentos anos da Independência do Brasil
Revolução Americana
A Revolução Burguesa nas regiões se processava em um ambiente colonial - escravista
A abolição da escravatura no Brasil foi decretada em 13 de maio de 1888, por meio da Lei Aurea
A Proclamação da República aconteceu em 15 de novembro de 1889 e resultou na derrubada da monarquia e na instauração da república no Brasil
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Estátua de Tiradentes, em Minas Gerais
Igreja Matriz de Santo Antônio na cidade de Tiradentes, patrimônio cultural de Minas Gerais
Rua de pedras e casas com estilo predominante da região de Minas Gerais
Duzentos  anos da Independência do Brasil
Revolução Americana
A Revolução Burguesa nas regiões se processava em um ambiente colonial - escravista
A abolição da escravatura no Brasil foi decretada em 13 de maio de 1888, por meio da Lei Aurea
A Proclamação da República aconteceu em 15 de novembro de 1889 e resultou na derrubada da monarquia e na instauração da república no Brasil
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Mesmo assim, a Conjuração de 1789 colocou questões que só se resolveriam de fato mais de trinta anos depois (e este é o caso da Independência, em 1822). Ou, ainda, abordou lutas que teriam seu ápice na Abolição e na Proclamação da República, um século mais tarde!

Pode-se conjecturar que a Independência deixou intactas tanto as relações escravistas de produção quanto o sistema fundiário que lhe daria suporte. Isso só revela o quanto a Conjuração Mineira se antecipou historicamente, o quanto ela possuía inegáveis traços inovadores. É necessário ressaltar isso. 

Como toda e qualquer prática que se pretenda revolucionária, a Conjuração Mineira foi atravessada de contradições. Nela, havia setores mais avançados e outros menos avançados. As revoluções são assim; nunca são quimicamente puras. Quem quiser que pense o contrário. Mais: por vezes, a situação histórica concreta, os limites impostos pelo movimento real da vida, impede a solução de certos problemas. 

Seja como for, firmamos a convicção de que a Conjuração Mineira foi o máximo de consciência possível de sua época. Vale dizer, a Conjuração Mineira foi o Brasil antes do Brasil.

Sobre o autor

*Ivan Alves Filho é historiador licenciado pela Universidade Paris-VIII (Sorbonne) e pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris. Os mais recentes de suas dezenas de livros publicados são Os nove de 22: o PCB na vida brasileira e Presença negra no Brasil: do século XVI ao início do século XXI.

** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de maio de 2022 (47ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.

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‘Folia de Reis fortalece laços de solidariedade’, afirma Márcia Gomes

Especialista em patrimônio imaterial mostra importância da prática cultural, em artigo publicado na revista da FAP

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

A Folia de Reis é uma forma de expressar a fé, fazer pedidos sagrados, cumprir a missão, abençoar a vida e de se divertir, digna e respeitosamente, de acordo com a especialista em patrimônio imaterial Márcia Gomes. Em artigo produzido para a revista Política Democrática online, ela faz uma análise profunda da manifestação cultural.

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A revista é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira) e todos os conteúdos podem ser acessados gratuitamente no site da entidade. Márcia lembra que a prática da Folia de Reis foi trazida da Europa e incorporada à cultura brasileira. “Proporciona convergência de grupo e fortalecimento de laços de solidariedade, uma vez que a simbologia que carrega conduz a uma ‘cristianidade’ e vida de luta em comum”, diz a especialista.

Essa prática, de acordo com Márcia, tem a capacidade de fortalecer os vínculos, a memória e identidade de grupo, por meio da “passada” da folia de casa em casa – o “giro”, momento do auge em que o simbólico se junta à materialidade. “Ela é folclórica sob a ótica do pesquisador ou do admirador que a vislumbra da assistência”, afirma ela.

Segundo a autora do artigo publicado na revista Política Democrática online, os folieiros podem ter a consciência de que aquilo é folclórico, mas manifestam como um ato de sua vida. “É uma diferença sutil, portanto profunda”, acentua Márcia.

“Cantos, danças e estandartes compõem a manifestação. As pessoas envolvidas cantam, dançam e carregam a bandeira da Folia até as casas como forma de devoção aos Santos ou aos Três Reis Magos”, pondera.

Todos os artigos desta edição da revista Política Democrática online serão divulgados no site e nas redes sociais da FAP ao longo dos próximos dias. O conselho editorial da publicação é composto por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.

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Brumadinho: a dor quase um ano depois da tragédia

Reportagem especial da revista Política Democrática online de dezembro detalha sofrimento de famílias atingidas por rompimento de barragem da Vale

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Quase um ano depois do rompimento da barragem em Brumadinho, que deixou 257 mortos e 13 desaparecidos, a maioria dos atingidos ainda não foi indenizada pela Vale, responsável pelo empreendimento. A multinacional ameaça cortar pela metade a ajuda de custo paliativa a até 98 mil moradores da região, a partir do dia 25 de janeiro de 2020, revela reportagem dos enviados especiais da revista Política Democrática online de dezembro. Todos os conteúdos podem ser acessados, gratuitamente, no site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira)

» Acesse aqui a 14ª edição da revista Política Democrática online

No dia 5 de dezembro, conforme mostra a reportagem, a população se reuniu no MP-MG (Ministério Público de Minas Gerais) para contestar um acordo firmado com a multinacional, na 6ª Vara da Fazenda Pública Estadual e Autarquias, e reivindicar a manutenção do pagamento a todos, sem redução.

O acordo, realizado no dia 28 de novembro com a presença de representantes do Estado e de órgãos do sistema de Justiça, garantiu aos atingidos o direito à prorrogação do pagamento emergencial, que iria terminar em janeiro de 2020, quando a tragédia completará um ano. O pagamento foi estendido por dez meses, mas será reduzido.

Hoje, de acordo com a reportagem especial da revista Política Democrática online, a Vale paga um salário mínimo para adultos, metade do valor para adolescentes e um quarto para crianças, para todos os residentes da cidade de Brumadinho e pessoas que viviam a até 1 km da margem do rio Paraopeba na área atingida.

A partir de janeiro do próximo ano, o valor integral deverá ser mantido somente a moradores de cinco comunidades atingidas (Córrego do Feijão, Parque da Cachoeira, Alberto Flores, Cantagalo e Pires), quem vive às margens do córrego Ferro-Carvão e pessoas atingidas cadastradas em programas de apoio da Vale, como auxílios moradia e assistência social.

Os valores serão reduzidos pela metade para todas as demais pessoas que recebem o pagamento, como os moradores da cidade de Brumadinho. De acordo com a Vale, a redução atingirá de 93 mil a 98 mil beneficiários entre as 106 mil pessoas que recebem a verba emergencial. Em protesto no início deste mês, o comércio de Brumadinho chegou a fechar as portas como represália.

Em nota, a Vale informa que já celebrou mais de 4 mil acordos, indenizando integralmente as pessoas. Nestas ações, segundo a multinacional, já foram provisionados pagamentos de cerca de R$ 2 bilhões. A empresa diz que realiza encontros regulares com representantes legítimos dos atingidos pelo rompimento da barragem em Brumadinho, com o objetivo de garantir “uma reparação célere e  respeitosa”.

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Resíduos de Brumadinho já matam os peixes do rio São Francisco

Dados da Fundação S.O.S. Mata Atlântica mostram que alguns trechos do Velho Chico já estão com água imprópria para uso da população . Concentração de ferro, manganês, cromo e cobre estão acima dos limites permitidos por lei

Um dos maiores temores dos ambientalistas depois do rompimento da barragem da Vale Córrego do Feijão, em Brumadinho, no dia 25 de janeiro, concretizou-se: os rejeitos da barragem já contaminaram o rio São Francisco. Os dados recolhidos pela Fundação S.O.S. Mata Atlântica —que monitora o impacto ambiental da tragédia através de uma expedição pelo rio Paraopeba (afluente do Velho Chico)— mostram que alguns trechos do Alto São Francisco já estão com água imprópria para uso da população.

Ribeiro explica que "o medo é que aconteça o mesmo que ocorreu com o rio Doce no desastre de Mariana": em novembro de 2015, o rompimento de duas barragens da mineradora Samarco gerou um tsunami de rejeitos, matou 19 pessoas e deixou um rastro de destruição ao longo de mais de 600 quilômetros da Bacia do Rio Doce, até o litoral do Espírito Santo. "Depois de percorrer 120 quilômetros no Alto São Francisco com pescadores locais, observamos muitos trechos com perda de fauna aquática. As aves também desapareceram do entorno", lamenta a pesquisadora.

Os dados da S.O.S Mata Atlântica mostram que o Reservatório de Retiro Baixo está segurando o maior volume dos rejeitos de minério que vem sendo carreados pelo Paraopeba. Mas, apesar das medidas tomadas, os contaminantes mais finos estão ultrapassando o reservatório e descendo o rio. Segundo Ribeiro, apesar de não conter rejeitos de minério pesado, essa pluma contaminante representa um risco para a população. "Como a cor do rio não mudou em alguns trechos, os ribeirinhos podem ter a falsa sensação de segurança em relação à sua qualidade. Os pescadores mais experientes já deixaram de pescar nesses locais, mas os leigos ainda podem consumir a água sem conhecer o perigo. É um conta-gotas de veneno".

A pesquisadora explica que há possibilidade de limpeza do São Francisco, mas que isso vai depender da capacidade dos reservatórios de Três Marias e Retiro Baixo, que devem funcionar como barreira para conter os rejeitos mais pesados, e de um plano das autoridades para recuperar as nascentes da região. "É um processo que pode levar décadas", afirma Ribeiro. Ela e companheiros da ONG entregaram o relatório à Câmara dos Deputados e ao Ministério Público na quarta-feira e pretendem retomar a expedição para conversar com os ribeirinhos. "Nosso objetivo é levar respostas e instrumentos para as comunidades que não estão sendo informadas dos riscos que correm", diz a especialista.


El País: Com laudos sob desconfiança, MP faz pente fino para checar risco real de barragens

Documento interno da Vale sobre risco de barragens de junho de 2018 coloca dez estruturas na "zona de atenção". Análise da empresa foi apreendida durante operação que deteve engenheiros de Brumadinho

O rompimento de barragens de mineração consideradas de baixo risco de acidente — como eram as de Brumadinho e de Mariana — tem colocado em xeque os laudos de estabilidade emitidos pelas auditorias contratadas pelas mineradoras. A quebra de confiança nas declarações de estabilidade apresentadas pelas empresas desde que a barragem I da Mina do Feijão ruiu e matou pelo menos 157 pessoas em Brumadinho tem levado procuradores de Minas Gerais a executarem uma operação pente fino para identificar o risco real das barragens à população, que segundo eles não estaria alinhado ao que atestam as mineradoras nos laudos que apresentam.

Em um documento interno apreendido durante a operação policial que prendeu engenheiros e executivos envolvidos na elaboração do laudo da barragem de Brumadinho, a Valejá colocava a estrutura que rompeu no que chama de "zona de atenção". O documento chamado Gestão de Riscos Geotécnicos foi elaborado em junho de 2018 e analisa o risco de 57 barragens da empresa. Além da Barragem I da Mina do Feijão, outras nove minas estão incluídas nesta "zona de atenção". Questionada pelo EL PAÍS, a mineradora não explicou exatamente quais os riscos que envolvem as estruturas assim catalogadas nem respondeu se elas estão em dia com a documentação de fiscalização e monitoramento que é obrigada por lei a enviar para a Agência Nacional de Mineração (ANM). Quase todas elas são consideradas como barragens de baixo risco de acidente, mas alto dano em caso de um eventual rompimento.

Oito destas barragens da "zona de atenção" tiveram suas atividades paralisadas na semana passada por uma decisão judicial. A 22ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte determinou que a Vale se abstenha de lançar rejeitos ou praticar qualquer atividade potencialmente capaz de aumentar os riscos das barragens Laranjeiras, Menezes II, Capitão do Mato, Dique B, Taquaras, Forquilha I, Forquilha II e Forquilha III. As três últimas foram inseridas no plano de descomissionamento da empresa, que desde o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, havia decidido desativar barragens similares, construídas sob o método de loteamento a montante, considerado mais econômico e menos seguro. Após a tragédia de Brumadinho, cuja barragem também foi construída com esse método, a mineradora anunciou que iria acelerar o descomissionamento dessas estruturas e desativá-las em até três anos.

A análise de risco nas barragens feita pela própria Vale causou preocupação no Ministério Público Federal, que abriu pelo menos quatro inquéritos civis para averiguar se essas barragens de rejeitos específicas, operadas pela mineradora, estão de fato estáveis. Ao órgão, já não é suficiente conseguir as declarações de estabilidade de barragem assinadas por engenheiros de auditorias terceirizadas contratadas pelas mineradoras, mas é preciso ter acesso a todos os documentos de fiscalização e monitoramento das barragens para tentar se aproximar dos riscos reais das barragens. "É uma situação muito preocupante. Brumadinho chamou a atenção das autoridades em relação a estes laudos de segurança. A barragem de fato já tinha alto risco", diz a procuradora Mirian Lima. "O Ministério Público está atuando em procedimentos de natureza preventiva para evitar que novos desastres ocorram por conta de laudos que na verdade não retratam a realidade", acrescenta.

A Barragem I, que rompeu, tinha todos os laudos de estabilidade e documentos de fiscalização reportados à ANM. As autoridades, porém, não sabiam que a estrutura estava destacada na análise de riscos interna da própria Vale. Executivos da mineradora e engenheiros da empresa de auditoria alemã que assinaram o laudo foram presos provisoriamente por uma semana e há suspeita de fraude nestes documentos. "As empresas [que avaliam a estabilidade das barragens] agora [depois das prisões] estão mais temerosas de fazer determinados laudos sem retratar a realidade. Muitas dessas barragens estão tendo seus laudos revistos. Até então, o que a gente observa é que havia uma certa comodidade [nos próprios órgãos de fiscalização] de finalizar procedimentos dessa natureza quando existisse laudo", afirma a procuradora.

Famílias são desalojadas por risco de rompimento

Nesta semana, a empresa contratada para auditar a barragem Sul Superior, no município mineiro de Barão de Cocais, não atestou a estabilidade da estrutura, também de propriedade da Vale. A mineradora então comunicou o fato à ANM, que vistoriou o local e determinou a retirada imediata de 239 pessoas das comunidades do entorno. Na madrugada da última sexta-feira, as sirenes chegaram a ser ativadas no município para alertar à população que ela deveria sair daquela zona pela possibilidade de rompimento. A 180 quilômetros de lá, outra mineradora, a ArcelorMittal, acionou o poder público para desalojar 65 famílias que vivem próximo à barragem de Serra Azul, em Itatiaiuçu, após detectar riscos de segurança em inspeções que já incluiriam dados e aprendizado decorrentes do rompimento de Brumadinho. Essas famílias estão alojadas em hotéis da região e só deverão retornar às suas casas quando as inspeções nas estruturas atestarem sua estabilidade.

"Hoje, não há como definir no Estado uma barragem que esteja com uma condição tranquila. Não é verdadeiro dizer que a barragem tal está em boas condições. O que temos é um retrato do momento em que o engenheiro esteve lá e, de boa fé ou não, atestou. Se acontece algo externo, [a situação] pode mudar", disse a procuradora Claudia Ignez, em entrevista na tarde desta sexta-feira na qual informava sobre as investigações que lidera para averiguar a estabilidade das 26 barragens de mineração sob sua jurisdição na comarca de Nova Lima. "Temos um conhecimento incipiente porque havia pouca informação histórica dessas barragens. Elas já podem até estar descomissionadas. O que estamos buscando é a identificação das barragens e a busca pela periculosidade que elas oferecem", afirma. A procuradora defende mais transparência com o envio da documentação de fiscalização para autoridades e não só para a ANM, que hoje concentra essa documentação. Também sugere a exigência pelo Estado de um monitoramento em tempo real das barragens. "É um sistema até bem barato pelo estrago que se faz [quando há um rompimento]", argumenta.

Está em curso no Ministério Público Federal e Estadual de Minas Gerais uma operação para passar o pente fino nas barragens de mineração. Os procuradores têm feito dezenas de pedidos à ANM nas últimas semanas sobre informações detalhadas sobre a fiscalização e o monitoramento dessas estruturas. O Estado concentra mais da metade das barragens inscritas na Política de Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), que inclui aquelas de resíduos perigosos e dano potencial associado (pelo impacto ambiental e localização em áreas próximas a núcleos urbanos) média ou alta. Um total de 219 das 425 barragens nesta situação está em Minas Gerais.


Fernando Gabeira: Algumas reflexões diante da lama

Nem tudo será esquecimento; 348 pessoas soterradas pela lama ficarão para sempre na memória das famílias

Difícil não ser caótico para descrever uma catástrofe.

“O Rio? É doce/ A Vale? Amarga/ Ai, antes fosse/ Mais leve a carga” (Carlos Drummond de Andrade).

Viajei triste para Brumadinho. Estou cansado de desastres. Conheço até sua lógica: tristeza, indignação, medidas urgentes para acalmar os ânimos e logo depois o esquecimento.

A única forma de suportar o que veria era levar a obra de Drummond na viagem. Ninguém melhor do que ele descreveu as relações das mineradoras com a paisagem e mesmo com as almas. Talvez seja o melhor caminho para entender toda essa história.

Drummond era ao mesmo tempo a testemunha e o profeta. Morreu antes do desastre de Mariana, não viveu a fase trágica que se completa agora com o desastre em Brumadinho. A maneira como descreve Itabira é um desastre em câmera lenta.

Depois de Mariana, passei a seguir o trilho da mineração. Cobri um vazamento de alumínio nos igarapés de Barcarena, no Pará. Em seguida, o rompimento do mineroduto em Santo Antônio do Grama.

Não foram em barragens, onde se situa o maior perigo, sobretudo a do tipo de Mariana, que deveria ser proibida. Era uma decorrência do desastre. Mas onde estavam governo e Parlamento? Muito próximos da indústria, muito longe das pessoas e da natureza.

Onde estava a Justiça no caso de Mariana? Por que tão lenta? No ano passado, estive lá e nos escombros comentei a decisão de um juiz de suspender o processo contra a Samarco. Chicanas.

Tenho um pouco de escrúpulo em dizer: isto não pode se repetir. As coisas se repetem tanto. O presidente da Vale, Fabio Schvartsman, assumiu o cargo com o slogan “Mariana nunca mais”. Agora, a Vale quer prometer Mariana e Brumadinho, nunca mais. É só ir empurrando o nunca mais para o fim e acrescentando alguns nomes antes dele.

Lembra-me dos trens italianos, rapido, molto rapido, rapidissimo .

Acreditamos demais na palavras. O presidente da Vale estava na plateia em Davos quando o presidente Bolsonaro afirmou que o Brasil é o país que mais protege o meio ambiente no mundo. Falava apenas da relação das florestas com agricultura e pecuária.

Isso é um problema antigo com Bolsonaro. Ele teve a ideia de fundir o Ministério da Agricultura com o do Meio Ambiente. Argumentei que o meio ambiente era mais amplo, crise hídrica, saneamento básico, estendia-se até o licenciamento no pré- sal.

A pressão de todos os lados o fez recuar: manter o Ministério do Meio Ambiente. Mas, ao falar em Davos, de novo ele abstraiu o meio ambiente e o reduziu à questão do campo.

Bolsonaro dizia na campanha que o Ibama é uma indústria de multa. O Ibama não recebeu, por exemplo, nenhum centavo da multa de R$ 250 milhões aplicada à Samarco. É uma indústria completamente falida. Seus devedores não pagam.

Não vou argumentar mais, o desastre fala por si: toneladas de lama, bombeiros rastejando no barro fétido, uma vaca atolada, uma antena de TV flutuando, uma caixa-d’água, o desespero das famílias.

A sirene que não tocou, e a lama levou os hóspedes da Nova Estância, a própria pousada foi arrastada. Eles tinham um plano de fuga. E a sirene não tocou. Eram 34, ao que me consta. E mais um bebê na barriga da mãe, mulher de um arquiteto brasileiro que vivia na Austrália e veio conhecer Inhotim. E a sirene não tocou.

A resposta geral do governo Bolsonaro foi rápida. Vem aí um Plano de Segurança das Barragens. Faltou aparecer o responsável pela Agência Nacional de Mineração. Pode ser que não tenha visto, estava no meio do desastre.

O que mais temo no pós-desastre é o esquecimento. Triste como a música do Piazzolla “Oblivion”. É um país se esquecendo de si próprio. Essa talvez seja a resposta para a pergunta mais adequada. Por que o que não pode se repetir tem se repetido? Esquecimento. Mas, pelo menos, a obra de Drummond lembrará para sempre as origens do drama:

“Quantas toneladas exportamos/ De ferro?/ Quantas lágrimas disfarçamos/ Sem berro?”

Nem tudo, entretanto, será esquecimento. Trezentos e quarenta e oito pessoas soterradas pela lama ficarão para sempre na memória das famílias, dos amigos, dos bombeiros de vários pontos do Brasil, dos soldados israelenses, voluntários, repórteres amadores, todos que se aproximaram física ou emocionalmente da tragédia. Carregam na memória o capítulo trágico do testemunho poético de Drummond.


El País: A tensa contagem regressiva das cidades à espera da lama da Vale

Expectativa é que a água turva pelos rejeitos chegue à última fronteira para o rio São Francisco após 10 de fevereiro. Chuva pode mudar cálculos. “O cenário é menos para o rio, mas, em termos de biodiversidade, as perdas são incalculáveis”

Quando a barragem da mineradora Vale estourou na sexta-feira, a cidade de Juatuba, às margens do rio Paraopeba, entrou em estado de alerta. Localizada a apenas 36 km de Brumadinho, o município fez o melhor que pode para se preparar para a chegada da pluma, a forma palatável com que algumas autoridades e técnicos chamam a lama de rejeitos e água que avança sobre o rio. “Orientamos as pessoas para retirarem barcos da água e destinamos uma escola para receber ribeirinhos, caso tivéssemos elevação do rio”, afirmou Wagner Majesty, secretário de Governo e do Meio Ambiente da cidade.

A concessionária Águas de Pará de Minas divulgou que já no domingo, 27, foram identificadas alterações nos padrões de qualidade da água bruta do Paraopeba em Juatuba. A lama chegou mudando a turbidez da água, mas os peixes, por enquanto, continuam por lá. “Não vimos em nossa região mortandade de peixes, os que encontramos mortos vieram de Brumadinho”, afirma um tanto aliviado o secretário. Majesty afirma que as primeiras análises feitas mostram que imediatamente após a passagem da lama o nível de turbidez da água subiu de uma média de 80 e 90 NTU (unidade nefelométrica de turbidez, quanto maior, maior turbidez) para 130 NTU. “Após o desastre em Mariana, por exemplo, a turbidez do rio Doce chegou a 5.000 NTU, o que mostra que nossa situação não é alarmante”, explica.

De acordo com o Serviço Geológico do Brasil, a turbidez acima de 2.500 NTU dificulta o tratamento em estações de tratamento de água convencionais. “Estamos monitorando. Sabemos que diminuiu o nível de oxigênio da água caiu, mas ainda não sabemos o nível de metais pesados”, afirma. Apesar de Juatuba não depender do Paraopeba para o abastecimento de água potável, outras atividades estão sendo sendo comprometidas. A cidade orientou que a água do rio não seja utilizada para consumo nem irrigação. “É um efeito cascata. O problema da irrigação afeta principalmente a agricultura familiar, que são os principais fornecedores de alimento para a merenda escolar”, diz.

A tensa contagem regressiva das cidades à espera da lama da Vale

Com 22 mil habitantes, Juatuba está fazendo um cadastro dos pescadores que vivem do rio Paraopeba para poder calcular o impacto ambiental e econômico e cobrar da Vale. A mineradora informou que está instalando membranas e cortinas de contenção de rejeitos próximo à cidade de Pará de Minas, que fica à frente de Juatuba no curso do rio. “A lama está avançando muito lentamente dentro da calha do rio. Ela está a cerca de 40 km de Pará de Minas. Existe a expectativa de que em 48 horas a lama chegue à cidade, mas essas cortinas são de instalação muito rápida e nossa expectativa é que elas serão suficientes para conter esse rejeito e assim não permitir nenhum problema para a captação de água do rio”, afirmou Luciano Siani Pires, direito executivo de finanças e relações com investidores, em uma coletiva de imprensa.

Majesty garante que os municípios entendem que a Vale deve priorizar o resgate das vítimas. Mas a lentidão da companhia em compartilhar seu plano de contingência para desastres ambientais preocupa. “A Vale se comprometeu, tardiamente, em colocar as cortinas de contenção em Pará de Minas, por que não fez isso antes, logo na saída de Brumadinho, se é uma ação rápida, como eles mesmo disseram?”. Nesta quarta-feira, a companhia apresentou ao Ministério Público e aos órgãos ambientais seu plano para conter os rejeitos no Rio Paraopeba, que contempla um trecho total de 210 quilômetros. Barreiras de retenção serão instaladas ao longo de um trecho de 170 quilômetros do rio.

Imagem do Paraopeba, antes e depois da lama, em Juatuba.
Imagem do Paraopeba, antes e depois da lama, em Juatuba. ARQUIVO PESSOAL

Também no caminho da lama, São José da Varginha, com 5 mil habitantes, se organiza sozinha para tentar mitigar os danos. Localizada a pouco mais de 90 km do local da tragédia, a cidade deve receber a lama nesta quinta-feira. “Organizamos um comitê com técnicos, veterinários e especialistas em meio ambiente”, afirma o Vandeir Paulino da Silva. A maior preocupação é mapear o impacto ambiental e econômico para os produtores que utilizam a água para irrigação, já que a água de consumo não vem do Paraopeba. “Por enquanto, não veio ninguém da Vale aqui”, diz o prefeito.

Os comitês brasileiros de bacia hidrográfica acompanham de perto o avanço da lama pelas cidades. Anivaldo Miranda, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, afirma que há uma perspectiva que quando a água contaminada pelos rejeitos da barragem chegar ao lago do Sobradinho, já na Bahia, ela estará diluída e não deva afetar os usos do rio. “Este é o melhor cenário, que aponta impacto praticamente aceitáveis. Mas é muito cedo para fazer previsões. Se chover muito, tudo pode mudar”, diz Miranda. As características do rio Paraobepas, mais plano do que o rio Doce, por exemplo, e as características da lama de rejeitos, são alguns dos fatores que podem ser considerados positivos para que o estrago não seja tão grande quando no desastre da Samarco, em Mariana.

A previsão do Serviço Geológico do Brasil é que a pluma comece a chegar à Usina Três Marias, a fronteira para entrar no rio São Francisco, localizada a cerca de 300km de Brumadinho, entre os dias 5 e 10 de fevereiro. A expectativa é que a própria contenção da represa ajude a mitigar os danos. “A velocidade da água está diminuindo. Estávamos em 1 km por hora, e hoje não passamos de 0,8 km”, afirma Miranda. Ele acredita que existe a possibilidade de a lama ficar pelo caminho. “O cenário para o São Francisco é bem menos ameaçador do que se imaginava, mas, em termos de biodiversidade, as perdas são incalculáveis.”


O Globo: Samarco deve R$ 350 milhões ao Ibama por desastre em Mariana

Empresa não pagou nenhum centavo ao órgão ambiental por rompimento de barragem há três anos

Por Mateus Coutinho, de O Globo

BRASÍLIA - Três anos após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), a mineradora Samarco , que tem a Vale como uma de suas acionistas, ainda não pagou nenhum centavo de multa ambiental ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis ( Ibama ). As informações são do próprio órgão, que informou ter instaurado 25 autos de infração que resultaram em multas da ordem de R$ 350,7 milhões à mineradora.

Os dados revelam a dificuldade que o governo federal tem para punir grandes empresas, mesmo após desastres, como o rompimento de barragens de rejeitos em Brumadinho (MG), que já levou a pelo menos 65 mortes e 279 desaparecidos. No episódio da última sexta-feira, o Ibama já multou a Vale em R$ 250 milhões, por meio de cinco autos de infração.

No caso de Mariana, a dificuldade para receber o valor das multas ambientais, segundo o próprio Ibama, vem dos recursos apresentados pela Samarco. De acordo com o órgão, a mineradora recorreu de todos os autos de infração e, mesmo após o órgão confirmá-los no âmbito administrativo, a empresa insiste em recorrer “buscando afastar sua responsabilidade pelo desastre”, afirmou o Ibama em nota.

“Nenhuma das multas ambientais foi paga até o momento. Medidas legais e necessárias à cobrança dessas multas estão sendo tomadas, inclusive a remessa dos débitos para inclusão na Dívida Ativa da União”, seguiu o órgão.

Considerado o maior desastre ambiental do país, a tragédia da Samarco levou a um número menor de mortos do que a de Brumadinho, o total de 19, mas envolveu um volume muito maior de rejeitos que impactaram 39 cidades ao longo da Bacia do Rio Doce.

No caso da Samarco, além das multas ainda não pagas, o Ibama expediu 73 notificações para exigir, dentre outras, a adoção de medidas de regularização e correção de conduta. Fora da esfera administrativa, a empresa também ainda não teve nenhum executivo condenado criminalmente, e o processo contra 21 réus acusados de envolvimento na tragédia corre na Justiça Federal em Minas e ainda está na fase de ouvir testemunhas.

A empresa também firmou no ano passado um Termo de Ajustamento de Conduta com os ministérios público federal e estadual em Minas, dos governos de Minas e do Espírito Santo além das defensorias públicas dos estados e da União.

Homologado pela Justiça Federal, o TAC prevê que uma ação civil cobrando R$ 20 bilhões da mineradora seja extinta e que outra ação movida pelo MPF cobrando R$ 155 bilhões fique suspensa por dois anos.

De acordo com o TAC, a Samarco deu garantia à Justiça do cumprimento de obrigações de custeio da organização dos atingidos e organização de fiscalização dos órgãos ambientais e financiamento de programas no valor de R$ 2,2 bilhões.

No caso de Brumadinho, além do Ibama equipes da Agência Nacional de Mineração (ANM) e dos órgãos de fiscalização estaduais, além do Ministério Público Federal, estão acompanhando o desenrolar da tragédia.


Hélio Schwartsman: Sirenes que não soam

Andar de bicicleta sem capacete só mudou após aprendermos mais sobre traumas

Nossa espécie é péssima em avaliar riscos. Um ser humano típico tem medo de cobras e tubarões, mas não hesita muito em fumar ou acelerar seu carro. Nos EUA, onde as estatísticas são mais confiáveis, cobras e tubarões matam, respectivamente, cinco e 0,5 pessoas por ano, enquanto o cigarro e os acidentes de trânsito geram 480 mil e 35 mil óbitos anuais.

Nossa sirene interna dispara diante de ameaças que perderam relevância no ambiente urbano, mas é cega para perigos produzidos pela modernidade, como morar a jusante de barragens ou construir cidades em zonas de terremoto.

Imagino que a fiscalização precária e sede de lucros contribuíram para a tragédia em Brumadinho, mas o ingrediente que mais me chama a atenção é que os dirigentes da Vale acreditavam que a barragem era segura, tanto que instalaram o refeitório da empresa bem abaixo dela. De algum modo, a noção de que todo projeto de engenharia carrega risco e a informação de que operavam com uma tecnologia ultrapassada, cuja avaliação de segurança está repleta de pontos cegos, não foram assimiladas pela cúpula da empresa —o que é assustador para uma companhia que lida essencialmente com problemas de engenharia.

Espero que o desastre sirva para arrefecer o clima de “liberou geral” que o governo Bolsonaro prometia levar à área ambiental. Olhando para a frente, seria importante desenvolver mecanismos para que empresas e a própria legislação não se acomodem com as tecnologias antigas e busquem continuamente aprimoramento na segurança, mesmo que a um sobrepreço.

A garotada da minha geração andou de bicicleta e skate sem capacete e isso era visto como normal. À medida que aprendemos mais sobre traumas, o comportamento foi reclassificado como de risco e hoje poucos pais deixam os filhos brincar sem proteção. Essa cultura de busca constante por mais segurança precisa ser disseminada.


Gil Castello Branco: Mariana, Brumadinho e...

No triste fim de semana passado, lembrei-me de um texto de George Santayana, filósofo e poeta espanhol. Uma das frases é instigante: “...quando a experiência não é retida, como acontece entre os selvagens, a infância é perpétua.”

De fato, três anos após a tragédia de Mariana, apesar das inúmeras advertências da academia, dos ambientalistas e do Ministério Público, o que aprendemos?

Foram 19 mortos e nenhuma condenação; empresas envolvidas em desastres ambientais quitaram apenas 3,4% dos R$ 785 milhões aplicados em multas; das 24.092 barragens cadastradas no país, apenas 3% foram vistoriadas em 2017 e, dentre essas, 723 apresentam riscos de acidentes e danos potenciais altos; famílias que tiveram suas vidas destruídas pelo rompimento da barragem do Fundão (2015) ainda aguardam indenizações, pois o acordo entre a promotoria e as mineradoras foi fechado apenas em outubro do ano passado, quase três anos após a tragédia.

Na Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, somente um dos três projetos de lei apresentados pela Comissão Extraordinária de Barragens foi aprovado. Dormem em gavetas os outros dois, que preveem restrições para a construção de barragens e direitos para os atingidos. No Senado, projeto que endurecia a política de segurança de barragens foi arquivado.

Muitas perguntas objetivas continuam sem respostas consistentes: o que foi feito para recuperar o Rio Doce? Quais as medidas adotadas para aprimorar a fiscalização das barragens?

Nesse marasmo irresponsável, lamentavelmente a história se repetiu em Brumadinho. A impunidade em relação ao que ocorreu na barragem do Fundão, em Mariana, é certamente uma das causas da tragédia de Brumadinho. O rompimento da barragem da Vale na Mina do Feijão não foi, obviamente, um acidente ocasional. Em Mariana e Brumadinho, o que ocorreu foram crimes, praticados pelas empresas que negligenciam na construção, manutenção e no monitoramento desses empreendimentos e pela leniência do Estado na concessão de licenciamentos e na fiscalização. Dessa forma, além da indignação e da vergonha que sentimos como brasileiros, precisamos cobrar as punições dos agentes privados e públicos.

O enredo e o filme são conhecidos. As autoridades sobrevoam a área devastada, declararam estado de calamidade e prometem providências e recursos. Os dados orçamentários, porém, também espelham o descaso do poder público.

Conforme dados pesquisados pela Associação Contas Abertas, com base em critérios de um estudo de técnicos do Senado, nos últimos 19 anos (2000 a 2018) dos R $444,4 milhões autorizados no Orçamento da União para ações destinadas às barragens, efetivadas pelos ministérios da Integração, Minas e Energia e Meio Ambiente, somente R$ 167,3 milhões (37,6%) foram realmente pagos. Logo após o maior acidente ambiental do país, em Mariana, em 2015, no auge da consternação, o orçamento conjunto das pastas destinado às barragens praticamente dobrou, passando de R$ 62,3 milhões para R$ 121,9 milhões (2016). No entanto, no fim de 2016 o valor efetivamente gasto somou apenas R $22,7 milhões, praticamente o mesmo de 2015. Em 2017, o gasto efetivo ficou no mesmo patamar, tendo aumenta dopara a casados R $32,8 milhões em 2018. Para 2019, pasmem, o valor autorizado é de apenas R$ 67,9 milhões, praticamente o mesmo de 2015, o ano da tragédia de Mariana!

Para que o leitor tenha uma ideia de quanto são insignificantes esses dispêndios, o valor pago no ano passado (R$ 32,8 milhões) é inferior às despesas da União com festividades e homenagens (R$ 40,4 milhões).

O minguado orçamento para ações relacionadas às barragens é mais uma evidência de que não absorvemos as experiências passadas. Assim, vale a pena reler as frases finais de um parágrafo do texto do espanhol George Santayana, publicado em “A vida da razão” (1905): “...quando a experiência não é retida, como acontece entre os selvagens, a infância é perpétua. Aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo”. Quando irá acontecer a próxima tragédia?


José Casado: Lama política e corporativa

Afundam, se arrastam e escavam na lama à procura dos soterrados pela escória química da Vale. São servidores públicos, bombeiros na maioria. Trabalham para o Estado de Minassem saber quando e como serão pagos. O último governador, Fernando Pimentel, expoente do Partido dos Trabalhadores, foi embora sem pagar afolha de 2018. E o sucessor, Romeu Zema, do Partido Novo, não tem ideia de quando vai conseguir saldara dívida.

Minas entrou em colapso pouco antes de uma subsidiária da Vale e BHP Billiton despejar um rio de lama tóxica sobre 230 cidades mineiras e capixabas, deixando um legado de miséria e desemprego na região onde a mineração avança desde a Colônia. Naquele 2015, a Petrobras também entrou em convulsão. Por corrupção, em parceria com grupos privados como Odebrecht, SBM (Holanda) e Keppel Fels (Cingapura).

Os executivos Murilo Ferreira (Vale) e Andrew Mackenzie (BHP) acertaram com os governos Dilma Rousseff, Fernando Pimentel (MG) e Paulo Hartung (ES) a contenção dos danos corporativos (US $2 bilhões) a 3% das suas vendas (US$ 60 bilhões).

Foram aplaudidos por 166 deputados federais e 14 senadores eleitos com o dinheiro de empresas de mineração. Elas bancaram, por exemplo, 47% dos gastos do deputado Leonardo Quintão( P MD B-MG ), aliado de Eduardo Cunha( P MD B- RJ )— condenado amais de 40 anos de prisão por corrupção na Petrobras e na Caixa nos governos Lula e Dilma.

Quintão retribuiu com eterna gratidão: promoveu a “modernização” das normas sobre mineradoras, a partir de um texto produzido em laptop da banca Pinheiro Neto, que defende a Vale e a BHP Billiton. Não foi reeleito, mas conseguiu abrigo na Casa Civil de Bolsonaro, onde serão filtradas as mudanças na lei setorial.

Depois de inventar o socialismo de direita e o capitalismo de laços, o Brasil inova com a criação de passivos intangíveis em escala industrial: algumas das maiores empresas avançam na produção de dívidas imensuráveis em responsabilidade social, governança emeio ambiente. A lama é política e corporativa.


O Globo: Polícia prende engenheiros que atestaram segurança da barragem em Brumadinho e gerentes da Vale

Justiça autorizou cinco mandados de prisão e sete mandados de busca em São Paulo e Minas

RIO E SÃO PAULO — Cinco pessoas foram presas nesta terça-feira por ligação com a tragédia de Brumadinho (MG). Em São Paulo, a polícia deteve dois engenheiros da TÜV SÜD, empresa prestadora de serviço da Vale que atestou a segurança da barragem 1 da Mina do Feijão no fim do ano passado. Em Minas Gerais, a operação prendeu três funcionários da Vale responsáveis pela gestão da obra e pelo licenciamento ambiental.

Também foram cumpridos sete mandados de busca e apreensão em São Paulo e Minas. Um dos endereços visitados pela polícia foi o escritório da empresa alemã TÜV SÜD na capital paulista .

Todos os mandados de prisão valem por 30 dias e foram expedidos pela juíza Perla Saliba Brito, da comarca de Brumadinho, a pedido do Ministério Público Estadual. O desastre causou 65 mortes e deixou 279 desaparecidos, segundo boletim da Defesa Civil de Minas , divulgado na noite desta segunda-feira. As buscas por mais vítimas da tragédia recomeçaram na manhã desta terça-feira.

Os dois engenheiros presos em São Paulo são Makoto Namba e André Yum Yassuda. Eles assinaram laudos feitos pela TÜV-SÜD em junho e setembro de 2018 que garantiam que a barragem que rompeu na última sexta-feira estava em segurança. Em Minas Gerais, foi preso outra pessoa envolvida com esse laudo: César Augusto Paulino Grandshamp.

"A tragédia demonstrou não correspoder o teor desses documentos com a verdade, não sendo crível que barragens de tal monta, geridas por uma das maiores mineradoras mundiais, se rompam repentinamente, sem dar qualquer indício de vulnerabilidade", afirmou a juíza Perla, no despacho que autoriza as prisões.

Outros dois alvos da operação detidos em Minas Gerais são gerentes do Complexo Minerário Paraopeba, do qual faz parte a barragem da Mina do Feijão: Ricardo Oliveira, gerente de meio ambiente, saúde e segurança; e Rodrigo Arthur Gomes de Melo, gerente executivo operacional.

Os dois são responsáveis pelo licenciamento e funcionamento das estruturas, "incubindo o monitoramento das barragens que se romperam", segundo a juíza. Segundo seu despacho, a prisão é "imprescindível para a elucidação dos fatos e apuração da prática, em tese, de homicídio qualificado, além dos crimes ambientais e de falsidade ideológica."

Os aparelhos celulares, computadores e outros documentos recolhidos pela polícia devem ser enviados para Minas Gerais ainda nesta terça-feira. Namba e Yassuda deixaram o prédio da Polícia Civil de São Paulo por volta das 10h e pegariam um avião para Belo Horizonte, onde serão ouvidos pelo MP.

Em Minas, a operação contou com o apoio das Polícias Militar e Civil do Estado e, ainda, com atuação do Ministério Público de São Paulo (MPSP), por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) daquele estado.

Em nota divulgada logo após a operação, a Vale informou que está colaborando "plenamente" com as autoridades e dando apoio "incondicional" às famílias atingidas.