midias sociais

Evandro Milet: As mídias sociais enganariam Alan Turing, o pai da computação

A OpenAI, uma organização fundada por Elon Musk, lançou o mais potente sistema de Inteligência Artificial(IA) para produção e compreensão de linguagem escrita, o GPT-3. Muita gente imaginou que acabaria o emprego de escritores e jornalistas. Cientistas porém estão constatando as limitações da engenhoca. Apesar da sofisticação, o novo sistema não sabe o que fala, embora seja um redator razoável: pode produzir qualquer tipo de texto, mas também pode cometer bobagens ao ignorar semântica, contexto, psicologia, convenções sociais, raciocínio lógico e até leis da física. Falta aquilo que nos torna humanos: bom senso.

Afinal, ao ser alimentado com tudo o que há na internet, o GPT-3 retrata o estágio onde a humanidade se encontra, incluindo vieses racistas e sexistas e uma capacidade de criação e disseminação de fake news. 

Nos anos 50, Alan Turing,um dos pais da ciência da computação e da inteligência artificial criou o teste que leva seu nome. Seu objetivo é descobrir se uma inteligência artificial é inteligente a ponto de enganar um humano, fazendo-o acreditar que se trata de uma pessoa respondendo às suas perguntas. Se 30% dos humanos consultados acreditarem que se trata de outro humano, a máquina passa no teste de Turing.

Ora, mais de 30% dos humanos reconheceriam hoje o GPT-3 como uma pessoa se comunicando nas redes sociais. Afinal é fácil encontrar ali raciocínios tortuosos, negações de verdades científicas, interpretações contorcionistas de textos, elaborações fantásticas para teorias da conspiração, justificativas fora de contexto, vieses racistas e sexistas, fake news esdrúxulas, enfim falta total de bom senso - realmente, um triste retrato da humanidade.

Todos os dias recebemos textos estranhos, supostamente assinados pelo Veríssimo, Jabor ou Clarice Lispector, onde qualquer um acostumado com esses autores percebe imediatamente a fraude. Ou vídeos onde médicos e supostos especialistas, sem nenhuma relevância profissional, glorificam remédios sem efeito ou condenam criminosamente vacinas, máscaras ou distanciamento social. Ou recebemos avisos alarmados sobre uma suposta conspiração internacional globalista soros-sino-gramsciana que amedronta até mentes doentias no governo.

Cabeças estacionadas na década de 1950 enxergam iminentes invasões da Amazônia atrás de nossos recursos naturais sem perceber que os recursos mais valiosos hoje estão no conhecimento. E esse conhecimento está se perdendo no flagelo da educação brasileira, no desprezo da bioeconomia e indo embora na diáspora dos nossos estudantes e cientistas brilhantes contratados no exterior. Por analogia do nome, a Amazon que negocia com bits e bytes e gerencia conhecimento tem valor de mercado 25 vezes maior que a nossa Vale, especialista em minérios.

O GPT-3 deve se sentir em casa com tanta falta de bom senso. Se Turing fosse vivo e se baseasse nas postagens das mídias sociais teria que inventar outro teste, o GPT-3 passaria por humano. 


Luiz Felipe Pondé: Sentimento oceânico da política

As mídias sociais podem pôr em risco a estrutura política de representação

“Sentimento oceânico” é uma conhecida expressão que Freud tomava emprestada para se referir a uma sensação religiosa ou mística que muitos sentiam, mas ele, não. Esse sentimento descrevia um pertencimento a um todo maior (o mundo, o universo, a natureza) carregado de prazer. Para Freud, não passava de um resto da célula narcísica.

Fiquemos por aqui na crítica psicanalítica à religião. Seria, talvez, necessário ir adiante e aplicar a mesma suspeita à adesão de muitos à ideia de povo e suas manifestações sociais e políticas.

Temo que o mesmo tipo de crítica seria possível. As pessoas que ficam à busca de um grande sentido histórico quando o povo sai às ruas estão afogadas em restos narcísicos infantis. Não é à toa que essas pessoas falam de movimentos sociais e políticos populares com os olhos cheios de emoção. O gozo narcísico é evidente.

Nesse sentido, esperar alguma redenção do mundo a partir dos movimentos populares é uma expectativa imatura e narcísica. Como ler os sinais em busca do apocalipse. A diferença é que quem faz essas leituras é gente ignorante e crente e quem analisa movimentos sociais e políticos é gente culta e especializada.

Entretanto, a infantilidade é a mesma.

Mas o que fazer quando grandes gurus dessa expectativa, como o próprio Marx, alimentavam os mesmos sentimentos? Nada a fazer, a não ser perceber que o próprio Marx seria regredido em matéria psicológica.

Daí a política regredida que alimenta a nossa época.

Não acho que podemos ir tão rápido assim, mas a hipótese vale uma maior reflexão. Por hoje, fiquemos na mera aplicação do sentimento oceânico às expectativas redentoras que muitos identificam nos últimos movimentos populares no mundo e no Brasil.

Alguns acham que existe um fundo histórico hegeliano em movimentos como a Primavera Árabe (termo que ilumina o ridículo de grande parte dos intelectuais e da mídia), as jornadas de junho ou os coletes amarelos franceses de agora.

Buscar um fundo histórico hegeliano é buscar um sentido histórico de evolução (esse sentido histórico também pode ser marxista). Esse “fundo” nada mais seria do que a presença do sentimento oceânico aplicado à história, à política e à sociedade. É projetar seu gozo narcísico primitivo nas ações humanas no “tempo”. Incrível como psicanalistas e afins pensam “dentro” dessa projeção.

Alguns entram em êxtase com islandeses fazendo escolhas política via Facebook! A Islândia é um país de uma natureza impressionantemente linda e impactante. Mas seu clima é hostil, sua população vai um pouco além de 300 mil habitantes e seu isolamento é profilático para com as misérias do mundo (por isso, lá tudo é “lindo”, sua primeira ministra anda pela rua, não tem exército e a polícia é ociosa), mas ainda assim tem gente que acha que a Islândia pode ser um “modelo” a ser seguido pelo Brasil... Risadas?

Afinal, o que reúne movimentos “semelhantes” como a Primavera Árabe, o Occupy Wall Street, as jornadas de junho, a greve dos caminhoneiros ou os coletes amarelos? Nada!

A não ser as mídias sociais e seu poder de impacto que se move na velocidade da luz, seu caráter disperso e, finalmente, sua capacidade de agenciar ressentimentos e demandas justificadas e/ou delirantes. Logo, o denominador comum é uma ferramenta e não um conteúdo.

A presença, no passado, de líderes organizadores dos movimentos sociais e políticos encobria o que hoje está descoberto: o “povo” não é uma entidade única, a não ser por suas queixas, fantasias e disposição para a violência.

Hoje, as inteligências celebram a inexistência de líderes e o caráter descentralizado desses movimentos.

Arriscaria dizer que se trata da mesma projeção narcísica que alguém pode fazer acerca da divindade de uma erupção vulcânica (aliás, vulcão é o que não falta no paraíso social e político que é a Islândia).

As mídias sociais podem pôr em risco a estrutura política de representação por conta de sua capacidade de agenciar pessoas banais “liderando” processos de geração de violência.

Uma conclusão primeira e, para alguns, assustadora, é a existência de um componente narcísico primitivo em operação na idealização da democracia, que seria o regime por meio do qual o povo faz sua história. O “povo histórico” aqui é exatamente o objeto do sentimento oceânico.

O povo não faz história nenhuma, apenas corre atrás, para lá e para cá, e em círculos, de seu bolso, de suas taras e de seus ressentimentos.

*Luiz Felipe Pondé é escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.


Vice: Como o conteúdo patrocinado mudará as eleições de 2018

Há grandes chances de, mais uma vez, os partidos mais ricos serem beneficiados

Por João Paulo Vicente

Um artigo, cinco parágrafos, dois incisos e duas alíneas. São oito os dispositivos da Lei 13.488 de 2017 que tratam das novas regras de impulsionamento pago de campanhas políticas na internet do Brasil. Hoje, porém, há menos de um ano das eleições, a discussão pública sobre o tema tem sido igual a zero.

Novidade no Brasil, a prática é controversa desde que, no ano passado, Donald Trump se tornou presidente dos Estados Unidos. Para muitos analistas, a milionária campanha online de Trump, trabalhada em gatilhos psicológicos e big data, foi fundamental para sua eleição. O raciocínio seria de matemática simples: quem pagasse mais pela campanha online, triunfaria.

Na terra de Bolsonaro e Lula, enquanto o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) corre para regulamentar a prática, a dúvida maior é o quanto esse expediente poderá ter influência definitiva nas eleições de 2018.

Impulsionamento de conteúdo, vale lembrar, não se refere só a Facebook. Em teoria, qualquer plataforma de redes sociais que permita o pagamento para um post ter alcance maior entra no caldo. Falamos de Twitter, Instagram (cujo dono é o Facebook), Pinterest, LinkedIn e talvez – se forçar a barra um pouco – até o YouTube. Como a reforma política considerou que impulsionamento inclui “priorização paga de conteúdos resultantes de aplicações de busca na internet”, também estão no balaio o Google, o Yahoo e o Bing.

Entre os profissionais da área, o sentimento é de que a liberação do conteúdo pago nas redes sociais pode mudar a balança da eleição. Mais: há um consenso de que isso pesará a favor de campanhas com maior poder financeiro. Daniel Braga, publicitário por trás da comunicação online de João Doria, é taxativo: “Isso é antidemocrático, sou contra. Quem tiver mais dinheiro vai ter um alcance muito maior”, disse, por telefone, em conversa com o Motherboard.

Braga foi o um dos responsáveis pela escalada de Doria na disputa pela prefeitura de São Paulo no ano passado. A principal ferramenta nesse processo foi o Facebook, onde o hoje prefeito mantinha uma comunicação direta e constante com seu público. Por meio de um aparato de monitoramento dos humores do seu eleitorado, Doria adequava suas mensagens para que ressonassem da melhor maneira possível. Com isso, seus vídeos simples tinham muita interação (curtidas, comentários, compartilhamentos), ganhavam tração e acabavam exibidos para um público ainda maior. Tudo isso de maneira orgânica, ou seja, sem nenhum investimento.

Crédito: Flickr/ joel the goat farmer

Hoje um post pode ser impulsionado por apenas uns trocados. Quanto mais grana para investir na veiculação, claro, mais pessoas serão impactadas. Empresas como Facebook e Twitter incentivam que as companhias de mídias e agências gastem muita grana nisso. É o negócio deles. A estratégia de Doria e Braga foi de antecipação. Gastaram dinheiro antes, no mapeamento, e não no meio de divulgação.

O ponto é que o aparato necessário para ter a eficiência de um Doria ou Trump é bastante caro. A diferença da campanha dos dois é que, no Brasil, ao criar a isca irresistível, Braga tinha que torcer para que a maré do Facebook a levasse até o cardume interessado – os algoritmos responsáveis por esse processo, você deve saber, são caixas-pretas.

Nos Estados Unidos, por outro lado, o impulsionamento do conteúdo fazia com que o Facebook enfiasse na boca dos eleitores do Trump uma isca talhada com o mesmo cuidado. Mas não só: permitia também que a equipe do presidente americano refinasse essa isca a máxima perfeição. Uma reportagem da Wiredmostra como era normal a campanha dele rodar entre 40 mil e 50 mil variações do mesmo anúncio. Em determinado dia, foram 175 mil. Com isso, tanto o número de pessoas impactadas era maior quanto as melhores versões explodiam em visibilidade.


Encontrar o público certo demanda dinheiro

Além da mensagem certa, é preciso encontrar o público certo. Esse modelo de propaganda na internet permite segmentar os posts segundo critérios minuciosos a partir dos dados disponíveis sobre cada pessoa. Um exemplo fictício: imagine uma rua comprida, que atravesse um bairro muito pobre e outro muito rico. O mesmo candidato pode endereçar posts sobre saneamento básico para o primeiro local e sobre diminuição de impostos para o segundo. Sem a possibilidade do impulsionamento, essa distinção é impossível de ser posta em prática.

“Até uns dias atrás eu tava fudido”, diz, em tom de brincadeira, André Torretta, marqueteiro que trouxe a Cambridge Analytica para o Brasil há cerca de um ano. Perto do exemplo simplório aí de cima, o trabalho da Cambridge parece místico: com base nos mesmos dados, eles traçam perfis psicológicos para chegar a melhor maneira de falar com as pessoas. Afinal, vai que o maluco que mora no bairro pobre está mais preocupado com a redução de impostos do que com o saneamento básico, né?

Há polêmica em torno da eficiência do método e o próprio marqueteiro se apressa em dizer que abordagens semelhantes e aplicadas de forma diferentes são usadas há décadas. Mas o fato é que a empresa inglesa (que por aqui se juntou a Ponte, consultoria especializada na classe C de Torretta, e virou CA-Ponte) ganhou fama depois das campanhas exitosas de Trump e do Brexit – em que os ingleses votaram pela saída da Grã-Bretanha da União Europeia. Com a proibição de propaganda política paga na internet, a ideia era vender o trabalho da CA-Ponte para a iniciativa privada. “Mas aí a roleta girou e eu ganhei. Agora eu posso fazer, com as condições locais, é claro”, afirma Torreta.

A campanha de Trump gastou US$ 90 milhões no Facebook, contra US$ 30 milhões da sua adversária, Hillary Clinton. Nós não chegaremos a tanto, já que a reforma também estabeleceu um limite de gastos total de R$ 70 milhões no primeiro turno da corrida presidencial (pouco mais de US$ 20 milhões). Para Torretta, esse é um dos desafios: definir de onde vai sair o dinheiro para o investimento na comunicação digital.

Isso, porém, é só um exemplo de como o jogo vai estar em aberto no próximo ano. “Se existir uma pessoa que falar para você que tem experiência no digital com política no Brasil, está mentindo. Não tem”, diz Torretta. “Tinha estratégia passiva, prefeito postava vídeo e rezava para dar certo. Agora nós vamos precisar tirar alguém que trabalha com mídia em agências de publicidade e capacitar esse profissional para trabalhar em política. Isso é caro.”

“Eu tive a sorte de estar junto com o pessoal que já fez isso fora, mas você acha que dá para aplicar tudo da Cambridge Analytica aqui? Com quem? O Brasil é diferente, tem alto nível de analfabetismo funcional, o app que funciona em São Paulo não funciona em Petrolina”, afirma ele. “No Brasil, é preciso ter outro entendimento. Esse ainda é o mundo do discurso, não dos dados”, diz o marqueteiro.

Distante do marketing político há dez anos, Torreta diz que tem sido sondado por algumas campanhas interessadas no trampo da CA-Ponte – inclusive de pré-candidatos de olho na presidência. Daniel Braga, que apesar de ser contra ao impulsionamento, concede que este será uma ferramenta indispensável na eleição de 2018. “Uma coisa eu te digo: a estrutura necessária para fazer isso bem precisa ser construída com antecedência, desde já. Ninguém vai montar isso faltando setenta dias para eleição. Não vai.”

Crédito: Flickr/ joel the goat farmer

Mentir, em teoria, não pode

E como fica a questão dos partidos e movimentos com mais dinheiro usarem as campanhas para espalhar boatos? Para os acadêmicos, é um problema que, pelo andar da carruagem, não terá solução em 2018.

“As redes sociais já tinham um papel importante nas últimas eleições, mas a possibilidade de investir recursos de campanha na internet vai colocá-la num papel de maior protagonismo”, diz Amaro Grassi, pesquisador da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV (FGV-DAPP). “Isso gera insegurança muito grande tanto por não estar claro o que isso significa quanto por como pode se relacionar com a disseminação de conteúdo manipulatório pro ou contra determinado candidato ou agenda.”

A manipulação citada por Grassi se dá por meio de notificações falsas, perfis falsos e bots utilizados para denegrir a imagem de um candidato ou inflar a influência de outro. Desde a eleição americana no ano passado, as maiores redes sociais tem sido alvo de críticas ferozes por conta da maneira complacente que lidaram com esse cenário. Há algumas semanas, inclusive, executivos do Facebook, Twitter e Google foram sabatinados no congresso americano sobre o controle que tinham das suas próprias plataformas de propaganda.

Destes, o Facebook parece ter sido o que sentiu o golpe com mais força: nos últimos meses, a empresa anunciou uma série de medidas para melhorar a transparência dos seus anúncios, como a contratação de mil novos revisores de conteúdo e uma nova aba que exibe todos os posts patrocinados de determinada página (isso acaba com os dark posts, quando uma postagem só era exibida como anúncio e nunca na home do anunciante).

No caso de conteúdos com teor político, os anúncios também serão destacados como tal. “Estamos comprometidos em aumentar a transparência dos anúncios políticos em todo o mundo, e recentemente anunciamos medidas concretas para dar mais informação às pessoas sobre os anúncios que elas veem. Também estamos cooperando com autoridades eleitorais sobre temas relacionados à segurança online. Esperamos tomar medidas também no Brasil antes das eleições de 2018” , afirmou a empresa, em comunicado oficial ao Motherboard.

Uma fonte próxima da empresa que preferiu não se identificar foi um pouco mais enfática: “O nosso esforço para combater contas e conteúdo falso é permanente, mas é natural e razoável imaginar que esse esforço seja intensificado durante períodos eleitorais em todos os países”, diz.

Por sua parte, o governo brasileiro também tenta enfrentar o problema. O TSE juntou gente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), PF e representantes de diversas das empresas de tecnologia envolvidas no tema para criar um método de identificação e combate de conteúdos inautênticos. Mesmo assim, Grassi é pessimista. “O uso de robôs somado a fake news tem um potencial de impacto muito grande, você produz conteúdo falso e usa recursos ilegítimos para levar ao alcance de muito mais gente do que seria possível naturalmente”, explica ele, um dos responsáveis pela pesquisa “Robôs, Redes Sociais e Política no Brasil”.

O estudo identificou que, desde a eleição de 2014, nos principais momentos de debate político no Brasil, os bots respondiam por até 20% das interações sobre o tema no Twitter – e esse número é resultado de uma metodologia conservadora, ou seja, a realidade pode ser pior. “Claro, só o fato desse problema ter se tornado público e a Justiça Eleitoral ter manifestado intenção de enfrentá-lo é muito positivo, mas tudo leva a crer que ele vai continuar presente”, afirma Grassi.

Por sua vez, Pablo Ortellado, professor de Gestão de Políticas Públicas da USP e coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital, chama atenção para o fato de que o conteúdo compartilhado de maneira orgânica pelos usuários de redes sociais pode ter um peso tão grande quanto posts pagos de campanhas. “Todo dia jogam umas seis mil matérias políticas no Facebook, [o que resulta em] mais ou menos 20 milhões de compartilhamentos por mês. No último mês foram 30 milhões. O que vai ser regulado de publicidade de campanha é muito pequeno perto disso”, diz Ortellado.

O perigo do zap

Para bagunçar ainda mais esse cenário, uma particularidade da campanha no Brasil cria uma questão que a rapaziada do hemisfério Norte nem teve tempo de problematizar. Aqui a gente vai de zap. Oficialmente, ambas plataformas tem o mesmo número de usuários no país: 120 milhões - mas André Torretta estima que já sejam 160 milhões no WhatsApp. Desde 2014 o aplicativo também virou palco de disputa política com conteúdo criado com o objetivo específico de ser distribuído por ali.

Uma das estratégias – criticada tanto por Torretta quanto por Daniel Braga e proibida pela lei eleitoral – é disparar esse conteúdo para um grande número de telefones sem que estes tenham se disposto a recebê-lo, também com a preocupação de segmentar a mensagem conforme o público. O marqueteiro por trás da CA-Ponte, no entanto, tem uma arma mais eficiente. Ele desenvolveu um aplicativo próprio, alimentado por meio de uma base de contatos de determinado candidato.

“O WhatsApp é irregulável”

Nessa plataforma, o candidato envia o conteúdo para esses contatos e pede que compartilhem com em suas redes sociais – entre elas, o WhatsApp. Daí é torcer para cair no grupo da família, bairro, igreja, futebol, escola e por aí vai. Se o material divulgado não contém inverdades, zero problemas. Mas o que há fazer quando a circulação das fake news migra do Facebook para o zap?

“O WhatsApp é irregulável”, diz Ortellado. “E esses dias eu vi pela primeira vez um site que não tinha botão para compartilhar no Facebook, só WhatsApp”. Ao checar esse e outros sites relacionados, vi uma seção de notícias absurdas e fantasiosas que podem dar o tom de parte das discussões políticas no ano que vem. Quer um exemplo? Pablo Vittar ganha programa infantil na Globo para 2018 com apoio da Lei Rounet. Pois é: se você achou que já tinha visto má fé pelas redes, a coisa deve ficar ainda mais feia a partir do ano que vem.

 


José Roberto de Toledo: As limitações de Bolsonaro

Após entrevista, páginas de apoio ao presidenciável tiveram que defender seu candidato

Bastou um “Oi?” espantado da jornalista para Jair Bolsonaro viralizar nas mídias sociais – mas, desta vez, de um jeito bem diferente do que ele está acostumado. Em vez de atacar rivais, as páginas de apoio ao presidenciável pró-ditadura tiveram que defender seu candidato. O motivo? Sua admissão pública de que não entende nada de economia. A repercussão negativa da entrevista reforçou a hipótese de que quanto mais Bolsonaro se expuser a perguntas, mais solavancos sua candidatura sofrerá.

O deputado e militar reformado enfrenta um dilema. Se quiser voltar a crescer na preferência dos eleitores, ele precisa se popularizar. Campanha pela internet, onde Bolsonaro produz mais interações do que qualquer outro candidato a presidente, é boa para quem pede voto porque não há contraditório. Ele só fala o que quer e não ouve o que não quer. Mas a campanha virtual tem limites: só atinge o eleitorado das classes de consumo A, B e C.

Eleitores maduros e pobres, das classes D e E, não passam o dia no Facebook ou no Instagram, como o jovem e típico eleitor de Bolsonaro. Os bolsonaristas são quatro vezes mais comuns entre os mais ricos do que entre os mais pobres, segundo o último Ibope: 24% a 6%, no cenário com Lula e Alckmin. Por conta dessa elitização, o “buzz” sobre Bolsonaro é três vezes maior nas mídias sociais do que nas pesquisas de intenção de voto.

Essa super-representação na internet faz a candidatura do militar reformado parecer maior do que é. As carências não ficam evidentes, mas existem. Sem um partido grande para lhe dar palanque e estrutura de campanha nos Estados nem tempo de propaganda na TV e rádio, restam poucos meios para o deputado atingir o eleitor pobre: as entrevistas na mídia tradicional e, quando a campanha começar oficialmente, os debates na TV. O episódio de sexta-feira mostrou que aí ele pode se complicar.

Bolsonaro respondia descontraidamente a perguntas dos telespectadores lidas pela jornalista Mariana Godoy. Até que apareceu uma pegadinha: “Qual sua opinião sobre o tripé macroeconômico?”. A primeira reação do deputado foi rir. Depois, terceirizou a resposta: “Quem vai falar de economia por mim é minha equipe econômica no futuro”. Mas não parou por aí.

“O pessoal exige de mim conhecimento em economia, então teria que exigir entendimento em medicina: eu vou indicar o ministro da Saúde.” Continuou eximindo-se da necessidade de falar sobre temas técnicos e exaltando o desempenho econômico dos presidentes militares. Foi aí que a entrevistadora soltou o “Oi?” estupefato e espontâneo que fez a alegria da internet. “Deixaram o Brasil com muita inflação; fizeram a dívida externa”, rebateu. Bolsonaro bem que tentou, mas não foi convincente na tréplica.

Os bolsonaristas acusaram o golpe. O incômodo ficou evidente pela quantidade de memes sobre o assunto que eles publicaram no Facebook desde então. Todos tentam desqualificar ex-presidentes em matéria econômica, para equipará-los a seu candidato. Mas nenhum ousou fazer o que nem Bolsonaro teve coragem de arriscar: dizer que ele entende do assunto.

Com 13% a 18% das intenções de voto no Ibope – dependendo do rol de adversários –, Bolsonaro está no limiar da passagem para o segundo turno. Excluindo-se quem diz que vai votar em branco ou anular, ele tem entre 16% e 19% do que seriam os votos válidos, nos cenários com Lula candidato. Por comparação, o petista passou ao turno final contra Collor em 1989 com 17%.

Diante do seu desempenho de sexta e da falta de voto dos demais candidatos, Bolsonaro poderia se dar ao luxo de restringir sua campanha à internet e evitar novas entrevistas. Vai que ouve outro “Oi?” por aí.