mercado de trabalho

Eurípedes Alcântara: O ‘reset’ é o novo digital

Reset é o novo digital. Palavra da língua inglesa, seu significado é restabelecer, recompor e, especialmente, reiniciar. Por reset, agora se pretende englobar num único substantivo o fenômeno de adoção rápida em massa pelas empresas dos princípios do ASG — Ambiente, Social e Governança. É um caminho sem volta. Em junho do ano passado, o World Economic Forum, WEF, de Davos, na Suíça, dedicou sua reunião anual a “The Great Reset”. Sem o mesmo poder de impacto e influência de edições anteriores, o WEF 2020 foi mais o reconhecimento de um fato do que seu impulsionamento pelas correntes do pensamento empresarial.

Em anos passados, discutia-se qual seria o grau de digitalização ideal para as empresas — ou, melhor, qual deveria ser o limite de poder dos departamentos de Tecnologia da Informação (TI). Aos poucos, foi ficando claro que a discussão estava enviesada, pois o ideal seria não ter departamentos de TI, mas toda a empresa deveria digitalizar-se na forma de atuar e pensar seu negócio. O reset queimou etapas, e observam-se por toda parte empresas se engajando nas políticas de ASG em todas as atividades da organização, numa velocidade ainda mais formidável do que aquela em que o digital se impôs.

Fabio Barbosa, executivo de grandes empresas, pioneiro do ASG no Brasil, define bem o momento: “A cada dia sai do mercado um consumidor, um investidor, um profissional que achava tudo isso uma bobagem, e entra um jovem que toma suas decisões de consumo, investimento e carreira com base nos princípios de ASG.”

Reset é o capitalismo como conhecemos, mas regido por uma série de regras novas, às quais é preciso obedecer para obter o lucro desejado. Sim, o lucro continua sendo o grande motor das empresas. O reset não é modismo. É um movimento de sobrevivência do capitalismo, parecido com o que, na Igreja Católica nos anos 1960, se chamou de aggiornamento no pontificado do Papa João XXIII. São atualizações a que instituições seculares precisam se submeter com alguma regularidade para manter seu poder de influência.

Com o reset, o capitalismo toma das mãos da esquerda uma de suas bandeiras mais poderosas das últimas décadas, o ambientalismo. De quebra, captura também as bandeiras da responsabilidade social e da governança, que dá força aos stakeholders em oposição ao tradicional monopólio do poder dos shareholders. Ou seja, a orientação das atividades empresariais passa a ser realizadas em harmonia com os interesses não apenas dos acionistas, mas com igual satisfação dos empregados, consumidores e de todas as demais pessoas de qualquer forma afetadas pelas empresas, suas fábricas e seus produtos.

O economista Eugene Fama, da Universidade de Chicago, ganhador do Prêmio Nobel em 2013, vinha sendo um dos estudiosos mais descrentes da viabilidade de um “grande reinício” das economias ocidentais, principalmente em função do aumento dos custos de operação. Num artigo publicado no final de outubro de 2020 (“Contract Costs, Stakeholder Capitalism, and ESG”), Fama reconhece a inevitabilidade de um reset geral das empresas, mesmo com impactos negativos em seus resultados financeiros. Fama atribui o poder de transformação às forças de mercado. “Minha conclusão é que as soluções de mercado devem continuar moldando as empresas (para que se encaixem) nesse novo modelo.”

Michael Lind, da Universidade do Texas, concorda com os efeitos positivos do A e do G, mas é cético quanto aos avanços do S na sigla ASG. Em seu livro “The New Class War: Saving Democracy from the Managerial Elite” (“A nova guerra de classes: salvando a democracia da elite gerencial”), ainda sem edição em português, Lind enxerga uma batalha política global entre “oligarcas populistas” e “salvadores da democracia”. O respeito ao meio ambiente e a governança arejada são de pouca consequência para o desfecho desse combate, acredita Lind. A meu ver, Lind está sendo pessimista. O reset terá seu sucesso avaliado justamente por conter a fúria dos insatisfeitos à esquerda e à direita.


Quem é o profissional do futuro com novas formas de trabalho? Dora Kaufman explica

Em artigo publicado na revista da FAP de dezembro, pesquisadora da USP cita habilidades imprescindíveis

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

A pesquisadora de impactos sociais da Inteligência Artificial Dora Kaufman diz que a crise socioeconômica provocada pela Covid-19 tornou visível a premência da sociedade em enfrentar desafios cruciais. “As mudanças na prática de negócios, provavelmente, consolidarão formas totalmente novas de trabalhar”, afirma ela, que é doutora em mídias digitais pela USP (Universidade de São Paulo), em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de dezembro.

Clique aqui e acesse a revista Política Democrática Online de dezembro!

Todos os conteúdos da publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), são disponibilizados, gratuitamente, no site da entidade. Segundo Dora, as primeiras evidências sugerem que os empregadores devem acelerar a automatização, ampliando a possibilidade de uma ‘recuperação sem empregos’. “Além do deslocamento do mercado de trabalho, em paralelo, emerge inédita forma de relacionamento homem-máquina que demanda novas habilidades dos profissionais”, diz.

Em seu artigo na revista Política Democrática Online, a pesquisadora também afirma que documentos de políticas públicas de distintos países contemplam o desenvolvimento de habilidades como estratégico. “O profissional do futuro irá lidar com questões complexas e multidisciplinares, que requerem, além de conhecimentos técnicos, habilidades de lógica, análise crítica, empatia, comunicação e design”, explica.

De acordo com Dora, é um equívoco, amplamente difundido, considerar a automação ameaça apenas aos trabalhadores com baixa qualificação, que tendem a desempenhar tarefas rotineiras e repetitivas. “O avanço acelerado das tecnologias – particularmente os algoritmos preditivos de inteligência artificial – substituirá igualmente as funções cognitivas. A qualificação e requalificação dos profissionais é crítica para evitar o cenário de desemprego em massa e aumento da desigualdade”, alerta.

Ela cita, em seu artigo, relatório do Fórum Econômico Mundial, publicado em 21 de outubro de 2020, que analisa o cenário atual do trabalho impactado por “dupla interrupção”: a pandemia causada pela Covid-19 e o avanço da automação. Seu pressuposto, explica, é que o desenvolvimento e o aprimoramento das habilidades e capacidades humanas por meio da educação e aprendizagem são os principais motores do sucesso econômico, do bem-estar individual e da coesão social. “A escassez de habilidades e de competências compromete a capacidade das empresas de aproveitar o potencial de crescimento proporcionado pelas novas tecnologias”, pondera.

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Almir Pazzianotto Pinto: O ministro, a economia e o desemprego

Sem reduzir a miséria e recuperar o mercado de trabalho Bolsonaro terá poucas chances em 2022

Dentro de alguns dias o governo Bolsonaro completará dois anos. Metade do mandato foi consumida com providências mal alinhavadas para a retomada do crescimento. Incorrigíveis otimistas falam em recuperação da economia, embora admitam que os resultados são inconvincentes. É o que mostram as estatísticas sobre desemprego.

Há contradição em termos quando se fala em crescimento do produto interno bruto (PIB) se índices oficiais revelam que o desemprego atingiu no último trimestre 14,6% e pode chegar a 17% em 2021. Afinal, ninguém ignora que o mercado de trabalho é o espelho da economia.

As maiores taxas de desocupação registram-se na Bahia, 20%, em Sergipe, 19,8%, Alagoas, 17,8%, Amazonas, 16,5%, e Rio de Janeiro, 16,4%. São Paulo, o Estado mais populoso e desenvolvido, segundo o IBGE tem 13,6% de desempregados. Os menores índices pertencem a Santa Catarina, 6,9%, Paraná, 9,6%, e Rio Grande do Sul, 9,4%. Segundo as mesmas pesquisas temos 5,9 milhões de desalentados, que abandonaram a ideia de recolocação.

A responsabilidade pela crise não pode ser atribuída apenas ao presidente Jair Bolsonaro. É indesmentível, porém, que se aprofundou, turbinada pelo ambiente político e pela pandemia de covid-19, cujas extensão e gravidade não consegue entender. Em 1.º/1/2019, quando tomou posse, o Brasil já se achava em situação pré-falimentar. A presidente Dilma Rousseff foi deposta pelo descalabro da economia, com inevitáveis repercussões nas contas públicas e privadas. Não o foi pelas pedaladas. Incapacidade administrativa, embora em elevado grau, não bastaria para despojá-la de mandato obtido nas urnas em eleições democráticas. O País, todavia, já não se conformava com a inépcia governamental. Embora incompetência não seja crime, o despreparo de Dilma, motivo geral de chacotas, combinada com forte dose de arrogância, colaborou de forma decisiva para enquadrá-la no artigo 85, V, da Constituição.

Jair Bolsonaro, capitão de Artilharia e deputado federal com vários mandatos, passou a ser olhado como tábua de salvação. Para a vitória sobre Fernando Haddad contribuíram o temor ao Partido dos Trabalhadores, a inconsistência dos adversários e a punhalada em Juiz de Fora, impedindo o debate revelador do viés autoritário e a demonstração de precária base política e intelectual.

Dentro da situação caótica em que se encontrava o País, o presidente Bolsonaro buscou economista de renome para responder pelo Ministério da Economia, ao qual incorporou o arruinado Ministério do Trabalho. Após alguns meses de prestígio, o ministro Paulo Guedes se enfraqueceu por se revelar incapaz de revigorar a economia e de enfrentar as questões sociais. Permanece empenhado em conseguir o equilíbrio das contas públicas, meta inalcançável em período de pandemia. O primeiro parágrafo de editorial do Estado é certeiro e definitivo: “O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem uma vaga ideia de onde está, ignora para onde vai e desconhece, portanto, como chegar lá” (25/11, A3).

Afinal, dirá alguém, o que tem que ver o ministro Paulo Guedes com o mercado de trabalho? Tudo. Geração de empregos é problema econômico que não se resolve ao sabor do acaso. Depende de pesados investimentos públicos e privados, internos e vindos do exterior. Exige meticuloso planejamento em médio e longo prazos, ainda que ao preço de alterações nas legislações trabalhista e tributária e da Constituição federal. O Ministério da Economia é fundamental para a geração de desenvolvimento e emprego. Mal conduzido leva o País à ruína, como mais de uma vez aconteceu.

É impossível a rápida abertura de vagas para 15 milhões de desesperados e 6 milhões de desalentados, que desistiram de gastar dinheiro à procura de serviço. Se conseguirmos superávit anual de 2 milhões, meta difícil de ser atingida em clima de pandemia, levaríamos uma década para reduzir o desemprego a índices civilizados.

O que nos aguarda em 2021? Se houver vacina eficaz no volume necessário e o presidente abandonar a postura negacionista, menos mal. Até lá, porém, medidas obrigatórias de isolamento social retardarão a retomada das atividades econômicas e manterão o desemprego em níveis elevados.

O período natalino está às portas. Como celebrarão as festas de Natal e de ano-novo os desempregados, os desalentados, os empresários quebrados e a classe média empobrecida? O comércio aguarda avidamente consumidores com o dinheiro do 13.º salário para gastar. Encerradas as compras de final de ano, não se sabe como reagirá a economia no primeiro trimestre de 2021, com o andamento dos meses de recesso.

Sem reduzir a miséria e recuperar o mercado de trabalho o presidente Jair Bolsonaro terá poucas chances de se reeleger. Às oposições compete valer-se das experiências deixadas pela fragmentação partidária. Se desejarem vencer em 2022, devem construir frente única em torno de candidato honesto, experiente, viável e com perfil popular, capaz de derrotar o sectarismo bolsonarista e a máquina governamental.

*Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho


RPD || Dora Kaufman: Transformação digital acelerada é desafio crucial

Qualificação e requalificação dos profissionais em razão do avanço acelerado das tecnologias são necessárias para evitar o cenário de desemprego em massa e aumento da desigualdade    

A crise socioeconômica provocada pela Covid-19 tornou visível a premência da sociedade em enfrentar desafios cruciais. As mudanças na prática de negócios, provavelmente, consolidarão formas totalmente novas de trabalhar. As primeiras evidências sugerem que os empregadores devem acelerar a automação, ampliando a possibilidade de uma “recuperação sem empregos”. Além do deslocamento do mercado de trabalho, em paralelo emerge uma inédita forma de relacionamento ‘homem-máquina’ que demanda novas habilidades dos profissionais.  

Documentos de políticas públicas de distintos países contemplam o desenvolvimento de habilidades como estratégico. O profissional do futuro irá lidar com questões complexas e multidisciplinares que requerem, além de conhecimentos técnicos, habilidades de lógica, análise crítica, empatia, comunicação e design. É um equívoco, amplamente difundido, considerar a automação ameaça apenas aos trabalhadores com baixa qualificação, que tendem a desempenhar tarefas rotineiras e repetitivas. Na verdade, o avanço acelerado das tecnologias – particularmente os algoritmos preditivos de inteligência artificial – substituirá igualmente as funções cognitivas. A qualificação e requalificação dos profissionais é crítica para evitar o cenário de desemprego em massa e aumento da desigualdade.  

Relatório do Fórum Econômico Mundial (“Relatório”), publicado em 21 outubro 2020, analisa o cenário atual do trabalho impactado por “dupla interrupção”: a pandemia causada pela Covid-19 e o avanço da automação. Seu pressuposto é que o desenvolvimento e o aprimoramento das habilidades e capacidades humanas por meio da educação e aprendizagem são os principais motores do sucesso econômico, do bem-estar individual e da coesão social. A escassez de habilidades e de competências compromete a capacidade das empresas de aproveitar o potencial de crescimento proporcionado pelas novas tecnologias.  

“No Brasil, carecemos de política pública e de ecossistemas favoráveis. Uma das consequências é a alta taxa de desemprego com número crescente de vagas em aberto por falta de profissionais qualificados”
dora kaufman

Principais conclusões do Relatório: a) o ritmo de adoção das tecnologias deve se acelerar em algumas áreas; b) a adoção de novas tecnologias pelas empresas transformará tarefas, empregos e habilidades até 2025, e 43% das empresas pesquisadas indicam redução da força de trabalho devido à integração de tecnologias; c) as lacunas de competências continuam a ser altas: em 2025, 44% das habilidades que os funcionários precisarão para desempenhar suas funções com eficácia serão alteradas; d) mais de um quarto dos empregadores espera reduzir temporariamente sua força de trabalho, e um em cada cinco espera fazê-lo permanentemente; e) na próxima década, uma parcela não desprezível dos empregos recém-criados será em ocupações totalmente novas, ou ocupações existentes com conteúdos e requisitos de competências transformados; e (f) na ausência de esforços proativos, a desigualdade provavelmente será exacerbada. O setor público precisa fornecer apoio mais forte para a qualificação e a requalificação de trabalhadores em risco ou deslocados.  

A atuação do Fórum é respaldada localmente pelas políticas públicas dos países. Nos EUA, por exemplo, o governo convocou o setor privado a se comprometer com a qualificação/requalificação de sua força de trabalho por meio do Pledge to America’s Workers: mais de 415 empresas do setor privado já se comprometeram com 14,5 milhões de oportunidades de aprimoramento de carreira nos próximos cinco anos. No final de 2019, a França criou uma conta de competências individuais com uma aplicação móvel dedicada à formação profissional e aprendizagem ao longo da vida. Sob a “moncompteformation.gouv.fr”, 28 milhões de trabalhadores elegíveis em tempo integral e parcial receberão € 500 anualmente diretamente em sua conta para gastar em qualificação e aprendizagem contínua, com trabalhadores pouco qualificados e aqueles com necessidades especiais recebendo até € 800 anualmente. Cingapura, recentemente, complementou sua pioneira Iniciativa do Futuro de Competências com a implantação do Pacote de Suporte de Treinamento Aprimorado (ETSP), para apoiar trabalhadores e organizações em investimentos sustentáveis em requalificação e qualificação durante a Covid-19.  

No Brasil, carecemos de política pública e de ecossistemas favoráveis. Uma das consequências disso é a convivência de alta taxa de desemprego com número crescente de vagas em aberto por falta de profissionais qualificados. Algo precisa ser feito, e com urgência.

*Doutora em Mídias Digitais pela USP, pós-doutora pela COPPE-UFRJ e pesquisadora dos impactos sociais de Inteligência Artificial em seu pós-doutorado no Centro de Tecnologias da da Inteligência e Design Digital (TID D|PUC-SP), sob supervisão de Lucia Santaella, e participa do grupo de IA do Instituto de Estudos Avançados e do Centro de Pesquisa Atopos, ambos da USP.


Míriam Leitão: Retrato amplo do desemprego

O desemprego cresceu, o mercado de trabalho ficou muito menor, a desigualdade se aprofundou. Tudo nessa soma de distopias que vivemos vem em camadas. É preciso levantá-las para entender as várias dimensões do nosso mal. Houve criação de vagas e o governo até comemorou, mas isso é uma parte pequena de uma história muito mais ampla. O IBGE divulgou ontem que a taxa de desocupação entre julho e setembro ficou em 14,6%, a maior da série. E que há menos 11,3 milhões de pessoas trabalhando do que há um ano.

Há muitas desigualdades, como sempre. Só que pioraram. Na Bahia, o desemprego é de 20%, em Santa Catarina é de 6,6%. Se você é homem, sua taxa é de 12,8%, se for mulher, é 16,8%. Se é branco, seu índice de desemprego é de 11,8%, pardo, 16,5%, e se for uma pessoa preta é de 19%. As nossas desigualdades são regionais, de gênero e raciais. Sempre existiram, mas quando a conta de alguma crise chega ela bate mais em quem tem menos e aumenta as distâncias sociais.

O problema adicional do desemprego nesta pandemia é que ele é mal medido. Não por erro do IBGE, mas por dificuldade mesmo de ver o que se passa. As lentes não captam a realidade. A estatística registra quem procurou emprego e quem não procurou. Se não procurou, você está desempregado, mas não aparece na foto. Muita gente tem adiado essa procura porque acha que o momento não é favorável, com o vírus solto por aí. Se melhorar, se a pandemia ceder, se houver segurança, a pessoa vai procurar. E aí entrará na estatística.

De cara, 5,9 milhões de pessoas não procuram, nem pensam em procurar mais porque acham que não encontrarão. São os que estão em desalento. Em um ano, 1,2 milhão de pessoas entraram no universo dos desalentados. Mas quem for de Alagoas convive com o fato de que 21,6% da população em idade de trabalhar está desalentada. No Maranhão, 20%. Em Brasília, apenas 1,3%.

O que o governo comemorou esta semana foi o Caged, que é um pedaço dessa história toda. A criação de empregos formais em outubro teve um saldo positivo de 394.989 vagas. É bastante para contexto tão difícil, mas não a prova de recuperação em V como exultou o Ministério da Economia. Ademais, a metodologia dessa conta mudou. O governo passou a obrigar os empresários a reportarem também as contratações temporárias. A série foi quebrada, não dá para comparar com o passado.

O futuro no mercado de trabalho é absolutamente incerto, porque pouco se sabe do cenário econômico. Se esse aumento dos casos de infecção e morte por Covid-19 continuar, a recuperação não se manterá. Está sendo difícil garantir neste quarto trimestre o ritmo do terceiro. Sem certeza do que vai acontecer nos próximos meses, os empresários não contratam.

Uma segunda onda nos pegará tão desprevenido quanto a primeira, porque o Ministério da Economia está negando o problema pela segunda vez. Em março, o ministro Paulo Guedes achava que com R$ 5 bilhões ele acabava com o vírus. Era negação. Agora de novo tem dito que não acontecerá o que pode já estar acontecendo.

Economistas trabalham com cenários e formuladores de políticas públicas preparam-se exatamente para as mudanças de conjuntura. O improviso custou caro da primeira vez. Gastou-se mais do que o necessário com o auxílio emergencial e com muito menos foco do que era preciso.

Esta é a aflição imediata. Há uma devastação no mercado de trabalho, o Ministério da Economia comemora dados parciais como se eles fossem o fim da crise. Ela pode se agravar. O negacionismo vai fazer novas vítimas. Na saúde e na economia. Há, além disso, uma desorganização mais ampla e profunda no mercado de trabalho para o qual será preciso mais inteligência, e menos ideologia, para encontrar a saída.

A taxa de desemprego entre jovens de 18 a 24 anos é mais que o dobro da taxa geral: é 31,4%. Excluindo tanta gente jovem, a economia não se renova.
A crise no mercado de trabalho não nasceu ontem, mas se agravou na pandemia. O coronavírus chegou com sua força destruidora num mercado com dificuldade crônica de abrir oportunidades para jovens, incluir pobres e negros, tratar homens e mulheres da mesma forma, reter os talentos maduros e reduzir as injustiças regionais. Não há soluções fáceis, mas certamente elas ficaram mais difíceis no encurralado ano de 2020.


Folha de S. Paulo: Juventude vive crise voraz com inserção precária no mercado de trabalho, diz Ricardo Henriques

Na avaliação de economista, o Ministério da Educação se eximiu de coordenar a política educacional ao longo do pandêmico 2020

Érica Fraga, da Folha de S. Paulo

O Ministério da Educação se eximiu de seu papel de coordenar iniciativas que pudessem mitigar os efeitos negativos da crise atual, como um possível aumento na evasão escolar de jovens em consequência do isolamento social.

Essa é a opinião do economista Ricardo Henriques, 60, superintendente-executivo do Instituto Unibanco, instituição que apoia governos estaduais e municipais em projetos principalmente para melhorar a gestão educacional.

“A economia das instituições nos ensinou há décadas que, nas crises, você precisa de mais coordenação. No caso da educação no Brasil, ocorreu o contrário disso. O MEC saiu de cena”, disse Henriques à Folha.

Uma retomada desse papel de coordenação das políticas educacionais seria crucial para melhorar as perspectivas futuras dos jovens brasileiros que estão prestes a deixar a escola, segundo o economista, que coordenou a implementação do Bolsa Família, de 2003 a 2004, quando foi secretário-executivo do Ministério de Assistência Social.

Ele defende uma agenda que combine o combate à evasão com uma oferta relâmpago de cursos profissionalizantes no curto prazo. Sem isso, há o risco de aumento do desemprego estrutural dos jovens, segundo Henriques, que, no entanto, não é otimista em relação a ações do governo federal nessa direção.

Por que os jovens sofrem mais do que outras faixas etárias nas crises?
A primeira razão é que, em períodos de crise, o mercado de trabalho tende a buscar pessoas com mais experiência. A segunda que, na crise, você diminui o investimento em treinamento, que é muito importante para uma maior mobilidade futura dos jovens dentro das empresas.

O não engajamento no mercado de trabalho assim que você se torna disponível, seja saindo do ensino médio seja no pós-universidade, tende em geral a criar mais vínculos informais. Isso te distancia do mercado mais estruturado e dificulta o desenvolvimento tanto de competências específicas a certas ocupações quanto de práticas gerais associadas ao mundo do trabalho. Isso não é uma exclusividade do Brasil, acontece no mundo todo.

A juventude que vive crises muito vorazes tem inserções mais precárias do que as juventudes anteriores e posteriores.

Há características estruturais do Brasil que aumentem os impactos nocivos dos períodos de crise para os jovens? 
O fato de que o Brasil não criou, sobretudo nos últimos 30 anos, uma formação técnica em larga escala para a juventude diminui ainda mais as oportunidades para os jovens. Essa é uma diferença importante nossa em relação a alguns outros países. Desenvolvemos um traço estrutural binário de ou concluir o ensino médio tradicional ou ir para a universidade.

A reforma do ensino médio busca endereçar isso ao criar a opção de itinerários, que incluem a possibilidade de uma formação técnica. Mas não deu tempo ainda dessas mudanças começarem a sair do papel. Se elas começarem, como o esperado, no próximo ano e mantiverem um ritmo razoável, teremos uma quantidade maior de jovens entrando na rota do ensino profissionalizante por volta de 2023.

Que política pública existente pode ajudar a mitigar os efeitos desses anos de crise sobre a geração jovem atual? 
Há muito pouco. A política de cotas e de financiamento privado aumentou o contingente de 18 a 24 anos que vai para a universidade, mas o patamar é ainda muito inferior ao que gostaríamos. E, para alguns, que não vão para o ensino superior, há a possibilidade de uma formação técnica, pós-ensino médio, sobretudo no sistema S, mas concentrada no Senai.

A situação é ainda mais grave quando percebemos que a crise atual também implicará uma reconfiguração do mundo do trabalho, já que ela impulsionou ainda mais as empresas mais intensivas em tecnologia, que demandarão mão de obra técnica em uma escala muito maior do que a gente tem.

Ou seja, se não investirmos em uma formação técnica e profissionalizante intensa, o caráter estrutural do desemprego desses jovens vai aumentar.

O que pode ser feito, principalmente em relação aos jovens mais vulneráveis, no curtíssimo prazo? 
Neste ano e no próximo, é fundamental uma política de busca ativa e intensa dos jovens que estão na iminência de abandonar a escola. Seria importante ter apoio do governo federal para isso, mas os governos estaduais precisam de uma política muito intensa de manutenção e regresso para a escola, porque o tamanho do buraco pode ser maior do que estamos prevendo.

Dado o tamanho da crise, é importante também começarmos a pensar em programas específicos de renda e de formação pós-ensino médio. Poderia ocorrer uma parceria mais estruturada do governo federal com o sistema S e os governos estaduais para oferecer aos jovens mais vulneráveis bolsas de estudo para uma formação pós-ensino médio. Precisaríamos de uma blitz para esse período de 2021 a 2023. Acho que isso deveria ser feito, mas não sou muito otimista de que esse governo venha a fazer isso.

Por que o sr. não é otimista? 
Não parece ter muitos vetores nessa direção. Mas a ideia de alguns estados de ofertar o quarto ano do ensino médio para os jovens que podem continuar estudando é uma possibilidade interessante. Para quem não tiver essa chance, é melhor se formar em 2020 do que abandonar os estudos. Mas aqueles que puderem ficar mais um ano estudando terão perspectivas melhores.

Como o Instituto Unibanco adaptou seus programas, como o Jovem de Futuro, neste ano? 
Como a gente tem muita metodologia de gestão da escola, ainda em março fizemos uma adaptação para práticas mais ágeis, instituindo gabinetes de crise com as secretarias das quais somos parceiros e criando várias adaptações, por um lado, para o ensino remoto e, por outro, para essa retomada do ensino híbrido.

Como o sr. avalia a resposta das diferentes redes de ensino do país à pandemia? 
Houve heterogeneidade, mas acho que o copo cheio dessa história é que houve uma grande adaptação tanto de estados como de municípios, sobretudo os grandes, correlata à ausência do Ministério da Educação. O ministério se eximiu de ser um ator que tivesse relevância para os contornos da política educacional ao longo de 2020.

Mas os estados e os municípios assumiram a responsabilidade sobre isso e criaram desenhos adequados cada um à sua realidade, garantindo desde a segurança alimentar —que é um baita desafio fora do contexto das aulas presenciais— até a provisão das mais variadas formas de aulas.

E isso aconteceu sem coordenação alguma do Ministério da Educação, que não instituiu um gabinete de crise, não aproveitou para coletar informações dos estados e municípios e, com isso, gerar conhecimento novo.

Esse empoderamento dos estados e municípios aumenta sua capacidade de instituir a agenda de reformas prevista para os próximos anos? 
Acho que sim, tomara que sim. Mas temos que tomar cuidado porque não podemos prescindir da ideia de um sistema nacional de educação. Até porque redes estaduais mais empoderadas solicitariam incidências mais finas, sutis e sofisticadas do Ministério da Educação.

É um regime federativo. É cada vez mais necessário um sistema integrado e articulado.

Que risco corremos se essa articulação não ocorrer? 
Menor geração de conhecimento, menor troca de boas práticas, criação de obstáculos desnecessários. Você vai ficar ao bel prazer do secretário do Pará querer conversar com o secretário do Paraná para saber o que aconteceu. Já um sistema que funcione bem gera um repositório de práticas, gera análise sobre isso, produz protocolos, dissemina conhecimento.

A economia das instituições nos ensinou há décadas que, nas crises, você precisa de mais coordenação. No caso da educação no Brasil, ocorreu o contrário disso. O MEC saiu de cena.

Há motivo para otimismo em relação a uma mudança desse cenário? 
Não tenho bola de cristal. Mas não há nenhum sinal de o MEC caminhar nessa direção. O cenário não é otimista. Eu espero que caia a ficha e que o ministério se recomponha rapidamente. Mas, até agora, passados oito meses de crise, o MEC segue distante de ocupar esse papel tão necessário.


José Márcio Camargo: A pandemia e o mercado de trabalho

Medidas direcionadas a gerar empregos no setor de serviços são fundamentais neste momento

O efeito da pandemia sobre o mercado de trabalho brasileiro foi devastador. Ainda que o País não tenha adotado lockdowns tão restritivos quanto em outras regiões, como França, Itália, Espanha e alguns Estados americanos, entre outros, os efeitos sobre a atividade, a ocupação e a renda da população foram extremamente negativos. O Produto Interno Bruto (PIB) da economia brasileira caiu 11,4% no segundo trimestre de 2020, em relação ao mesmo período de 2019, e o nível de ocupação mostrou queda de mais de 10% entre março e abril (12 milhões de trabalhadores ficaram desocupados).

Os trabalhadores menos educados, os mais jovens e os informais foram os que tiveram maior perda. Dos 12 milhões de novos desocupados, 8 milhões (70%) eram informais e 4 milhões (40%), formais. Entre os mais jovens (14 a 17 anos) a redução no número de ocupados no segundo trimestre de 2020 em relação ao segundo trimestre de 2019 foi de 35,2%, enquanto para os trabalhadores com idade acima de 40 anos a queda foi de 5,5%. Trabalhadores com ensino superior completo ou incompleto tiveram aumento de 2% na ocupação no segundo trimestre de 2020, em comparação com o mesmo trimestre de 2019, enquanto a queda da ocupação dos trabalhadores sem instrução ou com fundamental incompleto atingiu 21,7%.

Com a diminuição do isolamento social, os primeiros sinais de recuperação da atividade começaram a aparecer já em junho. Agropecuária, indústria, construção civil e o comércio mostram forte crescimento da atividade e da geração de postos de trabalho formais. Na agropecuária, após dois meses de queda da ocupação formal, totalizando 12 mil demissões líquidas, foram gerados 86 mil postos de trabalho formais. No setor industrial, após terem sido destruídos 300 mil empregos formais, foram gerados em julho e agosto 150 mil empregos formais. Na construção civil, a redução de 120 mil postos de trabalho já foi compensada entre junho e agosto, e no comércio, dos 400 mil postos de trabalho destruídos, já foram repostos 90 mil postos.

Entretanto, o setor de serviços, que é o maior gerador de postos de trabalho, principalmente para os trabalhadores jovens, informais e menos qualificados, continua bastante defasado. Depois de destruir 600 mil postos de trabalho formais, somente em agosto o setor retomou a trajetória positiva, tendo gerado 45 mil postos de trabalho. Estes dados sugerem que medidas direcionadas a gerar postos de trabalho no setor de serviços são fundamentais.

O setor de serviços no Brasil é um setor que tem uma tecnologia flexível, de baixa produtividade, com uma porcentagem relativamente grande de trabalhadores informais, pouco qualificados e jovens – exatamente os grupos que mais sofreram com a queda da atividade na pandemia. Em razão do baixo valor da produtividade do trabalho neste setor, comparado ao valor do salário mínimo, uma grande parte dos trabalhadores não tem carteira assinada ou são trabalhadores por conta própria sem CNPJ.

Neste contexto, medidas que reduzam ou que evitem um aumento do custo de contratação destes trabalhadores, como não aumentar o salário mínimo até que o mercado de trabalho se estabilize e desonerar a folha de salários, seriam muito efetivas, não apenas para aumentar a ocupação, mas também para reduzir a informalidade.

É, também, importante simplificar as normas trabalhistas e evitar criar instituições que enrijecem o mercado de trabalho. Em especial, seriam particularmente negativas medidas que têm por objetivo regular formalmente fatores subjetivos do trabalho não presencial, como a jornada de trabalho e tratar acidentes domésticos como se fossem acidentes de trabalho, e criar regulações que tornem mais cara ou mais difícil a intermediação de mão de obra via aplicativos. Aumentar o custo de contratação e tornar o mercado mais rígido, ainda que o objetivo seja proteger os trabalhadores, vai apenas mantê-los desocupados.

*Professor do Departamento de Economia da PUC/Rio, é economista-chefe da Genial Investimentos


Claudia Safatle: O mercado de trabalho e o temor da crise fiscal

Qualquer ação do governo só virá depois das eleições

Assessores do Ministério da Economia têm conversado com o ministro Paulo Guedes sobre a necessidade de o governo dar sinais claros do que pretende fazer para estimular o mercado de trabalho em 2021. Em dezembro termina o pagamento do auxílio emergencial para 66 milhões de brasileiros. O impacto, sobre a atividade, do fim da transferência desses recursos, com custo mensal próximo a R$ 50 bilhões, não será trivial e tem o poder, inclusive, de frear a retomada da economia.

Das conversas, em princípio, ficou a intenção de Guedes divulgar sua estratégia, diagnóstico e objetivos para o ano que vem tão logo se saiba o resultado das urnas em novembro.

“Temos que bater com o gato morto na cara da sociedade e da classe política”, disse uma fonte oficial. “Não é preciso ser adivinho para saber que estamos tendo uma crise no mercado de trabalho e temos que ter uma política para facilitar o processo de acesso ao emprego”, completou, citando a desoneração da folha de salário das empresas e a sua contrapartida, que é a criação do Imposto sobe Transações, “goste ou não a Faria Lima”, afirmou.

A proposta de desoneração da folha tem como base o diagnóstico de que a oferta de emprego é escassa porque ele é caro. Outra ideia que também se fundamenta nesse diagnóstico é a de segmentar os setores mais vulneráveis, sobretudo os jovens. “Essa população excluída precisa de regras simplificadas de contratação destinadas a ela”, disse, listando, também, a criação da Carteira Verde Amarela como uma rampa de acesso ao mercado livre dos principais encargos trabalhistas. “Não vamos mexer com o restante do mercado de trabalho”, assegurou.

Há, ainda, o programa de qualificação com o microcrédito que começou com as “maquininhas” e que, a partir de agora, deve aumentar de escala. E, por fim, completou: “Temos os marcos regulatórios de concessões que trazem investimentos geradores de empregos que hoje estão presos para atender aos interesses do establishment, que sempre se alimentou de obras públicas”.

É importante que Guedes trace o caminho para a retomada da economia com começo, meio e fim, com foco no mercado de trabalho que é, hoje, uma das principais raízes da iminente crise fiscal. Essa é uma das grandes incertezas que levam os mercados a exigir, a cada dia, mais prêmios para financiar a rolagem da dívida pública interna

Tem havido, nos últimos meses, uma intensa discussão sobre a criação de um programa de renda básica no pós-pandemia da covid-19, para atender às famílias em condições de pobreza ou de extrema pobreza, em função do fim do auxílio emergencial. Seria uma ampliação do Bolsa Família provavelmente com um novo nome para dar ao governo Bolsonaro uma marca do lado social. O presidente ficou entusiasmado com a popularidade adquirida com a criação do auxílio emergencial e quer repetir a dose com um programa de renda permanente.

Parece claro que o programa atenderia apenas uma fração das 66 milhões de pessoas inscritas no auxílio emergencial, por limitações fiscais. A situação de penúria de recursos se complica ainda mais com a aceleração inflacionária recente que deverá pesar sobre as despesas não obrigatórias do Orçamento do próximo exercício.

“A resolução das expectativas em relação a um eventual programa de transferência de renda para os mais pobres adquire urgência pela incerteza fiscal que a atual ambiguidade pode criar, trazendo o risco do atual impulso de retomada da economia vir a se dissipar por conta dessa incerteza”, conforme chamou a atenção o relatório da semana passada do banco Safra.

“Com a proximidade do fim do auxilio emergencial, cuja última parcela será paga em dezembro deste ano, a confiança do consumidor e o apetite dos investidores poderão ser negativamente afetados, até pelo pouco tempo que será deixado para o governo e o Congresso votarem o Orçamento de 2021”, assinalou o relatório.

O tamanho do auxílio emergencial - que começou com três parcelas de R$ 600 que foram prorrogadas por mais dois meses e depois, reduzido para R$ 300 nos três últimos meses do ano - teve papel crucial na expansão da demanda doméstica no terceiro trimestre do ano, com impacto notável sobre a capacidade de enfrentamento da população à pandemia e sobre a atividade econômica, que deve encerrar o execício com uma recessão menor do que a originalmente esperada. Algo em torno de -5%, segundo o boletim Focus, do Banco Central, desta semana, face à projeção de -9,1% feitas no auge da pandemia pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). O FMI reviu seus prognósticos para uma recessão, no Brasil, em torno de 5,8%.

Para ter uma ideia da dimensão e amplitude do auxílio emergencial cujo gasto mensal está em torno de R$ 50 bilhões, o Bolsa Família custa por mês R$ 2,5 bilhões.

O projeto de lei do Orçamento para 2021 tem um espaço para aumento de 18,2% do Bolsa Família, suficiente para elevar o número de famílias assistidas dos atuais 14,2 milhões para pouco mais de 16 milhões. Se for pouco, o governo pode pedir um crédito extraordinário no ano que vem para abrigar mais famílias, nos termos do artigo 167 § 3º da Constituição, sugere um economista que deixou o governo recentemente.

No mercado, há a percepção de que a simples retirada do auxílio à partir de janeiro pode não só frear a recuperação da economia mas levar o país a uma segunda recessão. Razão pela qual há grande expectativa de um posicionamento da área econômica do governo em relação à estratégia que o ministro Paulo Guedes pretende imprimir para o enfrentamento da crise no mercado de trabalho privado e, por que não, para uma revisão dos benefícios do mercado de trabalho do setor público.

A questão do emprego está na gênese de uma temida crise fiscal, que se traduziria na dificuldade do Tesouro Nacional de honrar seus compromissos. É hora de o governo acalmar os mercados.


O Globo: Um em cada 5 desempregados está há dois anos em busca de trabalho

O mercado de trabalho começa a ensaiar tímida recuperação, mas o número de brasileiros que enfrenta há mais tempo o drama do desemprego não para de crescer. Segundo dados mais recentes do IBGE, a parcela de trabalhadores em busca de vagas há dois anos ou mais cresceu na passagem entre o primeiro e o segundo trimestre e já está em 21,7%, ou um em cada cinco desempregados — o maior percentual desde o início da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), em 2012. Já são 2,9 milhões de pessoas nesta condição, de um total de 13,3 milhões de desempregados, o dobro dos que estavam nessa situação em 2015.

Por Marcello Corrêa e Cássia Almeida - O Globo

Somados aos que estão parados há pelo menos um ano, o chamado desemprego de longa duração chega a atingir 5,2 milhões de brasileiros, ou quase 40% dos desocupados. Especialistas consideram esta a herança mais dura da longa recessão que começa a ficar para trás, principalmente porque, quanto mais tempo sem trabalho, mais difícil é conseguir uma oportunidade.

O fenômeno não é incomum em longas crises, lembra o economista Fernando de Holanda Barbosa Filho, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Na avaliação dele, é possível que parte desses trabalhadores simplesmente desista de procurar emprego:

— A grande preocupação de uma crise de longa duração é que a pessoa que está desempregada há muito tempo não está se qualificando e perde a experiência no posto. Ela vai ter dificuldade para voltar ao mercado. No passado, o desemprego caiu muito recuperando pessoas que estavam fora do mercado. Essas foram as primeiras a perder o emprego na hora do ajuste, e vão ter mais dificuldade para voltar. É a parte triste de uma crise tão longa. Cria um desempregado que está sem experiência.

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— É uma forma de mostrar interesse — explica.

*Colaborou Daniel Salgado, estagiário sob supervisão de Marcello Corrêa

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