RPD || Dora Kaufman: Transformação digital acelerada é desafio crucial

Qualificação e requalificação dos profissionais em razão do avanço acelerado das tecnologias são necessárias para evitar o cenário de desemprego em massa e aumento da desigualdade .
Foto: Getty Images
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Qualificação e requalificação dos profissionais em razão do avanço acelerado das tecnologias são necessárias para evitar o cenário de desemprego em massa e aumento da desigualdade    

A crise socioeconômica provocada pela Covid-19 tornou visível a premência da sociedade em enfrentar desafios cruciais. As mudanças na prática de negócios, provavelmente, consolidarão formas totalmente novas de trabalhar. As primeiras evidências sugerem que os empregadores devem acelerar a automação, ampliando a possibilidade de uma “recuperação sem empregos”. Além do deslocamento do mercado de trabalho, em paralelo emerge uma inédita forma de relacionamento ‘homem-máquina’ que demanda novas habilidades dos profissionais.  

Documentos de políticas públicas de distintos países contemplam o desenvolvimento de habilidades como estratégico. O profissional do futuro irá lidar com questões complexas e multidisciplinares que requerem, além de conhecimentos técnicos, habilidades de lógica, análise crítica, empatia, comunicação e design. É um equívoco, amplamente difundido, considerar a automação ameaça apenas aos trabalhadores com baixa qualificação, que tendem a desempenhar tarefas rotineiras e repetitivas. Na verdade, o avanço acelerado das tecnologias – particularmente os algoritmos preditivos de inteligência artificial – substituirá igualmente as funções cognitivas. A qualificação e requalificação dos profissionais é crítica para evitar o cenário de desemprego em massa e aumento da desigualdade.  

Relatório do Fórum Econômico Mundial (“Relatório”), publicado em 21 outubro 2020, analisa o cenário atual do trabalho impactado por “dupla interrupção”: a pandemia causada pela Covid-19 e o avanço da automação. Seu pressuposto é que o desenvolvimento e o aprimoramento das habilidades e capacidades humanas por meio da educação e aprendizagem são os principais motores do sucesso econômico, do bem-estar individual e da coesão social. A escassez de habilidades e de competências compromete a capacidade das empresas de aproveitar o potencial de crescimento proporcionado pelas novas tecnologias.  

“No Brasil, carecemos de política pública e de ecossistemas favoráveis. Uma das consequências é a alta taxa de desemprego com número crescente de vagas em aberto por falta de profissionais qualificados”

dora kaufman

Principais conclusões do Relatório: a) o ritmo de adoção das tecnologias deve se acelerar em algumas áreas; b) a adoção de novas tecnologias pelas empresas transformará tarefas, empregos e habilidades até 2025, e 43% das empresas pesquisadas indicam redução da força de trabalho devido à integração de tecnologias; c) as lacunas de competências continuam a ser altas: em 2025, 44% das habilidades que os funcionários precisarão para desempenhar suas funções com eficácia serão alteradas; d) mais de um quarto dos empregadores espera reduzir temporariamente sua força de trabalho, e um em cada cinco espera fazê-lo permanentemente; e) na próxima década, uma parcela não desprezível dos empregos recém-criados será em ocupações totalmente novas, ou ocupações existentes com conteúdos e requisitos de competências transformados; e (f) na ausência de esforços proativos, a desigualdade provavelmente será exacerbada. O setor público precisa fornecer apoio mais forte para a qualificação e a requalificação de trabalhadores em risco ou deslocados.  

A atuação do Fórum é respaldada localmente pelas políticas públicas dos países. Nos EUA, por exemplo, o governo convocou o setor privado a se comprometer com a qualificação/requalificação de sua força de trabalho por meio do Pledge to America’s Workers: mais de 415 empresas do setor privado já se comprometeram com 14,5 milhões de oportunidades de aprimoramento de carreira nos próximos cinco anos. No final de 2019, a França criou uma conta de competências individuais com uma aplicação móvel dedicada à formação profissional e aprendizagem ao longo da vida. Sob a “moncompteformation.gouv.fr”, 28 milhões de trabalhadores elegíveis em tempo integral e parcial receberão € 500 anualmente diretamente em sua conta para gastar em qualificação e aprendizagem contínua, com trabalhadores pouco qualificados e aqueles com necessidades especiais recebendo até € 800 anualmente. Cingapura, recentemente, complementou sua pioneira Iniciativa do Futuro de Competências com a implantação do Pacote de Suporte de Treinamento Aprimorado (ETSP), para apoiar trabalhadores e organizações em investimentos sustentáveis em requalificação e qualificação durante a Covid-19.  

No Brasil, carecemos de política pública e de ecossistemas favoráveis. Uma das consequências disso é a convivência de alta taxa de desemprego com número crescente de vagas em aberto por falta de profissionais qualificados. Algo precisa ser feito, e com urgência.

*Doutora em Mídias Digitais pela USP, pós-doutora pela COPPE-UFRJ e pesquisadora dos impactos sociais de Inteligência Artificial em seu pós-doutorado no Centro de Tecnologias da da Inteligência e Design Digital (TID D|PUC-SP), sob supervisão de Lucia Santaella, e participa do grupo de IA do Instituto de Estudos Avançados e do Centro de Pesquisa Atopos, ambos da USP.

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