meio ambiente
A catastrófica reação em cadeia à seca do rio Paraná
Quando um rio seca, a tragédia é visível. Suas águas desaparecem, dando lugar a uma paisagem terrosa e estampada com novas ilhas
Juliana Gragnani / BBC News Brasil
Por trás dessa imagem, contudo, uma série de eventos catastróficos começam a acontecer em cadeia, como num efeito dominó.
O caudaloso rio Paraná, que percorre quase 5 mil quilômetros desde sua nascente no Brasil até sua foz no Rio da Prata, está secando. Trata-se do segundo maior rio da América do Sul depois do Amazonas, um que alimenta importantes afluentes, como o Iguaçu, onde ficam as cataratas, e que drena o sul do continente - Paraguai, Argentina, Bolívia e o sul do Brasil. É ali, na fronteira entre Brasil e Paraguai, que fica a Usina Hidrelétrica de Itaipu.
A pior seca em 91 anos no Brasil causou uma diminuição histórica das águas do rio, afetando sua navegabilidade, por onde há exportação agrícola e industrial, e quem depende dele para sobreviver. Com a estiagem, sofrem pescadores da beira do rio, trabalhadores de hidrovias, operadores logísticos, empresários do agronegócio e, claro, a população brasileira, vítima da alta de preços e de uma grave crise energética.
Sem contar os vizinhos argentinos e paraguaios, com problemas semelhantes, principalmente em relação ao escoamento de produção.
Essa reação em cadeia a um só evento ilustra temores do que nos espera no futuro, com a emergência do clima e mais eventos climáticos extremos, como previsto no último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre o Clima da ONU). Por causa da ação humana, o planeta está aquecendo, fato que já vem provocando consequências alarmantes. Na América do Sul, o aumento da seca e da aridez é uma das previsões do grupo de cientistas da ONU.
No caso do Paraná, especialistas apontam o desmatamento descontrolado, a crise do clima e ciclos naturais como causas da seca dos últimos anos. A diferença, diz Oscar Fernandez, professor de Geografia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (campus de Marechal Cândido Rondon), é que a população que habita essa região hoje em dia é muito mais numerosa. "Há 91 anos, quando houve uma seca assim nessa região, a população era muito menor, então o impacto sobre a população também era muito menor."
Com tanta gente que depende das águas do rio Paraná - alguns de maneira óbvia, outros de forma indireta -, a BBC News Brasil explica nesta reportagem a reação em cadeia causada por sua seca.
A vida dos peixes e a pesca
"Ao sul de Iguaçu, já tem lugares que pessoas estão passando à pé porque o rio está muito raso", diz Fernandez. E isso afeta diretamente a fauna do rio.
"Com a diminuição da profundidade do rio, o peixe vai perdendo seu habitat, e sua reprodução é afetada. Os peixes têm espaços exclusivos para a desova e espaços para seu desenvolvimento. Todos esses habitats diminuem ou desaparecem com a seca do rio."

O turismo pesqueiro e a pesca para subsistência são atividades comuns no rio Paraná. No trecho do rio do outro lado da fronteira brasileira, na Argentina, há várias colônias de pescadores e relatos de milhares de famílias de pescadores enfrentando uma crise pela seca do rio.
No Brasil, também há registros de que peixes estão sendo afetados. Para guardar água e conseguir suprir a demanda de energia nos próximos meses (mais sobre isso no fim da reportagem), o Ministério de Minas e Energia recomendou que algumas usinas do rio Paraná reduzissem sua vazão.
Entre elas, a Porto Primavera, que fica entre os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul. A diminuição de sua vazão, segundo a Companhia Energética de São Paulo (Cesp), foi "parte de uma forma emergencial de mitigar os efeitos da seca nas demais usinas que compõem o sistema".
Com a redução da vazão, as laterais do rio baixaram e lagoas isoladas se formaram, ameaçando a fauna que vive ali.
Por isso, foi preciso fazer o resgate de peixes. A Cesp diz ter realizado avaliação, rastreio, resgate e transposição de peixes para áreas seguras.
Foram resgatadas cerca de 2 toneladas de peixes nativos, que foram transportados para o leito do rio. Além disso, foram retiradas 2,5 toneladas de peixes mortos. Segundo a Cesp, 90% desses peixes eram de espécies exóticas, da região amazônica, que foram introduzidas na bacia do rio Paraná e são mais sensíveis ao frio.
O uso da hidrovia e a alternativa mais poluente
Uma das principais hidrovias do país, a Tietê-Paraná encerrou os trabalhos em 2021. O motivo? Falta água para viabilizar a navegação.
Pelos 2,4 mil quilômetros de extensão da hidrovia escoam grãos do Centro-Oeste, parte de Rondônia, Tocantins, Minas Gerais e São Paulo. Parte dos produtos seguem em ferrovia ou rodovia para o porto de Santos e saem para exportação - daí a localização da hidrovia ser tão estratégica. O porto de Santos é o maior da América Latina.
Cerca de 3,5 a 4 milhões de toneladas de produtos agropecuários, como milho, soja, cana-de-açúcar e etanol, são transportados por ano por ali, diz o presidente do Sindicato dos Armadores de Navegação Fluvial do Estado de São Paulo (Sindasp), Luizio Rizzo.
A hidrovia já havia ficado paralisada por quase todo 2014 e 2015 também por causa da escassez hídrica. Dessa vez, diz Rizzo, a expectativa é voltar em janeiro.
Segundo ele, a estimativa de produtos agropecuários que seriam levados pela hidrovia entre agora e dezembro é em torno de 1,5 milhão de toneladas. O impacto econômico, estima ele, é de R$ 3,5 bilhões, considerando perdas com transporte, renda geral dos municípios e dos produtores.
Além disso, o fechamento da hidrovia impacta também seus trabalhadores: ao longo do rio, trabalham os estaleiros de manutenção e de construção naval, além dos marinheiros que viajam nas barcaças, com chefe de máquina, cozinheiro, entre outros. Há 1.500 pessoas empregadas diretamente. E há empresas, diz Rizzo, que já demitiram 90% de seus funcionários.

"Esse fantasma da paralisação da hidrovia do Tietê, sem expectativa de retorno, estava nos assombrando", diz Elisangela Pereira Lopes, assessora técnica de infraestrutura e logística da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil.
Outro fechamento como o de 2014-2015 acaba afastando investimentos privados e criando insegurança jurídica, diz ela. Rizzo cita este problema como o mais grave de todos: "Hoje há muitas empresas que querem investir, mas não investem por falta de confiança no modal. As empresas estão recuando com projetos", diz ele.
O dissabor com o desincentivo ao investimento se acentua porque essa forma de transporte é uma das mais sustentáveis e baratas. Lopes elenca as vantagens de uma hidrovia: apesar de ser a matriz de transporte minoritária no Brasil (só 4% dos grãos são transportados assim), a hidrovia é muito mais sustentável que o transporte rodoviário.
Enquanto o transporte por caminhões produz 100 gramas de Co2 a cada tonelada por quilômetro transportado, na hidrovia são 20 gramas. Além disso, é um transporte mais barato, já que carrega muito mais: uma barcaça pode transportar até 6 mil toneladas, enquanto caminhões carregam de 35 a 40 toneladas. O valor chega a ser 35% do valor do transporte rodoviário.
Ou seja, no caso da Hidrovia Tietê-Paraná, que transporta 10 milhões de toneladas de produtos por ano (incluindo os 3,5 milhões de produtos agropecuários), são 250 mil viagens de caminhões retiradas por ano das estradas.
"Caminhões produzem externalidades negativas, como acidentes, depreciação da via, altos custos de transporte e poluição", diz Lopes.
A logística do agronegócio e o consumidor
Assim, a suspensão da hidrovia afeta a logística do agronegócio, que não pode escoar grãos por ali nem subir insumos pelo rio, afetando a safra seguinte.
Com a paralisação da hidrovia, diz Lopes, "o produtor rural terá de assumir o custo, reduzindo sua margem de lucro".
Também entram na conta o embarcador, o transportador, o elo todo, diz ela.

E, como a alternativa rodoviária é mais cara, isso pode chegar até o consumidor. Se os produtos estiverem atendendo o mercado interno, "acaba ficando mais caro também para a sociedade como um todo, para o Brasil", diz Lopes. "O produto chega mais caro na gôndola de supermercado."
Rizzo concorda. "Os produtos vão ter que sair de caminhão e de trem, que têm um frete mais caro que a hidrovia. Quando aumenta o frete, isso acaba refletindo em tudo. Na cadeia, sobe o preço da ração, do óleo… e quando esse produtor for comprar insumo, como aumentou o preço do frete, vai encarecer o fertilizante que ele vai comprar. No final da conta, quem paga somos nós. Vai refletir na mesa do consumidor", diz.
Exportação dos países vizinhos
Apesar de o Brasil sofrer com a seca do rio, são nossos vizinhos que pagam uma conta mais alta.
O Paraguai, por exemplo, exporta a maior parte de sua produção por meio do transporte fluvial. O país utiliza a via do rio Paraguai, que nasce no Brasil, passa pela Bolívia, atravessa o Paraguai e se junta ao rio Paraná. Por meio desse extenso caminho da hidrovia Paraguai-Paraná, o Paraguai leva cargas a portos do Uruguai e da Argentina para exportação.
A Argentina, maior exportador de farelo de soja do mundo, também sente a crise, já que utiliza o rio Paraná para escoar sua produção pelo porto de Rosário. Como os produtores brasileiros, os argentinos estão tendo de buscar outras rotas para exportar sua carga, aumentando o custo do frete. Além disso, navios já tiveram de cortar a quantidade de carga que estão transportando para poder navegar no rio.
O presidente da Argentina, Alberto Fernández, declarou em julho um estado de emergência hídrica durante 180 dias em diversas províncias, incluindo a de Buenos Aires.

A crise de energia
Com a pior crise hidrológica desde 1930 e um país que produz a maior parte de sua energia por meio de hidrelétricas (63,2%, segundo dados do ONS), é possível que o Brasil tenha problemas na geração de energia elétrica. Nos últimos sete anos, os reservatórios das usinas no país receberam volume de água inferior à média histórica, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
O ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque fez um pronunciamento em cadeia nacional na semana passada sobre a crise energética. Ele pediu que a população desligasse luzes e aparelhos fora de uso, reduzisse o uso de chuveiros elétricos, aparelhos de ar-condicionado e ferro de passar roupa.
"O período de chuvas na região Sul foi pior que o esperado. Como consequência, o nível dos reservatórios de nossas usinas hidrelétricas das regiões Sudeste e Centro-Oeste sofreram redução maior que a prevista", declarou.
O temor é que o país não tenha energia elétrica suficiente para atender a demanda nos horários de maior consumo no fim do ano, com risco de apagão.
O rio Paraná entra nessa conta, claro - faz parte da bacia com maior capacidade instalada de geração de energia hidroelétrica no país, por volta de 60%. Além disso, cerca de um terço da população brasileira vive nesta região.
Para Paulo César Cunha, consultor da área de energia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o conjunto de bacias que deságuam na bacia do Paraná é "a mais relevante" do Brasil. "É nosso principal conjunto de rios e barragens, onde ficam os principais sítios de geração de energia."
Uma seca nessa região, portanto, "é preocupante".
A seca afeta a geração de energia de duas formas, ele explica: na vazão da água, ou seja, a quantidade de água que passa nas turbinas, e na altura da água do rio, que define a potência de energia que a máquina consegue produzir.

Em um estudo prospectivo de agosto deste ano, o ONS declarou que "os níveis de armazenamento dos reservatórios localizados na bacia do rio Paraná não se recuperaram de forma satisfatória ao longo do período úmido 2020/2021".
A situação hidrológica da bacia do rio Paraná, que engloba as bacias dos rio Paranaíba, Grande, Tietê e Paranapanema, é "crítica", e as usinas dessa bacia são "de extrema importância para a operação do SIN (o Sistema Interligado Nacional, ou sistema de produção e transmissão de energia elétrica do Brasil), pois os recursos neles estocados são capazes de garantir energia nos períodos secos, quando não há contribuições significativas das usinas instaladas na região Norte do País", diz o relatório.
Por isso a diminuição da vazão adotada em algumas usinas, com o objetivo de guardar água para a geração de energia. "Só que isso prejudica os outros usos da água, como a navegação, a pesca e a irrigação", diz Cunha.
O relatório da ONS diz que não há expectativas de chuva que proporcionem melhoria nos armazenamentos dos reservatórios até o próximo período chuvoso e que, "considerando a relevância hidroenergética das usinas hidroelétricas localizadas na bacia do rio Paraná (...), a situação hidroenergética desfavorável na qual se encontra a bacia do rio Paraná requer atenção".
Na perspectiva de médio prazo, avalia Cunha, a situação é "muito ruim". Os anos seguidos com poucas águas vai fazendo o terreno ficar "impróprio, muito seco", diz ele. "Até conseguir uma nova situação de água acumulada que permita voltar à normalidade, teria que ter bastante água por bastante tempo."
Contudo, para ele, até o final de 2021, o país terá condições para gerar energia. "Sempre tem o risco de apagão, e o risco aumentou. Mas 2022 é uma incógnita. Se as chuvas que começarem em novembro forem tão ruins como do ano passado, será preocupante. O que pode salvar 2022 é a chuva do período úmido."
De qualquer forma, o preço da energia já subiu. A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) anunciou na semana passada uma nova modalidade de bandeira tarifária, a "Escassez Hídrica", com valor de R$ 14,20 /100 kWh, que já entrou em vigor e terá validade até 30 de abril de 2022. O Ministério de Minas e Energia estimou que a nova bandeira gerará aumento de 6,78% na tarifa de luz para os consumidores.
"O preço sobe, os custos de maneira geral sobem, e espera-se que o consumo se reduza", diz Cunha. "Isso tem interferência no conforto e na produção: surtos de crescimento econômico acabam sendo frustrados porque a energia fica tão cara que as pessoas não conseguem usar adequadamente", diz ele, citando mais algumas das reações em cadeia à seca nessa região.
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58441586
Amazônia: Área de 500 mil campos de futebol é devastada em apenas um ano
464 mil hectares da Floresta Amazônica foram alvos de ações — legais ou ilegais - em apenas um ano
Arthur Leal / O Globo
RIO — Um estudo com base em imagens produzidas por satélites concluiu que, em apenas um ano, 464 mil hectares da Floresta Amazônica foram afetados pela exploração madeireira. A área equivale a quase três vezes a cidade de São Paulo ou meio milhão de campos de futebol. O levantamento, feito pela Rede Simex, com participação integrada do instituto Imazon e das ONGs Idesam e Imaflora, foi publicado à véspera do Dia da Amazônia, que é celebrado neste domingo (5).
Dia da Amazônia: Entenda tudo sobre a degradação do bioma e como as ameaças à floresta impactam a vida dos brasileiros
Os dados mostram que mais da metade destes desmatamentos, entre agosto de 2019 e julho de 2020, aconteu no estado do Mato Grosso (50,8%). O estado também lidera o ranking de mais explorações em terras indígenas. Por lá, ao todo, 236 mil hectares foram alvo da exploração madeireira. Houve sinal de exploração também no Amazonas (71 mil hectares), Rondônia (69,7 mil hectares), Pará (50 mil hectares), Acre (27,4 mil hectares), Roraima (9,4 mil hectares) e Amapá (730 hectares).
O estudo reforça que ainda não é possível apontar quantos destes hectares foram explorados com autorização dada pelo governo, pois vários dos estados não divulgam essas informações. Os pesquisadores cobraram maior transparência por parte dos governos.
Descaso: Do Rio Negro e de igarapés, 27 toneladas de lixo são coletadas diariamente
A maioria das áreas exploradas no período, segundo o relatório, concentra-se em imóveis rurais cadastrados (362,4 mil hectares, 78% do total). Os números destas categorias fundiárias também geram alerta. Houve registro também de perda de madeira em terras indígenas (24,8 mil hectares, 5% do total), em unidades de conservação (28,1 mil hectares, 6% do total), em assentamentos rurais (19 mil hectares, ou 4% do total), vazios cartográficos (17,9 mil hectares, ou 4% do total), e também em terras consideradas como "não destinadas" (12 mil hectares, ou 3% do total).
Os 464 mil hectares com exploração madeireira
- Mato Grosso — 50,8% do total — 236.091 hectares explorados
- Amazonas — 15,3% do total — 71.092 hectares explorados
- Rondônia — 15% do total — 69.794 hectares explorados
- Pará — 10,8% do total — 50.139 hecctares explorados
- Acre — 5,9% do total —27.455 hectares explorados
- Roraima — 2% do total — 9.458 hectares explorados
- Amapá — 0,2% do total — 730 hectares explorados
Raio-X das áreas mais afetadas
- Imóveis cadastrados: 362.428 hectares, 78% do total
- Terras não destinadas: 12.291 hectares, 3% do total
- Terras indígenas: 24.866 hectares, 5% do total
- Unidades de conservação: 28.112 hectares, 6% do total
- Assentamentos rurais: 19.016 hectares, 4% do total
- Vazios cartográficos: 17.956 hectares, 4% do total
Maitê Piedade:'As enchentes na Amazônia eram a cada 10 anos; agora são entre 2 ou 3'
Municípios mato-grossenses lideram ranking de exploração
- Aripuanã (MT) — 30.666 hectares
- Colzina (MT) — 29.999 hectares
- Porto Velho (RO) — 29.646 hectares
- Manicoré (AM) — 21.038 hectares
- Lábrea (AM) — 20.288 hectares
- Nova Maringá (MT) — 14.682 hectares
- Feliz Natal (MT) — 13.189 hectares
- Marcelândia (MT) — 13.089
* Título original modificado para publicação no portal da FAP
Garimpo na Amazônia revolta indígenas, assusta estudiosos e mobiliza Senado
O PL 490/2007 altera uma norma que tem quase 50 anos, o Estatuto do Índio (Lei 6.001, de 1973)
Nelson Oliveira / Agência Senado
Durante fala emocionada na Comissão de Meio Ambiente (CMA), a líder mundurucu Alessandra Korap descreveu como branca e barrenta a água do Rio Tapajós, curso d’água que nasce em Mato Grosso, banha parte do Pará e desagua no Rio Amazonas, em frente à cidade de Santarém, a cerca de 695 quilômetros de Belém. Contendo 6% das águas da Bacia Amazônica, a Bacia do Tapajós é mais uma área poluída e assoreada pelos garimpos que crescem vertiginosamente na Amazônia.
Realizada em 25 de agosto, a audiência pública debateu o projeto do marco temporal. O texto determina que índios só podem reivindicar as terras ocupadas por eles até 1988, ano de promulgação da Constituição. O PL 490/2007 altera uma norma que tem quase 50 anos, o Estatuto do Índio (Lei 6.001, de 1973).
— A Funai não está do lado dos povos indígenas. Eles só querem saber de mineração, de madeira, de deixar o nosso rio sujo. A gente vê o Rio Tapajós, que é o mais lindo do mundo, infelizmente está sujo. Se você vai na beira do rio, principalmente entre Itaituba e Jacareacanga, a água é branca, branquíssima. A gente bota o remo e vê a lama que vem do garimpo — denunciou Alessandra.


































A denúncia mobilizou os senadores Jaques Wagner (PT-BA) e Confúcio Moura (MDB-RO), respectivamente presidente e vice da CMA. Confúcio se comprometeu a apoiar a causa dos índios e a “resistir bravamente ao projeto quando ele chegar ao Senado”.
Wagner disse que ficou “contaminado positivamente” pelas palavras de Alessandra. O senador criticou a aprovação de propostas legislativas diretamente pelos Plenários do Senado e da Câmara, sem o exame aprofundado nas comissões temáticas, e classificou como “fundamental” combater a violência contra os índios.
— Há uma corrida, uma marcha da insensatez no sentido de aprovar tudo sob o guarda-chuva da epidemia de covid-19. Estamos transformando o Plenário numa grande comissão. [...] Ninguém vive o drama da demarcação sem se envolver emocionalmente e tivemos aqui depoimentos contagiadores da alma.
O senador criticou também a atitude dos que se indiguinam com costumes absurdos no exterior sem se dar conta de que no Brasil querem impor um modelo de desenvolvimento e de vida:
— Desenvolvimento é desenvolvimento ou erniquecimento de alguns? Tudo é terra para mais gado ou mais ouro? Não estou dizendo que esses não sejam valores, mas a isso aí vamos na usura sem limites?
A participação de Alessandra foi seguida do depoimento do líder ianomâmi Davi Kopenawa, de Roraima. De acordo com ele, a mineração é um dos grandes males levados pelos brancos aos territórios dos povos originários, que continuam a ser invadidos e saqueados mais de 500 anos depois do descobrimento do Brasil:
— A sociedade [branca] veio atravessando o mar de canoa grande [caravelas] pra invadir o Brasil. Eu queria dizer o nome do homem que pisou as nossas terras, olhou e cresceram os olhos. O nome dele é Pedro Alvares Cabral. O povo indígena já estava aqui morando, vivendo, cuidando da terra para a neta, criando nossos filhos. O índio não é destruidor, não precisa desmatar muito como o branco faz. A natureza já criou muitas arvores boas e variadas. Eu pensava que o homem [branco] era inteligente, mas ele é inteligente pra outras coisas: destruir a terra, sujar a água, matar peixe e matar o povo indígena. Isso não pode ser assim, não!

Cinco dias antes do debate, a CMA havia sido palco de outra discussão sobre os efeitos danosos da exploração de recursos naturais. Coordenada pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), a audiência analisou a Política Nacional sobre Mudanças Climáticas (PNMC) e serviu para instruir o relatório que será levado à 26ª Conferência sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP26), em Glasgow, na Escócia. Na cúpula, que termina em 12 de novembro, serão firmados os próximos passos para a implementação do Acordo de Paris, o mais importante compromisso multilateral para o clima em anos recentes.
Para avaliar a política climática sob responsabilidade do governo federal, identificar falhas e omissões e propor recomendações, a senadora convidou estudiosos e ambientalistas a analisarem a atuação do Poder Executivo na prevenção e controle de desmatamentos e queimadas na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal. O resultado foi um conjunto de observações negativas, que traçam um cenário de devastação ecológica no rastro da desarticulação de atividades como o monitoramento e a fiscalização ambiental, além da repressão a desmatadores, grileiros, incendiários e garimpeiros.
Segundo o pesquisador do Instituto Socioambiental Antonio Oviedo, a mineração na Amazônia Legal degradou 39,6 mil hectares de terras públicas e privadas, sendo 8,7 mil (22%) somente em áreas indígenas, de 2017 a 2021. A destruição atingiu 20,9 mil hectares em unidades de conservação federal e 9,5 mil em terras fora de áreas de proteção. Os dados são do sistema Deter (Detecção de Desmatamento em Tempo Real), levantamento rápido de alertas de evidências de alteração da cobertura florestal na Amazônia operado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O Deter dá suporte ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e demais órgãos ligados ao tema na fiscalização e no controle do desmatamento e da degradação florestal.




















































Um problema ambiental normalmente não aparece sozinho; muitas vezes ocorre em paralelo ou em associação a outros. O desmatamento em terras indígenas da Amazônia Legal, por exemplo, alcançou 1,6 milhão de hectares entre 2009 e 2018, conforme dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), também operado pelo Inpe. Oviedo chamou a atenção da CMA para a aceleração da prática nos dois primeiros anos do atual governo (2019-2020): 44,9 mil hectares desmatados por ano, aumento de 100% em relação à média observada entre 2009 e 2018, de 22,4 mil hectares/ano.
Já as queimadas na região cresceram de 587,8 mil focos em 2018 para 1,1 milhão em 2020, segundo dados da Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos. Só de janeiro a agosto deste ano, os focos atingiram 337,8 mil, com crescimento de 20% em relação ao mesmo período de 2020.
— O desmatamento, em especial na Amazônia, puxa o crescimento das emissões brasileiras de gases de efeito estufa prejudiciais ao clima. São 968 milhões toneladas de dióxido de carbono, 44% do total das emissões do país — disse o pesquisador.
Oviedo cobrou “ações de fiscalização e controle que sejam capazes de fazer cessar os ilícitos e, assim, resguardar os povos indígenas e populações tradicionais”. Entre essas medidas estão a retirada de invasores e a retomada dos processos de demarcação das terras indígenas, além do “imediato cancelamento de Cadastros Ambientais Rurais (CAR) sobrepostos a essas áreas”.
O pesquisador também defendeu a rejeição de dois projetos que, segundo ele, facilitam o desmatamento na Amazônia Legal. O PL 2.159/2021, em tramitação no Senado, muda as normas do licenciamento ambiental; E o PL 191/2020, em debate na Câmara, estabelece as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos (petróleo e gás natural) e para o aproveitamento de recursos hídricos destinados à geração de energia elétrica em terras indígenas. O texto institui indenização aos índios pela restrição do usufruto de suas terras.

Em evidência por causa dos 6 mil índios que acompanham em Brasília o julgamento do marco temporal pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a questão da exploração dos recursos minerais em terras indígenas ganhou mais amplitude na última semana de agosto, quando foram divulgados dados inéditos pela organização de pesquisa MapBiomas. Analisando imagens de satélites da Nasa com o auxílio de inteligência artificial, os pesquisadores constataram que a área ocupada pela mineração no Brasil cresceu mais de 6 vezes entre 1985 e 2020: de 31 mil hectares em 1985 para um total de 206 mil hectares no ano passado. E boa parte desse crescimento se deu mediante a expansão na Floresta Amazônica.
Em 2020, três em cada quatro hectares minerados no Brasil se localizavam na região. A Amazônia concentra 72,5 % (149.393 hectares) de toda a área de mineração, incluindo a industrial e o garimpo, sendo que 101.100 hectares (67,6%) referem-se a garimpos.
Os dados também mostram que a quase totalidade do garimpo do Brasil (93,7%) concentra-se na Amazônia. No caso da mineração industrial, o bioma responde por praticamente metade (49,2%) da área ocupada por essa atividade no país.
A atividade garimpeira superou a área associada à mineração industrial em 2020: 107.800 contra 98.300 hectares, respectivamente. Enquanto o crescimento da mineração industrial se deu de forma gradual e contínua, a um ritmo de 2,2 mil hectares por ano entre 1985 e 2020, no caso do garimpo a situação foi bem diferente: o avanço, que era baixo entre 1985 e 2009, em torno de 1,5 mil hectares por ano, quadruplicou para 6,5 mil hectares por ano a partir de 2010.
Há uma outra diferença entre a mineração industrial e o garimpo, de acordo com os estudiosos do tema: embora não deixe de oferecer danos, como se viu nos acidentes em Mariana e Brumadinho (MG), a primeira está mais sujeita à fiscalização, em contraponto ao alto grau de informalidade da procura desenfreada por ouro, o mineral mais ambicionado pelos aventureiros. Enquanto a produção de ferro (25,4%) e alumínio (25,3%) respondem por metade da área de mineração industrial, 86,1% da área garimpada está relacionada à extração de ouro.
“Existe uma mensagem clara no governo estimulando essa atividade. Hoje nós temos garimpeiros que atuam na ilegalidade e que acreditam que o Estado não vai puni-los e que, mais do que isso, vai legalizar essa atividade hoje”, disse durante o evento virtual do MapBiomas o procurador da República Gustavo Kenner Alcântara.
“O fato é o enfraquecimento mesmo dessas instituições como o IBAMA, até como a Agência Nacional de Mineração. Eles não têm recursos pra fazer as operações de fiscalização e ir em campo combater esse tipo de crime. A gente já sabe onde acontece esses crimes”, disse Larissa Rodrigues, do Instituto Escolhas.

"Pela primeira vez, a evolução das áreas mineradas é apresentada para a sociedade, mostrando a expansão de todo o território brasileiro desde 1985. Trata-se de dados inéditos que permitem compreender as diferentes dinâmicas das áreas de mineração industrial e garimpo e suas relações, por exemplo, com os preços das commodities, com as unidades de conservação e terras indígenas", afirmou Pedro Walfir, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) e coordenador do Mapeamento de Mineração no MapBiomas.
Segundo ele, agora já se pode apontar quais são as lavras permitidas e quais são as não autorizadas:
"As que ocorrem dentro de terras indígenas e em unidades de conservação e áreas de proteção integral são, por princípio, ilegais".
Os dados dos satélites confirmam a razão das queixas dos líderes indígenas na Comissão de Meio Ambiente. De 2010 a 2020, a área ocupada pelo garimpo dentro de terras indígenas cresceu 495%. Nas unidades de conservação, o crescimento foi de 301%. Em 2020, metade da área nacional do garimpo estava em unidades de conservação (40,7%) ou em terras indígenas (9,3%). Conforme o MapBiomas, as maiores áreas de garimpo em terras indígenas estão em território caiapó (7.602 hectares) e mundurucu (1.592 hectares), no Pará, e ianomâmi (414 hectares), no Amazonas e em Roraima.
Entre as dez unidades de conservação com maior atividade garimpeira, oito ficam no Pará. As três maiores são a Unidade de Proteção Ambiental (APA) do Tapajós (34.740 hectares), a Floresta Nacional (Flona) do Amaná (4.150 hectares) e o Parque Nacional (Parna) do Rio Novo (1.752 hectares). E todos os dez municípios com maior área garimpada ficam no sul do Pará e norte de Mato Grosso, com Itaituba, Jacareacanga e São Félix do Xingu nas três primeiras posições.
"Os produtos da mineração são fundamentais para o desenvolvimento de uma economia de baixo carbono. Esperamos que estes dados contribuam para a definição de estratégias para acabar com as atividades ilegais e estabelecer uma mineração em bases sustentáveis respeitando as áreas protegidas e o direito dos povos indígenas e atendendo os mais elevados padrões de cuidado com a biodiversidade, solo e a água", afirmou Tasso Azevedo, coordenador-geral do MapBiomas.
Veja trechos da audiência pública da Comissão de Meio Ambiente
com as lideranças indígenas Alessandra Korap e Davi Kopenawa
Saiba mais
- Acesse os dados completos sobre a mineração no site do MapBiomas
- Assista a reunião da Comissão de Meio Ambiente sobre o Marco Temporal
- Assista a reunião da CMA sobre a política de enfrentamento às mudanças do Clima
- Desigualdade e abusos na pandemia impulsionam cobranças por Direitos Humanos
Reportagem: Nelson Oliveira Pauta, coordenação e edição: Nelson Oliveira Coordenação e edição de multimídia: Bernardo Ururahy Foto de capa: Garimpo ilegal na Terra Indígena Kayapó / Divulgação
Fonte: Agência Senado
https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2021/09/garimpo-na-amazonia-revolta-indios-assusta-estudiosos-e-mobiliza-senadores
Relatório mostra que o Brasil caminha na contramão do mundo
Documento aponta ameaças ao meio ambiente e às populações mais vulneráveis no país
Helio Mattar / Folha de S. Paulo
Em julho, foi divulgado o Relatório Luz, um panorama do andamento da implementação dos 17 ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) no Brasil. Fruto do esforço do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030, coalizão com mais de 50 organizações não governamentais e fóruns brasileiros, o documento envolveu a análise de mais de cem especialistas de diversas áreas sobre dados oficiais relativos às 169 metas para a Agenda 2030.
O documento mostra que mais da metade das metas brasileiras tiveram retrocesso em sua execução (54,4% ou 92 metas), 16% estão estagnadas (27) e 12,4% ameaçadas (21). Ou seja, o país caminha na contramão dos seus compromissos com a ONU.
Isso não é surpresa, pois a CNODS (Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável), mecanismo de governança dos ODS no Brasil, foi extinta em abril de 2019 pelo presidente Bolsonaro, desconsiderando o acordo assinado pelo país na ONU, um compromisso de Estado que deveria estar acima de governos, partidos e ideologias.
Um veto presidencial excluiu também as metas dos ODS do Plano Plurianual 2020-2023, simbolizando um ataque direto à construção das ações e aos compromissos com a Agenda 2030. Foi negligenciada a responsabilidade dos poderes da República com os desafios de desenvolvimento abordados pelos ODS na busca de acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima, e de garantir que os brasileiros possam desfrutar de paz e de prosperidade.
Nesta coluna, vou focar no ODS 13, que fala do combate às mudanças climáticas. Faço essa escolha pela enorme crise evidenciada nesse tema em outro relatório recém lançado, o do IPCC, e que não vem sendo considerada com a devida seriedade pelo governo brasileiro.
Com o ápice do negacionismo e do desmonte de políticas ambientais, fica claro que o combate à crise climática inexiste como objeto de política pública federal. Assim, apesar dos esforços feitos por organizações da sociedade civil e empresas, não surpreende que todas as metas deste ODS 13 tenham tido retrocesso.
A principal evidência de retrocesso está no relatório SEEG: desde 2010, o país elevou em quase 30% a quantidade de emissão de GEE (gases de efeito estufa) despejada na atmosfera todos os anos, com destaque para os 9,6% de aumento em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro.


































O Brasil é o 6º maior emissor de GEE, sendo o desmatamento e a agropecuária as maiores fontes de emissão. A diferença entre o planejado na Política Nacional de Mudança do Clima de 2009 e o que de fato aconteceu pode ser visto pela meta de 2009, que previa uma perda de floresta em 2020 de no máximo 3.925 km², mas, somente entre 2018 e 2019, quase 11 mil km² foram destruídos, praticamente três vezes mais e o maior volume desde 2008.
Frente à gravidade da informação, vale ressaltar que o relatório do IPCC apresenta cenários em que sumidouros de carbono se transformam em fonte, emitindo CO2 em vez de absorvê-lo, o que já é uma realidade na floresta amazônica, onde uma combinação de aquecimento local com desmatamento levou regiões a emitir mais gases do que capturam, representando graves riscos para a segurança alimentar e hídrica do país e para a preservação da biodiversidade.
Diante desse cenário, é improvável que o Brasil consiga cumprir a meta da NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) para 2025, mesmo sendo ela pouco ambiciosa ao prever uma redução das emissões de GEE em 37%.
Outro impacto apontado no Relatório Luz é que, em 2018, o Brasil teve 86 mil pessoas deslocadas internamente por conta de desastres e, segundo o Relatório sobre as Migrações no Mundo 2020, neste mesmo ano, 1 milhão de brasileiros foram prejudicados por cheias e inundações e 43 milhões atingidos por secas e estiagens, quase 90% deles residentes no Nordeste.
Episódios climáticos extremos, portanto, já causam impactos negativos na sociedade e as populações mais vulneráveis são as que mais sofrem com isso.
O governo federal também segue sem implementar o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, cujo objetivo é promover a gestão dos efeitos adversos da crise no país. O orçamento com prevenção de desastres foi o menor em 11 anos —R$ 306,2 milhões, em 2019, contra R$ 4,2 bilhões, em 2012, agravado pela realização de menos de um terço do orçamento.
E mais: o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, para financiamento de projetos e estudos para a redução de emissões, corre o risco de ser extinto e as ações de educação climática foram desarticuladas, como mais uma vítima da negação da ciência, comprometendo a criação de habilidades essenciais para lidar com grandes problemas futuros.
Frente ao desinteresse federal, municípios, estados e arranjos cooperativos têm protagonizado movimentos visando cumprir as metas do ODS 13.
Destaca-se a carta das secretarias estaduais de meio ambiente com 17 pontos para política de clima, assim como a atitude da cidade de Recife, a primeira a decretar emergência climática, comprometendo-se a agir para se tornar carbono zero até 2050. Destaca-se também a atuação vigilante e propositiva da sociedade civil organizada por meio de redes de articulação, como o Observatório do Clima e a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.
Como recomenda o Relatório Luz, é essencial reativar estruturas de governança, disponibilizar recursos orçamentários e humanos adequados e cumprir os compromissos firmados relativos à crise climática. É urgente que a sociedade exerça o papel importantíssimo de pressionar e exigir do governo que o Brasil tome um caminho diferente, na direção de ações de combate efetivo ao aquecimento global.
E, como vem insistindo o Akatu, a educação para o consumo consciente e a sustentabilidade deve ser expandida, pois é essencial para que as novas gerações tenham esses temas entre seus valores fundamentais.
O prazo é curto: de acordo com o relatório do IPCC, as emissões climáticas devem ser limitadas a 6 anos do que hoje se emite para evitar ultrapassar 1,5°C de aumento na temperatura, o que seria desastroso em termos de aprofundamento dos problemas, tornando alguns deles irreversíveis. A mudança deve começar já.
Helio Mattar é diretor-presidente do Instituto Akatu, foi secretário de Desenvolvimento da Produção do Ministério da Indústria e Comércio Exterior (1999-2000).
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helio-mattar/2021/08/relatorio-mostra-que-o-brasil-caminha-na-contramao-do-mundo.shtml
Fernando Gabeira: Os super-homens tropicais
É preciso fazer campanhas de uso racional de água e energia e, se dependermos do governo, isso não sairá
Fernando Gabeira / O Globo
Todos tememos um pouco as pessoas a quem perguntamos se está tudo bem e que respondem com longas reclamações, recheadas de detalhes.
Eu arrisco ser uma dessas pessoas, quando volto de algumas viagens pelo interior do Brasil. Não está tudo bem. O inverno foi duro, e as geadas em algumas regiões destruíram cafezais, milharais e até bananeiras.
Nem sei se vi tudo bem, porque me desloquei no meio de nuvens de poeira que a seca trouxe para as estradas secundárias do Sudeste. As cachoeiras, em grande número, tornaram-se discretos filetes de água, como é o caso da Rasga Canga, no Parque Nacional da Serra da Canastra.
A seca me pareceu uma realidade tão nítida, e a crise hídrica tão evidente, que não posso me calar sobre ela, embora saiba que nem sempre esses problemas interessem.
Acontece que, além da escassez de água, caminhamos para a falta de energia. Na verdade, a escassez de água não é apenas um dado conjuntural: perdemos 15,8% de nossa água doce nas últimas três décadas.
Por que menciono algo tão áspero como seca, nuvens de poeira, cachoeiras minguantes? Porque é preciso fazer campanhas de uso racional de água e energia e, se dependermos do governo, isso não sairá. Assim como não saiu a vacinação antes que fizéssemos uma tremenda gritaria.
A mesma tendência a negar está presente agora. O governo considera o voto impresso o principal problema do Brasil. O desmatamento progressivo só interessa na medida em que possam faltar árvores que dão o papel para imprimir os votos.
Menciono a insistência oficial em negar a realidade, mas queria vê-la sob outro ângulo também. O ministro da Educação afirmou que o governo não quer saber de inclusivismo, de integração nas escolas de pessoas com deficiência, porque atrapalham o ritmo dos trabalhos.
Sempre acreditei em incluir essas pessoas nas escolas. Sei que não basta a vontade, mas também a criação de condições para que isso aconteça com eficácia.
Minha filha é psicóloga e professora. Ela vê a inclusão como um dos aspectos mais importantes de seu trabalho.
Entre outras características, temos essa que nos coloca como indesejáveis para o governo Bolsonaro.
Gostaria de lembrar um grande nome da cultura alemã: Nietzsche. Foi um brilhante filósofo preocupado em libertar as pessoas de consolos em outro mundo, para que vivessem alegremente sua vida terrena.
Mas Nietzsche foi um pouco longe, na medida em que afirmava que, quanto mais solitária, mais forte seria a pessoa para suportar sua liberdade. Ele achava a comunidade uma ilusão, e sua filosofia tornou-se um risco ecológico e político. Vivemos num mundo que precisamos proteger e entre pessoas com quem precisamos colaborar.
A empatia era uma lacuna na filosofia de Nietzsche, e ele acabou inspirando algumas ideias do nazismo. O governo Bolsonaro foi também atingido por alguns dos humores dessa ácida concepção. O pavor de uma política de inclusão não o iguala ao nazismo, mas revela que pertence à mesma família política.
Nesse diálogo, lembro também apenas que não podemos seguir o caminho dos adversários e excluí-los da humanidade porque seu coração secou. Isso não significa que devamos deixar de responsabilizar essas ideias quando se apresentam numa visão de pandemia que acabou contribuindo para a morte de milhares de pessoas.
Sei que é difícil explicar que um governo com vontade de exclusão tenha apoio de muitos grupos religiosos. Mas essa contradição, trabalho num outro momento.
Não só pela empatia, como pela própria eficácia, a política de inclusão deve seguir sendo nosso horizonte na vida social. Sigamos em frente. Eles não querem o inclusivismo, não queremos o exclusivismo. Estamos empatados. Veremos adiante para quem a História sorrirá.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/os-super-homens-tropicais.html
Relatório aponta crise climática mais 'preocupante' para o Brasil
Essa é uma das conclusões do relatório Estado do Clima 2020 recém-publicado pela Sociedade Meteorológica Americana
Matt McGrath / BBC News
Informações preliminares neste início de ano já confirmavam que 2020 tinha batido recordes de temperatura no continente - além de ser um dos três anos mais quentes em todo o mundo. Agora, o relatório aponta que a diferença em relação a anos anteriores foi significativamente mais alta do que se pensava anteriormente.
Além de 1,9°C mais quente do que a média de longo prazo, a temperatura média em 2020 foi 0,5°C superior ao recorde anterior.
"Esse nível de diferença - que é grande - à média de longo prazo anterior é algo preocupante", comentou Robert Dunn, cientista climático sênior na Agência Britânica de Meteorologia.
Confira o relatório (em inglês)
"É algo a se prestar atenção, mas não são apenas as temperaturas que estão aumentando - são também os eventos extremos e as ondas de calor que estamos observando neste ano e vimos no ano passado. Estamos vendo isso ao redor do mundo."
Outros pesquisadores concordaram que a escala da onda recorde de calor na Europa é alarmante.
"A diferença em relação ao recorde anterior deve nos preocupar a todos", afirmou a professora de sistemas climáticos Gabi Hegerl, da Universidade de Edimburgo, que não está envolvida com o estudo.
"As temperaturas europeias são bem medidas e há registros delas desde o início da industrialização e até antes disso, a partir de evidências documentais e registros. Esse contexto de longo prazo reforça o quão incomum este calor é."
O calor registrado no continente europeu fez com que fossem observadas enormes diferenças das médias de temperatura de longo prazo - em países como Estônia, Finlândia e Letônia, a alta foi de 2,4°C, por exemplo, o que é considerado uma anomalia.
BIOMAS




























Brasil e América do Sul
O relatório também destaca a "ampla seca" vivida no ano passado na América do Sul, "claramente visível nas anomalias fortes e secas encontradas no centro de Brasil, Bolívia, Paraguai e Argentina".
"Uma região que claramente se destaca com uma anomalia seca severa é o Pantanal, que viveu sua pior seca em 50 anos, e mais de um quarto de sua área foi queimado", diz o relatório.
O texto também destaca que as chuvas ficaram abaixo do normal na maior parte do centro do continente sul-americano, incluindo os Andes e o Pantanal.
Em entrevista recente à BBC News Brasil, o cientista Carlos Nobre explicou que a tendência é de que tenhamos, no Brasil, secas cada vez mais prolongadas e temporadas de chuvas mais curtas em grande parte do país - fenômeno que causa, neste momento, uma crise hídrica que ameaça o abastecimento de energia.
No mundo, de modo geral, as precipitações não foram baixas, em uma clara resposta ao excesso de calor. A total evaporação foi bem acima da média - e a umidade acabou tornando ainda pior a sensação de calor em algumas partes.

Ártico
Outra região que está vivenciando um aquecimento veloz é o Ártico: as temperaturas em terra alcançaram novas altas preocupantes, 2,1°C acima da média registrada entre 1981 e 2010. As temperaturas chegaram ao nível mais alto desde o início dos registros, há 121 anos.
Juntos, os indicadores mostram o que um dos editores do relatório chama de "nosso novo normal" climático.
"Esse relatório acompanha de perto (as descobertas) do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU), que não poderia ser mais claro em suas mensagens", argumenta a especialista Kate Willett, também da agência climática britânica.
"Nosso clima mudou e provavelmente vai continuar a mudar a não ser que o motivador principal, os gases de efeito estufa, sejam contidos. O que estamos vendo já está exaurindo nossa sociedade e nosso ambiente."
A concentração de gases do efeito estufa também foi a mais alta já registrada, apesar de muitos países terem reduzido suas emissões por conta da desaceleração econômica causada pela pandemia.
E o nível global dos mares foi o mais alto já registrado, tendo aumentado pelo nono ano consecutivo.
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/geral-58337819
Luiz Carlos Azedo: Onze teses negacionistas
Negacionismo utiliza preconceitos para construir teorias conspiratórias. Manipulação da informação explora a boa-fé e a ignorância
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Por definição, negacionismo é o ato de negar uma informação estabelecida em bases científicas, ou seja, amplamente estudada e comprovada. Suas características são a manipulação de informações, a utilização de falsos especialistas e as teorias conspiratórias. O negacionista assume uma postura irracional e ideológica, prefere acreditar em informações falsas e sem comprovação, despreza ciência e refuga as verdades inconvenientes. Na ciência, destacam-se o negacionismo do aquecimento global e o da esfericidade terrestre; na História, o do Holocausto. O Brasil vive uma onda negacionista, liderada pelo presidente Jair Bolsonaro e filhos.
O negacionismo utiliza os preconceitos e o senso comum para construir teorias conspiratórias. A manipulação da informação é fundamental, geralmente por falsos especialistas, que exploram a boa-fé e a ignorância. Com o advento das redes sociais, utiliza-se em larga escala das fake news, formando grandes correntes de propagação de mentiras. São teses negacionistas:
1. Gripezinha — desde o começo da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro adotou uma política negacionista em relação à gravidade da pandemia da covid-19 e defendeu a chamada “imunização de rebanho”, cuja consequência foi o descontrole sobre a propagação da doença. O número de mortos se aproxima de 600 mil.
2. Cloroquina — em vez de providenciar a imunização em massa da população, Bolsonaro defendeu o uso indiscriminado de um “coquetel” ineficaz contra a doença, formado por hidroxi- cloroquina, ivermectina, nitazoxanida, azitromicina, vitamina D e zinco. Uma CPI no Senado investiga a máfia que se formou no Ministério da Saúde para ganhar dinheiro sujo com a pandemia.
3. Vírus chinês — nas redes sociais, disseminou-se a tese de que o novo coronavírus, de procedência chinesa, teria sido produzido em laboratório e propagado propositalmente pela China para prejudicar a economia mundial, no contexto da guerra comercial com os Estados Unidos. A tese provocou um incidente diplomático com a China.
4. Coronavac — a eficácia da vacina produzida pelo Instituto Butantan ainda é questionada por Bolsonaro, muito embora tenha sido a principal alternativa para conter a pandemia. Nesta semana, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, ao anunciar a terceira dose das vacinas, excluiu a CoronaVac, muito embora milhões de brasileiros tenham sido imunizados pelo produto de origem chinesa.
5. Voto impresso — Bolsonaro defende o voto impresso e dissemina a tese de que a urna eletrônica não é confiável, levantando suspeitas sobre a lisura das eleições de 2022, embora nunca tenha sido comprovado um caso sequer de violação da urna eletrônica. A proposta foi rejeitada pela Câmara, por ampla maioria, além de contestada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
6. Poder moderador — o artigo 142 da Constituição de 1988 estabelece que “as Forças Armadas (…) destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos Poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Com base nesse artigo, Bolsonaro atribui aos militares o papel de Poder Moderador, que não existe na Constituição, cuja interpretação cabe ao Supremo, e não ao “comandante supremo” das Forças Armadas.
7. Amazônia — o desmatamento da Amazônia é monitorado por instituições científicas de todo o mundo, sendo um dos fatores de aquecimento global, em consequência de atividades ilegais, como grilagem de terras, queimadas, derrubada da floresta, garimpo etc. Bolsonaro defende a exploração indiscriminada da Amazônia e acusa as ONGs ambientalistas de estarem a serviço de potências estrangeiras.
8. Marxismo cultural — os artistas, os intelectuais e a cultura estão sendo perseguidos pelo governo federal, a pretexto de que seriam agentes do chamado “marxismo cultural”. O cinema, o teatro, a música, as artes plásticas e até a memória cultural, hoje, são sufocados pelos dirigentes dos órgãos culturais.
9. Racismo estrutural — a Fundação Palmares, criada para preservar e valorizar a cultura afrobrasileira e promover políticas afirmativas de combate ao racismo, nega o racismo estrutural. Tornou-se um órgão que não reconhece as comunidades de origem quilombola e combate o movimento negro, cujos líderes históricos renega, como Zumbi dos Palmares.
10. Terras indígenas — o governo promove o desmonte da política indigenista, reconhecida internacionalmente e responsável pela sobrevivência da diversidade étnica das comunidades indígenas. A tese básica é de que há muita terra para poucos índios e de que a cultura indígena não tem nenhum valor civilizatório.
11. Diversidade — o presidente da República não reconhece e menospreza a diversidade de gênero e de orientação sexual. A comunidade LGBTQIA+ (qualquer pessoa não heterossexual ou não cisgênero, ou fora das normas de gênero pela sua orien- tação sexual, identidade, expressão de gênero ou características sexuais) sente-se ameaçada.
Programa Adote um Parque viola direitos de comunidades tradicionais
Ministério Público Federal no Amazonas recomenda a exclusão das reservas extrativistas do programa
Cristiane Prizibisczki / D’OECO / Observatório do Clima
O Ministério Público Federal deve publicar nas próximas semanas uma recomendação ao governo federal que poderá resultar na retirada de todas as reservas extrativistas (Resex) do programa Adote um Parque, por violação dos direitos das comunidades tradicionais. Atualmente, das oito unidades adotadas, cinco são Resex.
O entendimento de que o programa fere direitos destas comunidades partiu do Ministério Público Federal no Amazonas, que identificou uma série de vícios legais no decreto que institui o Programa (nº 10.623/2021), sendo o principal deles o não atendimento ao que está estabelecido na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, que prevê às populações tradicionais o direito à consulta prévia, de forma livre e informada, antes de serem tomadas decisões que possam afetar seus bens e direitos.
Das 132 Unidades de Conservação inclusas no primeiro edital de chamamento público publicado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para interessados em adotar áreas na Amazônia, 50 são reservas extrativistas, o que representa 38% do total das áreas listadas.
Após apuração e identificação dos vícios legais, e por entender que os efeitos do decreto abrangem todas as unidades de conservação previstas no edital, não só as do Amazonas, o MPF-AM encaminhou uma minuta de recomendação à 6ª Câmara do Ministério Público, que atua especificamente na defesa das Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, recomendando a exclusão das Resex do Programa.




























“Do ponto de vista da minha atuação no Amazonas, a gente entende que tem pontos [no texto do decreto] que precisam, no mínimo, de ajustes. O principal deles é a consulta prevista na Convenção 169 […] Submetemos a minuta à 6CCR para ver se eles pedem [a exclusão] para o país todo”, explicou o procurador da República no AM, Fernando Merloto Soave.
Segundo apurou ((o))eco, o documento enviado por Soave à 6ª CCR foi acolhido por todos os procuradores representantes da Câmara na região Norte, com instauração de procedimento em todos os casos. “Além disso, o colegiado da 6CCR deliberou pela elaboração de uma Recomendação, que está sendo minutada pela Assessoria Jurídica”, disse, por e-mail, a assessoria de comunicação da 6ª Câmara.
Apesar de o texto final da recomendação da 6CCR ainda não ter sido divulgado, é provável que ela acolha argumentos utilizados pelo MPF-AM.
Populações tradicionais e extrativistas
Em abril passado, o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) já havia pedido ao Ministério do Meio Ambiente a exclusão das Resex do programa, sob o argumento de que a iniciativa “desrespeita a legislação e descaracteriza os objetivos para os quais [as reservas] foram criadas”.
Além do não cumprimento à Convenção 169 da OIT, a CNS argumentou que o decreto de criação do programa viola outras normas, como o próprio Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), que reserva ao Conselho Deliberativo da UC a competência para estabelecer as atividades de gestão da Resex.
O CNS também sustenta que os Contratos de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRUs), firmados com as comunidades, não incluem “nenhuma previsão que autorize o MMA a dispor da área sem autorização da concessionária e do Conselho Deliberativo da unidade, para finalidades não previstas no respectivo Plano de Manejo”, diz trecho da carta enviada ao Ministério.
O Ministério do Meio Ambiente, por sua vez, argumenta que “o posicionamento apresentado pelo CNS pode estar embasado em pressupostos equivocados”. O trecho consta em um documento do órgão ambiental federal enviado no final de abril ao MPF.
Segundo o documento do MMA, ao qual ((o))eco teve acesso, todos os atos praticados pelo ICMBio nas unidades adotadas vão respeitar o que estiver estabelecido nos Planos de Manejo das unidades ou, na ausência desses planos, aquilo que estiver previsto em seu decreto de criação.
“Para os bens e serviços que implicarem relação com as comunidades tradicionais, essas serão ouvidas e terão a participação assegurada, cabendo esclarecer que tais etapas ainda não ocorreram no âmbito dos processos em andamento para a adoção”, diz o documento, assinado em 27 de abril passado.


































Planos de Trabalho
O edital de chamamento público para selecionar as empresas adotantes prevê uma série de etapas que devem ser cumpridas até a assinatura do Termo de Adoção. Após a publicação do resultado da fase de seleção das empresas, via edital, tem-se início a fase de celebração do Termo. Nesta etapa, a adotante deve apresentar uma minuta sugestiva de plano de trabalho para a unidade adotada, com a indicação de bens e serviços que serão doados.
Nesta etapa do processo, de acordo com o edital, as adotantes poderão contar com a ajuda do ICMBio que, apresentará uma “lista sugestiva e não vinculativa de bens e serviços necessários para a Unidade de Conservação”, ficando a critério da proponente a sua utilização ao todo ou em parte.
Questionado por ((o))eco sobre o status do Programa, o ICMBio informou que “os procedimentos encontram-se em fase final da elaboração do Plano de Trabalho. Após essa última etapa, serão assinados os Termos de Adoção”.
Em relação à participação das comunidades no processo, o órgão garantiu que “as comunidades tradicionais localizadas em unidades de conservação têm sido devidamente ouvidas e os direitos daquelas em procedimento de adoção, resguardados”. “ Trata-se de ouvir e respeitar as comunidades e de potencializar a conservação das áreas protegidas”, diz o órgão federal.
Apesar de o ICMBio garantir que a participação das comunidades está assegurada nesse processo, passados cinco meses do início dos trâmites junto às empresas e perto de sua finalização dentro do órgão, elas ainda não foram ouvidas.
“Até o presente momento não fomos consultados, nem pelo governo, nem pelas empresas, o que coloca as populações tradicionais em situação de vulnerabilidade. Inclusive, alguns extrativistas, a exemplo da comunidade do Quilombo do Frexal [no Maranhão], têm nos procurado para saber como está o encaminhamento, os procedimentos que estão sendo tomados, porque eles não têm nenhuma informação. É algo que confirma a falta de diálogo do governo com as populações tradicionais extrativistas e suas organizações”, diz Dione Torquato, secretário-geral do Conselho Nacional das Populações Extrativistas.
De fato, ao menos seis das oito empresas selecionadas via edital de chamamento já apresentaram seus Planos de Trabalho. Informações obtidas pelo Observatório do Clima via Lei de Acesso à Informação revelam que as propostas das empresas para as Resex vão de compra de material e contratação de serviços, a elaboração de Plano de Manejo.
Para a Resex do Quilombo Frexal (MA), citada por Torquato, o Plano de Trabalho elaborado pela Heineken – empresa selecionada no edital para a adoção desta unidade de 9.338 hectares – prevê a “elaboração do Plano de Manejo da UC, com foco no Encarte de Ordenamento Territorial/Estruturação da sede administrativa do ICMBio São Luís e do seu Setor de Comunicação/Estruturação da Resex, com foco em atividades produtivas”. Para tais atividades, a Heineken vai destinar R$ 466.900,00.
Segundo documentos internos do ICMBio obtidos pelo Observatório do Clima e repassado a ((o))eco, a assessoria prestada à Heineken para elaboração de seu Plano de Trabalho foi uma das mais completas, dentre os processos de adoção atualmente em curso.
Para que a indústria de bebidas pudesse elaborar sua proposta, o órgão ambiental apresentou um documento de 18 páginas, com diagnóstico da unidade e sugestões detalhadas de aplicação de recursos, em quatro linhas de investimento.
Ainda assim, os habitantes da Resex não se sentem plenamente atendidos em seus direitos. Segundo Janiléia Gomes, liderança da comunidade que soube da proposta da Heineken por meio da reportagem, muitos pontos do plano precisam ser ainda esclarecidos. A falta de diálogo e informações tem gerado insegurança entre os quilombolas.
“Somos três comunidades e temos várias demandas. Como a gente falou para o ICMBio, a gente quer algo que seja construído conosco. De imediato, não aceitamos o Adote um Parque porque, até então, a gente nem sabia que tinha sido adotado”, diz.
“Se você perguntar o que eles [comunidade] entendem por adoção, eles vão dizer que é como o processo de adoção de uma criança, que tem que conhecer, tem que ter diálogo antes. Depois o ICMBio veio dizer que era só uma questão de fazer investimento e que esse recurso ia ser utilizado por eles, que não teríamos acesso a nada. Depois falaram que o recurso iria para manutenção, que poderiam atender algumas de nossas demandas, como identificação do território com placas. É isso que a gente tá sabendo, mas, mesmo assim, não nos convenceu”, complementa.
Processo de cima para baixo
Essa insegurança sentida na Resex Quilombo do Frechal está relacionada também ao fato de, nas normas que regem o programa, não haver qualquer menção ao direito de consulta das comunidades tradicionais em relação às ações a serem executadas pelas empresas adotantes.
Para Fábio Takeshi Ishisaki, advogado especialista em ciências ambientais pela USP e analista da organização Política por Inteiro, a falta de citação expressa a este direito tanto no decreto 10.623/21 quanto no edital 04/2021 é mais uma afronta à Convenção 169 da OIT e às normas nacionais sobre o tema.

“Ouvir às comunidades tradicionais não quer dizer necessariamente que eles vão interferir no Plano de Trabalho, mas, no mínimo, você tem que abrir um diálogo com eles, porque é uma área utilizada definida na lei. Não porque estamos fazendo uma interpretação de bibliografia ou artigo científico, está na Lei do SNUC, na Convenção 169. O Adote um Parque, na forma como está, é uma violação aos direitos das comunidades tradicionais”, reforça Ishisaki.
Questionada sobre sua participação no programa Adote um Parque e sobre os trâmites para elaboração do Plano de Trabalho, a Heineken respondeu que: “O Grupo HEINEKEN está sempre avaliando as oportunidades de reduzir seus impactos ambientais e contribuir com a preservação do meio ambiente e com o desenvolvimento sustentável do Brasil […] A proposta para melhorias de bens de serviço da Reserva Extrativista Quilombo do Flexal, no Maranhão, por R$ 466.900, foi protocolada no mês de abril e, em breve, será concretizada junto ao Ministério do Meio Ambiente.”
Outras unidades
A Resex Lago do Cuniã (RO) foi a primeira unidade adotada dentro do escopo do programa. O anúncio da assinatura do protocolo de intenções pela empresa adotante, o Carrefour, se deu no início de fevereiro, quando o decreto que oficializa a criação do Adote um Parque foi assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e pelo então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
Mesmo tendo se passado quase dois meses entre o anúncio da adoção, feito em 9 de fevereiro, até a publicação do resultado do chamamento público, em 8 de abril, o documento apresentado pelo ICMBio ao Carrefour para embasamento do Plano de Trabalho continha majoritariamente ações voltadas para manutenção e compra de insumos para as bases do órgão na unidade, em propostas muito mais detalhadas do que aquelas voltadas às atividades desenvolvidas pela comunidade extrativista residente no local.
Nesta documentação, ao menos duas coordenações do ICMBio – Coordenação de Identificação e Planejamento de Ações para Conservação e Coordenação Geral de Estratégias para Conservação – recomendaram que as populações tradicionais fossem ouvidas.
“Considerando que os objetivos do Programa Adote um Parque são intrínsecos a cada unidade de conservação, faz-se necessária avaliação junto ao gestor da unidade, bem como do conselho deliberativo, uma vez que são os melhores conhecedores das demandas da UC sobre qualquer proposta considerada neste processo. […] Sugerimos ainda considerar o previsto no Contrato de Concessão de Direito Real de Uso – CCDRU, que concede às comunidades tradicionais o território das unidades de conservação, pactuando os direitos e deveres que as partes assumem para o alcance dos objetivos de criação no caso das Reservas Extrativistas”, diz trecho da documentação.




















































Questionado, o Grupo Carrefour disse, por meio seu diretor de Assuntos Corporativos e Sustentabilidade, Lucio Vicente, que:
“O plano de trabalho envolve a participação do ICMBio, das comunidades tradicionais residentes na Resex e do Ministério. Estamos aguardando as orientações do Ministério do Meio Ambiente e dos órgãos do Governo Federal para darmos continuidade na elaboração dos planos e iniciativas do projeto. […] Após assinatura do termo de adoção, como critério importante para a adesão ao projeto, realizaremos uma visita à Resex, para conhecer as lideranças das comunidades locais, avaliar os potenciais benefícios e as necessidades dos residentes, aliada ao fortalecimento da preservação existente no território. Teremos então um entendimento claro e preciso do estado atual da área e, em seguida, trabalharemos para beneficiar as comunidades da região, juntamente com as organizações que já trabalham lá, como fizemos em outros projetos que participamos”.
Para Angela Kuczach, diretora-executiva da Rede Nacional Pró Unidades de Conservação, a ideia do Adote um Parque não é ruim e existem iniciativas de sucesso parecidas ao redor do mundo, como a National Parks Foundation americana, que existe justamente para gerir doações da iniciativa privada e pessoas físicas que querem ajudar áreas protegidas naquele país. “O problema é a maneira como ele foi feito e está sendo conduzido por aqui, com as coisas de cima para baixo e sem clareza no processo”, diz.
Esta reportagem foi publicada originalmente em Oeco e republicada pelo OC por meio de uma parceria de conteúdo.
Fonte: Observatório do Clima
https://www.oc.eco.br/programa-adote-um-parque-viola-direitos-de-comunidades-tradicionais-dizem-juristas/
STF adia novamente votação do marco temporal
Julgamento do Supremo sobre demarcação de áreas indígenas prossegue na próxima semana
SCO / STF
Com a leitura do relatório pelo ministro Edson Fachin, o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar, nesta quinta-feira (26), o Recurso Extraordinário (RE) 1017365, que discute a definição do estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena e desde quando essa ocupação deverá prevalecer, o chamado marco temporal. O presidente do STF, ministro Luiz Fux, anunciou que o julgamento prosseguirá na próxima quarta-feira (1º/9) e que estão previstas 39 sustentações orais por partes e interessados. O recurso, com repercussão geral (Tema 1.031), servirá de parâmetro para a resolução de, pelo menos, 82 casos semelhantes que estão sobrestados.
A controvérsia é sobre o cabimento de uma reintegração de posse requerida pela Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (Fatma) de uma área localizada em parte da Reserva Biológica do Sassafrás (SC), declarada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) como sendo de tradicional ocupação indígena.
PROTESTO EM BRASÍLIA




























Analisando a questão, o Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4) entendeu que não há elementos que demonstrem que as terras seriam tradicionalmente ocupadas pelos indígenas, como previsto na Constituição Federal (artigo 231), e confirmou a sentença que determinou a reintegração de posse ao órgão ambiental.
No recurso ao STF, a Funai sustenta que o caso trata de direito imprescritível da comunidade indígena, cujas terras são inalienáveis e indisponíveis. Segundo a autarquia,a decisão do TRF-4 afastou a interpretação constitucional (artigo 231) sobre o reconhecimento da posse e do usufruto de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e privilegiou o direito de posse de quem consta como proprietário no registro de imóveis, em detrimento do direito originário dos indígenas.
Desde maio de 2020, o ministro Fachin determinou a suspensão da tramitação de processos sobre áreas indígenas até o fim da pandemia da Covid-19, por entender que medidas como reintegração de posse podem agravar o risco de contágio do vírus. Ao deferir a suspensão, o ministro afirmou que, em decorrência das reintegrações, os indígenas correm o risco de ficar, “repentinamente, aglomerados em beiras de rodovias, desassistidos e sem condições mínimas de higiene e isolamento”.












Fonte: SCO / STF
http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=471874&ori=1
Bolsonaro pressiona STF contra indígenas: “Pode ter desabastecimento”
Em live, o mandatário insinuou que os 6 mil indígenas mobilizados são "cooptados" pelo MST
Lucas Rocha / Revista Fórum
Durante transmissão ao vivo realizada nesta quinta-feira (26), o presidente Jair Bolsonaro disparou ataques contra os 6 mil indígenas que estão mobilizados em Brasília (DF) contra a votação do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal (STF). Sem dados, o mandatário disse que a votação pode provocar o desabastecimento de alimentos no país.
“Tem umas 5 mil pessoas acampadas aqui em Brasília. É o pessoal do MST e nossos irmão indígenas que eles cooptam para fazer volume”, disse o presidente em live. Segundo ele, os indígenas em luta “não sabem o que tão fazendo ali”.
“É um crime usar essas pessoas como massa de manobra”, afirmou.
O presidente defendeu a tese dos ruralistas de que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem em sua posse até a promulgação da da Constituição de 1988 – o chamado marco temporal. Segundo ele, a rejeição disso pode gerar impactos no setor do agronegócio.
“Podemos ver dobrar a quantidade de terras indígenas, isso vai causar sérios transtornos. Vamos ter problema na balança comercial e a inflação de alimentos, que sim existe, vai aumentar. E ainda pior, pode ter desabastecimento”, afirmou. O presidente não apresentou dados sobre a isso.
Marco Temporal
Após a votação prevista para esta quinta ser adiada, o STF vai analisar na próxima quarta-feira (1º) ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, da TI Ibirama-Laklãnõ. O tema, no entanto, tem “repercussão geral” e servirá de diretriz para todos os procedimentos demarcatórios. Caso o STF vote pela reintegração, vai sustentar uma tese defendida por ruralistas de que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem em sua posse até a promulgação da da Constituição – ou seja, a tese do Marco Temporal.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) afirma que “tese é injusta porque desconsidera expulsões, remoções forçadas e todas as violências sofridas pelos indígenas até a promulgação da Constituição”. “Além disso, ignora o fato de que, até 1988, eram tutelados pelo Estado e não podiam entrar na Justiça de forma independente”, diz.
Indígenas seguem mobilizados
Cerca de 6 mil indígenas de mais de 170 povos ocupam Brasília desde domingo (22) contra ação judicial que pode afetar demarcação de diversas TIs. A luta contra o Marco Temporal promoveu a maior mobilização indígena pós-constituinte.
O acampamento “Luta Pela Vida” conta com intensa programação de plenárias, segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Com o lema “Nossa história não começa em 1988”, a mobilização tem como principal objetivo impedir a aprovação do Marco Temporal
Fonte: Revista Fórum
https://revistaforum.com.br/politica/bolsonaro-stf-contra-indigenas-desabastecimento
Marco temporal pode ser analisado nesta quinta-feira pelo STF
Julgamento que definirá as demarcações de terras foi adiado para hoje. Mais de 6 mil indígenas seguem acampados em Brasília
Cristina Ávila / Especial para o WWF-Brasil
Pelo menos 250 Xokleng, da Terra Indígena Ibirama-La Klãnõ, percorreram cerca de 1.400 quilômetros de Santa Catarina até Brasília para acompanhar o julgamento, no Supremo Tribunal Federal (STF), do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que trata de um pedido de reintegração de posse movido contra eles pelo governo do estado e que também servirá de diretriz para as próximas decisões judiciais sobre demarcações de terras. Isso porque está embutido nesse recurso o marco temporal, argumento defendido por ruralistas, segundo o qual somente teriam direito a terras os povos que as ocupavam ou disputavam antes de 5 de outubro de 1.988, data da promulgação da Constituição Federal.
Os Xokleng, que quase foram dizimados por sucessivos ataques, protagonizam agora um caso histórico. O julgamento estava previsto para começar ontem, mas acabou transferido para esta quinta-feira porque a Corte encerrou a sessão do dia sem concluir a análise da ação anterior, que envolve o Banco Central. Apesar do adiamento, os mais de 6 mil indígenas de 176 povos e 20 estados que estão acampados em Brasília no movimento “Luta pela Vida”, que começou no último domingo, não desanimaram. “Estamos de luto, mas estamos aqui”, contou Jaciara Priprá Xokleng, que, mesmo tendo perdido três parentes agora em agosto, fez questão demostrar sua resiliência em Brasília.
O clima de expectativa que tomou conta da Esplanada dos Ministérios se mistura à força e à resistência, mas também à leveza, trazidas pelos povos indígenas, com seus rituais religiosos e cânticos politizados. Nesta quarta-feira, o dia começou com debates políticos no acampamento, mas o auge foi a presença dos artistas Vitão, Maria Gadú e Alok, que desembarcaram na capital federal em solidariedade ao movimento. Sucesso total, confirmado com palmas e gritos de uma plateia entusiasmada.






























Por volta das 13h30, sob o sol típico da época desértica, quente e extremamente seca, que levanta poeira em Brasília, os indígenas marcharam decididos, cantando, à Praça dos Três Poderes, fizeram rituais religiosos em frente ao STF e assistiram à performance do Greenpeace, que simulou o derramamento do sangue dos povos originários sobre o chão entre a Corte e o Palácio do Planalto. Cerca de 18h, pela quarta vez em dois meses, foi anunciado que a análise do marco temporal havia sido transferida para o dia seguinte.
Manifestações contra o marco temporal, contudo, não se restringiram a Brasília. Jaciara relatou que os Xokleng também fizeram passeatas pacíficas na BR-470, onde moram, no Vale do Itajaí, em Santa Catarina, com a presença dos anciãos e lideranças jovens para chamar a atenção sociedade. A TI Ibirama-La Klãnõ tem nove aldeias e a disputa pelas terras é muito antiga. “Tenho 24 anos e, desde que nasci, meu pai luta, inclusive em movimentos em Brasília, e meu avô também já lutava”, salienta Jaciara. Na realidade, esse povo foi quase exterminado no início do século passado, por chamados “bugreiros”, contratados em Santa Catarina para matá-los.
A jovem Jaciara relata que, durante a pandemia de Covid-19, a maioria dos mil indígenas que vivem no território foi contaminada. “Fizemos barreiras sanitárias, mas invasores não respeitaram, entraram até armados e levaram o vírus em massa para o nosso povo”, disse. Uma das vítimas foi Daniela Caxias, de 26 anos, que morava na área urbana do município vizinho de Vitor Meireles, mas decidiu ir para a aldeia dos parentes se resguardar. Achava que estaria mais protegida lá. Morreu em 12 de agosto. Na mesma semana, morreram também de outras doenças as lideranças que haviam sido caciques dos Xokleng, Aniel Priprá, de 50 anos, e Alfredo Paté, de 80. O luto, porém, teve que esperar.
Leia também:
Xokleng: povo indígena quase dizimado protagoniza caso histórico no STF
Líderes indígenas entregam carta ao STF e pedem rejeição do ‘marco temporal’
Indígenas protestam antes do “julgamento do século” em Brasília
A angústia sobre a decisão do STF afeta indígenas de todo o país. Como o histórico integrante das lutas em Brasília desde os processos que antecederam a Assembleia Nacional Constituinte, Megaron Txucarramãe, que participou de rituais religiosos na Praça dos Três Poderes nesta quarta-feira. Entre os milhares de impactados pelo caso que será julgado em Brasília, pontuou Megaron, estão seus parentes Kayapó, que reivindicam uma área no oeste de Mato Grosso.
“O processo de demarcação está parado há 3 anos. A comunidade está muito preocupada com a decisão dos ministros. Se for a favor dos indígenas, nossas terras continuarão garantidas. Senão, vai ter invasor plantando soja, criando boi... Queremos uma resposta do STF. Está muito perigoso”, afirma Megaron, sobrinho do líder Raoni Metuktire, que se recuperou da Covid-19, depois de ser internado no ano passado, mas ainda está de luto por sua esposa Bekwyjka Metuktire.
Fonte: WWF-Brasil
https://www.wwf.org.br/informacoes/noticias_meio_ambiente_e_natureza/?79688/Marco-temporal-pode-ser-analisado-nesta-quinta-feira
Com interferência humana, fogo se alastra em biomas brasileiros
Cerrado, Amazônia e Mata Atlântica são os mais afetados por incêndios que se espalham na época mais seca do ano
Ana Lúcia Azevedo / O Globo
RIO - Visto do espaço, o Brasil é vermelho. Imagens de satélite revelam que o país arde com queimadas de Norte a Sul em todos os biomas, à exceção do Pampa. Agosto nem terminou e Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga já ultrapassaram o acumulado em relação ao mesmo período de 2020
Fogo: Pantanal volta a queimar e parque pega fogo em SP, com 'chuva de cinzas' em bairros próximos
O fogo se alastra por terras privadas, públicas, unidades de conservação e áreas indígenas. Focos de calor atingiram 113 unidades de conservação e 57 terras indígenas, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Cerrado, Amazônia e Mata Atlântica, nessa ordem, são os biomas mais afetados.
Esta é a época mais seca do ano e em 2021 o Centro-Sul do país enfrenta o agravamento de uma seca que já dura quase uma década. Ainda assim, cientistas explicam que é a ação humana o principal fator de tantos incêndios.
BIOMAS




























Incêndios: Queimadas se acirram no Pantanal e colocam em risco suas fontes de água
No domingo, um incêndio consumiu cerca de metade da área do Parque Estadual do Juquery, em Franco da Rocha, na região metropolitana de São Paulo. Resíduos transportados pelo vento chegaram a bairros da capital paulista, onde moradores relataram uma “chuva de cinzas”. O fogo teria sido causado pela queda de um balão em uma área de mata seca no parque, que possui quase 2 mil hectares, com vegetação de Cerrado. Ainda ontem, bombeiros trabalhavam para conter as chamas na reserva ambiental.
Sem raios
O meteorologista Marcelo Seluchi, coordenador-geral de Operações e Modelagem do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), explica que o número de queimadas depende da fiscalização. O que poderia provocar um incêndio natural seria a queda de um raio num lugar de mata muito seca. Mas nessa época de céu claro, não há raios.
Rios secando: Brasil perdeu 15% da superfície de água em 30 anos; veja números
— Se tivermos que relacionar o impacto da falta de chuva e o da falta de fiscalização, a falta de fiscalização ganha disparado. É muito mais uma questão de decisão política pública do que uma questão climática — diz Seluchi.
A baixa umidade facilita que as chamas se propaguem. Praticamente todo o país está seco. A borda sul da Amazônia, por exemplo, está com umidade baixíssima.
Coordenadora do sistema Alerta de Área Queimada do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da UFRJ, Renata Libonati explica que na falta de raios, resta a ação humana acidental ou intencional. Na Amazônia, é o desmatamento. Nos demais biomas, o mau uso do solo.
— Todas as condições este ano são favoráveis ao fogo. É preciso tomar muito cuidado com a ignição, acidental ou proposital.
A mais recente e completa análise sobre o impacto do fogo em áreas naturais no Brasil reforça que a má gestão tem papel crucial.
MapBiomas: quase 20% do território brasileiro pegou fogo ao menos uma vez entre 1985 e 2020, aponta levantamento
“Como a maioria dos incêndios é ilegal, a aplicação da lei deve ser a primeira resposta, e as multas podem contribuir para o financiamento da fiscalização. Porém, a política atual não é favorável”, afirma a análise. Os cientistas destacam a redução dos orçamentos para a fiscalização e para o monitoramento pelo Inpe.
A análise chama a atenção para o desmantelamento da política ambiental e “o papel do discurso político e das crises econômica e social no encorajamento de atividades criminosas que levam ao desmatamento, ao garimpo ilegal e à queima da floresta, principalmente na Amazônia”. Intitulado “Compreendendo os incêndios catastróficos no Brasil: causas, consequências e políticas necessárias para prevenir tragédias”, o estudo foi realizado por cientistas de nove instituições de pesquisa, como Cemaden, Embrapa, ICMBio, Museu Paraense Emilio Goeldi, e seis universidades. O trabalho foi publicado na revista Perspectives in Ecology and Conservation.
— O elemento humano é tão importante quanto o climático. O país não tem uma gestão eficiente e integrada do fogo. Faltam fiscalização, programas de prevenção, capacitação, educação, precisamos de política de longo prazo — afirma Gerhard Overbeck, do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e um dos autores da análise.
Overbeck lembra que o momento é crítico. O Brasil está se tornando mais seco.
Texto original: O Globo
https://oglobo.globo.com/brasil/um-so-planeta/com-interferencia-humana-fogo-se-alastra-em-biomas-brasileiros-25167879