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Ricardo Noblat: É só uma questão de tempo para que Bolsonaro demita Mandetta

Caneta cheia de tinta à espera do melhor momento

Atribuir aos militares a permanência de Luiz Henrique Mandetta no Ministério da Saúde seria supor que, se contrariados, eles derrubariam o presidente Jair Bolsonaro ou o abandonariam. Não fariam nem uma coisa nem outra.

Mandetta ficou porque as forças que queriam que ele ficasse foram por ora superiores às forças que queriam vê-lo decaído. A não ser que se acomode à situação, em parte alguma presidente da República vira Rainha da Inglaterra.

Bolsonaro não se acomodará. Não dá sinais disso. É o maior fabricante de crises que já vestiu a faixa presidencial. E assim continuará até o último dos seus dias na cadeira que é demasiada larga para ele. O prazo de validade de Mandetta acabou.

E daí que ele seja o mais popular dos ministros e que sua aprovação na pesquisa Datafolha (76%) tenha ultrapassado de longe a de Bolsonaro? E daí que apenas 18% dos brasileiros sejam contra a política de confinamento total defendida por Mandetta?

Bobagem imaginar que secou a tinta da caneta de Bolsonaro. Ou que o tsunami de mensagens postadas nas redes sociais a favor do ministro fará Bolsonaro recuar da decisão de mandá-lo embora. Assim como não se governa governador, não se preside presidente.

Bolsonaro pode ter-se transformado em um estorvo para o país, mas o ministro da Saúde tornou-se um estorvo para ele. Bolsonaro tem mandato de quatro anos, e sonha com outro de mais quatro. Mandetta não tem mandato. Um sopro de Bolsonaro o derruba.

Há muitas razões para que o derrube. A principal: Bolsonaro está convencido de que o coronavírus matará quem tiver de morrer, e que só a recuperação da Economia salvará suas chances de reeleição. Mandetta, antes de tudo, quer salvar vidas.

Bolsonaro sofre de complexo de inferioridade e não é de hoje. É desde os seus tempos como militar, agravado com o afastamento forçado do Exército por indisciplina e conduta antiética. A família Bolsonaro foi proibida de frequentar clubes e escolas militares.

Mandetta recusa-se a obedecer às ordens de Bolsonaro. E seu desempenho na luta contra o coronavírus promoveu-o à condição de o administrador e político mais admirado pelo país. O contraste com Bolsonaro é amplamente desfavorável ao presidente.

Acrescente-se a paranoia, talvez o traço mais forte e negativo da personalidade de Bolsonaro. Ele enxerga um adversário em cada esquina – adversário, não, inimigo. Só confia nos filhos e em mais ninguém. Só dá ouvido a eles e a alguns poucos amigos.

E se Mandetta for um agente do deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara, infiltrado no governo para criar problemas a Bolsonaro? Maia e Mandetta são do mesmo partido, o DEM. O presidente do Senado, David Alcolumbre, também é.

Os ministros do Supremo Tribunal Federal? Ricardo Lewandowski é petista. Dias Toffoli, por mais que finja que não, é petista. Quem foi petista nunca mais deixa de ser. Edson Fachin é petista. Gilmar Mendes, tucano de carteirinha. Marco Aurélio Mello é ele mesmo.

Está tudo armado entre o Congresso e o Supremo para tentar apear Bolsonaro do poder. A ele só resta precaver-se mantendo sua tropa unida, paparicando os militares, mas não a ponto de se deixar tutelar, e bem dizendo a Deus para alegria dos evangélicos.

Assessores de Mandetta não só limparam, ontem, suas gavetas como limparam as do ministro. A portaria de Bolsonaro demitindo Mandetta estava pronta para ser publicada no Diário Oficial. Para poupar trabalho, recomenda-se que as gavetas continuem limpas.

O nome e o sobrenome de quem será o culpado pelo pior

Aposta errada
Garotos aprendem nos seus primeiros meses de bancos escolares que não se deve brigar com o garoto mais forte, mais bonito e mais popular da escola. O melhor é aliar-se a ele, fazer parte de sua turma e desfrutar de sua proteção. Ou então manter distância.

Se o enfrentamento for inevitável, há que se esperar o momento propício quando os ventos estiverem soprando em desfavor dele. Nada de precipitação. É aconselhável acumular forças atraindo outros garotos que também desgostam do garoto mais forte.

Foco, planejamento, organização, como ensina o ministro Henrique Mandetta, da Saúde. Mas a essa aula faltou o presidente Jair Bolsonaro que foi um aluno medíocre quando era apenas estudante. Destacava-se no aprendizado de educação física.

Seus anos na Câmara dos Deputados de pouco lhe serviram devido à sua limitada capacidade de aprender observando, uma vez que ler, estudar e fazer cursos nunca foi sua praia. Ali foi apresentado a esperteza barata de tentar tirar vantagem do que fosse possível.

A hora escolhida por Bolsonaro para livrar-se de Mandetta não poderia ter sido pior. Mandetta é o garoto mais forte, mais bonito e mais popular da escolinha da Esplanada dos Ministérios. Servidores o tratam como o herói que venceu mais uma batalha.

Se, lá atrás, Bolsonaro tivesse se aliado a ele, não estaria ladeira a baixo. Mas fez a aposta errada ao preferir salvar a Economia ao invés de salvar vidas, ao eleger governadores como seus inimigos, e ao encantar-se com uma poção mágica capaz de derrotar o vírus.

Se desse errado a política de confinação total, de exames, exames e exames e de socorro à Economia com a injeção de muito dinheiro, não seria culpado. Parte da culpa recairia em Mandetta e nos governadores. Bolsonaro escaparia ileso ou quase.

Agora é tarde. Se o coronavírus não provocar por aqui a mortandade que tanto se teme, o mérito será dos governadores e de Mandetta, mesmo que o ministro já não seja ele. Se provocar, o culpado tem nome e sobrenome: Jair Messias Bolsonaro.


Bernardo Mello Franco: Bolsonaro risca o fósforo e toca harpa

Demitir Mandetta agora significaria atear fogo às vestes. Embora Bolsonaro o veja como ameaça, o ministro é quem ainda empresta alguma credibilidade ao governo

Há dez dias, a revista britânica “The Economist” chamou o presidente do Brasil de “BolsoNero”. O apelido resume o espanto global com o homem que governa o maior país da América Latina. Enquanto o mundo faz um esforço de guerra contra o coronavírus, o capitão insiste em tratar a pandemia como uma “gripezinha”, a ser curada com jejum, reza e declarações amalucadas.

Ontem Bolsonaro indicou que assumiria de vez o papel de piromaníaco. Ele riscou o fósforo no início da tarde, ao comunicar aliados que pretendia demitir o ministro da Saúde. Quando os bombeiros conseguiram conter o incêndio, o presidente já tocava harpa diante das labaredas.

Mandar Luiz Henrique Mandetta para casa significaria atear fogo às próprias vestes. Embora Bolsonaro o veja como ameaça, o ministro é quem ainda empresta alguma credibilidade a seu governo. Numa equipe repleta de aloprados e bajuladores, ele se destaca pela serenidade e pelo apego à ciência.

Na comparação com o chefe, o ex-deputado pantaneiro ganhou porte de estadista. Pesquisas mostram que ele já se tornou mais popular que o presidente. Ontem a notícia de sua possível demissão interrompeu a alta da Bolsa, freou a queda do dólar e antecipou o horário do panelaço.

Ao jogar Mandetta na fogueira, Bolsonaro não arrisca só a popularidade. O ministro costurou uma ampla rede de apoio, que une Congresso, Judiciário e setores do governo e da sociedade. Uma demissão humilhante teria potencial para mobilizar essas forças contra o Planalto. No limite, poderia custar o fim antecipado do mandato presidencial.

Para azar do capitão, a permanência do ministro não estanca sua sangria. Aos olhos dos políticos, Bolsonaro terminou o dia ainda mais esvaziado. Ele virou um presidente que não preside: ameaça demitir e não demite; anuncia que não tem medo de usar a caneta e refuga diante do papel.

Ainda há quem se anime a dançar ao som desta música. No domingo, o ministro da Educação voltou a ofender a China com um tuíte racista. Além de ser o maior parceiro comercial do Brasil, o país produz mais de 90% dos equipamentos que faltam aos hospitais. A irresponsabilidade de Bolsonaro e sua turma não produz apenas tumulto e vergonha. Também põe em risco as vidas dos brasileiros.


Afonso Benites: Militares e cúpula do Legislativo intervêm para manter Mandetta, a despeito de Bolsonaro

Alcolumbre adverte Planalto sobre estremecimento com Parlamento, em caso de demissão. Ministro pede “paz” para trabalhar

Desconfortável por ter um subordinado que pensa e age diferente de si, o presidente Jair Bolsonaro pretendia demitir Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde nesta segunda-feira e trocá-lo pelo deputado federal Osmar Terra. Não conseguiu. Assim que a notícia veio à tona, começaram as poderosas pressões para evitar que o mandatário concretizasse a exoneração do ministro, que é mais popular que o seu próprio chefe por causa da coordenação das ações de enfrentamento à pandemia da Covid-19.

Houve quatro frentes de críticas contra a decisão até então tomada pelo presidente: 1) generais do Exército, um deles na ativa, com assento no Planalto, disseram que lhe faltaria apoio popular e político para demitir um ministro que tem seguido as recomendações das principais autoridades sanitárias do mundo; 2) congressistas o alertaram sobre a possibilidade de atrapalhar ainda mais a relação no Legislativo e de ver um dos pedidos de impeachment contra ele prosperar em médio prazo; 3) no Judiciário, ao menos dois ministros do Supremo Tribunal Federal queixaram-se de falta de liderança política no país e; 4) nas redes sociais, pulularam manifestações de apoio a Mandetta. O ministro ganhou ainda uma demonstração de suporte entre os seus: cerca de 150 servidores do Ministério da Saúde fizeram um protesto em frente à sede do órgão para ameaçar uma demissão coletiva, caso se concretizasse sua exoneração.

Novo round
No domingo, Bolsonaro demonstrou, mais uma vez, estar descontente com a atuação de Mandetta na pasta. Ao falar a um grupo de religiosos apoiadores que o aguardavam na entrada do Palácio da Alvorada, o presidente disse que havia ministros que estavam se sentindo estrelas e que poderia usar a “caneta” contra eles. Não citou nomes. Mas o recado foi direto ao ministro da Saúde. “Algumas pessoas no meu Governo, algo subiu à cabeça deles. Estão se achando. Eram pessoas normais, mas de repente viraram estrelas. Falam pelos cotovelos. Tem provocações”, afirmou. “Mas a hora deles não chegou ainda não. Vai chegar a hora deles. A minha caneta funciona. Não tenho medo de usar a caneta nem pavor. E ela vai ser usada para o bem do Brasil, não é para o meu bem. Nada pessoal meu. A gente vai vencer essa”, declarou o presidente.

No sábado, o ministro deu mais uma demonstração dos holofotes que atraiu: gravou um vídeo para músicos campeões de audiência no Brasil que fizeram apresentações ao vivo em suas redes sociais, como Xand do Avião e Jorge & Mateus. Na gravação, Mandetta disse a eles que o “show não pode parar”, mas as aglomerações, sim. Enquanto isso, a interlocutores, o ministro reagia às queixas de Bolsonaro. Disse que não aceitava ameaças. Que se Bolsonaro tivesse algo a fazer, que agisse, que o demitisse. E insistiu em seu discurso feito na semana passada quando foi questionado se abandonaria o cargo: “Médico não abandona paciente”.

Depois de um dia de inteiro de rumores e uma série de reuniões, inclusive com Bolsonaro e sua equipe de ministros, Mandetta surgiu para falar com a imprensa depois das 20h. Discursando na sede do Ministério da Saúde, em Brasília, e em mais um sintoma de uma crise com o Planalto que ganha ares surrealistas em meio à pandemia, admitiu que vários funcionários seus já estavam limpando suas gavetas para irem embora, inclusive as dele. E deu o recado: “Nós vamos continuar porque continuando a gente vai conseguir enfrentar o nosso inimigo, que tem nome e sobrenome, a Covid-19”.

A altivez do ex-deputado vinha do respaldo angariado ao longo do dia e na semana passada. O presidente do Congresso Nacional, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), transmitiu o seguinte recado a Bolsonaro por meio dos ministros-generais Luiz Eduardo Ramos (Governo) e Walter Braga Netto (Casa Civil): “o Congresso é contra a saída de Mandetta. Isso iria prejudicar a relação com o Parlamento”. Chamado para conversar pessoalmente com o presidente, Alcolumbre avisou que não o encontraria e que a discussão estava acima de questões partidárias. Mandetta é filiado ao DEM de Alcolumbre, pelo qual cumpriu dois mandatos de deputado federal por Mato Grosso do Sul.

A pressão mais intensa, contudo, veio dos militares dias antes. Na noite de quinta-feira passada, quatro generais com assento no Planalto se reuniram com Bolsonaro logo após ele conceder uma polêmica entrevista à rádio Jovem Pan, na qual disse que faltava humildade a Mandetta e que ele deveria ouvi-lo mais. O quarteto disse a Bolsonaro que ele deveria se calar para não deixar a crise sanitária e econômica ainda mais grave. Pediram para ele não mexer em sua equipe, por enquanto. Tampouco provocar governadores e prefeitos que decretaram quarentenas. Disseram que, se ele não mudasse sua postura, poderia ser pressionado a deixar o cargo.

Em um primeiro momento, parecia que o presidente tinha ouvido as advertências e acatado os conselhos. Mas as declarações no domingo e as sinalizações da segunda-feira demonstraram que não foi bem assim. Para um interlocutor que estava no encontro com os militares na quinta-feira, não ficou de todo claro se Bolsonaro esperava tamanha reação, e de tantas frentes coordenadas, contra a queda do ministro.

O cerne da discórdia entre chefe e subordinado é o fato de o ministro ser a favor do distanciamento social, com medidas que incluem o isolamento do maior número de pessoas em cidades onde haja uma disseminação da doença. O presidente, por sua vez, entende que só quem deveria se isolar seriam os grupos mais vulneráveis, idosos e pessoas com comorbidades. Bolsonaro está preocupado com os efeitos de uma inevitável quebradeira econômica, com os gastos que o Governo terá para ajudar a população mais pobre e com suas próprias perspectivas de reeleição em meio à crise sem precedentes.

Quem tem ajudado na “fritura” de Mandetta é exatamente seu potencial substituto, Osmar Terra. Deputado federal pelo MDB do Rio Grande do Sul, e demitido por Bolsonaro do Ministério da Cidadania em fevereiro, o parlamentar nega a importância do distanciamento social como ação para coibir a disseminação massiva do coronavírus, assim como o mandatário. No fim de semana agiu intensamente contra seu antigo colega de Parlamento. Participou de reuniões entre Bolsonaro e médicos que são contrários ao isolamento horizontal, publicou artigo em jornal e deu entrevistas para dizer que a quarentena não auxilia no controle da pandemia de Covid-19. Algo que é refutado pelas principais autoridades sanitárias do mundo.

Em suas redes sociais, Terra recebeu sanção do Twitter ao dizer que que a “quarentena aumenta os casos de coronavírus”. Em uma entrevista que concedeu por videoconferência, ao portal bolsonarista Crítica Nacional, o deputado disse que no Brasil não vão morrer nem 5.000 pessoas. Falou, equivocadamente, que as medidas de isolamentos não funcionaram em nenhum local do mundo e reclamou das quarentenas no país. “Essas medidas drásticas não adiantam nada. Não fica uma pessoa a mais ou a menos internada por causa da quarentena. Não tem uma pessoa a mais ou a menos morrendo por causa da quarentena. Ela não atrapalha o vírus”, afirmou.

Em um grupo de parlamentares do DEM, Mandetta chamou o deputado do MDB de “Osmar Trevas”. “Vamos seguir a ciência, disciplina, planejamento, foco. Não perca. Esses barulhos que vem ao lado, fulano falou isso, beltrano falou aqui, esquece. Eles estão aqui do lado. Apesar dos pesares, foco, aqui!”, afirmou o ministro em uma coletiva durante a noite.

Esse não foi o primeiro dia do fico de Mandetta. Nem deve ser o último até o fim da crise da pandemia. “Infelizmente começamos com mais um solavanco a semana de trabalho. Espero que possamos entrar um período de paz, daqui pra frente”, afirmou.


Leandro Colon: Se Mandetta cair?

Queda de Mandetta pode piorar vida de Bolsonaro, mas ameaça a dos brasileiros

A demissão de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde seria um bom caminho para quem torce por uma rápida derrocada de Jair Bolsonaro.

Ao ameaçar a atual política de combate ao coronavírus, a queda do ministro provocaria reação política de altas proporções dos outros Poderes.

Isolaria mais o presidente dentro sua equipe ministerial, que tem apoiado Mandetta frente à pandemia.

A pequeneza do presidente em relação ao ministro pode arriscar o futuro do governo no longo prazo e, no curto, ameaçar a vida dos governados por ele. Se você é dos que não suportam mais a gestão Bolsonaro e quer seu fim, só que está preocupado com a escalada imediata do vírus, então é melhor torcer para que ele e Mandetta se entendam.

O sonho do presidente é nomear alguém alinhado aos seus delírios científicos. Que abrace fórmulas baseadas na metáfora bolsonariana de que o vírus é como uma chuva em que 70% dos brasileiros vão se molhar e apenas os idosos serão os mais afetados (ignorando, por exemplo, o impacto da doença sobre jovens).

Para o lugar de Mandetta, fala-se muito do presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, e do ex-ministro Osmar Terra, entusiastas de restrições menos severas à população.

Hoje, o chefe da Saúde conta com o respaldo dos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O presidente do STF, Dias Toffoli, e seus colegas não escondem o respeito pelo trabalho conduzido por ele.

Congresso, Supremo e ministros de peso, como Sergio Moro (Justiça) e Paulo Guedes (Economia), compartilham da defesa do isolamento social como ferramenta para brecar a velocidade do coronavírus.

Maia afirmou na sexta-feira (3) que Bolsonaro não tem coragem de demitir Mandetta nem mudar a política de combate ao coronavírus.

Quem torce pela vida espera que Bolsonaro continue sem coragem de mexer nas diretrizes atuais do ministério e, claro, que também erre em suas previsões de chuva.


Elio Gaspari: Jair Bolsonaro é um ponto fora da curva

O astucioso e explícito ataque público de Jair Bolsonaro contra seu ministro da Saúde revelou a extensão dos tormentos de sua alma. Luiz Henrique Mandetta é uma solução, mas seu chefe vê nele um problema. Mesmo que ele tivesse dito que a Covid-19 seria uma “gripezinha”, o presidente deveria poupá-lo de ostensivas frituras.

Há pouco mais de um mês morreu o ex-ministro Gustavo Bebianno. Tinha 56 anos e foi levado pela tristeza, menos de um ano depois de ter sido demitido da Secretaria-Geral da Presidência em circunstâncias humilhantes pelo presidente por quem trabalhou quando os bolsonaristas cabiam numa Kombi. Na carta que Bebianno lhe escreveu, disse: “O senhor cultiva e alimenta teorias de conspiração, intrigas e ódio”.

Pouco depois, Bolsonaro demitiu o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz da Secretaria de Governo. Ele pouco falou, mas deixou uma frase críptica: “Tem que ter noção de consequência.”

Como disse o sábio Marco Maciel, “as consequências geralmente vêm depois”. Quando Bolsonaro diz que “o Mandetta quer fazer muito a vontade dele. Pode ser que ele esteja certo. Pode ser. Mas está faltando um pouco mais de humildade para ele” e que “a gente tá se bicando há um tempo”, o que ele faz é fritá-lo.

A fritura de Mandetta serve ao coronavírus e a ninguém mais. Bolsonaro sabe desidratar colaboradores e secou o ex-juiz Sergio Moro, mas a importância do Ministério da Justiça não pode ser comparada à da Saúde durante uma epidemia.

Desde o inicio da crise, Bolsonaro oscilou do negacionismo ao Apocalipse. O que pode parecer um comportamento errático, foi uma constante e equivocada defesa de seus interesses: “Se acabar a economia, acaba qualquer governo, acaba o meu governo”.

O negacionismo da “gripezinha” menosprezava a epidemia supondo que com isso poderia preservar a economia. Com a Covid-19, Bolsonaro passou a flertar com o caos do vídeo da central de abastecimento de Belo Horizonte às moscas. (Era mentira e ele se desculpou por não ter checado, quando devia ter pedido desculpas por ter acreditado.) As duas posturas nasceram de um só medo: “Acaba meu governo”.

Seu governo só deve acabar no dia 31 de dezembro de 2022, porque é isso que diz a Constituição. Até lá, ele terá que governar um país em em séria dificuldade, sem inventar “gripezinhas” ou estimular tensões e situações caóticas.

A História da República registra casos de presidentes que produziram desastres, mas nenhum deles teve padrão semelhante ao de Bolsonaro. Nem Jânio Quadros, um grande ator que se fazia passar por doido.

Entre o negacionismo e o flerte com o Apocalipse, Bolsonaro leva para o atacado a política venenosa que praticou no varejo com Bebianno e Santos Cruz, pessoas que decidiram trabalhar com ele. No atacado, ela muda de qualidade, porque pode-se mastigar uma pastilha de cianeto de potássio, mas não se pode receitá-la.

A lição de Ibrahim Sued
Em novembro de 1972 o jornalista Ibrahim Sued lançou seu livro “20 anos de caviar” na pérgola do Copacabana Palace. Barão do colunismo social, reuniu todo o Rio de Janeiro e autografou 1.012 exemplares. As pessoas pagavam pelo livro e o dinheiro era colocado em caixas de charutos.

Quando a festa terminou, Ibrahim entrou no seu carro com as caixas debaixo do braço. A noite havia sido uma consagração daquele turco enorme, criado na pobreza do velho Centro da cidade.

Ibrahim saiu do Copa em direção a Ipanema. Em todo o percurso, metia a mão na caixa de charutos e dava um punhado de notas a guardadores de carros ou às pessoas que perambulavam pela Avenida Atlântica.

Um amigo que estava no carro disse-lhe:

— Ibrahim, desse jeito você vai detonar a renda da noite.

O ‘Turco’ respondeu:

— É isso mesmo, o dinheiro tem que circular. Se não circulasse, não chegava a mim.

Quem puder, pode repetir a lição de vida e de ciência econômica de Ibrahim.

Bolsonaro acertou
Contrariando vários ministros, o presidente Jair Bolsonaro suspendeu por 60 dias um aumento de até 5% no preço dos remédios.

Na sua incorrigível opção pela realidade paralela, informou que a medida foi tomada “em comum acordo com a indústria farmacêutica”. Falso, a decisão foi tomada em desacordo com a guilda do setor. O Sindusfarma fez questão de registrar que não foi consultado.

Na patética videoconferência de empresários amigos da Federação das Indústrias de São Paulo com Bolsonaro, esse congelamento provisório havia sido uma das poucas propostas capazes de refrescar o andar de baixo. Ela partiu de Eugênio de Zagotti, representante das farmácias. Ele disse o óbvio: “O Brasil não precisa dessa manchete”. Foi contraditado por Carlos Sanchez, em nome da indústria, que ofereceu dois caminhos para que a providência fosse adotada: O governo poderia criar uma dólar especial para o seu setor, a R$ 4, ou as farmácias deveriam abrir mão de uma parte de sua margem de lucro, repassando-o à indústria.

Filantropia
Um teste feito no Hospital das Forças Armadas revelou que o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general da reserva Augusto Heleno, foi infectado pelo vírus. Sete dias depois, ele quebrou a quarentena, apareceu no Planalto e participou de uma reunião. A Secretaria de Comunicação da Presidência informou que a bizarria decorreu de um erro de dois médicos. Conta outra doutor, pois esses seriam os únicos médicos capazes de interromper prematuramente uma quarentena.

Cumprido o isolamento, um novo teste revelou que estava saudável. Apesar de estar encarregado da segurança institucional da República, revelou alguns de seus dados pessoais, permitindo que gaiatos anunciassem que o haviam filiado à Juventude Socialista e ao PT.

A divulgação do seu teste informou também que ele foi realizado num laboratório da Rede D’ Or, classificado como “cortesia”.

Sem palhaçada
As entrevistas de Jair Bolsonaro no cercadinho do Alvorada serviram para teatralidades, até o dia em que o presidente mandou que os jornalistas ficassem calados para ouvir o que dizia um dos integrantes de sua claque:

— É ele quem vai falar, não é vocês, não.

Bolsonaro criou um modelo inédito de encontros com a imprensa, a entrevista-auditório. De um lado ficam os profissionais e de outro os denominados “apoiadores”. O episódio passou da conta e jornalistas abandonaram o local.

No dia seguinte, um funcionário do Planalto pediu à claque que deixasse os jornalistas em paz. Tentou-se chegar a bom termo, mas no dia seguinte, a claque voltou a se manifestar.

Os jornalistas devem trabalhar em condições adversas e eventualmente ouvem desaforos, inclusive aqueles que partem de Bolsonaro. É o jogo jogado.

Eles não devem ser obrigados a enfeitar palhaçadas.


Dorrit Harazim: Saindo dos trilhos

Mandetta e Fauci conquistaram o respeito e a confiança de quem os ouve pela abordagem científica e realista

Dias atrás, um engenheiro da malha ferroviária do porto de Los Angeles, na Califórnia, pirou. Eduardo Moreno, de 44 anos, convencera-se de que a missão oficial do navio-hospital USNS Mercy,enviado pela Marinha para aliviar a profusão de infectados na Costa Leste, era mera operação de fachada. A embarcação seria, na verdade, parte de um golpe de Estado em curso. Por isso, ele resolveu agir: manteve um trem não tripulado da zona portuária em velocidade máxima, para muito além do final dos trilhos, e causou um estrondo/estrago monumental — a composição destruiu primeiro uma barreira de concreto, atropelou uma proteção de aço, e prosseguiu por vasta área de cascalho até parar. À polícia o autor justificou assim o rompante que pode lhe valer uma pena de até 20 anos: “Era a chance que eu tinha para chamar a atenção das pessoas sobre o que está realmente acontecendo aqui”.

Não se pode atribuir a insanidade do engenheiro ao coronavírus. Mas, à medida em que a humanidade sai dos trilhos pré-Covid 19, é de se prever que o planeta se torne mais propício a insânias individuais e coletivas.

Daí a importância de se manter sob rédea curta governantes inseguros no poder, destemperados por índole e/ou despreparados para apontar o rumo em tempos de perigo e medo global. As limitações e inclinações inerentes a cada dirigente tendem a se acentuar à medida que a espiral da calamidade for adquirindo forma mais cruel. Por enquanto, em países onde essa espiral está apenas começando, a real capilaridade do vírus e seu potencial de destruição apontam em uma única direção: dias piores virão.

Nas Filipinas do presidente Rodrigo Duterte, que sofre de várias insuficiências democráticas e comanda com poder quase absoluto o país de mais de 100 milhões de habitantes, a solução para o complexo problema atual é simples: as forças policiais e militares têm ordem de atirar para matar quem descumprir a quarentena imposta. Ponto. Não tem ministro da Saúde, governadores nem imprensa em condições de lhe fazer frente.

Já Estados Unidos e Brasil têm mais sorte: por força da necessidade e do gigantismo da crise, Donald Trump e Jair Bolsonaro optaram por terceirizar o problema, que acabou em mãos de quem não comunga das crenças e disparates dos dois presidentes. Trump e Bolsonaro acreditaram poder desresponsabilizar-se da marcha da pandemia içando a primeiro plano dois personagens que não poderiam ser mais diferentes entre si — o nova-iorquino Anthony Fauci, a maior autoridade americana em infectologia, e, aqui, o deputado formado em Ortopedia Luiz Henrique Mandetta, atual ministro da Saúde. Ambos conquistaram o respeito e a confiança de quem os ouve pela abordagem científica e realista do combate ao coronavírus. Ambos, também, começam a pagar por isso.

Esta semana o franzino e bem-humorado Dr. Fauci , que já serviu a vários ocupantes da Casa Branca e chegou aos 79 anos de idade com biografia estelar, passou a precisar de proteção extra de agentes de segurança. Tem recebido ameaças de morte em demasia por parte de seguidores de Donald Trump. Em Brasília, Mandetta cometeu o pecado capital de seu Ministério da Saúde ter ultrapassado o presidente em aprovação na condução do combate ao vírus. Não só ultrapassou, esmagou: 76% a 33%, segundo o último Datafolha.

Sobreviver nessa dislexia nacional não tem sido fácil nos dois países. Em Washington, Donald Trump consegue embaralhar uma frase que começa com “Isto não é uma crise financeira, é apenas um momento temporário no tempo” com o anúncio da injeção de US$ 1 trilhão na economia do país. Em Brasília o comportamento de Jair Bolsonaro é ainda mais errático, sempre que tem um microfone pela frente. Para não concluir de forma sorumbática, vale recorrer às memórias de um generoso humanista do século 20, o escritor Paul Goodman. “Esperança é o contrapeso para o nosso enorme sentido de vulnerabilidade”, escreveu em suas memórias. “É a nossa permanente negociação entre otimismo e desesperança, a contínua negação do cinismo, ingenuidade.

Temos esperança justamente por termos consciência de que eventos tenebrosos são sempre possíveis e não raro prováveis. Mas as escolhas que fazemos podem impactar o seu desenlace”.


Eliane Cantanhêde: Pedra e pedradas

Bolsonaro quer isolamento só acima dos 50 e Mandetta lista 19 condicionantes para saída

O presidente Jair Bolsonaro e o ministro Luiz Henrique Mandetta (Saúde) não se suportam mais, mas não têm alternativa: Bolsonaro não pode demitir Mandetta e Mandetta não pode se demitir. Estão atrelados um ao outro pelo coronavírus. Unidos na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. E se detestando.

Entre os dois, há um muro: o isolamento social, única vacina possível para reduzir a audácia e a letalidade do vírus. Mandetta não pode cruzar esse muro, porque sua ação é “técnica e científica” e porque médicos “não abandonam o paciente”. Seu paciente é o Brasil. E Bolsonaro não pode dar uma canetada e criar o tal “isolamento vertical”, que, de isolamento, não tem nada. Não tem apoio para isso.

Cada lado prepara seu arsenal sob sigilo. Bolsonaro, que já falou duas vezes em editar um decreto e nunca editou, trabalha com um corte etário para relaxar o isolamento. O grupo de (maior) risco é acima dos 60 anos, mas ele estuda dar dez anos de lambuja. Abaixo dos 50, volta ao trabalho! Cola? Até agora não, tanto que a ideia está entre as quatro paredes do gabinete presidencial.

Já Mandetta propõe nos bastidores um desmame gradual do isolamento, listando 19 condicionantes técnicas a serem consideradas uma a uma, dependendo do cenário. A cada recuo da doença, um grau de relaxamento. Entretanto, o começo da implementação pode demorar 30 dias e o próprio ministro perguntou para sua equipe: “Ele vai ter paciência?” Quem será “ele”? Enquanto os dois se digladiam, as instituições assumem um lado e isolam Bolsonaro. Ministros do Supremo fazem fila e parlamentares se revezam para advertir o Planalto e apoiar o isolamento social. Até o vice Hamilton Mourão e o ministro Sérgio Moro (este sempre tão reverente à hierarquia) defendem publicamente a medida que o presidente rechaça.

Isolado institucionalmente e sofrendo restrições no próprio governo, Bolsonaro afasta aliados simbólicos, como os governadores Ronaldo Caiado (Goiás) e Carlos Moisés (Santa Catarina) e o ator Carlos Vereza, que foi cotado para a Secretaria de Cultura. Cada um deles corresponde a quantos decepcionados com os “achismos” do presidente?

A maior perda, aliás, vem das pesquisas. Metade das pessoas acha que Bolsonaro atrapalha mais do que ajuda no combate à pandemia e o que dói mesmo e abala o amor próprio do presidente é o aplauso vibrante da população ao seu “inimigo” Mandetta. Em vez de comemorar o grande trunfo do seu governo, Bolsonaro sofre. Só a psicologia, a psicanálise ou a psiquiatria para explicar.

Se Bolsonaro não pode demitir Mandetta “no meio da guerra”, Mandetta não pode se demitir. Desmontaria o Ministério da Saúde e jogaria o País num caos ainda maior. Uma irresponsabilidade histórica. Assim, o ministro avisou ao presidente que está pronto para ser o “bode expiatório” se tudo der errado e que fica até ser demitido.

Na mesma conversa, Mandetta fez enfática defesa do isolamento e alertou para as consequências do relaxamento: “Estamos preparados para caminhões do Exército transportando corpos pelas ruas, ao vivo, pela internet?” No dia seguinte, recorreu a Drummond: “No meio do caminho uma pedra, uma pedra no meio do caminho”.

Todos sabem quem é a “pedra” e o ministro passou a ser apedrejado na internet. Os mesmos que divulgam um falso desabastecimento no Ceasa-MG (burramente, porque é contra o próprio governo) inundam as redes desqualificando Mandetta, governadores e parlamentares pró-isolamento. Como isso ajuda Bolsonaro, não se sabe. Mas é ótimo para o coronavírus, a contaminação e as mortes. Mais do que irresponsável, macabro.


Ricardo Noblat: Está por um fio a convivência de Bolsonaro com Mandetta

Um manda, o outro não obedece

Quem um dia imaginou ver um ministro ameaçado de demissão por excesso de apoio popular; um presidente da República que governa orientado pelos filhos e divulga vídeos falsos; e um país às vésperas de um ataque de nervos ao pressentir que logo atravessará um dos períodos mais sombrios de sua história…

O presidente Jair Bolsonaro não seria culpado pela recessão econômica que virá, o aumento do desemprego, o buraco nas contas públicas se tivesse se comportado à altura do cargo. Como não se comportou, toda a desgraça provocada pelo vírus lhe será atribuída – e, em boa parte com razão.

A situação do ministro Mandetta, da Saúde é inversa. Se a desgraça produzida pelo vírus for pequena, mérito dele. Se for grande, não teve culpa. Como poderia se sair melhor sem meios para isso e sabotado o tempo todo pelo presidente da República? Mandetta irá para o céu. O destino de Bolsonaro será outro.

Que governo esquisito, esse. Tem três ministros indemissíveis no momento – Mandetta, Sérgio Moro, da Justiça e da Segurança Pública, e Paulo Guedes, da Economia, o ex-Posto Ipiranga que sofreu um apagão, mas que ainda está aí, embora parecendo perdido. E um presidente perfeitamente demissível.

Mal militar no passado quando foi expurgado do Exército por indisciplina e conduta antiética, tornou-se o pior presidente da história recente do país com o apoio das Forças Armadas. Para Bolsonaro, isso não fará a menor diferença. Ele quer é rosetar. Mas para a imagem das Forças Armadas será um desastre.

“Ele tem um raciocínio de que tem todos os poderes na mão, não é assim. Acho que é uma visão um pouco tosca do que seja a função de um presidente”, observa Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República. Bolsonaro mais atrapalha do que ajuda no combate ao vírus, segundo pesquisa Datafolha.

De ontem para hoje, o país foi dormir sob o forte impacto da revelação de que há confirmasdos mais de 9 mil casos de coronavírus, com 359 mortos até o momento. É como se dois Airbus 320, lotados, o avião mais usado pela LATAM, tivessem caído nos últimos 15 dias matando todos os seus passageiros.

Mandetta disse que médico não abandona paciente. Foi isso que ele aprendeu. Mas para cuidar do Brasil, faltam-lhe os equipamentos médicos necessários, kits para milhões de testes e a confiança do presidente que prefere ouvir Jacaré a ouvi-lo. Jacaré é o amigo de Bolsonaro que lhe repassou um vídeo falso.

A convivência entre Bolsonaro e Mandetta está por um fio que poderá romper-se a qualquer instante. Bolsonaro, que nem para prestar primeiros socorros serve, insiste em dizer tudo ao contrário do que Mandetta diz. O ministro, por sua vez, desautoriza o presidente toda vez que fala. Não tem como isso dar certo.

Por dever de obediência, no governo com mais militares por metro quadrado, ministros de Estado batem continência para Bolsonaro. Mas por dever de consciência e em legítima defesa das próprias vidas, escutam Mandetta e fazem o que ele manda, com o devido cuidado de não melindrar um chefe tão sensível e desatinado.

Essa situação não poderá durar até que o vírus esgote sua colheita de vidas e de dores.


El País: Mandetta, o conservador que vestiu o colete do SUS e entrincheirou Bolsonaro

Antiabortista e opositor ferrenho dos Mais Médicos, ex-deputado foi executivo de plano de saúde e se aproximou de presidente na campanha. Ameaçado de demissão, ele anda no fio da navalha e vê apoio popular disparar

Afonso Benites e Naiara Galarraga Cortázar, do El País

“Quanto a eu deixar o Governo por minha vontade, tenho uma coisa que aprendi com meus mestres: médico não abandona paciente.” A frase de efeito, lançada por Luiz Henrique Mandetta, ilustra a rotina paralela em que o Brasil mergulhou desde que começou a crise do coronavírus: acompanhar o duelo tático entre o ministro da Saúde e seu próprio chefe, Jair Bolsonaro, enquanto se conhece o boletim sobre o avanço da pandemia no país. Nesta sexta, a declaração teve tom de desafio: apesar das divergências com o presidente, que fez questão de criticá-lo em público, Mandetta reiterava que não pretende pedir demissão. A figura do ministro tem crescido frente às pressões negacionistas de Bolsonaro a respeito da doença, quando as mortes no país já chegam a 359, a cifra mais alta da América do Sul. “Vamos nos guiar pela ciência”, insiste em dizer este médico ortopedista de 55 anos que vem de uma extensa família de políticos e foi deputado por duas legislaturas.

“É uma luta grande em que vamos precisar de muita paciência, muita resiliência”, relembra Mandetta, que não se rendeu aos apelos e estratagemas do Planalto para que diminuísse as aparições públicas na última semana. Paramentado com um colete do Sistema Único de Saúde (SUS), um acessório de praxe para os momentos de emergência da pasta, ele ora saca as credenciais técnicas, ora explora verve religiosa e espiritual para atrair todos os holofotes para si, parte da titânica tarefa de permanecer no cargo, mesmo sem conseguir convencer o chefe de Estado e parte de seus 210 milhões de compatriotas de que, como orienta a Organização Mundial de Saúde, ficar em casa para reduzir ao mínimo o contato físico é a maneira mais eficaz de frear os contágios enquanto não há cura nem vacina. Atualmente, o ministro, governadores e prefeitos forjaram uma frente informal para implantar um isolamento social que tem semiparalisado o Brasil diante dos chamamentos de Bolsonaro para que os que não são idosos nem doentes crônicos vão trabalhar para amenizar a hecatombe econômica que se avizinha.

Mandetta, que já foi respeitado pelo presidente, agora é desprezado pelo chefe, que foi orientado a não demiti-lo por enquanto para não passar a imagem de total ingovernabilidade. Na última quinzena, Bolsonaro ameaçou dispensar seu ministro da Saúde em pelo menos duas ocasiões. Além das discordâncias técnicas, pesa contra ele uma certa inveja. Hoje, o trabalho de Mandetta diante da pandemia tem o dobro do apoio popular do presidente, conforme atestaram duas pesquisas de opinião recentes, do Datafolha e da XP. Ele ostenta uma aprovação de nível lulista: 76%, de acordo com o Datafolha.

O presidente não se cansa de criticar publicamente seu subordinado. A mais recente crítica foi feita na quinta-feira, em entrevista à rádio Jovem Pan. “O Mandetta quer fazer muito a vontade dele. Pode ser que ele esteja certo. Pode ser. Mas está faltando um pouco mais de humildade para ele, para conduzir o Brasil neste momento difícil que encontramos e que precisamos dele para vencer essa batalha”. Em resposta, o deputado Fábio Trad, primo do ministro, mandou um recado direto a Bolsonaro, via Twitter. “O problema, presidente, é que, se Mandetta ouvi-lo nessa questão, haverá um genocídio no país. Seja humilde o senhor em reconhecer que um médico está mais preparado para combater uma pandemia que um capitão reformado”.

Mandetta está longe de ser apenas um médico ortopedista, um técnico no ministério da Saúde. Ele é de uma família de políticos e entrou na política para defender a causa dos profissionais de saúde e dos ruralistas de seu Estado, Mato Grosso do Sul. Seu pai, Hélio, foi vice-prefeito de Campo Grande, a terra natal do ministro. Já teve um tio e primos como vereadores, prefeitos, deputados estaduais, deputados federais e senador. Foi pelas mãos de um de seus primos, o hoje senador Nelson Trad Filho (PSD-MS), que Mandetta entrou para a política partidária. Era secretário de Saúde quando Trad Filho governou Campo Grande. Por sua atuação na pasta, foi investigado por suspeita de fraude em licitação, tráfico de influência e caixa dois. A denúncia, acusação formal feita pelo Ministério Público, nunca foi apresentada. E é nisso que embasa a sua defesa.

É visto como de perfil apenas técnico quando tem sua performance comparada a outros ministros da tropa de choque ultradireitista de Bolsonaro, como Abraham Weintraub (Educação) ou Damares Alves (Direitos Humanos). Com Damares, inclusive, Mandetta já havia batido de frente, quando se opôs a alguns itens da campanha contra a gravidez na adolescência, baseada em abstinência sexual.

Antes de chegar ao ministério, foi gestor de uma cooperativa de médicos em Mato Grosso do Sul, Unimed, e deputado federal por dois mandatos (2011-2019). No Parlamento, fez pesado lobby contra o programa Mais Médicos, do Governo Dilma Rousseff (PT). Nesta crise, foi obrigado a lançar edital para reconvocar os médicos cubanos do programa dispensados sob Bolsonaro e corre contra o relógio para cobrir o buraco na assistência básica que deixou o desmonte do programa da era petista.

Da Câmara à Esplanada
Conservador, maçom, antiabortista, a favor do uso de maconha para fins medicinais e filiado ao direitista DEM, Mandetta foi a favor do impeachment de Dilma Rousseff. Apesar dessa oposição, transita bem entre políticos de esquerda. Católico, frequentador de novenas e missas, voraz leitor da Bíblia e de livros clássicos, costuma citar ambos em seus discursos e pronunciamentos. Nessa semana, em uma entrevista coletiva, falou de Gibran Khalil Gibran: “Somos os filhos e filhas da ânsia da vida por si mesma”. Quando era um opositor do Governo petista, recorreu ao conto O Rei está nude Christian Andersen, para criticar a organização da Copa do Mundo pela gestão Rousseff, em 2014.

De lá para cá, aproximou-se do então deputado Bolsonaro quando a maior parte dos políticos o rejeitavam. Deu alguns conselhos a ele, como o de que partos prematuros poderiam ser evitados com o tratamento de cárie em mulheres grávidas. Ganhou a simpatia do colega de Parlamento. Foi cogitado para ser um dos congressistas que se filiariam ao PSL juntamente com a onda Bolsonaro, mas preferiu seguir no seu DEM, do qual era vice-presidente do diretório nacional.

Quando Bolsonaro deixou de ser um irrelevante deputado do baixo clero e foi eleito para ocupar o gabinete principal do terceiro andar do Palácio do Planalto, Mandetta, que dizia ter desistido da vida política e não concorreu à reeleição para a Câmara, recebeu apoio das principais entidades médicas brasileiras para assumir a Saúde. A simpatia que o presidente tinha por ele se transformou em um convite formal para administrar um orçamento de 230 bilhões de reais como ministro da pasta. Ele interpretou o chamado como uma convocação.

Nos últimos dias, diante de um fogo cruzado promovido pelo incendiário presidente, Mandetta oscilou contra a ciência uma única vez. Ferrenho defensor do isolamento horizontal, quando a maior parte da população evita o contato social, ele foi pressionado por Bolsonaro a mudar o discurso e defender o isolamento vertical, quando se resguarda apenas idosos e pessoas com problemas de saúde graves. O fez em uma quarta-feira, quando “comprou” o discurso do presidente de que estaria havendo radicalismo por parte de governadores e prefeitos que defendiam uma espécie de quarentena. Ouviu críticas públicas e na esfera privada (entre seus amigos) nos três dias seguintes. Chamou a cobertura dos meios de comunicação de sórdida e foi alvo, no sábado, de um editorial do Jornal Nacional, da TV Globo. Disse a apresentadora: “O ministro da Saúde encontrou uma outra maneira de agradar o presidente: criticou o trabalho da imprensa, afirmando que os meios de comunicação são sórdidos porque, na visão dele, só vendem se a matéria for ruim”.

Foi aí que Mandetta acusou o golpe. Pediu perdão. “Puxaram a minha orelha na Globo porque eu fiz um comentário sobre a cobertura e eu peço desculpas. A gente quando erra, a gente de desculpas”. Desde então, o Mandetta menos disposto a ceder a Bolsonaro voltou à cena.

O regresso ao perfil que segue as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) desagradou ao seu chefe, que voltou a avaliar nomes para substituí-lo. Três estariam numa fila: Antonio Barra Torres, um militar da Marinha que dirige a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Osmar Terra, um médico deputado federal pelo MDB-RS, que foi demitido pelo presidente do Ministério da Cidadania, e Henrique Pratta, um filantropo e gestor do Hospital do Amor, o antigo hospital de câncer de Barretos.

Mas Bolsonaro está entrincheirado, ainda que com o sólido apoio de pouco mais de 30% da população. Falta a ele respaldo político para se desfazer de seu ministro, quando até outras estrelas do gabinete, como Sergio Moro (Justiça), ou mesmo o comandante do Exército, Edson Pujol, se mostram alinhados. Três parlamentares ouvidos pela reportagem disseram que, para além da frase de efeito desta sexta, já ouviram do próprio ortopedista: ele não pedirá para sair. “O Mandetta sabe do tamanho de sua responsabilidade e não é do tipo que abandona o barco nas horas mais difíceis”, afirmou a senadora Simone Tebet (MDB-MS), que conhece o ministro desde a infância.

As próximas semanas, que o próprio Mandetta descreve como “duríssimas”, serão a prova de fogo, inclusive para o apoio popular à pasta que comanda. “A fase do desgaste vem ali na frente”, ponderou. E lançou mais uma frase de efeito: “A mão que afaga é a mesma que apedreja”, disse, citando o poeta Augusto dos Anjos, uma voz crítica que morreu ―de pneumonia— no começo do século passado.


Bernardo Mello Franco: A humilhação de Mandetta

É cada vez mais ingrata a situação de Mandetta no governo. Um aliado conta que ele está “louco para ir embora”, mas quer que Bolsonaro assuma o desgaste de demiti-lo

É cada vez mais ingrata a situação de Luiz Henrique Mandetta no governo. Responsável pelo combate ao coronavírus, o ministro da Saúde já vinha sendo desautorizado pelo chefe. Ontem sua fritura alcançou um grau inédito, com direito a ameaça de demissão pelo rádio.

Em entrevista à Jovem Pan, Jair Bolsonaro voltou a atacar as medidas de isolamento defendidas pelo auxiliar. Ele disse ainda que o Ministério da Saúde teria sido tomado por um “clima de pânico” com a pandemia.

Questionado sobre o futuro do ministro, o presidente afirmou que não pretende demiti-lo “no meio da guerra”. Em seguida, ressaltou que “todo mundo pode ser demitido”. Mais Bolsonaro, impossível.

Foram três minutos de artilharia ininterrupta. “O Mandetta já sabe que a gente tá se bicando há muito tempo”, disse o capitão. “Ele é uma pessoa que em algum momento extrapolou”, prosseguiu. “Tá faltando um pouco mais de humildade para ele”, arrematou.

Foi o ataque mais explícito ao ministro, mas talvez não tenha sido o mais humilhante. Na quarta-feira, Bolsonaro montou uma armadilha para desmoralizar Mandetta diante da própria classe. Promoveu uma reunião de médicos no Planalto e não convidou o auxiliar.

O tema do encontro foi a hidroxicloroquina, que o presidente trata como panaceia contra um vírus que não tem vacina nem tratamento. O medicamento ainda está em fase de testes, sem eficácia comprovada. Além de desaconselhar seu uso sem prescrição, Mandetta já informou que ele provoca arritmia e pode causar parada cardíaca.

Em conversas reservadas, o ministro tem reclamado do clima de sabotagem. Um dirigente do DEM conta que ele está “louco para ir embora”, mas não quer pedir demissão. Prefere que o chefe assuma o desgaste de demiti-lo. “Virou um jogo de gato e rato”, resume o aliado.

À Jovem Pan, Bolsonaro disse que Mandetta precisa “ouvir um pouco mais o presidente”. Na prática, isso significaria trocar a ciência e a medicina por receitas que o capitão colhe na porta do Alvorada e em grupos de zap. Ao fim da entrevista de ontem, ele disse aos brasileiros que “papai do céu está conosco” e pediu um dia de jejum e orações “para a gente ficar livre desse mal”.


Eliane Cantanhêde: Mandetta à equipe: ‘No meio do caminho, uma pedra’

Bolsonaro nas ruas foi forma de provocar a queda do ministro, mas Mandetta não caiu na armadilha, e enviou poema de Drummond a sua equipe

O presidente Jair Bolsonaro aproveitou o domingo para exercitar sua birra contra o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que na véspera alertou: “Se o sr. for para metrô ou ônibus em São Paulo (como chegou a dizer em entrevista), vou ser obrigado a criticá-lo”. Ao que o presidente rebateu: “E eu vou ter que te demitir”.

Como não havia logística para ir a São Paulo ontem, Bolsonaro decidiu fazer o teste no Distrito Federal mesmo, indo a padarias, mercadinhos, fazendo até fotos com criança. Evidentemente, uma forma de provocar a queda do ministro, mas Mandetta não caiu na armadilha.

A atitude do presidente foi considerada “óbvia”, um pretexto para a exoneração – que, aliás, provocaria um efeito dominó no Ministério da Saúde. Assim, Mandetta se recolheu, pedindo paciência à equipe com um poema de Carlos Drummond de Andrade: No Meio do Caminho. Resta saber o que o ministro dirá na coletiva de hoje à tarde, além de pedir desculpas à mídia. Na guerra contra o coronavírus e a morte, ela é a sua grande aliada.

Outra grande expectativa hoje é se Bolsonaro vai mesmo editar um decreto para liberar todas as profissões para trabalhar em meio à pandemia ou se foi só mais uma ideia jogada ao ar, enquanto confrontava Mandetta nas ruas.

Se não sair decreto nenhum, essa história é mais uma para a longa lista de coisas que o presidente diz e ninguém leva a sério, nem lembra depois. Se sair, a coisa vai ficar muito grave. Além da crise sanitária, teremos uma crise federativa: a União contra os Estados, o presidente contra governadores e prefeitos.

Como o ministro do STF Gilmar Mendes alertou Bolsonaro no sábado, basta que São Paulo, Rio e Minas desobedeçam uma medida legal tomada pelo Planalto para essa medida virar pó, letra morta. Os três Estados reúnem quase cem milhões de pessoas e os governadores João Doria (SP) e Wilson Witzel (RJ) não parecem interessados nem em quebrar a quarentena nem em cumprir decretos e maluquices de Bolsonaro numa hora de vida ou morte.


El País: Mandetta prega consenso nacional para lidar com avanço do coronavírus e reforça pedido de isolamento

Ministro da Saúde assume tom conciliador e pede a brasileiros para se prepararem para muitas perdas de vida. “Deixem que nos planejemos para um estresse grande que vem lá na frente”

Foi uma semana de estresse, com o presidente Jair Bolsonaro e governadores se engalfinhando publicamente enquanto o coronavírus se espalha no Brasil. Nesse tiroteio político, o ministro da Saúde, Henrique Mandetta, decidiu assumir um tom de conciliação na coletiva de imprensa deste sábado, quando a pasta anunciou 3.904 casos confirmados de Covid-19 no Brasil e 114 mortes. “O Brasil é uma nave só”, disse Mandetta, falando no “consenso” que está sendo construído com secretários municipais e estaduais, incluindo o desenho adequado do que é quarentena, e como ela iria funcionar. “Ninguém tem esse parâmetro”, explicou ele. “A verdade é que vamos descobrir como vai ser nossa sociedade, nossas fraquezas e fortalezas. A saúde não é uma ilha. A economia é, sim, muito importante na saúde”, disse ele, vislumbrando a intersecção necessária para se chegar a um ponto de equilíbrio no debate do coronavírus.

O país chegou a um pico de tensão nos últimos dias enquanto o presidente pregava quarentena vertical que isolasse os mais velhos e reabrisse escolas, igrejas, lotéricas e comércio em geral. “Não existe quarentena vertical ou horizontal. O que existe é a necessidade de arbitrar em determinados tempos", afirma Mandetta, lembrando que é preciso “coordenar a ação nacional”.

O ministro explicou didaticamente a necessidade de coordenar a logística para a aquisição de equipamentos de proteção individual para os profissionais de saúde que trabalham na linha de frente nos hospitais, e que podem ser contaminados pelo coronavírus, provocando baixas num momento extremamente delicado. São compras disputadas, de empresas nacionais e internacionais, num momento em que o mundo todo vive a pandemia. “Deixem que nos preparemos para um estresse muito grande que vem lá na frente”, disse ele, lembrando que virão “muitas perdas” de vida, e o sistema de saúde precisa estar preparado para atenuar isso. “Vamos trabalhar para poupar vidas, sabendo que haverá dias duros”, afirmou Mandetta.

Economia
Diante da pressão do presidente e de alguns empresários para retomar a atividade econômica, Mandetta colocou a bola no meio do campo. “O presidente está certíssimo ao dizer que a crise econômica vai matar as pessoas. Temos que buscar uma fórmula com o Ministério da Economia”, afirmou Mandetta, em aceno ao presidente Bolsonaro. Mas assumiu a direção desejada pela grande maioria dos governadores, de olhar as duas dimensões da pandemia ao mesmo tempo. “A economia é muito importante para a saúde. O que colocamos em dúvida são os critérios dessas quarentenas [adotadas pelos governos]”, afirma Mandetta. “Vamos colocar alguns critérios, porque são necessários. Não serão os critérios do ministro Mandetta, estamos trabalhando com os secretários para estabelecer um consenso”, explicou. O ministro reforçou que era necessário garantir alimentos para abastecer mercados que atendam às famílias brasileiras. “Geladeira não pode ficar vazia”, explica.

A leitura de especialistas é a de que, num quadro de emergência, é preciso reacomodar uma cadeia produtiva para atender as demandas urgentes. No caso atual, a saúde e a alimentação básica, que norteariam a abertura do isolamento social caso a caso, ou seja, garantindo o livre trânsito para tudo que seja relativo a insumos de saúde e alimentos. A guerra política dos últimos dias, porém, atrasou alguns acordos, o que Mandetta colocou na conta do aprendizado diante da gravidade da pandemia. Seu norte, contudo, ficou claro na entrevista. "Estamos falando de vida. Vamos nos pautar pela ciência. Precisamos de planejamento, calma, frieza”, avisou ele, se descolando de Bolsonaro, que tinha a intenção de fazer uma campanha pela retomada de atividade econômica no país, mas foi impedido pela Justiça.

Os apoiares do presidente incentivaram carreatas em diversos pontos do país com o slogan “O Brasil não pode parar”, seguindo o apelo de Bolsonaro. O ministro minimizou o assunto. “Os mesmos que fazem carreata vão ficar em casa daqui a duas semanas”, disse Mandetta, que prevê a possibilidade de que o país tenha de parar totalmente. “O lockdown, que é a parada absoluta, pode vir a ser necessária em alguma cidade. O que não existe é um lockdown em todo o território nacional e desarticulado”, explica.

Sobre o medicamento cloroquina, que o presidente Bolsonaro vem divulgando como possível cura do coronavírus, Mandetta afirmou que “não é uma panaceia” e que ainda está sendo estudado para casos graves. “Não é hora de sobrecarregar o sistema de saúde. Vamos aguardar”, acrescentou em seguida. O ministro precisou reiterar sua continuidade no cargo, depois de rumores que entregaria sua demissão neste sábado. Guardou parte da entrevista para pedir pediu calma aos brasileiros e que desliguem a televisão às vezes, porque as notícias podem ser “tóxicas”, segundo suas palavras. Ele lembrou que a pandemia vai mudar tudo, e que depois que terminar, o mundo estará diferente. “Vai sair um mundo reflexivo, que vai ter que repensar seus valores”, concluiu.

Imprensa "sórdida”
Em determinado ponto da entrevista, Mandetta também atacou a imprensa e falou que “às vezes, os meios de comunicação são sórdidos". As palavras, que parecem representar uma tentativa de agradar o presidente Bolsonaro, causaram indignação entre alguns jornalistas e resultou em um duro editorial do Jornal Nacional na noite deste sábado. “Desliguem um pouco a televisão. Às vezes ela é tóxica demais", recomendou ele aos brasileiros. "Há quantidade de informações e, às vezes, os meios de comunicação são sórdidos porque ele só vendem se a matéria for ruim. Publicam o óbito, nunca vai ter que as pessoas estão sorrindo na rua. Senão, ninguém compra o jornal”, acrescentou.