luiz fux

César Felício: Distância regulamentar

Luiz Fux frisou que deferência a outros Poderes tem limite

A interlocutores nos últimos meses, o ministro Luiz Fux já havia indicado que pretendia demarcar uma certa distância em relação ao presidente Jair Bolsonaro. A convivência prometida iria muito pouco além da protocolar. Não haveria ambiente para visitas inesperadas, ou encontros no fim de semana.

Este não foi um traço de seu antecessor no cargo, Dias Toffoli, como ficou patente anteontem, com a irrupção de Bolsonaro em sessão do Supremo, para o assombro dos demais ministros.

Aboletado ao lado de Toffoli, a seu convite, Bolsonaro fez questão de lembrar que chegou onde chegou porque foi votado por milhões de eleitores. Ao passo que Toffoli e seus pares lá estavam por indicação presidencial. O momento não foi uma fotografia que colocou o Supremo em uma posição altiva, para dizer o mínimo.

Ao tomar posse ontem como novo presidente da Corte, Fux demonstrou o tamanho da distância regulamentar, ainda que o presidente estivesse ao seu lado, conforme manda o ritual.

Ele se mostrou disposto ao jogo político, ao deixar claro que quer ser “minimalista” e “pragmático” ao julgar ações de outros Poderes.

“O STF não tem o monopólio das respostas. Os demais Poderes devem resolver internamente seus próprios conflitos, em que a decisão política deve reinar”, disse em seu discurso. É algo que pode ter soado alentador aos ouvidos do presidente do Senado, que estava presente e sonha com uma reeleição explicitamente vedada pela Constituição.

Dentro da teoria consequencialista pela qual se rege ao tratar de temas econômicos, ele sempre estará disposto a ouvir os argumentos do Ministério da Economia ao pautar temas fiscalmente explosivos, um aceno para o Executivo.

Isso posto, Fux foi explícito em indicar que pode terminar aí a “deferência aos demais Poderes” que prometeu. “Deferência”, afirmou em seu discurso, “não se confunde com contemplação e subserviência”.

“O Judiciário não hesitará em decisões exemplares para a preservação da nossa democracia e nem mediremos esforços para o combate à corrupção. Não admitiremos recuo. Aqueles que apostam na desonestidade como meio de vida não encontrarão em mim condescendência, tolerância ou mesmo uma criativa exegese do direito”.

Não há outra interpretação possível que não seja a de ter sido feito um sinal de advertência ao presidente Jair Bolsonaro e seu entorno.

Não faz muitas semanas que a revista “Piauí” publicou uma matéria, sem revelar as fontes, em que se relata a disposição do presidente de intervir no Supremo, seja lá o que isso significa, caso fosse obrigado a entregar para perícia o seu telefone celular.

O esgoto da internet açulado pelo bolsonarismo bombardeia de maneira incessante os ministros de Supremo e Fux há tempos é um alvo importante de ataques ao rés do chão. Em sessão recente no STF, o ministro classificou este tipo de militância virtual como terrorista.

A referência à Lava-Jato é uma sinalização de que, no que depender de Fux, não haverá interesse em garantir blindagem a integrantes de outros Poderes. O novo presidente do Supremo Tribunal Federal não fez referências às suspeitas que pesam contra o próprio Judiciário, amplificadas anteontem pela operação desencadeada por ordem do juiz Marcelo Bretas.

Fux fez menção expressa à importância de se preservar a liberdade de imprensa, foco de explosões constantes de ira presidencial, e prestou logo no início de seu discurso tributo aos quase 130 mil mortos pela covid-19, que raramente recebem homenagens de Bolsonaro.

Se o seu antecessor buscou a assessoria de generais, Fux promete como um de seus primeiros atos como presidente da corte a criação de um Observatório de Direitos Humanos no âmbito do Conselho Nacional de Justiça. Em política, às vezes, um gesto é tudo.
Deriva

Tivesse o ex-ministro da Justiça Sergio Moro mais desenvoltura para articulações partidárias não faltaria a ele oportunidades para ser protagonista nestas eleições municipais. Moro está em segundo ou terceiro lugar nas pesquisas de intenção de voto para 2022, e há uma corte de admiradores do ex-ministro que estão disputando o pleito. A vinculação deles ao bolsonarismo é hoje tênue. Poderiam ser candidatos “moristas”.

Em São Paulo, a deputada Joice Hasselmann (PSL) disputa a eleição magoada com Bolsonaro e batendo em literalmente todas as forças políticas do Estado. Joice foi autora de uma hagiografia de Sérgio Moro, no auge da Lava-Jato. Se há uma vertente em que continua se ancorando é a do combate à corrupção.

Também seria uma “morista” em potencial a candidata do Podemos à Prefeitura do Recife, delegada Patrícia Domingos, que manifesta reservas a Bolsonaro e é só elogios ao ex-ministro da Justiça.
Nada indica, entretanto, que o ex-ministro partirá para este tipo de semeadura nos próximos dois meses. A notícia que existe é que ele começa na próxima semana a dar aulas virtuais no curso de direito do UniCEUB, uma faculdade particular em Brasília.

Desde que saiu do governo, causando desgaste ao presidente, Moro colecionou percalços. Enfrenta uma ofensiva de advogados para que seja impedido de exercer a atividade e está sob o fio de lâmina no Supremo, que há de um dia julgar a sua suspeição no processo que condenou Lula. A Operação Lava-Jato que tanto o projetou está nas cordas. Reúne contra si praticamente a unanimidade do mundo político.

São circunstâncias que tolhem seus movimentos. Moro será um ator importante no cenário político a depender de mudanças de variáveis que não controla. Ele está distante da costa, o que torna mais incerta a rota a seguir. Pra chegar no destino vai depender do vento.


Eliane Cantanhêde: Fux, sem subterfúgio

Em vez de defender o combate à corrupção em tese, Fux citou especificamente a Lava Jato

Se o Supremo Tribunal Federal agir e decidir nos próximos dois anos como se comprometeu ontem o seu novo presidente, Luiz Fux, será um sucesso, um bom momento para a Justiça brasileira. Não custa lembrar, porém, que, entre palavras e atos, há uma enorme distância. Entre o desejo e as condições práticas, também. E é preciso combinar com os “adversários” – inclusive os demais ministros. Logo, a torcida é para Fux perseguir suas promessas e os princípios manifestados, enfrentar as naturais divisões internas e as pressões externas.

Em seu discurso, que abriu com um tributo aos quase 130 mil mortos pela covid-19, geralmente esquecidos nas falas do Executivo, ele disse que “democracia não é silêncio, é debate construtivo”, e defendeu a independência entre Poderes, mas “com altivez e vigilância e não com contemplação nem subserviência”. Ao seu lado, o presidente Jair Bolsonaro, finalmente de máscara, apesar das telas transparentes que separavam os ministros e autoridades, não mexia um músculo.

Fux também criticou a judicialização da política e o excesso de ações que o Supremo julga por ano – 115.603 em 2019. Ao dizer que o Judiciário não é “oráculo”, pregou que Executivo e Legislativo resolvam seus conflitos internos, sem que o Supremo atue verticalmente, e prometeu uma “intervenção minimalista” em matérias sensíveis: “menos é mais”, disse. Além de enaltecer a democracia e a mínima interferência em temas dos demais Poderes, ele se comprometeu veementemente com uma ação firme em favor de minorias, liberdade de expressão e de imprensa e, junto com isso, com o combate à corrupção e ao crime organizado.

O recado mais objetivo do discurso de posse, porém, foi quando Fux saiu dos princípios gerais, das frases de efeito e das citações eruditas para dizer com todas as letras, sem subterfúgio, que sua gestão será pró-Lava Jato. Além de citar diretamente a operação e o mensalão, marcos contra a corrupção no Brasil, ele fez mais: lembrou aos quatro ventos, especialmente para a cúpula do poder nacional, ali presente, que todas as operações foram realizadas com autorização judicial. Inclusive do próprio Supremo.

Essas manifestações têm enorme significado diante das múltiplas frentes de ataque à Lava Jato e da correspondente reação das forças-tarefa. A cada ataque, uma nova operação – como a que atingiu em cheio, na véspera da posse, os advogados, até agora preservados e na linha de frente do tiroteio contra a Lava Jato, por motivos óbvios.

Se o Supremo é unânime ao dizer não aos arroubos antidemocráticos, sejam do presidente Bolsonaro, de seus adeptos e robôs de internet, a Corte se divide quanto o tema é Lava Jato. Por isso a importância da manifestação de Fux. O presidente tomou partido, reafirmou já na posse os seus votos, em plenário e na Primeira Turma, a favor das duas maiores operações de combate à corrupção de que se tem notícia.

Na pauta do Supremo, destacam-se a investigação de Bolsonaro por interferência política na Polícia Federal e o julgamento, na Segunda Turma, da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro na condenação do ex-presidente Lula. E, claro, respingarão na Corte as decisões do Congresso sobre a prisão após condenação em segunda instância, que teve idas e vinda tortuosas e julgamentos apertados no plenário – em geral por um voto.

Celso de Mello sai em novembro e Marco Aurélio, no ano que vem. Ambos são contra a prisão em segunda instância. Portanto, se houver um novo julgamento, a decisão vai depender dos dois futuros ministros. Ou seja: de Jair Bolsonaro. Deste que é candidato à reeleição em 2022, não daquele de 2018. A grande interrogação, aliás, é justamente essa: como será a relação deles, Bolsonaro e Fux.


Bernardo Mello Franco: Sinais contraditórios na posse de Fux

As sessões solenes do Judiciário costumam ser pródigas em rapapés. Mesmo assim, Augusto Aras exagerou. O procurador-geral da República disse que o ministro Luiz Fux “alia a mente de Atenas à força de Esparta”. Até as estátuas gregas ficariam coradas com a bajulação.

Fux fez um longo discurso ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal. Na única referência à Antiguidade, evocou Platão para declarar apoio à Lava-Jato. Depois citou pensadores mais contemporâneos, como Fagner e Michael Sullivan. “Ele me deu a honra da parceria na canção ‘Flor Mariana’, como presente de casamento para minha filha”, informou.

Sobre o que interessa, a relação da Corte com o bolsonarismo, o ministro emitiu sinais contraditórios. Numa passagem, ele afirmou que “harmonia entre os Poderes não se confunde com contemplação e subserviência”. A frase indicou uma mudança positiva em relação ao colaboracionismo de Dias Toffoli.

Em outro momento, Fux sugeriu que o Supremo pode passar a se omitir em debates caros ao governo. Ele criticou a “judicialização vulgar” de questões “permeadas por desacordos morais”. “Essa prática tem exposto o Poder Judiciário, em especial o Supremo, a um protagonismo deletério, corroendo a credibilidade dos tribunais”, afirmou.

A declaração deve ter animado Jair Bolsonaro, que ataca o Supremo sempre que se vê contrariado por alguma decisão. Em abril, ele hostilizou o ministro Alexandre de Moraes após ser impedido de nomear um amigo para a chefia da Abin. “Quase tivemos uma crise institucional. Faltou pouco”, esbravejou.

Diante de um governo autoritário, que faz ameaças constantes à oposição, às minorias e à imprensa, o Supremo não pode julgar apenas temas de consenso. Em diversos momentos, terá que contrariar o Planalto para proteger a Constituição.

À revista “Justiça & Cidadania”, Fux acrescentou que sua gestão será marcada por “uma postura de muita deferência às escolhas feitas pelo governo”. Se ele seguir essa linha, a diferença em relação a Toffoli será apenas de estilo.


Ricardo Noblat: Que saudade Bolsonaro sentirá de Dias Toffoli

O que Fux promete
A entregar pelo menos em parte tudo o que prometeu no seu discurso de posse, ontem, como novo presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Luiz Fux fará o presidente Jair Bolsonaro sentir falta, muita falta do ministro Dias Toffoli.

Há dois anos, ao ser empossado no cargo que cedeu a Fux, Dias Toffoli prometera tirar o tribunal da boca do palco da política, reduzindo seu protagonismo. Fez o contrário. E surpreendeu seus pares e o próprio governo aliando-se a Bolsonaro.

Fux comprometeu-se também com uma “intervenção minimalista” em assuntos sensíveis. “Menos é mais”, enfatizou. Repetiu o truísmo da necessária independência entre Poderes, mas acrescentou: “Com altivez” e não com contemplação e subserviência.

Sentado ao seu lado e usando máscara porque todos, ali, também usavam, Bolsonaro não foi alvo de tratamento especial, nem de salamaleques. Ouviu do ministro Marco Aurélio Mello que deve governar para todos os brasileiros, e não só para os que o elegeram.

Ouviu de Fux, no trecho mais aguardado do seu discurso, uma defesa enfática do combate à corrupção. O ministro citou a Lava-Jato mais de uma vez, exaltando seus resultados. Fez por merecer o que o ex-juiz Sérgio Moro vaticinou em 2016:

– Excelente. “In Fux we trust” (‘em Fux nós confiamos’)

Histórias do Brasil

O alô do prefeito e o mico do general

Dez de março passado, uma segunda-feira. Manhã, bem cedo. Na casa do empresário Rafael Alves, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, toca seu celular. Ao ouvir “alô”, o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), autor da chamada, foi logo perguntando:

– Bom dia, Rafael. Está tendo uma busca e apreensão na Riotur [empresa de turismo do município]? Você está sabendo?

Não foi Rafael que atendeu a ligação, mas o delegado Clemente Nunes Machado Braune, um dos responsáveis pela primeira fase da Operação Hades que investiga um esquema de pagamento de propinas a funcionários da prefeitura.

Naquele instante, a casa de Rafael estava sendo vasculhada por policiais em busca de documentos e de objetos. O delegado disse ao prefeito quem era e por que estava ali. Sem falar mais uma só palavra, Crivella desligou rapidamente.

Segundo o delegado, a forma de tratamento, o horário da chamada e o assunto em questão deixaram clara a relação de confiança entre o prefeito e o empresário, que teve o celular apreendido. Seu conteúdo deflagrou, ontem, a segunda fase da operação.

Desta vez, foram cumpridos 22 mandados de busca e apreensão, três deles em endereços de Crivella: seu apartamento na Barra da Tijuca, seu gabinete na sede da prefeitura, e o Palácio da Cidade, usado por ele para reuniões e eventos.

O prefeito estava em casa quando os policiais chegaram. Seu celular foi confiscado, embora, por orientação de advogados, ele tenha se recusado a fornecer a senha. Depois da batida, Crivella foi ao encontro do presidente Jair Bolsonaro num quartel da Marinha.


Merval Pereira: Nova postura

Fortalecer a “autoridade e a dignidade” do Supremo Tribunal Federal (STF), retirando-o das disputas políticas e mantendo relações com os demais poderes “harmônicas, porém litúrgicas”, parece ser o objetivo central da gestão do ministro Luiz Fux, que tomou posse ontem como presidente do STF.

Essa postura é uma guinada em relação aos últimos anos presididos por Dias Toffoli, que se aproximou excessivamente, na visão de muitos, do Palácio do Planalto e das manobras políticas, na tentativa de protagonizar acordo entre os Três Poderes que resultaram apenas em uma imagem distorcida do Supremo.

Para tanto, Fux definiu que Executivo e Legislativo têm que arcar com as conseqüências políticas das próprias decisões. Em seu discurso de posse, Fux foi enfático ao falar da corrupção, fazendo referência elogiosa à Operação Lava-Jato, que sofre ataques dentro do próprio Supremo:
“Esses corruptos de ontem e de hoje é que são os verdadeiros responsáveis pela ausência de leitos nos hospitais, de saneamento e de saúde para a população carente, pela falta de merenda escolar para as crianças brasileiras”.

A base de sua gestão nos próximos dois anos foi definida num discurso comovido e comovente, em que ficou clara sua alegria de ter chegado ao posto mais alto da carreira jurídica, mas também o desejo firme de não envolver o Supremo em questões que levem a uma “judicialização vulgar e epidêmica”.

Para o novo presidente do STF, é preciso “deferência aos demais Poderes no âmbito de suas competências, combinada com a altivez e a vigilância na tutela das liberdades públicas e dos direitos fundamentais. Afinal, o mandamento da harmonia entre os Poderes não se confunde com contemplação e subserviência”. Para justificar esta nova postura, o novo presidente do Supremo advertiu em seu discurso que “(…) a intervenção judicial em temas sensíveis deve ser minimalista, respeitando os limites de capacidade institucional dos juízes, e sempre à luz de uma perspectiva contextualista, consequencialista, pragmática, porquanto em determinadas matérias sensíveis, o menos é mais”.

Na sua visão, o Tribunal tem tido “um protagonismo deletério”, muito devido ao excesso de demandas de políticos e governantes: “(…) alguns grupos de poder que não desejam arcar com as consequências de suas próprias decisões acabam por permitir a transferência voluntária e prematura de conflitos de natureza política para o Poder Judiciário, instando os juízes a plasmarem provimentos judiciais sobre temas que demandam debate em outras arenas que não o Judiciário”.

Os cinco eixos de sua gestão, alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas, definem bem seus objetivos: 1) a proteção dos direitos humanos e do meio ambiente; 2) a garantia da segurança jurídica conducente à otimização do ambiente de negócios no Brasil; 3) o combate à corrupção, ao crime organizado e à lavagem de dinheiro, com a consequente recuperação de ativos, 4) o incentivo ao acesso à justiça digital, e 5) o fortalecimento da vocação constitucional do Supremo Tribunal Federal.

Falou com especial ênfase no combate à corrupção, “que ainda circula de forma sombria em ambientes pouco republicanos em nosso país”. Fux afirmou que não admitirá “qualquer recuo no enfrentamento da criminalidade organizada, da lavagem de dinheiro e da corrupção”, e advertiu: “Não permitiremos que se obstruam os avanços que a sociedade brasileira conquistou nos últimos anos, em razão das exitosas operações de combate à corrupção autorizadas pelo Poder Judiciário brasileiro, como ocorreu no Mensalão e tem ocorrido com a Lava Jato.”

Esclarecimento
O General Richard Nunes, chefe do Centro de Comunicação Social do Exército, manda mensagem esclarecendo que o Exército não gastou nada com o aumento da produção de cloroquina, que já fabricava para outros fins, como tratamento de lúpus e malária.

A encomenda não saiu do orçamento do Exército, que foi ressarcido do gasto extra. Ele lembra que não compete ao Laboratório do Exército analisar se a cloroquina tem ou não efeito sobre a Covid-19, função de outros órgãos.


El País: Fux estreia no comando do STF

Ministro defende a Lava Jato e deve evitar temas conflituosos. Ele quer, em um primeiro momento, manter o foco nos casos sobre o combate à pandemia e sobre meio ambiente

Afonso Benites, El País

A assunção do ministro Luiz Fux à presidência do Supremo Tribunal Federal deve representar uma redução do chamado ativismo judicial e um momento de maior independência do Judiciário em relação Executivo e ao Legislativo. Seu antecessor no cargo, José Antonio Dias Toffoli, ficou marcado por se aproximar do Executivo e fazer acenos ao Legislativo com um pacto entre os Poderes que, na prática, nunca existiu. Fux quer que a Corte Suprema e o Judiciário como um todo interfiram cada vez menos na política. Em seu discurso de posse, o novo presidente afirmou que a judicialização da política, fenômeno no qual um poder interfere em atribuições de outros, têm equivocadamente transformado o STF em uma espécie de “oráculo”.

“O Supremo Tribunal Federal não detém o monopólio das respostas, nem é o legítimo oráculo, para todos os dilemas morais, políticos e econômicos de uma nação”, disse o ministro. Ele ainda cobrou que as autoridades ajudem a dar um “basta na judicialização vulgar e epidêmica de temas e conflitos em que a decisão política deva reinar”.

O ministro disse que a harmonia entre os Poderes não implica na subserviência a eles. “O mandamento da harmonia entre os Poderes não se confunde com contemplação e subserviência”. Fux também definiu cinco prioridades para a sua gestão: a proteção dos direitos humanos e do meio ambiente; a garantia da segurança jurídica para o ambiente de negócios; o combate à corrupção, ao crime organizado e à lavagem de dinheiro; o incentivo ao acesso à Justiça digital e; o fortalecimento da vocação constitucional do Supremo.

Essa independência é esperada entre quem acompanha o dia a dia do STF. “O ministro Fux é um juiz de carreira. Juiz não defende um dos lados. Juiz julga. É possível que ele se policie mais do que antecessores no trato com outros Poderes”, diz o advogadoTércio Sampaio Ferraz Júnior, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. “Ele é uma pessoa que tem a vivência, que conhece a rotina de todo o Judiciário. Isso será positivo”, afirmou a advogada Beatriz Sena, mestre em Direito e Estado.

Poder reduzido na pauta

Uma das principais funções do presidente da Corte é o de definir a pauta de julgamentos do plenário. Esse poder foi reduzido durante a pandemia, quando prevaleceram os julgamentos virtuais em que os relatores dos processos podem levar seus casos diretamente. Pelo que a reportagem apurou, Fux deverá evitar temas conflituosos e quer, em um primeiro momento, manter o foco nos casos envolvendo o combate à pandemia de coronavírus e o meio ambiente.

Entre analistas críticos ao STF, há os que apostam que ele não entrará em nenhum conflito com o Executivo e suas pautas ideológicas. Um deles é o professor de direito da USP, Conrado Hubner Mendes. Em sua coluna na Folha de S. Paulo, Mendes sugeriu que Fux não compraria cinco temas caros ao bolsonarismo e que já tem ações à espera de julgamento. “O índice mais significativo de uma gestão no STF não é formado pelos casos que decide, mas pelos que prefere não decidir. Faço uma aposta sobre os cinco casos que Fux não decidirá nem que a República tussa”. Os temas são os seguintes: porte de drogas, prisões, interrupção da gravidez, juiz das garantias e decreto das armas.

Também pesa contra o novo presidente sua conduta tida como corporativista no passado. Foi ele quem, em 2014, concedeu auxílio moradia a todos os juízes do país por meio de uma liminar. E só a suspendeu quatro anos depois, quando o Governo Michel Temer (MDB), em um acordo com o Congresso Nacional, liberou o reajuste salarial aos magistrados. Até agora o caso ainda não teve o seu mérito julgado. “Essa questão de corporativismo é complicada. Todas as carreiras são. Em um ponto de vista externo, o auxílio moradia pode ser chamado de penduricalho, internamente dizem que compõe o que se chama de remuneração”, contemporizou Ferraz Júnior.

Em seu discurso, o ministro disse que a Corte não admitirá “qualquer recuo no enfrentamento da criminalidade organizada, da lavagem de dinheiro e da corrupção”. Conhecido pelos votos duros em matéria penal, citou textualmente a Lava Jato. Se não bastassem os desafios comuns para qualquer presidente de Tribunal, Fux ainda terá de se deparar com os embates que têm crescido entre a ala garantista e a ala lavajatista, da qual faz parte. De um lado, estão os ministros que têm impostos seguidas derrotas à Operação Lava Jato. Do outro, os que defendem que a investigação ainda é um baluarte do combate à corrupção. Entre os casos pendentes de julgamento, está o pedido da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que acusa ex-juiz Sergio Moro de ser parcial.

Até o fim do mandato de Fux, em setembro de 2022, ele se despedirá de dois ministros que se aposentarão compulsoriamente ―Celso de Mello, em novembro deste ano, e Marco Aurélio, em julho de 2021. Por essa razão, ele recepcionará dois nomes que serão indicados por Jair Bolsonaro, que tem feito uma espécie de leilão pelas vagas. Nesse meio tempo, possivelmente, colocará para julgamento o processo que deve advir dos inquéritos que apuram suposto esquema de fake news liderado por bolsonaristas no STF e do que apura se o presidente interferiu politicamente na Polícia Federal.

“Seja feliz”

A cerimônia de posse de Fux na presidência e de Rosa Weber, na vice-presidência, foi marcada por recados a outras autoridades e por gestos curiosos. Os primeiros foram disparados pelo ministro Marco Aurélio, que discursou como representante da Corte e deu uma dura sugestão ao presidente Bolsonaro. “Vossa excelência foi eleito com mais de 57 milhões de votos, mas é presidente de todos os brasileiros. Continue na trajetória havida. Busque corrigir as desigualdades sociais que tanto nos envergonham. Cuide, especialmente, dos menos afortunados. Seja sempre feliz na cadeira de mandatário maior do país”.

Por causa da pandemia de covid-19, os ministros e as autoridades no plenário do Supremo estavam separados por um painel transparente de acrílico. Havia distanciamento de ao menos duas poltronas entre o público. E uma cena curiosa foi vista algumas vezes. Bolsonaro, que estava sentado entre Fux e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (presidente da Câmara), dava breves espiadas para o celular deste, que é um contumaz usuário do aparelho. O hino nacional foi cantado pelo ícone da MPB Raimundo Fagner, um defensor da Lava Jato.

Aos 67 anos, Fux chega ao topo da carreira da magistratura depois de ocupar a maioria dos cargos possíveis na área. Foi advogado, promotor de Justiça, juiz de primeira instância, juiz eleitoral, desembargador no Tribunal de Justiça do Rio, ministro do Superior Tribunal de Justiça, ministro e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Quando chegou ao Supremo, em 2011 por indicação da então presidenta Dilma Rousseff (PT), ainda tinha muitos fios de cabelos pretos. Agora, com as madeixas acinzentadas, se depara com um Brasil bem diferente do que de nove anos atrás. As instituições, durante a gestão Jair Bolsonaro (sem partido), estão sob constante ataque, sejam ele virtuais, ou por meio de discursos do próprio mandatário ―apesar de nos últimos meses ter baixado o tom de suas falas.

Natural do Rio de Janeiro, ele é descendente de imigrantes judeus que vieram ao Brasil para fugir da perseguição nazista. Fora do tribunal, é conhecido pelas lições de Processo Civil que dá na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, pelos livros sobre este tema que escreveu, por ser um fiel praticante de jiu jitsu e por ter se arriscado em bandas de rock. Como atleta de artes marciais, frequentemente dá dicas de defesa pessoal a servidores que o circundam. Presidente do Supremo até 2022, às vésperas das presidenciais, resta saber como atuará, de fato, como presidente da Corte e o quão disposto estará para defender a Constituição e a independência do Judiciário.


Maria Cristina Fernandes: O tatame minado de Fux

Operação expõe teia de relações entre escritórios e tribunais

O Ministério Público Federal estendeu um grande tatame para a posse de Luiz Fux na presidência do Supremo Tribunal Federal. A operação de ontem é a maior a envolver as relações entre escritórios de advocacia e gabinetes de tribunais superiores em Brasília. A denúncia desfia tráfico de influência e exploração de prestígio, ferramentas com as quais, há décadas, se desmonta o combate à corrupção.

Derivada da delação do ex-presidente da Fecomercio, a denúncia, que envolve 26 advogados, expõe como essa teia operou a favor da manutenção do cartório do Sistema S por meio de triangulações montadas pelo ex-governador Sérgio Cabral.

Faixa vermelha e preta de jiu-jitsu, Luiz Fux já foi feito de refém num assalto a seu apartamento de Copacabana em 2003, quando ainda estava no STJ. A partir de hoje, é esta teia de interesses que tentará fazer do ministro, prisioneiro.

A presença do advogado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na mesma operação que também alvejou o ex-advogado do presidente Jair Bolsonaro sugere que a esquerda montou na cavalgada anti-Lava-Jato sem olhar os dentes. O bom discurso de Lula no dia da pátria não rima com uma retaguarda jurídica que mora no mesmo prédio dos maiores doleiros de São Paulo.

Entre a defesa de Lula e Bolsonaro estende-se uma lista de advogados, entre os quais, filhos de ministros e ex-ministros que ascenderam ao STJ e ao TCU com o apoio de lideranças que, desde o governo José Sarney, personificam, em revezamento, o Centrão.

O momento político é favorável aos denunciados. O ataque a advogados, num momento em que a democracia está nas cordas, sempre poderá ser traduzido como parte do arbítrio. Dois desfechos já são dados como prováveis. O primeiro é uma liminar do ministro Gilmar Mendes. O outro é um embate entre o procurador-geral da República, Augusto Aras, com aquela que era a única, no lavajatismo, que escapara das ofensivas contra Curitiba e em São Paulo.

Escolhido para relatar a primeira das ações da Lava-Jato do Rio, Gilmar Mendes hoje é o destino natural de todas aquelas que se originam daquela perna da operação. Some-se aí a relatoria da ação do foro do senador Flávio Bolsonaro e é possível aquilatar o poder do ministro face ao presidente da República e sua família.

Com a ação de ontem, a este poder acresça-se aquele sobre a teia de relações denunciadas pelo MP. São interesses que extrapolam o mandato de Bolsonaro. Entra presidente, sai presidente, eles estão sempre lá. Não por acaso, o último ministro a se confrontar com eles, Joaquim Barbosa, que só recebia advogados de uma parte na presença daqueles da outra parte, teve duros embates com Gilmar Mendes.

Fragilizado, ao tomar posse, por investigações que o envolviam e que acabariam por ser o motivo original do inquérito das “fake news”, Toffoli buscou abrigo sob a toga de Gilmar. O resultado é que o ministro deixa a presidência do tribunal menor do que entrou.

Cometeu dois erros capitais, o de ter suspendido o acesso da Lava-Jato aos dados do Coaf e de ter franqueado a Aras os dados da Lava-Jato do Paraná. Em ambos os casos, foi derrotado pelos colegas.
Enquanto Toffoli cumpria a pauta à risca e se congraçava cada vez mais com o presidente da República, a ponto de ter apagado da memória todas as afrontas perpetradas por Jair Bolsonaro contra a democracia, Gilmar se aproximava da esquerda, na condição de paladino do Estado de direito e crítico da militarização do governo.

Uma das medalhas de reconhecimento foi a participação, a convite do Movimento dos Sem-Terra, de uma plenária virtual com camponeses.
O dueto dificilmente se repetirá com Fux. Primeiro lugar no concurso para a magistratura, presidente da comissão de juristas que, junto com o Congresso, reformou o Código de Processo Civil, Fux não se intimida no debate técnico em plenário.

Se Gilmar Mendes tem a Lava-Jato do Rio na mão, Fux é relator de um dos mais importantes processos do Mato Grosso, do ex-governador Silval Barbosa. Dificilmente, porém, o embate se encaminhará para os vínculos de um e do outro com seu Estado natal.

Os votos pró-Lava-Jato de Fux deixam claro que não há composição possível com o trio formado por Gilmar, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Restaria, então, à trinca de ministros, neutralizá-lo. A reforma administrativa corrobora com essa estratégia. Depois de Executivo e Legislativo encamparem a ideia, restaria ao Judiciário enfrentar o tema que causa desconforto para um ministro, como Fux, ferrenho defensor do auxílio-moradia de juízes.

Em contrapartida, o ministro terá o poder de pauta. A partir de sua posse, é possível que Edson Fachin, relator da Lava-Jato do Paraná, sinta-se estimulado a levar mais as votações para o plenário, uma vez que o ministro tem perdido todas na Segunda Turma desde a convalescença do ministro Celso de Mello. Restaria ao trio as decisões monocráticas e os pedidos de vistas, recurso contra o qual Fux não terá como se insurgir visto que foi um dos ministros que dele mais se valeu ao longo dos dois últimos anos.

Desconhece-se a estratégia de Fux para enfrentar a onda anti-Lava-Jato, mas é previsível que, quaisquer que sejam seus recursos, a pauta ficará amplamente desfavorecida com a troca de Celso de Mello, em novembro, e de Marco Aurélio Mello, em julho.

A ordem de votos, se hoje ainda favorece a Lava-Jato, jogará contra com Fux na presidência. Como os novos entrantes votam antes, quando a vez chegava aos “garantistas”, o placar, frequentemente, já estava 1 (Alexandre de Moraes) a 5 (Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia).

Aquele que entrar, muito provavelmente, abrirá o placar contra a Lava-Jato porque esta é a vontade do presidente que patrocinará sua indicação. O jogo deve ficar equilibrado até que, efetivamente, esteja garantido a partir de julho. A operação de ontem dá redobradas chances para Aras conseguir uma das cadeiras, estrangulando a força-tarefa do Rio.

Quem quer que entre no tribunal o fará sob bombardeio, condição que, a exemplo de Toffoli, o deixará à mercê do abrigo de Gilmar Mendes. A partir de julho de 2021, o ministro será o decano do tribunal, condição simbólica de prestígio que lhe dará redobrada força.

A não ser que esconda um golpe secreto neste tatame tão minado, Fux poderá se dar por vitorioso com um empate.


Bernardo Mello Franco: Fux terá que escolher

A despedida de Dias Toffoli resumiu bem sua gestão à frente do Supremo. Enquanto os ministros da Corte faziam os salamaleques de praxe, Jair Bolsonaro adentrou o plenário cercado de aliados. Sem aviso e sem cerimônia, o capitão se refestelou numa poltrona e passou a acompanhar os discursos.

Não foi o único momento constrangedor da tarde. Indicado por Bolsonaro, o procurador Augusto Aras comparou o presidente do Supremo às flores do Cerrado. “No auge da seca, os ipês nos dão o melhor de si, embelezando a relva ressequida”, filosofou. Em nome da OAB, o advogado Marcus Vinicius Furtado Coêlho disse que a coragem é a “característica central” de Toffoli. Essa ninguém poderia imaginar.

Mais cedo, em visita ao Congresso, Toffoli já havia recebido uma curiosa homenagem do presidente do Superior Tribunal de Justiça. “Todo poder emana do povo. E o Toffoli é povo, o Toffoli é poder”, afirmou o ministro Humberto Martins. O senador Davi Alcolumbre identificou no presidente do Supremo a “coragem dos grandes líderes”. Imodesto, Toffoli concordou com tudo e descreveu sua própria gestão com as palavras “independência” e “altivez”.

Convidado a discursar no Supremo, Bolsonaro relembrou a colaboração do ministro com seu governo. “Até nos surpreendeu na sua capacidade de antecipar problemas e apresentar a solução antes mesmo que fosse procurado”, elogiou. Pareceu uma referência à canetada que suspendeu, por cinco meses, as investigações contra o primeiro-filho Flávio Bolsonaro.

Toffoli dará lugar a Luiz Fux, que toma posse hoje. O ministro vai comandar o Supremo até setembro de 2022. A múltiplos interlocutores, ele tem prometido descolar o tribunal dos interesses do Planalto. Ontem o capitão sugeriu o contrário ao cometer uma indiscrição e reproduzir uma conversa entre os dois. “Vossa Excelência falou pra mim: o que eu precisar do STF, assim como eu tive com Dias Toffoli, terei também com Vossa Excelência”, contou.

Pelo visto, o novo presidente do Supremo precisará escolher alguém para desapontar.


Eliane Cantanhêde: STF, Rio e Bolsonaros

Com Luiz Fux, pode haver situação insólita: presidente do STF abstendo-se de julgar

Enquanto as pessoas se aglomeram irritantemente em praias, bares e festas, a pandemia parece arrefecer, mas ainda é ameaçadora, e o foco está em três frentes que confluem mais e mais na mesma direção: a família Bolsonaro, o Rio (a capital e o Estado) e o Supremo Tribunal Federal. Os três têm um encontro marcado nesta quinta-feira, quando muda o comando do STF.

O presidente Jair Bolsonaro e dois dos seus filhos, o senador Flávio e o vereador Carlos, têm base eleitoral do Rio, estão às voltas com investigações variadas e agora podem comemorar à vontade: estão com a faca e o queijo na mão, junto com o governador interino Cláudio Castro, o prefeito Marcelo Crivella e, consta, toda a estrutura de poder.

E assim vão caindo, um a um, os empecilhos para o domínio dos Bolsonaro no Rio. O Coaf apresentou ao Brasil um cidadão chamado Fabrício Queiroz? Despacham-se o Coaf para o Banco Central e o Queiroz para a casa do advogado da família. O ministro Sérgio Moro se recusava a trocar as cúpulas da PF nacional e no Rio? Que então Moro tivesse, e teve, “a dignidade de se demitir”. A Receita importunava a base evangélica do presidente, muito forte no Rio? Nada que uma boa conversinha não resolvesse.

Sobrou o governador Wilson Witzel, que surfou na onda bolsonarista em 2018 e depois pulou fora, deixando um rastro classificado como “muito grave” pelo Ministério Público e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Foi fácil afastá-lo, como foi cooptar o vice Cláudio Castro, que também tem seus probleminhas com o MP e precisa desesperadamente da mãozinha do governo federal para se equilibrar no cargo de Witzel. Com Crivella já andava tudo numa boa. Só faltava uma juíza qualquer censurar a publicação das investigações contra os filhos. Não falta mais.

E o que vai acontecer com o Rio? Ninguém tem ideia, mas fica aquela dolorosa sensação de vaso quebrado que não tem jeito. Todos os ex-governadores estão ou foram presos, o atual está afastado, a cúpula da Assembleia caiu, a do Tribunal de Contas ruiu como castelo de cartas. Resultado: a crise é moral, ética, social, de segurança, política, econômica e financeira. Por onde começar?

Todo esse caldeirão cai necessariamente no Supremo, onde nesta quinta-feira a presidência sai de Dias Toffoli e vai para o carioca Luiz Fux. Toffoli entrou na Corte como o maior petista-lulista e sai da presidência como o principal, talvez único, aliado de Bolsonaro. Fux assume como o maior aliado da Lava Jato, mas com um constrangimento: as naturalmente fortes ligações com o Rio, um Estado conflagrado.

Ministros de tribunais já têm relação especial com seus Estados, onde conhecem todo mundo, são bajulados pelos Poderes e admirados pela sociedade, frequentam solenidades públicas e festas particulares. No caso de Fux, com duas peculiaridades: por temperamento, mas não só, ele tem interlocução e simpatias em toda parte e é juiz de carreira no Rio, como Witzel. O ministro, aliás, foi primeiro de turma.

Logo, não está descartada uma situação bastante insólita: o presidente do Supremo se abster em julgamentos que dizem respeito ao Rio, muitos deles intrincados com os Bolsonaro. Já deve haver quem colecione fotos de almoços, jantares, festas, tentando conexões maldosas. Fotos não dizem nada, em especial para homens públicos, que a toda hora são chamados para um clique, mas Fux não é chegado a falsos heroísmos e preza o velho e bom “à mulher de César, não basta ser honesta, é preciso parecer honesta”. O direito diz que, na dúvida, pró réu. Neste caso, pró abstenção.

FOICE E MARTELO: Por que tanta gente é anticomunista, se nem tem mais comunista?


Ricardo Noblat: A barbárie do extremismo religioso contra a criança estuprada

O Estado brasileiro é laico. O que significa: ele não permite a interferência de correntes religiosas em assuntos estatais, nem privilegia uma ou algumas religiões sobre as demais. Garante e protege a liberdade religiosa de cada cidadão, mas evita que grupos religiosos exerçam interferência em questões políticas.

“Os dogmas de fé não podem determinar o conteúdo dos atos estatais”, disse o ministro Marco Aurélio Mello em 2012 quando o Supremo Tribunal Federal, por oito votos contra dois, decidiu que grávidas de fetos sem cérebro podem interromper a gravidez com assistência médica prestada pelo Estado.

Em mais duas situações, o aborto é plenamente legal no Brasil: quando a continuação da gravidez importa em risco à vida da mãe e em caso de estupro. Foi o que aconteceu com a menina de 10 anos de idade, estuprada desde os seis anos por um tio no Espírito Santo, levada às pressas para abortar no Recife.

Em Vitória, um hospital negou-se a respeitar a ordem judicial de fazer a cirurgia na menina, conforme sua vontade reiteradamente manifestada em diversas ocasiões. A gravidez decorreu de um crime, tipificado em lei. Para a menina, suportá-la e dar a luz equivalia a um processo de tortura. Tortura é outro crime.

O que pretenderam os militantes cristãos, comandados por políticos da direita e da extrema direita, que na noite do último domingo cercaram o hospital no Recife onde a menina estava sendo esperada para submeter-se à cirurgia? Na prática, tornar a Constituição letra morta, ignorando o que ela prescreve.

Lava Jato ganha sobrevida com decisões de Fux e de Celso de Mello

Por ora, a sangria continua

Ainda não foi desta vez. Dava-se como certo nos meios jurídicos de Brasília que o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força tarefa da Lava Jato em Curitiba, seria condenado pelo Conselho Nacional do Ministério Público em dois procedimentos disciplinares a que responde por abuso de poder.

Prestes a assumir por dois anos a presidência do Supremo Tribunal Federal, o ministro Luiz Fux, à tarde, suspendeu os efeitos de uma advertência imposta em novembro a Dallagnol, o que tornava mais distante seu afastamento da chefia da Lava Jato. À noite, Celso suspendeu o julgamento marcado para hoje.

Fux fez por merecer a fama que tem de amigo número um da Lava Jato. Em 2016, logo após a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma, depois de uma conversa que teve com Fux, Dallagnol contou a um grupo de procuradores o que ouvira dele: “Disse para contarmos com ele para o que precisarmos”.

Ao que o então juiz Sergio Moro, informado sobre a conversa, comentou por escrito: “Excelente. In Fux we trust” (Em Fux nós confiamos”). Moro poderia acrescentar que também em Celso ele e a Lava Jato podem confiar pelo menos até novembro, quando o ministro, ao atingir os 75 anos de idade, deixará o tribunal.

No seu despacho, Celso afirmou que é “inaceitável a proibição ao regular exercício do direito à liberdade de expressão” de membros do Ministério Público e afirma que limitar esse direito “revela-se em colidência com a atuação independente e autônoma garantida ao Ministério Público pela Constituição”.


Merval Pereira: Mais iguais

Não há mais caminho na Constituição para a interpretação intervencionista. Mas, claro que sempre é possível um golpe militar

O papel das Forças Armadas na nossa democracia continua dando assunto para o debate político, e o Supremo Tribunal Federal (STF), o intérprete definitivo da Constituição, se pronunciou novamente ontem através do ministro Luis Fux, que assumirá a presidência da Corte em setembro.

Respondendo a uma consulta do PDT, Fux disse, entre outras coisas: “A chefia das Forças Armadas é poder limitado, excluindo-se qualquer interpretação que permita sua utilização para indevidas intromissões no independente funcionamento dos outros Poderes, relacionando-se a autoridade sobre as Forças Armadas às competências materiais atribuídas pela Constituição ao Presidente da República”.

Há, no entanto, quem tema que “esse famigerado artigo 142 ainda vai dar pano para manga”, como o historiador José Murilo de Carvalho, da Academia Brasileira de Letras. Ele escreveu um belo artigo recentemente no Globo fazendo um apanhado histórico do papel das Forças Armadas nas constituições brasileiras, onde ressaltou que desde 1891 existe a definição delas como “garantidoras dos poderes constitucionais”, aspecto que considera “ a justificativa preferida pelas FA para definir seu papel e justificar sua intervenção”.

José Murilo me mandou um acréscimo de suas pesquisas sobre as FA nas constituições da Argentina, Uruguai e Chile, as outras três ditaduras da América do Sul, onde ele vê um “abismo de distância”. Nossos vizinhos, de fato, não definem um papel para as Forças Armadas. A Constituição argentina de 1994 diz apenas, em seu artigo 99: “O Presidente da República é o comandante-chefe das forças armadas da Nação”. A do Chile, de 2010, diz que “As FA dependem do Ministério da Defesa e “existem para a defesa da pátria e são essenciais para a segurança nacional”. A do Uruguai, de 1997, define: “O presidente da República tem o mando supremo de todas as Forças Armadas”.

Entendo o temor de José Murilo de Carvalho e tantos outros, mas, diante das diversas manifestações institucionais do Supremo, do Congresso, e de órgãos como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), acho que não há mais caminho dentro da Constituição para a interpretação intervencionista.

Mas, claro que sempre é possível um golpe militar. Quanto aos nossos vizinhos, sempre haverá quem diga que o presidente, sendo o comandante em chefe das FA, poderá decidir por uma intervenção militar. No Brasil, há ainda, pela primeira vez em 30 anos de democracia, essa indesejada mistura de militares com o governo.

O presidente Bolsonaro usa os militares como ameaça – “as Forças Armadas estão do meu lado”, - embora os militares que estão no governo sempre aleguem que não há ministro militar, há ministros que vêm da área militar, como outros são políticos, ou engenheiros, ou advogados.

Nesse caso, é indispensável que todos sejam da reserva e, sobretudo, que nunca mais vistam a farda, mesmo metaforicamente, muito menos para ameaçar as instituições. Não é o que acontece. O General Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, embora tenha anunciado a decisão de ir para a reserva, garante em entrevista à revista Veja que o Exército não dará um golpe, mas adverte: “o outro lado tem que entender também o seguinte: não estica a corda”.

Ele também se recusou a comentar o que considera “implausível”: o TSE cassar a chapa presidencial. Ontem, o relator dos processos, ministro Og Fernandes, aceitou que o STF envie as provas já coletadas no inquérito das fake news presidido pelo ministro Alexandre de Moraes para serem compartilhadas pelo TSE.

O general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), se considerou com o direito de advertir que se o celular do presidente Bolsonaro fosse apreendido pela Polícia Federal poderia haver “consequências imprevisíveis”. Quando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello convocou os três ministros militares do Planalto para depor, o aviso veio com um procedimento formal, que todo cidadão recebe da mesma maneira: se não comparecerem na data marcada, vão “debaixo de vara”.

Um linguajar próprio da Justiça que em nada rebaixa os convocados. Mas os militares ficaram irritadíssimos, como se mentalmente continuassem se considerando diferentes dos outros cidadãos. Acham que são mais iguais que os outros, como no livro “A Revolução dos Bichos”, do George Orwell.


O Globo: Ministro Luiz Fux manda prender Cesare Battisti para extradição

O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta quinta-feira a prisão do ex-ativista italiano Cesare Battisti para fins de extradição, informou o "Jornal Nacional"

Por Carolina Brígido, de O Globo

BRASÍLIA – O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta quinta-feira a prisão do ex-ativista italiano Cesare Battisti para fins de extradição, informou o "Jornal Nacional". O italiano vive em liberdade no Brasil desde 2010, quando obteve do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva autorização para ficar no país. Na decisão, Fux disse que o atual presidente da República tem poderes para revisar o ato de Lula e decidir se Battisti fica no Brasil ou será mandado de volta para a Itália, onde tem pena de prisão a ser cumprida. Até essa decisão ser tomada, o italiano ficará preso.

A defesa do italiano pode recorrer da decisão de Fux e pedir para o caso ser remetido ao plenário. No entanto, é pouco provável que o julgamento ocorra ainda neste ano. O STF entra em recesso na próxima quinta-feira. Não haveria tempo hábil para convocar o julgamento. O tribunal só retoma suas atividades em fevereiro de 2019. Até lá, o mais provável é que Battisti já esteja longe do Brasil.

A decisão sobre o destino de Battisti pode ser tomada por Michel Temer em dezembro, ou por Jair Bolsonaro a partir de janeiro, a depender do trâmite político da questão. Ambos já manifestaram o desejo de mandar o ex-ativista de volta para a Itália. Battisti tem atualmente uma vida pacata em Cananéia, no litoral sul do estado de São Paulo.

O mais provável é que fique com Bolsonaro a tarefa de mandar Battisti de volta para a Itália – o que pode significar uma aproximação do tribunal com o novo presidente. O STF foi criticado por aliados de Bolsonaro recentemente, quando foi aprovado o reajuste de 16,38% nos salários dos ministros. O aumento terá impacto em toda a magistratura. A conta será paga pelo novo governo.

O caso Battisti não é novidade para o STF. Em 2009, a Corte autorizou a extradição do ex-ativista, como havia pedido o governo da Itália. No entanto, declarou que a última palavra caberia ao presidente da República. Lula decidiu autorizar a permanência do italiano no Brasil. Na época, o tribunal não decidiu se a decisão poderia ser revisada por outro presidente da República.

Em outubro do ano passado, Battisti foi preso em Corumbá tentando viajar para a Bolívia, supostamente para evitar eventual extradição. Segundo a Justiça Federal, havia indícios “robustos” da prática dos crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Dois dias depois, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região determinou a libertação de Battisti. Mas impôs a ele a obrigação de comparecer mensalmente à Justiça para comprovar residência e justificar atividades. Ele também ficou impedido de deixar a cidade onde mora.

No mesmo mês, Fux concedeu liminar para garantir que o italiano não fosse expulso, extraditado ou deportado do Brasil. Agora, Battisti aguardará preso a provável extradição.

No mês passado, o julgamento de um processo semelhante trouxe as discussões sobre Battisti de volta ao STF. Sete dos onze ministros declararam que um estrangeiro não pode ser expulso do país se tiver um filho brasileiro, seja ele concebido antes ou depois do crime que ensejou o processo de expulsão. Mesmo com a maioria formada, um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes interrompeu o julgamento.

Há no STF ministros que consideram que o entendimento pode ser aplicado a Battisti, que teve um filho no Brasil com uma brasileira. Esse fato foi inclusive alegado pela defesa no processo que o tribunal deve julgar neste ano.

O Estatuto do Estrangeiro prevê que, nesses casos, o estrangeiro pode ficar no Brasil. A maioria dos ministros do STF declarou a validade dessa norma. Eles afirmaram que, pela Constituição Federal, o Estado tem a obrigação de zelar pela proteção da criança e da família. Retirar o estrangeiro do país implicaria em obrigar a criança a viver sem pai. Ou, como alternativa, condená-la a viver longe de seu país de origem, se ela tiver que deixar o Brasil junto com o pai.

Mesmo com as semelhanças aparentes entre os dois casos, dois ministros ouvidos pelo GLOBO afirmaram que o caso não influencia diretamente no destino de Battisti, no eventual julgamento de algum recurso da defesa. Para esses ministros, o presidente da República tem total liberdade para extraditar ou expulsar um estrangeiro. Ainda mais porque o governo brasileiro nunca concedeu asilo a ele.

No processo, a defesa do italiano argumenta que a autorização de permanência no Brasil concedida por Lula não pode ser revogada por outro presidente da República. Para a Procuradoria-Geral da República (PGR) e para a Advocacia-Geral da União (AGU), o ato pode ser revisado por governantes posteriores.

Battisti foi condenado à prisão perpétua na Itália e, em 2004, fugiu para o Brasil. Em 2007, ele foi preso para responder ao processo de extradição movido pela Itália. O ex-ativista conseguiu a liberdade em dezembro de 2010, em um dos últimos atos do governo Lula.

No ano passado, a defesa do italiano apresentou petição ao STF para informar que ele estava “se reaproximando de sua antiga companheira”, Priscila Luana Pereira, com quem tem um filho de cinco anos. Priscila, por sua vez, enviou uma carta ao tribunal “narrando a aflição que possui sobre eventual extradição” do companheiro, considerando “a dependência econômica e afetiva de seu filho”.

Os advogados anexaram comprovantes de depósitos para a mãe do menino para demonstrar que Battisti “vem se esforçando para sustentar o seu filho”. Os depósitos variam entre R$ 200 e R$ 350 mensais. Priscila pediu que o tribunal deixasse Battisti ficar no Brasil.