Luiz Carlos Mendonça de Barros

O que esperar da segunda metade do ano

Brasil também sofreu com a mesma surpresa que atingiu outros bancos centrais e hoje vive um choque inflacionário bastante sério

Luiz Carlos Mendonça de Barros / Valor Econômico

Entramos no 2º semestre de 2021 com muitas incertezas dominando as previsões dos analistas de mercado sobre a economia brasileira. Para que possa mostrar com clareza minha posição preciso separar - como fui treinado a fazer ao longo do meu aprendizado profissional - o futuro em dois momentos distintos: o ciclo econômico que vivemos após a crise recessiva de 2020 e uma visão de mais longo prazo olhando os próximos anos. Hoje trato dos próximos dois anos.

Esta separação sempre esteve presente no exercício de previsões de uma economia de mercado. Mas no contexto do mundo globalizado de hoje ela ganha contornos mais complexos com a integração digital e logística dos últimos anos. Os acontecimentos imprevisíveis - Blacks Swans - em algum dos maiores países no primeiro mundo acabam tendo - por conta desta integração - efeitos sistêmicos em quase todas as nações. Foi assim com a crise do mercado imobiliário norte americano em 2008 e repetiu-se agora com a pandemia da covid-19.

Ao longo dos anos seguimos uma contínua evolução no protocolo de políticas fiscais e monetárias para enfrentar as consequências dos desequilíbrios graves criados pelos Black Swans. Ele estabelece que fica para um segundo momento, quando o pior da crise tiver passado, as medidas complementares para estabilizar o ciclo econômico e o funcionamento normal dos mercados financeiros. Mas no caso da crise gerada pela pandemia da covid, ainda que o protocolo de ações no auge da crise seja conhecido, a terapia posterior para administrar a volta à normalidade ainda é uma incógnita, como estamos vendo na maioria das economias de porte, inclusive no Brasil.

Agora, em meados de 2020, no enfrentamento da recessão criada pelo vírus e o afastamento social que se seguiu, a utilização da política de juros zero e déficits de fiscais superiores a 10% do PIB foi rápida e exitosa. O bate cabeça mundial desta vez ficou por conta da demora do enfrentamento da pandemia, o que acabou projetando no tempo os efeitos das políticas expansionistas colocadas em vigor por vários governos. Como resultado a recuperação das economias no terceiro trimestre de 2020 foi incrível, com a recuperação quase total das perdas do trimestre anterior.

Mas este bate e volta na economia real e, principalmente, a segunda onda do vírus na virada de 2021, acabaram por mascarar a recuperação da demanda em vários mercados no momento em que a maioria das empresas iniciava uma redução agressiva da oferta de alguns bens e serviços em escala mundial. A mudança rápida de consumidores e empresas para o protocolo digital da Internet certamente explica boa parte desta recuperação inesperada nos mercados. Mas de longe, a maior causa para que isto tenha ocorrido veio da China, que teve apenas um soluço em sua atividade econômica e voltou a operar acima do teto de 6% de seu ciclo econômico histórico, sustentando a demanda mundial por matérias primas.

Posteriormente, em meados de 2021, o sucesso da vacinação nas maiores economias do mundo consolidou a rápida volta do ciclo econômico acelerando a inflação de modo não esperado pela maioria dos Bancos Centrais e agentes do mercado. Com isto, vivemos o conflito das autoridades monetárias mais importantes surpreendidas por uma inflação de demanda muito forte no momento em que seguiam uma política monetária de combate a uma recessão que não mais existia.

O caso norte americano é Paramount pela intensidade da recuperação do emprego e de seu déficit comercial com o exterior e que levou a um aumento de mais de 100% no preço do frete marítimo. Ao nível mundial existem também desajustes de demanda em vários mercados de matéria prima e componentes industriais, mas a expectativa do Fed e do BCE é que estes desequilíbrios são passageiros e que devem se acomodar com o tempo. Esta tese tem sido comprada pelos investidores internacionais como mostram os níveis recordes dos principais índices ações nos mercados mais importantes.

O Brasil também sofreu com a mesma surpresa que atingiu outros bancos centrais e hoje vive um choque inflacionário bastante sério. A inflação no Brasil sofreu também a influência de uma recuperação parcial mais rápida da economia como mostram alguns indicadores recentes:

A evolução do emprego formal que chegou a mais de três milhões de novos postos de trabalho nos 12 meses terminados em junho.

O índice antecedente do emprego, medido pela FGV/Ibre, que antecipa os rumos do mercado de trabalho no Brasil, com alta de 1,6 ponto em julho, a 89,2 pontos, máxima desde fevereiro de 2020 (92,0).

A arrecadação de tributos federais que tem surpreendido os analistas

A demanda por automóveis com os estoques das indústrias produtoras em níveis mais baixos nos últimos 20 anos conforme informou o Valor.

Na mesma linha, a imprensa informou que o preço dos automóveis usados subiu mais de 40% no mercado nas últimas semanas por falta dos produtos novos mais vendidos.

Mas a crise de confiança com a nossa moeda e que levou a uma desvalorização cambial adicionou um componente inflacionário mais potente via mercado de alimentos e combustíveis, tornando o controle da inflação pelo Bacen ainda mais complexo. Isto vai obrigar o BC a implementar uma política de juros agressiva em um momento em que a recuperação cíclica da economia ainda não está consolidada e que certamente vai pesar no final de 2021 e, com maior certeza em 2022.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.

Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/opiniao/coluna/o-que-esperar-da-segunda-metade-do-ano.ghtml


Luiz Carlos Mendonça de Barros: 'Não faz sentido colocar um general na Petrobrás'

Para economista, saída de Castello Branco é justificável, devido a sua falta de perfil para lidar com problema do diesel; ele aponta também que empresa precisa de um presidente técnico, mas que saiba administrar conflitos

Luciana Dyniewicz, O Estado de S. Paulo

A saída de Roberto Castello Branco da Petrobrás “faz sentido”, segundo o economista e ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Luiz Carlos Mendonça de Barros. Isso porque Castello Branco não tinha o “perfil para tratar do problema do diesel com essa vertente social e econômica que demanda a questão dos caminhoneiros”, diz Mendonça de Barros. “O que não faz sentido é a entrada de um general, que também não tem o perfil de olhar para o problema e, ao mesmo tempo, defender (os interesses) da Petrobrás.”

Diferentemente de muitos economistas, Mendonça de Barros não vê problema na interferência do presidente Jair Bolsonaro na petroleira – “a empresa é do governo federal” –, mas destaca que tabelar o preço do combustível seria a pior solução para o entrave. Ele defende um seguro para o caminhoneiro, semelhante ao que existe para o produtor rural se proteger de variações climáticas. A seguir, trechos da entrevista.

Como o sr. avalia a mudança no comando da Petrobrás?

Faz sentido porque o Castello Branco não tem o perfil para tratar do problema do diesel com essa vertente social e econômica que demanda a questão dos caminhoneiros. A linha de pensamento dele é liberal, de que cada um tem de se virar, de que, se o preço é volátil, então, vai ficar volátil. O que não faz sentido é a entrada de um general, que também não tem o perfil de olhar para o problema analisando as questões econômicas e sociais e, ao mesmo tempo, defender (os interesses da) a Petrobrás. Não dá para a Petrobrás mudar o preço todo dia em função da especulação lá fora. Isso introduz uma variação não racional dentro de setores importantes aqui. O mais importante deles é o dos caminhoneiros independentes. Nem o Castello Branco nem um general do exército tem condições de fazer uma arbitragem dessas. Teria de ser um perfil técnico, mas com capacidade de administrar conflitos.

Se a Petrobrás não pode mudar o preço seguindo o mercado internacional, deve tabelar?

Não. O presidente Bolsonaro, pela falta de conhecimento que tem de economia, acabou entrando numa fria com essa história da Petrobrás. O preço do petróleo é um dos mais voláteis. Isso não é de agora. No Brasil, o preço tem outro componente que também é muito especulativo, o dólar. Você combina essas volatilidades e chega a uma situação que não dá para administrar. Tabelar é uma solução que compromete todo o modelo econômico do ministro Paulo Guedes. O que é pior: tudo isso para influenciar o comportamento de caminhoneiros. Os caminhoneiros não podem aumentar o preço do frete de uma hora para a outra. Por isso, seria muito mais fácil criar um seguro para eles, como o seguro para o produtor rural, que absorve os impactos climáticos. O Banco do Brasil administra isso, que é bancado com recursos fiscais. Mas, como o presidente não entende o problema, as soluções dele são as piores possíveis. Por outro lado, a solução do seguro já foi discutida na época do Fernando Henrique Cardoso.

E por que não foi adotada?

O câmbio estava estável, e o problema ficou para trás. Mas, como estamos em um momento difícil por causa da flutuação do petróleo e do câmbio, precisamos de um governo que tenha capacidade de entender que o caminhoneiro não pode ser submetido a um ajuste de 15% no diesel. Precisamos de duas coisas do governo. A primeira é que entenda que existe um problema socBolsonaroial. A segunda é de pessoas que entendam isso e que tenham capacidade técnica para propor soluções. A situação é caótica, e ele () não vai conseguir sair disso. Uma hora vai adotar a pior solução: tabelar o preço do diesel.

Qual reação podemos esperar do mercado diante do risco de uma ingerência política?

A empresa é do governo federal. Não tem absurdo o presidente trocar a gestão por achar que não está indo na direção correta. Esse conflito a estava colocado desde que Castello Branco tomou posse.

Como fica a situação do ministro da Economia, Paulo Guedes?

É muito ruim para ele, que fica enfraquecido, até porque o Castello Branco é da turma dele. Por outro lado, a importância dos militares aumenta. Agora um militar não é a solução. Um militar faz o que o presidente manda. Então, vai sentar no preço do petróleo. 


Luiz Carlos Mendonça de Barros: O novo espaço de Paulo Guedes

As novas condições políticas do Brasil serão uma restrição muito forte à liberdade do ministro

Uma pergunta domina hoje coração e mente dos principais agentes econômicos no Brasil: qual será a agenda do ministro Paulo Guedes depois do cavalo de pau - para usar uma expressão dos primeiros anos do governo Lula - que o presidente Bolsonaro acaba de dar na política brasileira?

A nova relação com os partidos do chamado “Centrão” certamente garante uma maior tranquilidade política ao governo, mas implica a aceitação de uma agenda na economia diferente daquela com a qual Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil. Praticamente calado durante todo o mês de janeiro - uma prova de sabedoria - em função da árdua disputa pelo controle das mesas diretoras da Câmara e do Senado, cabe a ele agora mostrar suas cartas para a definição de uma agenda econômica para 2021. A disputa eleitoral no Congresso, controlada com mão de ferro pelo Palácio do Planalto, produziu um forte rearranjo na política brasileira - o terceiro nestes dois anos de mandato do presidente Bolsonaro - e foi montado com o objetivo de preservá-lo politicamente até as eleições presidenciais de 2022 e depois, vencê-las.

E é em função deste cenário que o poderoso czar da economia brasileira na primeira metade do mandato presidencial terá que se posicionar. Não existe mais hoje o governo com uma pauta de ação política e administrativa confusa e sem maiores definições que saiu das urnas em 2018. Nele Paulo Guedes se sobressaiu com um discurso vigoroso, claro e articulado de reformas radicais no modelo econômico que prevaleceu nos últimos 10 anos no Brasil.

Seu objetivo era a construção de uma economia de mercado radicalmente liberal, tendo Roberto Campos - o simbólico ministro do primeiro governo militar - como seu inspirador.

Apesar do longo histórico político de Jair Bolsonaro se chocar com as ideias do então chamado Posto Ipiranga, houve um movimento eufórico no mercado financeiro e entre os grandes empresários, brasileiros ou não.

Embora as metas colocadas para serem executadas - R$ 1 trilhão de privatizações por exemplo - fossem ambiciosas demais para um governo sem nenhuma base política no Parlamento, milagres poderiam ocorrer, e os mercados apostaram nele.

Em março passado, esta euforia já estava desgastada quando recebeu um golpe mortal com a chegada da pandemia ao Brasil. A crise econômica que se instalou obrigou o ministro a adiar seu plano de voo e a recorrer aos velhos ensinamentos de Keynes, inimigo mortal de seu liberalismo e principal inspiração de governos anteriores. A antiga agenda foi deixada de lado e Paulo Guedes - e seu companheiro, o presidente do Banco Central Roberto Campos Neto - presidiram a implantação de um dos mais exitosos planos de enfrentamento da recessão da covid- 19 que aconteceram nas maiores economias de mercado do mundo.

Os dados, que estão disponíveis hoje, confirmam esta minha leitura quando comparados com os dos Estados Unidos e vários países da Comunidade Europeia. Um exemplo claro do êxito das medidas tomadas pela equipe econômica é a recuperação da indústria brasileira que chegou ao fim do ano com sua produção agregada acima do nível do ano de 2019.

Mas este êxito teve um custo fiscal pesado - mais de 10% do PIB - e colocou as contas fiscais e a dívida pública brasileira em uma zona de perigo dentro do protocolo do liberalismo econômico dominante nas elites brasileiras. A reação natural do ministro seria a de promover em 2021 reduções vigorosas no chamado gasto público e acelerar as reformas estruturais que consolidem um equilíbrio fiscal mais sólido para o futuro. Mas as novas condições políticas do Brasil de hoje vão representar uma restrição muito forte à liberdade de ação do ministro.

Do lado do presidente, empenhado que está na campanha de sua reeleição em 2022, não existe mais o mandato que detinha no primeiro ano de governo, como já foi ressaltado acima. Naquela época, com as eleições muito adiante ainda, as suas divagações sobre as maravilhas de uma economia liderada pelas forças de mercado serviam inclusive ao objetivo de diferenciar o governo eleito de seus inimigos históricos da esquerda e centro-esquerda.

Muito ajudou este estado quase eufórico a presença de Rodrigo Maia na presidência da Camara de Deputados com sua origem política e seus valores sinceramente liberais. Tudo apontava na direção de uma parceria histórica com chances de vencer o ranço estatizante de grande parte do Congresso e caminhar na direção de uma economia mais eficiente. Mas esta parceria não existe mais e as primeiras declarações públicas dos novos comandantes do parlamento apontam no sentido contrário.

Me impressionou muito o “body language” do presidente do Senado e do ministro Paulo Guedes em uma rápida entrevista coletiva na noite da última quinta-feira e que deixou claro duas coisas para mim: a primeira é a autoconfiança do senador por Minas Gerais, Rodrigo Pacheco, que preside o Senado, em expor suas ideias em relação à economia. Em segundo lugar, a postura compreensiva do poderoso ministro da Economia que mostrou com clareza - pelo menos para mim - que já entendeu o novo equilíbrio de forças entre Executivo e Legislativo que se seguiu ao cavalo de pau do presidente Bolsonaro.

Um novo desenho ainda não conhecido da agenda econômica em 2021 estará sendo gerado nas próximas semanas deste embate entre o Congresso e o ministro Paulo Guedes, mas com certeza será bem diferente do que os mercados previam.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.


Luiz Carlos Mendonça de Barros: A covid 19 contra-ataca

No curto prazo não sobra alternativa de defesa senão uma outra rodada de estímulos econômicos, inclusive transferência de renda para os mais pobres

Confesso ao leitor do Valor que meu otimismo estrutural com a ação do ser humano diante de uma crise grave que atinge, de tempos em tempos, nossa sociedade está sendo fortemente questionado neste início de 2021. Esperava eu que com o início da vacinação em grande número de países, a crise da saúde - e sua derivada econômica - poderiam continuar a ser enfrentadas com as armas hoje à disposição de governos e sociedade. Com a redução das medidas de afastamento social testadas ao longo de vários meses e as medidas de natureza keynesianas implantadas na maioria das economias de mercado, a profunda recessão que se seguiu foi controlada e, nos últimos meses de 2020, iniciamos a volta de um ciclo econômico de normalidade.

Os dados econômicos conhecidos até o mês de novembro mostram uma recuperação em V com o braço ascendente da curva da atividade econômica na maioria dos países chegando quase ao mesmo nível de março passado, quando a crise chegou aos mercados mais importantes do mundo. Apenas os indicadores das atividades do setor de serviço - principalmente as de refeições fora do domicílio e mobilidade aérea - tiveram uma recuperação mais lenta e terminaram 2020 bem abaixo de antes do início da crise.

Meu otimismo com 2020/2021 vinha exatamente da abrangência das medidas econômicas implantadas pelos governos nacionais e da certeza que as reações dos agentes econômicos diante de tantos estímulos fiscais que chegaram a mais de 10% do PIB e uma postura altamente expansionista dos Bancos Centrais seria a de acelerar seus negócios.

Me ajudou muito, na compreensão do que iria acontecer, o acompanhamento da crise vivida pelos Estados Unidos em 2008 e que, posteriormente, se transformou em uma depressão mundial que durou quase dez anos. A recessão da covid-19, pelas suas características particulares, me parecia ser ainda mais fácil de ser superada pelas ações de política fiscal e monetária tomadas rapidamente pelas autoridades econômicas. Em 2008, pelas circunstância das eleições americanas e de um novo governo democrata, apenas em 2010 é que as primeiras medidas para enfrentamento da recessão foram implantadas. Além disto, em 2008 tivemos uma crise bancária de grandes proporções nos Estados Unidos o que sempre torna muito mais difícil a volta da confiança aos mercados e a recuperação da atividade econômica.

Este modelo de recuperação da recessão econômica que tracei em função da teoria econômica disponível e do acompanhamento por vários anos dos acontecimentos vividos entre 2008 e 2020 tinha, entretanto, uma falha grave. Não incorporava os riscos associados a uma pandemia como vivíamos, por falta de conhecimento meu e da grande maioria dos analistas que serviam como referência para seu acompanhamento. Não tínhamos conhecimento de uma pandemia da natureza que estamos vivendo e as referências já conhecidas como a da Saar em 1997 - e que provocou a crise econômica conhecida como “crise da Asia” - se revelaram enganosas pela rapidez como foi superada.

Em 1998 a economia mundial já tinha se recuperado da curta recessão vivida e os negócios no mundo tinham voltado à plena atividade. Dou aqui um exemplo marcante deste fato pois fui o responsável pela maior privatização já realizada na América Latina - 12 empresas do sistema Telebrás - em junho de 1998 pelo valor de US$ 20 bilhões.

Esta diferença entre uma pandemia geograficamente mais localizada como foi a Saar - embora da mesma natureza viral como a covid-19 - e a que estamos vivendo é um alerta grave para o potencial destruidor que as crises provocadas pela Natureza podem ter sobre a Humanidade. Mesmo com o potencial cientifico que acumulamos hoje, o arsenal de uma natureza agredida pode se revelar muito maior.

A violência como o vírus da covid-19 contra-atacou uma sociedade acostumada com uma liberdade quase sem limites para organizar suas cadeias de negócios, como se a distância entre mercados e empresas espalhadas pelo mundo não existisse, foi a arma mais poderosa que a covid-19 encontrou para se espalhar pelo mundo. Por outro lado, a incrível capacidade que mostra o vírus para mudar sua natureza é uma advertência vigorosa para a dimensão de seu potencial destruidor.

Hoje a dúvida se uma vacina identificada e testada vai servir para qualquer nova mutação do vírus assusta a todos, mas principalmente os cientistas do setor. A mensagem a toda a humanidade está feita e cabe agora aos governos nacionais o desenvolvimento não só de programa de vacinações com o material que temos hoje, mas, principalmente, de um sistema logístico com um protocolo protetor de outra natureza.

No curto prazo não sobra alternativa de defesa senão uma outra rodada de estímulos econômicos, inclusive transferência de renda para os mais pobres para acomodar uma nova rodada de isolamento social, talvez até mais intenso do que já vivemos entre março e junho de 2020. Mesmo que isto cause calafrios nos economistas que formam hoje o pensamento dominante nos mercados financeiros.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.


Luiz Carlos Mendonça de Barros: Chegamos ao fim de 2020

O controle da pandemia abrirá condições para promover as mudanças no funcionamento da nossa economia

Certamente 2020 entrará para a história como um dos anos mais difíceis vividos pela humanidade com o aparecimento de um vírus mortal que colocou em cheque parte do conhecimento acumulado nas últimas décadas. Este seu status deriva não apenas do número de mortes causadas pela covid-19 em todo o mundo, mas também por mudanças importantes do protocolo de funcionamento das economias nacionais. A chamada globalização, que era considerada o modelo mais eficiente para a economia mundial, terá que ser repensada em função dos riscos que a ultra mobilidade entre os mercados nacionais revelou agora.

Mas, nesta última coluna do ano, prefiro restringir minhas reflexões na evolução da economia brasileira neste período e, principalmente, o que esperar para 2021. A partir do momento em que foi possível entender a natureza da crise econômica provocada pela covid procurei centrar minha atenção nos seus aspectos estruturais de mais longo prazo, deixando a conjuntura para outros profissionais. Aprendi, ao longo da carreira profissional, que em momentos de crise grave é esta postura a mais adequada para fugir das armadilhas e ruídos do curto prazo. Relendo minhas colunas deste ano foi possível fazer uma linha do tempo da evolução de meu entendimento do que iríamos enfrentar.

Assim, propus na coluna de abril “Olhar com otimismo para 2021” em função das decisões tomadas rapidamente por governos e bancos centrais para enfrentar o pânico que atingiu investidores e instituições financeiras no mundo todo. A lição de 2008 foi aprendida e, desta vez, as ações previstas foram rapidamente aplicadas, e mesmo expandidas por outras medidas ainda mais heterodoxas. Em pouco tempo construía-se um protocolo de natureza keynesiana para enfrentar a recessão que se seguiria. O mesmo ocorreu aqui no Brasil, com um dos mais exitosos e eficientes entre os que foram acionados por países emergentes e mesmo os desenvolvidos.

Já em 15 de junho na coluna “Um segundo pacote fiscal“ ponderei que seria necessário a definição de um segundo pacote de estímulos fiscais de cunho keynesiano para fortalecer a recuperação da atividade econômica na parte final de 2020 e principalmente durante 2021. Mesmo no Brasil, com todas as dificuldades de lidar ainda com a fase de estabilização da pandemia, o governo Bolsonaro e o Congresso precisavam iniciar um debate sobre a questão de novos estímulos para enfrentar 2021. Esta questão continua presente mesmo depois que a recuperação mais rápida da economia em 2020 tenha ocorrido, reduzindo o escopo das medidas a serem tomadas.

Em julho, meu otimismo sobre o futuro estava descrito na coluna “A destruição criativa no pós pandemia”. Citei as ideias do economista Joseph Schumpeter em seu livro, “Capitalismo, Socialismo e Democracia”, quando definiu o termo “destruição criativa” como um impulso fundamental para o motor do desenvolvimento econômico no mundo capitalista via inovações tecnológicas e de gestão das empresas”.

Em outras palavras, Schumpeter queria dizer que o sistema capitalista não acaba porque sempre se reinventa. Mas, para entender é preciso ter vivido algumas das crises que já ocorreram e ter sobrevivido a elas.

Hoje temos uma visão mais clara do que significa a expressão “destruição criativa” na crise atual com reflexões de vários analistas sobre o “boom” econômico que pode acontecer em função do choque positivo que terá a implantação de novas tecnologias a partir de 2021. Cito aqui artigo recente de Martin Wolf do Financial Times no qual aponta que a covid-19 acelerou o mundo rumo ao futuro. Este movimento será liderado por duas forças principais que já estavam em ação, mas que se intensificaram durante a pandemia: tecnologia e desglobalização,

Na coluna de novembro “O vírus contra-ataca” consolidei minha visão de que “a volta da atividade econômica no Brasil foi conseguida principalmente em função de uma expansão vigorosa - e eficiente - dos gastos do governo em um momento em que a arrecadação corrente de tributos era reduzida pela recessão. Portanto era natural - e necessário - que seu déficit fiscal tivesse um grande aumento no período mais agudo da crise. Somente com o retorno do crescimento econômico sustentado a partir de 2022 é que o governo poderá buscar uma situação orçamentária de superávits primários que estabilize a curva da dívida pública no futuro.

O objetivo destas minhas reflexões era o de enfrentar os argumentos dos economistas mais ortodoxos que pediam quase histericamente movimentos radicais para reduzir os déficits fiscais do setor público. Implícito nestas mensagens estavam as ameaças de um chamado “abismo fiscal” eminente e o colapso da rolagem da dívida pública. Hoje com a calma de volta aos leilões dos títulos públicos pela ação eficiente do Tesouro e Banco Central podemos esperar a volta do crescimento econômico para definir uma ação mais estruturada de medidas fiscais de controle da expansão dos gastos públicos.

Finalmente, agora com a definição pelo governo de um programa de vacinação racional e sem os preconceitos anteriores, temos a certeza de que o controle da pandemia abrirá condições para olharmos para a frente, cuidar das feridas da batalha e promover as mudanças no protocolo de funcionamento da nossa economia. Isto em um mundo que deve entrar em um período de crescimento mais forte puxado pela China e outros países da Ásia e as maiores economias ocidentais.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.


Luiz Carlos Mendonça de Barros: A covid-19 contra-ataca

Esforço fiscal adicional precisa recair sobre as classes de renda mais elevada

Neste final de 2020, as incertezas sobre a perenidade da recuperação econômica em curso nos países mais importantes do mundo voltaram a crescer com a chegada da chamada segunda onda da pandemia. Inicialmente associada ao inverno no hemisfério norte, ela atinge também países, como o Brasil, situados abaixo da linha do Equador. Um “castigo” para as sociedades que não trataram a pandemia com o devido respeito. Felizmente a vacina contra a covid-19 será uma realidade ainda no primeiro trimestre de 2021 evitando que uma segunda rodada do isolamento social jogue a economia em nova recessão. O comportamento dos mercados nos últimos dias é uma prova desta afirmação.

Conhecemos hoje o cronograma desta batalha mortal entre o ser humano organizado em sociedade e a natureza representada pelo vírus. Surpreendidos pela rapidez e mortalidade com que o vírus se espalhou, os governos reagiram com as armas que o conhecimento científico coloca à sua disposição em momentos como este. E elas vieram tanto do campo das ciências, em especial da medicina, como da gestão da economia. O primeiro movimento foi o de definir um protocolo multidisciplinar de ações para enfrentar esse inimigo desconhecido e perigoso.

Gostaria de refletir neste espaço do Valor sobre os resultados deste protocolo na Economia, área em que me sinto profissionalmente mais qualificado. Os economistas e governantes já viveram momentos em que novos protocolos de ações tiveram que ser construídos para enfrentar situações inesperadas, mas com efeitos sociais e políticos explosivos. No caso da covid-19 os governantes foram buscar no passado ensinamentos para orientar suas ações emergenciais. O mesmo ocorreu aqui no Brasil e, na minha opinião, foi um dos mais exitosos e eficientes entre os que foram acionados por países emergentes e mesmo os desenvolvidos.

O Banco Central teve uma ação decisiva no mercado de crédito para as empresas, o que levou a uma expansão vigorosa ao longo do ano. Da mesma forma, via Copom, agiu rapidamente na acomodação das condições monetárias e na redução dos juros sob seu controle direto. Paralelamente o Ministério da Economia tomou várias medidas de expansão fiscal, tanto na ajuda financeira para Estados como para empresas e a parcela mais vulnerável da sociedade, compensando com seus recursos parte da brusca redução de renda criada pelo afastamento social e a recessão que se seguiu. Os números são hoje conhecidos e chegam a mais de 10% do PIB.

Além destas ações institucionais, as reações de consumidores e empresas vieram em ajuda no enfrentamento da crise. As economias de mercado têm esta capacidade de reagir de forma espontânea quando atingidas por eventos como a chegada da covid-19. Dois mecanismos merecem ser citados no caso do Brasil: de um lado a reação defensiva dos consumidores à recuperação rápida da atividade econômica sob os estímulos do governo criando um imenso pool de poupança privada adicional e que representa uma reserva de consumo para ser utilizada no ciclo de recuperação em 2021.

Outro estímulo natural criado no Brasil pela reação dos mercados foi a desvalorização de mais de 50% do real nos últimos seis meses, em um momento em que os salários privados ficaram praticamente estáveis em função da inflação baixa e do aumento do desemprego. Isto foi particularmente importante nos setores exportadores, mas também ajudaram a indústria com baixa exposição aos mercados internacionais pelo aumento de sua competitividade em relação as importações. Isto ocorre pois a folha de salários em US$ caiu praticamente 50% neste período, o que representou na prática a criação de um imposto de importação da ordem de 12% em vários mercados importantes. Como resultado, a produção industrial brasileira já é hoje 2% superior à de 2019 e um dos setores que mais rapidamente voltaram a crescer.

A recuperação rápida da atividade econômica no Brasil foi conseguida principalmente em função de uma expansão vigorosa dos gastos do governo em um momento em que a arrecadação corrente de tributos era reduzida pela recessão. Portanto era natural - e necessário - que seu déficit fiscal tivesse um grande aumento no período mais agudo da crise. Somente com o retorno do crescimento econômico sustentado a partir de 2021 é que o governo poderá voltar a uma situação orçamentaria de superávits primários que estabilize a curva da dívida pública.

A partir daí seria desejável que, junto com o Congresso, o governo criasse um protocolo de ações emergenciais para reduzir a corcova na dívida pública criada pelo enfrentamento da covid-19 e sinalizasse uma linha descendente de crescimento para o futuro. A dependência estrutural de nossa economia em relação à poupança externa nos obriga a trabalhar com um protocolo que incorpore valores aceitos pelos investidores internacionais. E deste protocolo fazem parte métricas sobre a expansão da dívida pública em uma linha do tempo de prazo mais longo. Dele deriva a importância do nível da dívida pública bruta em relação ao PIB e a perenidade do superávit primário como parâmetros a serem seguidos.

Mas este esforço fiscal adicional e temporal precisa recair sobre as classes de renda mais elevada na sociedade e que foram diretamente as mais beneficiadas pela recuperação rápida da economia. O mais justo seria o aumento da faixa superior do IR dos rendimentos de salário e a tributação com IR dos dividendos pagos pelas empresas privadas e públicas por um período finito de alguns anos.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.


Luiz Carlos Mendonça de Barros: Roteiro para a recuperação da economia

Aumento brutal na necessidade de rolar a dívida em títulos está criando uma situação perigosa de solvência de curto prazo

Os últimos dados econômicos divulgados para o mês de setembro consolidam, de forma inquestionável, a recuperação da economia brasileira. Para efeito de ilustração desta afirmação vejam ao lado a evolução do índice IBC-Br que mimetiza por antecipação a evolução do PIB no Brasil. Mas não é apenas o IBC-Br que mostra uma recuperação em V com uma pequena inclinação, mas outros indicadores relevantes. Cito outros, como a evolução da arrecadação de impostos pela Receita Federal, consumo aparente de bens industriais monitorado pelo Ipea, vendas ao comércio restrito e ampliado e atividade na indústria que apontam que entraremos em 2021 com a economia de volta ao seu leito normal do ciclo econômico.

Estamos agora no início de um processo analítico de olhar para os estragos de longo prazo que vão aparecer nas economias nacionais, e mais importante ainda, de como supera-los para voltar a normalidade perdida com a pandemia. Neste sentido é muito bem-vindo o texto produzido por técnicos do FMI no “October 2020 Fiscal Monitor - Fiscal Policy for Unprecedented Crisis” sobre o que chamaram de “Road Map” para o futuro próximo. Nele seus autores defendem que a política anticíclica tomada pela grande maioria dos governos respondeu com eficiência aos desafios que a crise trouxe para as economias nacionais por eles analisadas. Citam entre elas as seguintes;

Medidas de saúde pública para conter a expansão da pandemia;

Benefícios extraordinários para os afetados pelo desemprego

Transferências de recursos dos Tesouros nacionais para indivíduos dos grupos de risco;

Suporte de liquidez para empresas mais atingidas pela recessão.

O trabalho menciona ainda a importância do apoio dado pelos bancos centrais das economias desenvolvidas, e em algumas poucas economias emergentes, via compra maciça de títulos públicos que criaram um espaço para juros muito baixos e para os governos aumentarem seu endividamento. Uma linguagem pouco comum para os que conhecem a história desta instituição de crédito. Em outras palavras, a política anticíclica no Brasil tem todo o apoio do FMI, aliás como mostrou também a presidente desta instituição em entrevista recente citada pelo jornalista Celso Ming em sua coluna no Estadão.

Os autores concluem suas reflexões com o que chamaram de “Um roteiro fiscal para a recuperação econômica” e do qual retirei as seguintes observações;

Para as economias em que o controle da pandemia (EUA e Europa por exemplo) ainda não chegou a seu final os governos não devem retirar muito cedo seu apoio fiscal;

Entretanto eles devem ser mais seletivos na escolha dos beneficiários de suas ações;

Mas nos países em que o desemprego ainda é muito relevante devem continuar a fortalecer as empresas mais vulneráveis em seu processo de reabertura.

O Brasil, pelos critérios dos autores deste trabalho, está à frente da grande maioria das outras economias em função da conjugação de uma ação fiscal eficiente do governo (Tesouro e Banco Central) e de governos estaduais e municipais na gestão do chamado isolamento social. Apesar de ao custo de um número de mortes ainda muito elevado, foi levado adiante o processo de normalização da atividade econômica com exceção de alguns setores do mercado de serviços.

Certamente antes da virada do ano a atividade econômica no Brasil já deve ter voltado ao nível anterior a pandemia, mas com sequelas importantes na infraestrutura econômica do país. A mais grave, e que já chegou ao dia a dia da economia, é o alto endividamento do governo criado pelo esforço fiscal brutal no combate aos efeitos da covid-19.

Neste aspecto, o Brasil talvez seja o caso mais crítico dado o tamanho do mercado interno de títulos públicos que o coloca como ponto fora da curva entre as economias emergentes. Em um primeiro instante esta característica foi fundamental para o sucesso das ações fiscais do governo, mas agora com o aumento brutal na necessidade de rolar sua dívida em títulos está criando uma situação perigosa de solvência de curto prazo.

Em função dos volumes de rolagem da dívida mobiliária, os investidores estão começando a exigir juros mais elevados alegando os riscos envolvidos pela dívida de curto prazo e superior a 100% do PIB. Embora outros países desenvolvidos tenham aumentado também o seu nível de endividamento, no caso de uma economia emergente como a brasileira, as tensões que este endividamento provoca sobre o mercado é de outra natureza.

Não acredito que no curto prazo possa ocorrer uma perda de funcionalidade do mercado de títulos públicos no Brasil, mas certamente o custo de rolagem da dívida criada adicionalmente em 2020 vai aumentar pela pressão dos intermediários na sua colocação junto a investidores. Como dizem os operadores financeiros, “isto é da regra do jogo” nos mercados financeiros. Mas o governo terá que mostrar uma agenda para tratar da estabilização desta dívida com um plano de ação adicional à já longeva promessa de reformas estruturais.

E para obter credibilidade terá que envolver a criação de novos impostos, a serem cobrados dos maiores beneficiários de seu esforça fiscal, mesmo que por um finito espaço de tempo, como aumento do IR da pessoa física e estender sua cobrança no pagamento de dividendos pelas empresas.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações


Luiz Carlos Mendonça de Barros: Choque liberal. Um sonho?

O ministro se dispôs a abandonar a natureza radical de seu programa e adaptá-lo ao que é possível realizar

O analista que acompanhou o início do mandato do presidente Bolsonaro sempre teve dúvidas sobre a viabilidade política do choque liberal na economia prometido pelo ministro Paulo Guedes. Afinal, o histórico parlamentar do novo Presidente da República - inclusive sua origem militar - apontava em outra direção. Mas, a composição da equipe econômica feita com total autonomia parecia contradizer os mais pessimistas em relação a esta questão.

Eu me incluía neste grupo, principalmente por experiências vividas na minha carreira profissional por mais de cinquenta anos. Afinal, foi no ambiente de um verdadeiro choque liberal que iniciei a caminhada no mercado financeiro brasileiro em 1967. Mais ainda, meu primeiro patrão foi Roberto Campos, avô do atual presidente do Banco Central e considerado até hoje como uma referência de modelo liberal de gestão da economia.

Recém-formado pela Escola Politécnica da USP e novato em questões econômicas fui educado, nos primeiros anos de minha carreira, pelo professor Roberto Campos, como era chamado por nós funcionários do Investbanco. À época já era possível sentir em algumas de suas palavras - amargas - um forte ressentimento em relação às mudanças que ocorriam no modelo econômico criado por ele no mandato tampão do general Castelo Branco. Sob o comando de outra geração de presidentes militares e nas mãos de um economista de outra escola de pensamento - Delfim Netto - o choque liberal sonhado inicialmente se transformava, segundo ele, em algo pastoso e sem forma.

O general Costa e Silva - novo Presidente da República - e posteriormente seu sucessor Garrastazu Médici, vinham de outro grupo de oficiais do exército, formados fora da Escola Superior de Guerra - que se chamava então de Sorbonne - e à qual pertencia Castelo Branco. Formação profissional diversa, marcada pelas experiências de comando de tropa, mas principalmente com valores econômicos que se antagonizavam com os de Roberto Campos.

Ao longo de meus quatro anos no Investbanco, nos momentos em que tive a felicidade de ouvir o professor Campos comentar sobre economia e política, pude acompanhar de perto sua frustração com a desmontagem do sonho liberal construído com competência entre 1965 e 1967. A economia brasileira respondia com vigor às reformas realizadas e crescia a taxas de quase 10% ao ano, mas agora sob o comando inteligente - mas pragmático - do novo czar da economia, Delfim Neto.

Em 1973, na transição para um novo general presidente, a economia brasileira estava exausta e com problemas graves associados ao fim de um ciclo econômico que tinha se expandido acima de seu potencial. Sob o peso de um choque externo, representado pelo aumento brutal dos preços do petróleo, a inflação saía de controle e nossas contas externas estavam próximas do colapso.

Nesta transição para a presidência do general Geisel, um outro grande nome dos economistas liberais do Brasil - Mario Henrique Simonsen - foi chamado para comandar a economia com a missão de colocá-la novamente nos trilhos da estabilidade macroeconômica. Mas Geisel não era Castelo Branco e Simonsen não chegava perto de Roberto Campos como estadista. Colocado diante de um plano econômico ortodoxo de ajustes nos desequilíbrios cíclicos que vivíamos, Geisel negou-se a aceitar uma recessão como caminho a ser trilhado. Conta a história que teria dito a seu Ministro da Fazenda: “ Por que no meu mandato? “

Simonsen cometeu então um erro gravíssimo ao aceitar as limitações estabelecidas por Geisel e o Brasil mergulhou em quase dez anos de crise inflacionária e que levaria ao fim do regime militar em 1984 com a eleição de Tancredo Neves para a Presidência da República.

Mas Tancredo Neves, político conservador e cauteloso, escolheu para assumir o Ministério da Fazenda seu sobrinho Francisco Dornelles. Dornelles tinha uma formação econômica liberal e muito ligado ao pensamento da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, de onde também tinha origem Mario Henrique Simonsen. E em uma destas armadilhas que a história prega a todos nós, a cartilha de Roberto Campos e Bulhões voltava a ser o norte da política econômica no governo civil de Tancredo Neves.

Mas a morte do presidente eleito e sua substituição por José Sarney criaram uma armadilha fatal para o segundo choque liberal da nossa história republicana. O velho político do Maranhão, guindado por acaso à presidência da República, seria a última pessoa a bancar o torniquete fiscal e monetário criado por Dornelles e sua turma de jovens economistas, todos com a faca entre os dentes para resgatar o nome de Mario Henrique Simonsen.

Uma pequena e interessante nota histórica é que Paulo Guedes foi convidado a fazer parte desta equipe, mas desistiu para iniciar um caminho solo no mercado financeiro.

Este novo choque liberal na economia durou apenas seis meses e abriu o caminho para o nascimento de outra escola de pensamento econômico, sem o radicalismo da anterior, e que se consolidaria como hegemônica por mais de 8 anos com o sucesso do Plano Real e a eleição de Fernando Henrique Cardoso.

Vivemos agora um ajuste entre o choque liberal radical, prometido por Paulo Guedes e sua equipe, e a dura e complexa realidade do funcionamento das instituições políticas de nosso país. Parece, visto de hoje, que o ministro entendeu a natureza deste conflito e se dispôs a abandonar a natureza radical de seu programa e adaptá-lo ao que é possível realizar.

Aliás, opção que várias gerações de economistas brasileiros foram obrigadas a fazer em seu tempo de comando da economia para deixar um legado positivo na busca de uma economia mais eficiente em nosso país. Como aconteceu entre 1964 e os dias de hoje.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.


Luiz Carlos Mendonça de Barros: Uma nova fase da crise econômica

Estimativa para o PIB no 2º trimestre de 2020 tem números melhores dos que os estimados anteriormente

Os trinta dias decorridos desde minha última coluna no Valor revelam, de maneira mais clara, o roteiro que vamos seguir em nossa difícil estrada para a recuperação econômica em 2022. Uma primeira informação importante que agora dispomos é que está sendo impossível aos governos nacionais - no Brasil e em vários outros países - seguir o roteiro original em que o isolamento social só seria abandonado quando o controle da pandemia estivesse assegurado e o achatamento da curva da doença atingido. Inclusive nos países em que o controle teve sucesso inicial, acabou ocorrendo aceleração da abertura da economia, mesmo que ao custo de vidas humanas.

No Brasil - como nos Estados Unidos - o controle social radical foi abandonado com volta do crescimento da economia se impondo como valor político inadiável. Mas a avaliação sobre acertos e erros na evolução do relaxamento - ou mesmo de seu total abandono - vai ser feito no futuro.

Com este novo protocolo na busca da normalização da economia, podemos trazer nossa atenção para sua dinâmica ao longo dos próximos meses. A China voltou ao nível de sua atividade econômica de antes da covid-19 como prêmio pela dureza e eficiência com que tratou o controle da pandemia. Em segundo lugar nesta disputa pela volta ao normal, contrariando as expectativas dos analistas, está a zona do Euro. Mesmo aos trancos e barrancos ao longo dos primeiros noventa dias a grande maioria de seus países membros controlaram a covid 19 com certo sucesso e iniciaram, ainda no segundo tri, um processo gradativo de relaxamento do controle social e já estão colhendo os primeiros frutos de ter saído do chamado fundo do poço.

Certamente uma das causas de sua recuperação, adiante de outros países, foi a injeção de ânimo nos agentes econômicos provocado por um pacote fiscal, de quase US$ 1 trilhão, para ser usado pelos países mais frágeis da região mediterrânea. Este sinal de solidariedade, nunca antes visto, acabou por provocar uma valorização do euro em relação ao dólar e consolidar a recuperação das economias nacionais. Mas mesmo assim a queda do PIB no segundo tri de 2020 foi histórico e, em algumas economias, perto dos 15% ao ano.

O Brasil ficou no grupo de países com uma política de enfrentamento da pandemia pouco eficiente, com divergências profundas entre seus líderes políticos de como implementar o afastamento social. Por esta razão a velocidade de recuperação da economia é mais lenta e o custo final de perdas de vidas humanas certamente mais elevado do que teria ocorrido se seguido o caminho da Europa. Neste sentido estamos seguindo os Estados Unidos, este sim a grande decepção no tratamento da crise de saúde e da recuperação de sua economia. A diferença a nosso favor foi a implantação de um abrangente programa de apoio de renda aos brasileiros que vivem no mundo da informalidade e uma logística de acesso ao benefício que funcionou com eficiência. Nos Estados Unidos os conflitos políticos, e um presidente fortemente negacionista em relação à pandemia, criaram as condições para um colapso histórico do emprego e da renda dos mais pobres.

A melhor prova do nosso sucesso no apoio à renda dos mais vulneráveis veio esta semana com a divulgação de algumas estatísticas econômicas referentes ao mês junho, principalmente a das vendas ao varejo. Os números divulgados mostram que este segmento importante do consumo dos brasileiros já voltou aos níveis de antes da pandemia. A equipe de economistas da FGV divulgou a primeira estimativa para o PIB no segundo trimestre de 2020 com números melhores dos que os estimados anteriormente: queda de 10,3% em relação ao primeiro tri e de 10,7 % em relação ao mesmo período do ano passado. Posteriormente o BC divulgou o seu indicador mensal do PIB - o IBC-Br - mostrando até junho números compatíveis com os da FGV.

Quando comparada com a queda de outras economias importantes neste mesmo período esta primeira medida da intensidade da nossa recessão se mostrou menor do que a queda de 12,1% estimada para a zona do euro - no caso da França este número foi 14,2% - e apenas 1/3 da queda de 32,9% ocorrida nos Estados Unidos, o que serve de algum conforto para uma sociedade tão sofrida como a nossa.

Além destas informações mais favoráveis sobre a recuperação da economia, outros indicadores que medem as expectativas dos agentes econômicos levaram a equipe da FGV a rever suas previsões para o ano fechado em dezembro: queda do PIB de 4,5% em 2020 e um crescimento de 3,5% em 2021. Se isto ocorrer efetivamente, chegaremos ao fim de 2021 com um PIB nominal praticamente igual ao de 2019 lembrando que há poucos meses a queda prevista pela grande parte dos analistas chegava a mais de 3% neste mesmo período de dois anos.

Mas a batalha pela recuperação do crescimento ao longo do restante do ano e principalmente nos primeiros meses de 2021 vai exigir do governo federal uma postura realista e madura em relação à política econômica. Se houver afastamento deste caminho, com a busca do crescimento via utilização de artifícios populistas, vamos ter uma recaída na recessão na parte final do mandato do presidente Bolsonaro. Estamos vivendo tempos parecidos com os anos iniciais do governo Geisel em 1975 quando a ansiedade de voltar a crescer fez o governo atropelar o ciclo econômico e tentar uma via mais rápida com resultados desastrosos para o regime militar poucos anos à frente.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.


Luiz Carlos Mendonça de Barros: A destruição criativa no pós-pandemia

A pandemia provocará a passagem para outro mundo - virtual e digital - uma fase extraordinária para o investimento privado

Volto à linha do tempo proposta por mim para acompanhar a crise econômica. Nos últimos 60 dias, os principais eventos que ocorreram no combate à pandemia e na atividade econômica consolidaram as minhas expectativas sobre o futuro próximo: uma grande recessão neste ano, seguida de uma recuperação no final de 2020 e em 2021. A consolidação da volta do crescimento cíclico nas principais economias de mercado somente se dará em 2022. Com exceção da China é claro!

Ganhei, na semana passada, importante referência para este cenário quando a OCDE formalizou a sua linha do tempo para a economia nos seus países membros em 2021. Em seguida o Fed, em sua reunião periódica, reforçou o quadro traçado pela OCDE para a economia dos Estados Unidos.

Diz o relatório da OCDE que “a economia global sofrerá a maior contração em tempos de paz em um século”. Para seus técnicos, a economia global se reduzirá em 6% este ano e se recuperará parcialmente em 2021 com crescimento de 5,2%. Nos EUA, a OCDE espera que a economia tenha contração de 7,3% este ano, e alta de 4,1% no próximo e, para a zona do euro, queda de 9,1% do PIB em 2020 e recuperação de 6,1% em 2021.

Para a China, o organismo prevê uma contração de 2,6% este ano, seguida de uma expansão de 6,8% em 2021. Será a única das grandes economias do mundo a ter, neste período de dois anos, um saldo positivo médio de crescimento econômico. No Brasil os números esperados são um crescimento negativo de 7,4% em 2020 e um crescimento de 4,2% em 2021.

Mais recentemente, com a divulgação de novos indicadores econômicos o pessimismo exagerado embutido nos números da OCDE - e sancionados pelos analistas de mercado - começou a ser relativizado. Nos países que avançaram no controle da pandemia e iniciaram a redução do isolamento social, como a Europa, o comportamento do consumidor surpreendeu. As medidas tomadas para preservar o emprego e a renda do trabalhador, através de programas de apoio às empresas, foram eficientes e evitaram o apagão esperado na renda do consumidor. Por isto a redução das vendas ao varejo foi muito menor do que a estimada pelos analistas como mostra o gráfico.

O mesmo aconteceu nos Estados Unidos, onde um outro fenômeno surpreendeu a todos; a retração do consumo criou uma bolha de poupança junto à parte mais rica da sociedade - até porque os preços das ações negociadas em Wall Street retornaram aos valores de antes da covid-19 - que chegou a 35% da renda disponível, criando um estoque de poder de compra para o futuro. Vejam os efeitos desta acumulação de renda no mercado imobiliário americano que praticamente já voltou aos níveis de atividade antes da crise (gráfico do índice NAHB).

Mas a estabilização da atividade econômica nos próximos meses esconde uma desigualdade muito grande entre os vários setores da economia. O mais atingido - como sempre acontece nas economias de mercado após uma crise da proporção da que estamos vivendo - foi o universo dos pequenos negócios, a maioria deles de caráter informal.

Neste sentido a pesquisa realizada pelo IBGE - entidade sempre antenada na sociedade brasileira - sobre os efeitos da pandemia sobre as pequenas e médias empresas brasileiras é “Paramount”. Mas a realidade fotografada no Brasil é uma réplica ampliada do que está acontecendo em outras sociedades, mesmo nas que têm uma distribuição de renda mais equitativa do que a nossa.

Dado o caráter único da crise atual, a verdadeira carnificina que ocorreu no setor empresarial de pequeno porte também afetou grandes empresas em setores mais atingidos pelo prolongado afastamento social. Companhias de transporte aéreo - e sua cadeia de atividade - empresas ligadas à indústria do turismo e outras vão sofrer um baque financeiro de grande proporção também. E a falência de empresas ocorrerá em escala mundial prejudicando ainda mais e recuperação econômica.

Este processo de destruição, de tempos em tempos, de parte do tecido produtivo é uma das marcas do chamado capitalismo. Quem inicialmente identificou este fenômeno foi o sociólogo alemão Max Weber, mas devemos ao economista americano de ascendência austríaca Joseph Schumpeter o aprofundamento desta questão. Em seu livro de 1942, “Capitalismo, Socialismo e Democracia”, definiu o termo “destruição criativa” como um impulso fundamental para o motor do desenvolvimento econômico no mundo capitalista via inovações tecnológicas e de gestão das empresas.

Certamente a dinâmica identificada por Schumpeter acontecerá agora, mas em uma escala talvez nunca vista na história recente do capitalismo. A aceleração que a pandemia provocará na passagem do mundo analógico das últimas décadas para um outro - virtual e digital - irá inaugurar uma fase extraordinária para o investimento privado.

Uma nova tecnologia das plataformas digitais chamada de 5G representará um verdadeiro choque positivo neste processo. E o Brasil, por ter um mercado consumidor importante e uma plataforma privada e competitiva neste setor, vai se beneficiar muito.

Este tema, que já está presente em algumas análises sobre o mundo pós pandemia, é pouco entendido pelos mercados financeiros. A própria pesquisa feita pela OCDE, e citada acima, incorpora muito pouco deste fenômeno em suas análises meramente quantitativas.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.


O Estado de S. Paulo: ‘São 3 anos de juros zero, ninguém terá renda financeira’, diz Luiz Carlos Mendonça de Barros

Para ex-presidente do BNDES, imprevisibilidade explica o pânico do mercado: ‘a única certeza é que a crise é grave’

Douglas Gavras, O Estado de S.Paulo

Para o ex-presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e ex-ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, os últimos dias de turbulência e quedas nos mercados ao redor do mundo comprovam a falta de previsibilidade da crise econômica causada pela pandemia da covid-19. Ele ressalta que o investidor, agora, precisa ter sangue frio. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estadão.

A última quinta-feira foi um dia tenso nos mercados. Bolsas do mundo todo caíram, muito pelo temor de uma nova onda da pandemia da covid-19. Como navegar em um cenário tão incerto?

Essa é a grande questão. Estamos vivendo uma situação na economia mundial que é completamente desconhecida. Pela natureza atípica da crise atual, não se consegue produzir e nem consumir nada e, como o Produto Interno Bruto é a soma dessa atividade, ele terá forte retração este ano. Não é por acaso que a OCDE (organização apelidada de clube dos países ricos) disse que a depressão econômica deste ano vai ser a maior em um século.

Isso quer dizer os mercados devem reagir mal a cada expectativa de retorno da doença?

É preciso entender a cabeça do investidor, que tem de operar em um ambiente de muitas incertezas. Essa correlação entre normalizar a atividade econômica e o temor de voltar ao isolamento ainda não é uma coisa equilibrada. E o mercado acaba reagindo às notícias que chegam, é a história do apressado que acaba comendo cru.

Se o futuro ainda é incerto, há indicadores de mais longo prazo que devem ser observados?

Há um cenário de juros que está mais complicado ainda. O Fed (banco central americano) sinalizou esta semana que manterá os juros em zero por três anos. Isso é uma coisa que eu nunca tinha visto antes. Quer dizer que ninguém vai ter renda financeira em três anos. Esse conflito é parte do que vimos no pânico dos mercados na quinta-feira, depois da reunião do Fed.

O investidor vai acabar tendo de fazer escolhas mais difíceis nos próximos anos?

Quem investe tem de escolher entre ter um risco na carteira de ações ou não ter risco e ficar sem ganhos. O investidor tem uma escolha de Sofia: ou ele corre o risco de perder capital ou faz uma carteira de ações que devem sofrer menos. São três anos de juros zero, como é que faz?

O Ibovespa, principal índice da Bolsa brasileira, teve a primeira semana de perdas após três semanas de ganhos. Parecia descolado das incertezas quanto ao agravamento da pandemia. Isso está mudando agora?

Hoje, eu trabalho com a perspectiva de que o Ibovespa fique entre 90 mil e 92 mil pontos. Agora, a cada mês que passa, você vai conseguindo ter uma visão mais clara do tamanho do problema. A gente nunca passou por nada parecido e o investidor precisa ter paciência e procurar orientação de analistas experientes.

Dá para ser otimista?

O sistema capitalista não vai acabar por causa do coronavírus, as economias vão se normalizar um dia. Hoje, as expectativas estão depositadas na descoberta da vacina. Na hora em que ela chegar, resolve o problema. A única certeza que temos agora é que a crise é grave, o resto é dúvida.


Luiz Carlos Mendonça de Barros: Acompanhamento da crise econômica

No Brasil, vamos precisar iniciar um debate sobre a questão de novos estímulos para enfrentar 2021

Na coluna de abril desenhei para o leitor do Valor uma linha do tempo do meu cenário para a recuperação da economia brasileira até 2021. Aproveito para substituir o termo “otimista”, que utilizei então, pelo de “construtivo” para evitar os comentários de estar sendo uma espécie de Polyana sobre o nosso futuro. Tomo emprestado do ministro do STF, Luiz Roberto Barroso, que também sofria com a mesma qualificação de excesso de otimismo em relação à democracia no Brasil, como confessou em recente entrevista ao canal CNN.

Neste período, entre as minhas duas colunas, foi possível aprofundar o entendimento sobre dois temas: a duração esperada da quarentena social e a natureza da recessão econômica que vai se seguir. Tenho aproveitado o lockdown radical em meu apartamento para acompanhar as informações disponíveis sobre estas duas questões. A partir delas, e de manifestações de pessoas envolvidas na linha de frente do combate à crise, foi possível reduzir um pouco da falta de visibilidade sobre a intensidade da crise que vamos enfrentar.

A primeira informação relevante vem das várias curvas disponíveis que mostram a evolução do número de pessoas infectadas - e também mortas - pela covid-19 nos cem dias que já se seguiram ao início da pandemia. Neste conjunto de curvas fica claro que nas próximas semanas a maioria dos países poderá iniciar um processo de volta ao trabalho e à maioria das atividades de empresas e cidadãos.

A partir desta hipótese podemos começar a entender a natureza da recessão que vamos viver no restante do ano. Um dos textos, que de maneira simples joga alguma luz sobre o que vamos enfrentar, é o “Economics in the Time of covid-19” editado por Richard Baldwin para a CEPR Press” e do qual retirei as observações abaixo:

“O consenso entre os autores deste eBook - e de fato entre os principais economistas que estão escrevendo sobre isso - é bastante simples. Está no título do nosso e-livro: "Aja rápido e faça o que for preciso".

Os governos devem implantar políticas que 'aplanem” a curva da recessão, evitando danos duradouros às nossas economias. Os governos devem fazer o que for necessário para "manter as luzes acesas" até que a recessão termine”.

Este conselho é baseado em dois pontos simples: o choque médico é transitório, mas o dano econômico pode ser persistente e de longo prazo. Sem medidas preventivas, os empregos podem não existir quando a recessão passar, e muitas empresas terão seus balanços societários bastante fragilizados.

Portanto a chave é reduzir o número de falências - pessoais e corporativas - nos setores mais atingidos pela quarentena, e garantir que as pessoas tenham dinheiro para continuar gastando, mesmo que não estejam trabalhando. A única forma possível de se realizar este objetivo será via ações fiscais e monetárias por parte dos governos como um Programa de Renda Mínima para os mais pobres e linhas de crédito para as empresas mais atingidas pela queda da demanda.

Mas mesmo que se consiga limitar os danos ao tecido econômico quando terminarem as restrições de locomoção ainda teremos uma recessão tão profunda que a retomada será frágil demais para recolocá-las naturalmente em novo ciclo de crescimento.

Neste sentido trago para minhas reflexões de hoje as palavras de Jay Powell, presidente do Federal Reserve, que em uma “live” nos EUA disse que "medidas políticas adicionais" podem ser necessárias pelo Banco Central e pelas autoridades fiscais dos EUA para evitar maiores danos a longo prazo à economia devido à pandemia. Segundo ele o Fed tem uma pesquisa mostrando que quase 40% dos americanos, em famílias que ganham menos de US$ 40 mil por ano, perderam o emprego em março.

Ele está falando, portanto, da necessidade de um segundo pacote de estímulo às economias quando houver um controle estável sobre a evolução da covid 19. Os dados econômicos já divulgados mostram de maneira clara a intensidade da recessão e sua extensão simultânea no mundo desenvolvido e emergente. Trago ao leitor alguns deles que me chamaram a atenção e que mostram a natureza da recessão que vamos viver nos próximos meses.

1- A queda da produção industrial, 9,5% no Brasil, 9,7% no Reino Unido e 12,9% na Europa Unida;

2- Desemprego de 22 milhões nos Estados Unidos sendo que 90% destes desempregados por tempo limitado e, portanto, voltando ao trabalho a qualquer momento;

3- As vendas ao varejo nos Estados Unidos caíram incríveis 21,6 % em abril;

4- A Câmara de Deputados dos Estados Unidos já está discutindo um segundo pacote de cerca de US$ 1 trilhão para ser implantado com o objetivo de reforçar a recuperação econômica que virá;

Os números recentes da economia chinesa reforçam as minhas expectativas em relação à recuperação das economias de mercado se este for o caminho seguido. Eles mostram uma volta rápida da atividade, com uma perda pequena na velocidade de seu crescimento econômico. Aliás o que está previsto pelo FMI que projeta um crescimento positivo do PIB ainda em 2020 e um salto maior no próximo ano.

Mesmo no Brasil, com todas as dificuldades de lidar ainda com a fase de estabilização da pandemia, vamos precisar iniciar um debate sobre a questão de novos estímulos para enfrentar 2021.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.