Luiz Carlos Mendonça de Barros

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Olhando com otimismo para 2021

As três maiores economias entrarão em ciclo de crescimento, e garantindo a emergentes a saída da recessão

Estamos entrando em uma segunda fase da crise mundial provocada pela covid-19, com os efeitos da quarentena social chegando de forma agressiva às economias nacionais. O primeiro impacto, provocado pelo pânico que atingiu investidores e instituições financeiras no mundo todo, está controlado pela ação conjunta dos bancos centrais.

A lição de 2008 foi aprendida e desta vez o protocolo definido após 2008 não foi só rapidamente aplicado, como expandido por outras medidas ainda mais heterodoxas.

Para o enfrentamento desta segunda fase as lições do passado não foram suficientes pela natureza diferente do choque negativo que atingiu simultaneamente a operação de empresas e a renda dos salários de trabalhadores e arrecadação de impostos dos governos.

Felizmente a leitura deste choque feito por economistas e governos nacionais foi rápida e correta ao identificar o verdadeiro apagão de renda que iria ocorrer nas economias de mercado pelo tempo em que o afastamento social durasse. Em pouco tempo construía-se um protocolo de natureza keynesiana para enfrentar a recessão que se seguiria.

As aprovações das medidas deste protocolo estão ainda em andamento na maioria das democracias, mas será uma questão de tempo para que seja mitigado o impacto deflacionário que vamos sofrer nos próximos meses evitando uma verdadeira depressão econômica. Os primeiros dados já conhecidos na Europa e Estados Unidos não deixam dúvidas sobre a intensidade da queda da atividade que vamos viver pelo menos até o terceiro trimestre deste ano. Queda de mais de 6% do PIB, em muitas das maiores democracias, não parece ser previsão muito pessimista.

Mesmo com uma visão otimista quanto ao controle da covid-19 - o que ocorreu na China e já está sendo visto nas maiores economias nos permite assim proceder - apenas na virada do ano é que teremos sinais mais claros de uma retomada da atividade econômica de caráter mundial. Mas ela vai ocorrer em cenário com um grande hiato do produto e com um quadro deflacionário preocupante. A China será uma exceção pelo sucesso obtido no controle da doença, e pela rapidez com que a atividade econômica está se normalizando. O FMI prevê um crescimento de 1,5% em 2020 seguido de uma expansão de 9% em 2021 em função de um programa de estímulos fiscais e monetários -- que certamente virá - como ocorreu em 2010.

Nos Estados Unidos, outro pilar da economia mundial, também chegaremos ao quarto trimestre deste ano com uma economia em recessão, mas com um hiato elevado do produto e um mercado de trabalho com bastante folga também. Mesmo com as incertezas de um novo presidente, podemos afirmar que haverá no Congresso um segundo grande esforço de estímulos fiscais para colocar a economia em uma rota mais clara de recuperação e uma redução do desemprego. Se estiver certo, teremos na virada do ano e durante 2021 as duas maiores economias do mundo lado a lado com uma volta do crescimento econômico.

Mesmo a Europa - sempre atrasada pela heterogeneidade política de seus membros - está para finalizar a implantação de uma ajuda fiscal via o chamado “multiannual financial framework (MFF)” com mais de US$ 1 trilhão de recursos como afirmou recentemente Úrsula von der Leyen, presidente atual da Comissão Europeia. Estes recursos vão certamente acelerar a recuperação econômica dos países em maior dificuldade como Espanha, Itália, Grécia e do Leste europeu. Desta forma as três maiores economias do mundo devem - ao longo do quarto trimestre - entrar em um ciclo de crescimento positivo garantindo para o mundo emergente uma condição de - embora mais lentamente - sair da armadilha da recessão ao qual estão hoje destinados.

Neste cenário de crescimento com políticas monetárias extremamente expansionistas - e, portanto, com juros reais muito baixos - lentamente parte dos capitais internacionais que fugiram para os EUA ao longo dos últimos meses voltarão a se posicionar, como sempre aconteceu no passado, no mundo emergente. Neste cenário o Brasil deve receber um empuxo externo via as exportações de commodities e a volta do investimento estrangeiro principalmente no setor de infraestrutura, viabilizando novamente o ambicioso processo de privatizações atualmente em stand by no governo Bolsonaro. Os dados da conta corrente e da entrada de investimento estrangeiro de março último já mostram o início deste processo.

Sei que serei chamado de otimista com este meu modelo para a evolução da economia mundial e brasileira em 2021, mas apenas repliquei nesta coluna o que acompanhei no passado quando acontece um alinhamento de dimensão mundial do início de um ciclo econômico de crescimento. Mercado de trabalho sem tensões, preços das principais commodities também em seu ciclo de baixa - o que garante um mundo sem inflação - combinados com uma imensa liquidez ao nível mundial serão incentivos suficientes para que os traumas e efeitos colaterais sofridos por empresas e consumidores sejam substituídos por expectativas mais favoráveis.

Ficará apenas - para ser tratado mais a frente com a volta do crescimento econômico - um aumento generalizado do endividamento dos governos centrais, a começar pelos Estados Unidos. Neste sentido serão os países emergentes como o Brasil que vão precisar de um programa do estilo defendido por Keynes em 1940 em seu extraordinário texto chamado “ How to pay for the War”.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.


Luiz Carlos Mendonça de Barros: A volta do momento Minsky

Desta vez não houve Cisne Negro externo a pôr fim ao otimismo dos mercados, e sim a difusão do coronavírus

A teoria econômica no início do desenvolvimento do capitalismo, no final do século 19 e começo do 20, era mais um tratado religioso escrito pelos chamados economistas clássicos do que uma avaliação dos problemas reais que a incipiente economia à época apresentava. O homem que vivia a dinâmica das economias de mercado era justo, racional e religioso. John Maynard Keynes foi o primeiro pensador sobre as questões econômicas que desmitificou a forma de dogma religioso que prevalecia até então. Ele delineou os valores do verdadeiro Homem Econômico que existe nos mercados e não a imagem criada pelo dogmatismo do chamado homem racional.

A terrível crise da depressão econômica dos anos 30 desmoralizou o arcabouço teórico e prático do capitalismo puro e validou as observações mais importantes de Keynes e de um pequeno número de economistas ao seu redor. Mas o boom econômico no pós-guerra nos Estados Unidos permitiu que uma nova leitura mais realista dos ideólogos religiosos do capitalismo fosse desenvolvida, principalmente nas universidades americanas. Chicago passou a ser a nova Roma na defesa dos princípios reescritos e chamados de neoclássicos. Pouco a pouco uma série de mecanismos criados nos anos da depressão foram sendo desmontados ou reescritos com menor capacidade de intervenção dos governos nos mercados.

Com a ascensão de Ronald Reagan, uma nova geração de políticos do Partido Republicano retomou a “cruzada santa” dos clássicos de negar ao Estado o direito de restringir a liberdade individual de investidores e empresários. O sucesso econômico dos anos Reagan trouxe de volta a ilusão da racionalidade do sistema e que havia sido perdida nos anos terríveis da depressão.

Mas mesmo marginalizados pela dominância do pensamento neoclássico alguns economistas continuaram a atualizar os principais conceitos desenvolvidos por Keynes em relação à instabilidade estrutural das economias de mercado. Um deles foi Hyman Minsky que, apesar de formado em matemática pela Universidade de Chicago, acabou se dedicando profissionalmente ao estudo de economia a partir do trabalho teórico desenvolvido por Keynes. Em 1986 publicou um livro - “Stabilizing an Unstable Economy” - no qual fazia uma releitura da fragilidade das economias de mercado quando, no fim de um ciclo de expansão econômica, a euforia e a ambição acabam dominando as decisões dos agentes econômicos.

O livro de Minsky foi adotado por membros importantes do universo de Wall Street, como Paul McCulley da Pimco, quando ocorreu a crise financeira de 1998. McCulley chamou de momento Minsky o ponto do ciclo econômico em que os especuladores endividados são obrigados a vender em massa os seus ativos, para fazer frente às suas necessidades de liquidez. Nesse ponto, começa a liquidação de posições, mas nenhum comprador pode ser encontrado a preços tão elevados, o que leva a uma queda abrupta nos preços dos ativos e a uma acentuada redução da liquidez no mercado.

O momento Minsky normalmente ocorre depois de um longo período de prosperidade e de investimentos crescentes, o que incentiva o aumento da especulação usando dinheiro emprestado. Alguns, como McCulley, consideram o início da crise financeira de 2007-2010 como um momento Minsky. McCulley estabelece este momento em agosto de 2007, enquanto outros consideram que tenha sido um pouco antes, em junho de 2007, com a quebra da Bear Stearns.

Agora, dez anos depois da crise de 2008 que fez de Minsky um economista respeitado até pela comunidade financeira de Wall Street, voltamos a viver uma crise financeira que vai jogar o mundo novamente em uma possível depressão econômica. Mas, como sempre acontece quando se utiliza eventos históricos como referência para melhor conhecer o presente, é preciso analisar as condições de contorno atuais em relação às do passado. As economias de mercado são organismos que evoluem com o tempo e mudanças importantes podem ocorrer em um período de 10 anos. Quando olhamos a crise que estamos vivendo e a comparamos com o que ocorreu em 1997 e 1998 duas mudanças me chamam a atenção.

A primeira é que tanto em 1998 como em 2008 foram tensões típicas da super excitação de otimismo dos mercados que provocaram abrupta ruptura das cotações dos principais ativos e o mergulho na recessão. Não houve nenhum Cisne Negro externo para interromper o otimismo de todos. Desta vez, em 2020, apesar de já existirem as condições de excesso de otimismo nos Estados Unidos, foi o evento na saúde mundial provocado pelo coronavírus que provocou a crise de confiança e o pânico nos investidores.

A segunda é que pela primeira vez experimentamos um período de pânico de extensão mundial com o funcionamento pleno das chamadas mídias digitais e das redes sociais. Nesta nova configuração das relações entre habitantes do mundo todo, a disseminação de notícias verdadeiras e falsas se faz a uma velocidade incrível e sem o controle da verdade que sempre foi responsabilidade da mídia institucional.

Mas o fim desta crise está longe de ocorrer e muita água - ou melhor sangue - vai correr debaixo da ponte.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.


Luiz Carlos Mendonça de Barros: Deixando as coisas bem claras

Apesar do revés com ritmo de recuperação, humor e apoio à política econômica mais liberal vão continuar melhorando

Na última sexta-feira fiz uma apresentação em seminário promovido pela Amcham em São Paulo onde me concentrei em mostrar a natureza atípica da recessão que vivemos nos últimos seis anos. Algo muito parecido com o conteúdo da minha coluna no Valor de janeiro passado, apenas com mais recursos audiovisuais do que um jornal impresso. O objetivo era mostrar, através de gráficos, o comportamento semelhante de uma série de indicadores de natureza econômica, inclusive de expectativas futuras dos agentes, na formação da bolha de demanda entre 2010 e 2014 e sua posterior ruptura entre 2015 a 2017.

Em todos eles temos o mesmo padrão: visualização do início da fase de formação da bolha com a curva da variável do gráfico se afastando da linha de tendência histórica e formando uma corcova para cima no gráfico. Posteriormente, com a explosão da bolha, a mesma corcova invertida se formando agora abaixo da linha de tendência. Finalmente, a partir de 2018, uma nova linha de tendência de crescimento se forma com uma inclinação ainda muito reduzida.

Pretendia contradizer a afirmação, sempre presente na mídia brasileira, de que vivemos a mais lenta das recuperações cíclicas da economia dos últimos tempos. Esta afirmação é incorreta pois não leva em conta a natureza da crise que vivemos sob o governo do PT, também ela nunca vista antes neste país. E esquece ainda que a macroeconomia da crise provocada por uma bolha de consumo como a que vivemos é diferente de recessões que ocorrem em um fim de ciclo econômico.

Por isto, agora em 2020, também a trajetória da recuperação deve levar em consideração os vários resíduos de bolha que ainda existem na economia além das limitações que ainda existem para uma política fiscal anti-cíclica. O mais grave destes resíduos é certamente a elevada taxa de desemprego, que ainda permanece. Como tenho ressaltado, o que está impulsionando o crescimento do consumo é o aumento da população empregada e uma elevação de cerca de 2% do salário real, alavancado pelo crédito bancário.

Mas fazem falta pelo menos três milhões de brasileiros com sua renda reduzida pelo fato de estarem fora do mercado de trabalho e que somente devem recuperar seus empregos ao longo de três ou quatro anos. Outros resíduos que dificultam a retomada, como batalha pela estabilização fiscal e a enorme ociosidade da indústria brasileira, vão pesar em 2020 e limitar a velocidade da recuperação cíclica em andamento.

Estas dificuldades foram lembradas agora aos analistas mais otimistas - inclusive eu - com a clara desaceleração havida neste final de ano. Tomo prova desta afirmação as revisões que estão sendo feitas por várias instituições financeiras sobre o crescimento do PIB no último trimestre de 2019. Há algumas semanas o número mais citado era da ordem de 0,6% o que corresponderia a uma velocidade anual de mais de 2% ao ano na virada de 2010. Hoje os números estão sendo revistos para algo como 0,4% o que corresponde a uma velocidade anual composta de 1,6%.

Com este crescimento mais baixo no último trimestre de 2019, precisa ocorrer uma aceleração da economia nos próximos meses - o que quer dizer hoje do consumo das famílias - para que possamos chegar a um crescimento anual, em 2020, próximo de 2,5%. Apesar da ducha de água fria nos mais animados com a recuperação cíclica, que está ocorrendo mesmo um número próximo de 2%, deve continuar a melhorar o humor e o apoio da sociedade à alternativa de política econômica mais liberal.

Finalmente quero tratar nesta coluna da questão da alta volatilidade da cotação do real nos mercados de câmbio e que tem sido citado por um certo grupo de analistas como um sinal de alerta a ser considerado. A grande causa desta volatilidade recente tem sido o rápido e brutal ajuste nas taxas reais de juro da economia medida pela Selic. Aliás a Selic explica também o movimento no índice Ibovespa, que chegou a dobrar de valor no final de 2019 simplesmente porque a taxa de desconto sobre lucros futuros das empresas brasileiras passou de 12% ao ano para menos de 7%.

No caso da taxa de câmbio foi a queda do juro real na economia que fez com que todo um grupo de rentistas no exterior zerasse suas aplicações em reais e buscasse outras freguesias para aplicação de seus recursos. Neste movimento racional trocaram reais por dólares, pressionando a taxa cambial da moeda brasileira. A este movimento o Banco Central respondeu corretamente equilibrando, por intervenção sua, a demanda por dólares, vendendo inclusive dólares de sua reserva externa.

Ao fazer esta troca provocou uma redução expressiva da conta de juros paga pelo Tesouro em sua dívida pública. Paralelamente outro movimento de ajuste no mercado de câmbio ocorreu com várias empresas brasileiras aproveitando juros reais mais baixos nas operações de crédito junto aos bancos brasileiros para reduzir seu endividamento em moedas estrangeiras. Mais uma vez a troca de dólares por reais gerou volatilidade nas operações cambiais.

Finalmente, com a queda dos juros nos mercados interbancários (DIs) a níveis muito baixos os especuladores de curto prazo migraram para o mercado de câmbio e vem tentando repetir o que sempre ocorre no Brasil quando a volatilidade do real aumenta; ganhar um dinheirinho extra.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.


Luiz Carlos Mendonça de Barros: Finalmente estamos fora do buraco negro

Para trazer a carga tributária a um nível que estimule a atividade empresarial será necessário enfrentar o mito da Constituição cidadã

Podemos, neste início de ano, dizer com segurança que, depois de seis anos de muito sofrimento, as consequências mais perversas criadas na sociedade brasileira por uma quase depressão econômica estão ficando para trás. Ainda que de maneira tímida o crescimento econômico está voltando e, mantida nos próximos anos a política econômica atual, poderemos progressivamente nos afastar das piores armadilhas criadas pela incompetência dos governos petistas em seus mais de 12 anos de poder.

Antes de continuar, faço uma observação que tem sido pouco citada pelos analistas sobre este período: nós só não vivemos a verdadeira depressão econômica porque não tivemos no Brasil uma crise bancária que, normalmente, vem associada à queda do PIB na dimensão da ocorrida em 2015 e 2016. Evitamos esta armadilha porque no governo Itamar Franco, com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no comando da economia e Gustavo Loyola na presidência do Banco Central, uma corajosa reestruturação do sistema bancário brasileiro, que se chamou Proer, foi levada adiante com muito custo para o Tesouro federal.

E por uma armadilha que a história sempre prega, o Proer foi violentamente criticado à época pelo PT e demais partidos de esquerda sem que soubessem que, mais de vinte anos depois, ele evitaria que uma catástrofe ainda maior ocorresse no governo da ex-presidente Dilma Rousseff.

Feitas estas observações, volto agora ao eixo central desta coluna que é a confirmação de que deixamos o pior da crise para trás e entramos agora em nova fase, denominada pelos economistas de recuperação cíclica. De certa forma esta coluna é o complemento de outras escritas por mim ao longo do ano passado em que tratei da minha convicção de que este momento ocorreria ainda em 2020. Esta confiança nascia da observação de vários momentos da história em que economias de mercado sofreram - por erros de gestão de seus governantes - uma queda violenta da atividade econômica. Em um primeiro momento ocorre uma queda no vazio - vejam o gráfico acima - seguida por uma recuperação ainda lenta, caso uma política econômica adequada seja implementada. E foi o que ocorreu no governo Temer e, de forma mais abrangente e segura, agora em 2019, a partir de reforma da Previdência e da gestão fiscal de alta qualidade e disciplina.

O ano de 2020 - e isto hoje é consenso entre grande número de analistas - trará de maneira mais segura a consolidação da recuperação que falamos, com a volta ao longo do ano de um crescimento próximo a 2,5%. Mas ela não será suficiente para eliminar de forma abrangente as várias sequelas que ainda ficaram na sociedade como herança da era PT. Segmentos sociais importantes, principalmente os de baixa renda, ainda estarão longe dos padrões atingidos em um passado não tão longínquo em função da piora sensível dos indicadores de distribuição de renda. O desemprego continuará elevado e o grande contingente de trabalhadores sem carteira assinada representará parcela importante do total ainda por certo tempo.

Para que, ainda na segunda década do século, possamos chegar em uma sociedade mais justa, a economia precisará atingir uma velocidade de cruzeiro superior à dos últimos trinta anos. E para isto outra agenda de reformas precisará ser definida e acordada entre nós brasileiros. Pretendo hoje iniciar algumas reflexões pessoais como contribuição para as discussões que certamente ocorrerão e que serão submetidas à sociedade como outras alternativas nas eleições de 2022.

Uma das questões relevantes, na minha opinião, é que com a reforma da Previdência, a volta do crescimento econômico e uma nova realidade da estrutura dos juros, será possível voltarmos nos próximos anos a trabalhar com superávits primários suficientes para estabilizar o equilíbrio fiscal do orçamento federal. Em outras palavras a ameaça de uma dívida federal fora do controle deixará de existir, ancorando de forma mais sólida as expectativas dos agentes econômicos em relação ao futuro.

Mas esta situação de equilíbrio será obtida às custas de uma carga tributária da ordem de 33% do PIB, muito acima da média de economias emergentes como a nossa. Para se chegar a este nível de arrecadação foi necessária ao longo dos anos a construção de um monstruoso sistema de impostos e tributos que acabam limitando de forma importante o funcionamento racional de uma economia de mercado. Não por outra razão as expectativas sobre uma reforma tributária abrangente dominam as mentes de empresários e consumidores.

Mas estas expectativas vão se frustrar caso não seja enfrentada de forma organizada a razão primária da existência deste monstruoso sistema tributário construído ao longo do tempo para acomodar a estrutura de gastos constitucionais definidos na Constituição de 1998. Portanto, para trazer a carga tributária para um nível que estimule e fortaleça a atividade empresarial privada será necessário enfrentar o mito da Constituição cidadã de Ulysses Guimarães e outros heróis de minha juventude profissional tão cheia de ilusões.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.


Luiz Carlos Mendonça de Barros: Uma marcha insensata chega ao fim

O Brasil, diante de uma situação grave como a que passamos, se une e apoia os governantes que lutam para superá-la

Foi uma longa, difícil, injusta para com os mais pobres, e, até agora, pouco compreendida marcha para escapar do buraco negro na economia, criado pela incompetência do PT e seus governantes. Os números deste período infame estão hoje à vista de todos e tornam uma missão difícil para o analista escolher o mais dramático deles para a sociedade.

Depois de uma difícil reflexão, fico com a explosão da dívida interna do governo entre 2015 e 2016 por ser ela a mais representativa da marcha da insensatez que tomou conta do governo Dilma desde o primeiro dia de seu mandato. E é também o indicador mais deletério para as expectativas de consumidores, empresários e investidores em relação ao futuro. Medida como percentagem do PIB, a dívida bruta do governo federal entre 2013 e 2019 pulou de pouco mais de 50% para 81% neste final de ano. Este aumento de mais de 30% representou a soma dos efeitos do aumento do volume de gastos do Tesouro Nacional e a queda de quase 7% do PIB entre 2015 e 2016.

Situações como esta, quando ocorreram na história recente das economias de mercado, antecederam colapsos econômicos de grandes proporções. Mas a sociedade brasileira - hoje podemos afirmar - não vai pagar este preço e pode, finalmente, olhar de forma construtiva para o futuro. E antes que receba críticas de estar sendo otimista demais - ou ingênuo como já fui chamado no passado -, pois precisamos ainda de um longo período de reformas para perenizar o crescimento econômico, afirmo que concordo com esta observação.

Apenas acho importante refletir isoladamente sobre a superação - como sociedade - da ameaça de insolvência por que passamos antes de tratar de uma agenda para consolidar o futuro. O Brasil mostrou uma grande maturidade ao longo destes anos terríveis por que passamos, com a crise política do governo Temer seguida de uma eleição presidencial tensa e incerta como foi a do ano passado.

Inicialmente gostaria de trazer ao leitor um sentimento pessoal que construí em mais de 50 anos de observação da nossa sociedade. O Brasil, quando diante de uma situação grave como a que passamos agora, se une e apoia os governantes que estão administrando a crise e lutando para superá-la. Vivi este sentimento de solidariedade e apoio quando a hiperinflação dos anos 80 e 90 do século passado testou os limites de nossa economia de mercado e mesmo de nosso regime democrático. A união de todos - menos a esquerda, petista ou não - em apoio à proposta da nova moeda (URV), apresentada pelo governo Fernando Henrique em 1994, nos salvou da hiperinflação aberta e permitiu que hoje estejamos novamente no grupo de economias de mercado com inflação sob controle.

Os mais jovens precisam ser lembrados deste momento importante de nossa história para entender o que está ocorrendo agora.

Mais uma vez, sentindo-se ameaçada - desta vez pelo colapso das finanças públicas - a sociedade apoiou de forma vigorosa a reforma da Previdência pública quando sentiu que ela representava a única saída para a volta da estabilidade financeira. Sinal disto é que, embora diagnosticada pelos técnicos, há mais de 30 anos, como um dos pilares de sustentação do equilíbrio fiscal, somente agora - com a crise terminal que chegamos a viver - a opinião pública deu o apoio necessário para forçar o Congresso a aprová-la.

Com a reforma da Previdência a força de uma recuperação cíclica tradicional, que já existia desde o governo Temer, começou a ganhar tração ao longo dos últimos meses. Mas a lentidão desta recuperação, principalmente na questão do desemprego, criou um ambiente de ceticismo entre os analistas e mesmo junto à sociedade. Meu otimismo sempre derivou do fato de que, em recuperações semelhantes em outras economias, o prazo entre a ruptura da bolha de consumo criada e a volta de uma normalidade econômica, sempre foi de vários anos. O exemplo mais recente deste fenômeno ocorreu nos Estados Unidos entre 2008 e 2018 quando este mesmo sentimento de desesperança dominou boa parte da sociedade. Mas quando a recuperação ganhou força nos últimos três anos uma quase euforia voltou à população americana e aos mercados.

O mesmo vem acontecendo agora no Brasil. O dia de ontem foi decisivo para que uma mudança no ânimo de todos os mercados mais sensíveis às expectativas dos agentes econômicos ocorresse, corrigindo de forma significativa seus preços. Chamou a atenção o comportamento do mercado dos CDS que precificam o chamado risco de default (calote) do país por ser ele negociado no exterior principalmente. Também a valorização do real em relação ao dólar na B3 mostra a força da mudança de humores em relação ao Brasil, depois de vários meses de pressão vendedora de nossa moeda. Interessante que a força do real ontem ocorreu no dia em que o Banco Central definiu uma nova e expressiva redução dos juros Selic.

Consolidou-se entre os analistas que o crescimento do PIB em 2020 deve chegar a 2,5% o que implica em afirmar que na virada de 2021 a economia deve estar crescendo 3% ao ano. Merecemos esta comemoração, mas agora sim temos que tratar de uma nova agenda.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.


Luiz Carlos Mendonça de Barros: O primeiro ano do governo Bolsonaro

Em 2020, o governo deve encontrar cenário bem mais favorável, o que poderá facilitar o ataque à questão fiscal

O primeiro ano do governo Bolsonaro se aproxima do fim com sinais de que poderá ser mais exitoso do que muitos previam no início de seu mandato. Depois de 30 anos em que nos acostumamos a um padrão de cooperação entre o Executivo e o Legislativo para levar adiante o plano de governo, a forma de governar de Bolsonaro foi um choque para a grande maioria dos analistas.

A relação quase conflituosa do Planalto com o Legislativo foi lida muito cedo como um caminho direto para crises constantes e uma paralisia das ações do governo em um momento de crise econômica grave e da necessidade de reformas importantes. A falta de uma base política estruturada para aprová-las seria o caminho natural para tal situação.

Além disto, o jeito tosco e truculento do presidente ao comunicar para a sociedade alguns de seus valores ideológicos criou um mal-estar na elite do país e na mídia. Citaria ainda como origem deste desconforto inicial, certo radicalismo do todo poderoso ministro Paulo Guedes na defesa de seus planos para a economia. Dizia ele que estava tudo errado e que seria preciso uma verdadeira revolução liberal na busca de um estado mínimo na relação com a sociedade. Alguns símbolos importantes da ação social do Estado brasileiro, como a Zona Franca de Manaus, teriam que ser sacrificados ao longo do caminho de uma reforma fiscal radical.

Mas o que vimos ao longo deste ano foi uma adaptação pragmática progressiva de vários atores a esta nova forma de governar, com o Legislativo ampliando seu espaço de ação política para buscar não um conflito sistêmico com o Executivo, mas um trabalho conjunto para construção de uma agenda comum para o país. O melhor exemplo desta nova forma de governar foi o desenho a quatro mãos da PEC da reforma da Previdência e, posteriormente, sua aprovação, em dois turnos, nos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Neste processo despontou Rodrigo Maia como uma liderança política do Legislativo capaz de articular junto a seus pares as ações do Executivo, tornando funcional esta nova forma de governar do presidente Bolsonaro. E com o tempo, e principalmente com os conflitos que viveu, Paulo Guedes aprendeu os limites de seu poder e a necessidade da negociação política com os representantes eleitos pelo povo para viabilizar sua agenda liberal.

Neste choque de realidade, sua própria vontade revolucionária foi domada, como indica sua foto em Manaus declarando enterrado o projeto de acabar com a Zona Franca. A crise social no Chile - e a convocação de uma Assembleia para modificar a Constituição outorgada pela ditadura Pinochet - também veio a tempo para moderar os anseios do ministro da Economia nas suas negociações com o Congresso, facilitando o processo de aprovação das reformas liberais necessárias para o Brasil.

Uma fotografia interessante da avaliação do governo Bolsonaro neste final de primeiro ano pode ser encontrada na pesquisa de opinião mensal do Ipesp e da corretora de valores XP relativa a novembro. Apesar de ser realizada por telefone, a sua repetição mensal nos dá um quadro evolutivo a ser visto com confiança pelo analista. Hoje para 39% dos entrevistados o governo Bolsonaro é ruim ou péssimo. Por outro lado, 32 % o avaliam como ótimo ou bom e 25% como regular, somando 57% dos entrevistados que, segundo o critério europeu de avaliação de mandatários no poder, apoiam o governo do presidente.

A mesma pesquisa mostra que Bolsonaro poderá ter em 2022, no final de seu mandato, 45% de ótimo e bom e 16% de regular, somando 61% de apoio. Os que acreditam que seu governo será ruim ou péssimo chegam a 32% dos entrevistados. Esta é uma medida, ainda que precária, do resultado das eleições de 2022.

No segundo ano de seu governo o presidente Bolsonaro deve encontrar um cenário bem mais favorável na economia, o que poderá facilitar o enfrentamento da questão fiscal. Um grande número de analistas de mercado já trabalha com uma previsão de crescimento do PIB da ordem de 2,5% em 2020. Neste cenário, o aumento da arrecadação de impostos, que acontecerá naturalmente, e um controle estrito do orçamento como vem sendo feito, deve reduzir bastante o déficit primário e gerar, mais à frente, o tão esperado superávit. Por outro lado, a nova estrutura a termo dos juros vai permitir inverter a curva de crescimento da dívida pública federal bruta, como mostra o gráfico anexo produzido pela STN.

Se este cenário realmente ocorrer o governo terá um tempo maior para aprovar no Congresso as PECs que devem tratar da questão das despesas obrigatórias estabelecidas na Constituição. Estas medidas são necessárias para permitir que ocorra, com possibilidade de sucesso, a discussão de uma reforma tributária que realmente abra espaço para uma mudança em nossa estrutura de impostos e a tão necessária redução da carga tributária que onera hoje as empresas brasileiras.

O cenário descrito mostra uma oportunidade que não pode ser perdida pela sociedade brasileira depois de tantos anos de crise e sofrimentos.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.


Luiz Carlos Mendonça de Barros: Agora é a vez da economia

Recuperação depende de uma gestão correta de curto prazo de variáveis como taxa de juros e oferta de crédito

A aprovação da reforma da previdência em primeiro turno, com uma votação muito acima da esperada por todos, abre espaço para que a economia brasileira busque finalmente a tão esperada recuperação cíclica e o fim da recessão que vivemos há mais de cinco anos. Entende-se aqui como recuperação cíclica de uma economia de mercado a volta natural do crescimento depois de um ajuste para baixo da atividade causada por uma recessão de forte intensidade.

No caso brasileiro de hoje, vivemos a conjugação de uma recessão provocada por erros de gestão da economia entre 2010 e 2014 e uma crise política grave criada pelo processo de impeachment de Dilma Rousseff. Adicionalmente, as revelações da Operação Lava-Jato levaram ao colapso do sistema político que prevaleceu por mais de 30 anos, sem que uma alternativa tenha sido colocada em seu lugar. O resultado foi uma quase depressão econômica que trouxe a queda expressiva na arrecadação de impostos e um salto perigoso no déficit fiscal primário do governo central e dos estados.

Após a troca do comando do governo, com a posse de Michel Temer e a mudança radical na condução da política econômica, tivemos dois momentos em que a recuperação cíclica deu sinais de aparecer no horizonte para, logo em seguida, ser fragilizada por fatores externos à economia. A primeira, logo no início de seu mandato, foi abortada pelo escândalo político que se seguiu às gravações do empresário Joesley Batista. A segunda chance veio com a redução da crise política envolvendo o presidente da República depois da rejeição pelo Congresso de seu afastamento, mas que teve curta duração por conta da greve dos caminhoneiros.

Com a eleição de Jair Bolsonaro e a entrega do comando da economia a uma equipe de corte liberal - e com grande credibilidade junto às forças de mercado - uma nova janela para a recuperação cíclica abriu-se para a sociedade brasileira. Mas neste momento a crise fiscal herdada pelo novo governo e agravada pela deterioração adicional das contas da Previdência Social, gerou uma crise de credibilidade na solvência do estado brasileiro o que obrigou o governo a priorizar uma mudança constitucional profunda para obter um ajuste fiscal estrutural de longo prazo.

A decisão de concentrar toda a energia do governo, em um primeiro momento, na aprovação da PEC da previdência teve um parceiro fundamental para seu sucesso com a participação ativa de parcela da elite parlamentar na Câmara e no Senado. No final, a luta pela reforma da previdência transformou-se - como havia acontecido no Plano Real - em uma batalha pela sobrevivência da maioria da população brasileira, como mostram as pesquisas mais recentes e o número de votos obtidos em plenário.

Como dito no início desta coluna, a aprovação da chamada PEC da Previdência, nas condições que ocorreu, cria uma oportunidade única para que uma recuperação cíclica forte ocorra agora no Brasil. Os indicadores recentes dos mercados de títulos públicos e do chamado CDS da nossa dívida externa falam por si só. Somente um país com solvência fiscal de longo prazo reconhecida pelos agentes econômicos pode ter os preços de títulos públicos que são operados hoje no Brasil e no exterior.

Portanto podemos - e devemos - deixar de lado a paralisia que tomou conta de áreas importantes do governo nestes últimos meses sob a alegação de que a falta de credibilidade na economia por parte dos agentes econômicos internos e principalmente externos poderia levar-nos a uma crise grave de solvência.

Mas a recuperação econômica, em situações como as que existem no Brasil hoje, depende de uma gestão correta de curto prazo de variáveis como taxa de juros e oferta de crédito principalmente. Com o hiato do produto que existe hoje na economia, a volta do investimento produtivo só vai ocorrer se a recuperação da economia ganhar tração ao longo do tempo. Por esta razão é preciso entender que será principalmente via o consumo das famílias que nosso PIB vai voltar a crescer. Em outras palavras, temos que fortalecer o lado da demanda de consumo via os instrumentos tradicionais e medidas extraordinárias como devolução de poupança popular - FGTS e PIS/Pasep - e aumento da alavancagem do sistema bancário, seja ele público ou privado, via redução de compulsórios bancários. Adicionalmente podemos incorporar ao crescimento da demanda dos consumidores um programa abrangente de investimentos privados via privatização de projetos de infraestrutura econômica.

Ao mesmo tempo o governo tem mostrado corretamente que para fortalecer e perenizar a recuperação cíclica temos que modernizar nosso ambiente de negócios via reformas microeconômicas que criem um ambiente mais propício a ganhos de eficiência em vários mercados. Neste sentido temos reformas de maior fôlego a serem implantadas - como a dos impostos e tributos - ao lado de mudanças menos ambiciosas como a recente MP da liberdade econômica e a transformação de mercados oligopolizados como o da distribuição do gás natural. Outras tantas iniciativas fazem parte de um programa do governo que deve ser anunciado no segundo semestre do ano pela equipe do ministro Paulo Guedes.

Caso a recuperação cíclica se perenize como espero, o crescimento da economia a taxas próximas de 2,5% a 3% ao ano vai trazer uma consolidação fiscal vigorosa e dar tempo para que as medidas de mais longo prazo que o governo se dispõem a tomar suportem um crescimento de mais longo prazo.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.


Luiz Carlos Mendonça de Barros: A globalização sob ataque

A eleição inesperada de Donald Trump reforçou a percepção de que vivemos um forte sentimento de questionamento das condições econômicas e sociais criadas pelo fenômeno da globalização. Uma das causas mais importantes do inesperado sucesso de Trump foi o apoio que sua mensagem de volta a um passado glorioso para a América obteve na sociedade. Ora, volta ao passado glorioso implica naturalmente reconhecer que por trás do voto de protesto exercitado por 40% dos americanos está o repúdio ao fenômeno da globalização econômica e tudo que ela representa para uma parcela importante da classe trabalhadora, que vem se marginalizando, na última década principalmente.

Esta conclusão sobre o sucesso de Trump na última eleição ainda representa uma posição minoritária entre os analistas, mas faz todo o sentido para mim. Por isto é preciso aprofundar a reflexão sobre este fenômeno pois, se ele de fato ocorreu, estamos diante de um evento da maior importância para o futuro da economia mundial. Afinal, todo o arranjo institucional nas relações comerciais, entre países e blocos de países, tem como objetivo fortalecer e intensificar sua integração econômica. Ora, se uma parcela importante da população – com força suficiente para eleger um presidente da República – se posiciona contra este movimento então temos um grande problema pela frente.

Se a vitória de Trump foi uma grande surpresa para os mercados financeiros e analistas políticos, podemos dizer que já havia evidências de que este movimento antiglobalização vinha ganhando força na população das economias mais avançadas. O fortalecimento do populismo de direita dos últimos anos na Europa já apresentava traços concretos da revolta de uma classe operária que se marginalizava na proporção que parcela importante da produção industrial se movia, depois da queda do Muro de Berlim, para os países comunistas do Leste.

O único país a enfrentar esta questão com sucesso foi Alemanha, com a combinação de uma reforma trabalhista corajosa e a concentração de sua atividade industrial no segmento de maior valor agregado de produção. Os demais países, principalmente França, Reino Unido e Itália, ficaram imobilizados e passaram a sofrer de forma intensa a desindustrialização por perda de competitividade.

Mais recentemente, com a vitória do Brexit no plebiscito no Reino Unido, o vigor dos movimentos nacionalistas contra a globalização ficou evidente para todos. O “Divided” entre as regiões que mais sofrem com a desindustrialização e as que vivem o lado positivo da globalização deixou marcas claras nas estatísticas eleitorais. Londres de um lado, com mais de 70% de repúdio ao Brexit, em choque com a população das antigas regiões industriais clamando pela volta da antiga Inglaterra industrial do passado. Mesmo o sentimento anti-imigração nestas regiões tem uma motivação econômica, pois as massas de pessoas que sofrem com a fragilidade do emprego e da renda pessoal associam – de forma equivocada – aos trabalhadores de fora do país parcela importante de seu sofrimento.

As primeiras reações dos analistas sobre qual será o desenho operacional do governo Trump têm seguido o mesmo padrão de situações históricas semelhantes a esta, ou seja, racionalizar o comportamento do novo presidente no exercício de seu mandato. Segundo estes, as forças representativas do Partido Republicano, inclusive a parcela formada pelas grandes empresas multinacionais americanas, funcionarão como um poder moderador suficientemente forte para transformar o leão vigoroso que foi eleito em um presidente razoável e tradicional.

Com isto a parte de sua agenda mais revolucionária, inclusive em relação à globalização, seria domada e transformada em medidas mais conservadoras em relação ao status quo. O Nafta seria submetido a uma operação plástica de fachada, mas as regras da busca racional de custos de produção mais reduzidos, em países emergentes como o México e Europa do Leste, serão mantidas.

Particularmente não penso que o governo Trump se desenvolverá desta forma. Nós, brasileiros, conhecemos bem o caso de Lula, que se enquadra com perfeição no perfil de um líder populista e que pode ser usado como uma referência interessante para olharmos para Trump. Lula nos ensinou que os líderes populistas são sempre superficiais em suas análises, pois precisam de conceitos simples para ganhar apoio de seus seguidores. Como contrapartida, a maioria de suas ações não passa pelo crivo de uma análise profunda de consistência no tempo para avaliar os efeitos de longo prazo de suas decisões, sobre a economia principalmente.

Outra característica comum é que, ao longo do tempo, os líderes populistas sempre acabam por agir de acordo com suas ideias básicas de campanha. Pode acontecer que, nos momentos iniciais de seu governo, ocorra um período de acomodação em função da reação dos mercados e das lideranças políticas tradicionais. Este papel coube ao ministro Palocci nos primeiros anos de Lula e algo semelhante deve ocorrer agora com o governo Trump.

Mas ao longo de seu mandato, principalmente quando o apoio popular inicial se esgotar, o líder populista volta sempre à sua agenda até o amargo fim. Não me parece que com Trump vá ser diferente, o que me faz muito pessimista com seu governo. (Valor Econômico – 21/11/2016)

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.


Fonte: pps.org.br