Literatura
Compre na Amazon: Política Democrática critica marcha autoritária de Bolsonaro
Produzida e editada pela FAP, publicação está à venda na internet e conta com 29 análises sobre contextos político-econômico e social
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
“Vivemos um período preocupante”, diz um trecho do editorial da Revista Política Democrática edição 54 (199 páginas, versão impressa), referindo-se ao que chama de autoritarismo do governo de Jair Bolsonaro e dos filhos do presidente. Segundo a publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira) e que está à venda no site da Amazon, é a defesa do retorno do Ato Institucional nº 5, com o qual a ditadura militar, nos anos 1960, fechou o Congresso Nacional, perseguiu, torturou e assassinou grandes figuras da resistência democrática, como o jornalista Vladimir Herzog.
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A revista também critica os constantes ataques de Bolsonaro à imprensa, um dos pilares da democracia. “As forças políticas, as entidades representativas e os cidadãos precisam ter o máximo de equilíbrio no enfrentamento à política governamental que busca resgatar e nos impor velhas concepções e práticas inaceitáveis para o país e o planeta que sonhamos construir”, diz um trecho. “Nossa postura oposicionista precisa ser pé-no-chão, sem oferecer pretexto e justificativa para que os bolsonaristas deem continuidade às suas ideias e ações de tentar implantar um modelo autoritário, de estilo fascistoide”, continua.
Nas diferentes seções da edição nº 54, cujo tema de capa é “Sermão aos peixes”, os editores comemoram 19 anos de atividades ininterruptas em montar, imprimir e distribuir, em papel e em e-book, a Revista Política Democrática. Nela, o leitor vai encontrar textos de autores e temas variados a respeito dos complexos e delicados tempos, no Brasil e no mundo inteiro, abrindo-lhe novos horizontes para continuar enfrentando-os com a cabeça erguida e tranquilidade
Análises
No total, são 29 análises, cada qual de um autor diferente, divididas em 11 capítulos: tema de capa, observatório, questões da cidadania e do Estado, economia e desenvolvimento, meio ambiente e sustentabilidade, desafios, questões da cultura, batalha de ideias, mundo, ensaio e resenha.
Diretor-geral da FAP, o jornalista e colunista Luiz Carlos Azedo é autor da primeira análise da revista. Segundo ele, o governo Bolsonaro é assumidamente de direita num contexto institucional de Estado de Direito democrático, o que, conforme destaca, é “a grande fortuna”. “Bolsonaro faz um governo contingenciado pela Constituição de 1988; por isso mesmo, não pode ser caracterizado como protofascista, como afirmam certos setores da oposição”, diz, para emendar: “Entretanto, quando não respeita o direito ao dissenso e à identidade das minorias, afronta a democracia e legitima essa narrativa”.
Em outra análise, o diretor-executivo da FAP e sociólogo Caetano Araújo aborda duas táticas da social-democracia e observa que, no plano nacional, a democracia representativa divide espaço cada vez mais com a participação direta dos cidadãos, por meio do conjunto de associações que integram a sociedade civil organizada. “No plano internacional, contudo, nos processos de integração regional e nos organismos internacionais de cooperação e deliberação, um déficit de representação democrática começa a ser percebido pelos cidadãos dos Estados nacionais, com consequências eleitorais cada vez mais evidentes”, afirma.
O presidente do Conselho Curador da FAP, Cristovam Buarque, propõe uma reflexão sobre a desprivatização do socialismo. De acordo com ele, o socialismo foi aprisionado pelo capitalismo e caiu na armadilha de propor que todos sejam ricos, consumam tudo, em grande quantidade. “Por isto que os socialistas dos partidos que se consideram de esquerda têm caído no ‘neoliberalismo social’: suas bandeiras se limitam a escolher alguns trabalhadores para receberem benefícios que não chegam a todos”, escreve.
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Luiz Carlos Azedo: Companheiro de viagem
“Não é de ontem que Bolsonaro quer nomear o diretor-geral da Polícia Federal, exonerando o delegado Maurício Valeixo, homem de confiança do ministro Moro”
Sou fã incondicional do escritor belgo-francês Georges Simenon, ao qual fui apresentado pelo meu falecido amigo Carlos Jurandir Monteiro Lopes, jornalista, escritor, músico, guru literário e musical, parceiro nas noites boêmias do Lamas e da Estudantina, no Rio de Janeiro. Seus pequenos romances compõem um grande mosaico na literatura francesa, admirado entre outros por André Gide (O imoralista, A volta do filho pródigo), prêmio Nobel da Literatura de 1947, e nossa universal Clarice Lispector (Perto do coração selvagem, A hora da estrela), a judia ucraniana que escolheu o Brasil como sua pátria e, entre os sete idiomas que dominava, a língua portuguesa para tecer sua obra literária.
Além das histórias policiais, nas quais o famoso inspetor Maigret poderia pontificar ou não, Simenon escreveu grandes romances psicológicos, como O Burgomestre de Furnes, que trata do embrutecimento, do ódio e da avareza; O gato, o inferno doméstico de um casal de idosos, que se digladiam por meio de pequenos bilhetes provocadores; e a história do quarentão Kees Popinga, um respeitável cidadão holandês, dedicado ao trabalho e à família, ao xadrez e aos charutos, cuja maior curiosidade era apenas conhecer os passageiros do trem noturno que diariamente via passar de sua janela.
A vida de Popinga vira de pernas para o ar quando seu patrão vai à falência e resolve forjar a própria morte. O pacato cidadão, num surto inexplicável, embarca numa viagem sem volta num trem noturno para Paris, no qual comete o que seria um “crime perfeito”. Entretanto, seu comportamento paranoico e fora do padrão desperta suspeitas e, por isso, acaba preso. O livro é um mergulho psicológico no personagem: quem é Kees Popinga? Um maluco? Ou tão normal quanto qualquer cidadão? Sua vida cheia de regras era normal? A história tem um desfecho dostoieviskiano, impossível não lembrar do jóvem Raskólnikov, o personagem central de Crime e Castigo.
Simenon produzia de seis a sete romances por ano, de um só fôlego, trancado no escritório por duas ou três semanas. Entre um livro e outro, observa a alma das ruas e seus atores, para construir personagens e boas histórias. Sua atualidade não está no estilo, mas na trama sem julgamento moral, nua e crua, que desnuda dramas psicológicos e comportamentos sociais. Jurandir dizia que todo repórter de política deveria ler Simenon, não apenas para melhorar o próprio texto, mas para aprender a levar em conta a psicologia de suas fontes e personagens. Impossível não lembrar de suas lições na hora de escrever sobre a mais nova crise do governo Bolsonaro, desta fez, a fritura do ministro da Justiça, Sérgio Moro, que pode ser a próxima baixa na Esplanada dos Ministérios.
Federais
Não é de ontem que Bolsonaro quer nomear o diretor-geral da Polícia Federal, exonerando o delegado Maurício Valeixo, homem de confiança do ministro Moro. A tensão entre o presidente da República e seu ministro é antiga, decorre da investigação sobre o caso das “rachadinhas” da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), na qual o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) é investigado, por causa do ex-assessor Fabrício Queiroz, e suas conexões com as milícias do Rio de Janeiro, responsáveis pelo assassinato da vereadora carioca do PSol, Marielle Franco, e seu motorista, Anderson Gomes.
Em ambos os casos, porém, as investigações estão na esfera do Rio de Janeiro. Entretanto, Flávio Bolsonaro, por ter direito a foro especial, recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF). As investigações chegaram a ser congeladas pelo presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, em liminar que desautorizou as quebras de sigilo fiscal pela Polícia Federal sem autorização da Justiça, mas o plenário da Corte decidiu por ampla maioria autorizar seu prosseguimento. O fornecimento dessas informações pelo antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), então subordinado ao Ministério da Justiça, provocou o primeiro grande estresse entre Moro e Bolsonaro. O desfecho foi a transferência do órgão para o Banco Central (BC) e o agastamento entre ambos.
Mesmo enfraquecido, Moro permaneceu no governo, mantendo o controle sobre a Polícia Federal (PF). Agora, a corda esticou novamente, por duas razões. Primeiro, a investigação aberta pelo Supremo para investigar as fake news, sob comando do ministro Alexandre de Moraes, que está muito próxima de sua conclusão e, aparentemente, envolve deputados federais. Segundo, a pedido de Ministério Público Federal (MPF), o Supremo também vai investigar os organizadores das manifestações de domingo passado, que foram consideradas pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, um atentado à democracia, ou seja, crime contra a Lei de Segurança Nacional.
Não há nenhuma informação oficial de que o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) esteja envolvido no caso das fake news, tudo corre em segredo de Justiça. Na bolsa de apostas de Brasília, porém, seu nome está cotadíssimo. O do irmão Carlos, vereador no Rio de Janeiro, também. O mais preocupante, porém, é a segunda investigação. Bolsonaro foi ao ato de domingo, se estiver envolvido na sua realização, isso será considerado um fato grave. Nesse caso, segundo a Constituição, poderá ser investigado, pois se trata de ato cometido no decorrer do seu mandato, que pode ser considerado crime de responsabilidade.
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RPD || André Amado: Uma nova narrativa em histórias policiais
Em tempos de isolamento social por conta dos riscos do coronavírus Covid-19, André Amado nos presenteia com um pouco da obra de Keigo Higashino em seu artigo, onde analisa o livro Malice
Como muitos de minha geração, integrantes contrariados de um tal grupo de risco, cumpro isolamento impiedoso. No meu caso, vigiam-me a inflexível D. Paula e minhas cinco filhas. Aproveito, então, para ler, escrever, pensar, dormir e, torcendo para que as filhas menores não consigam escapar das atividades/incumbências orquestradas pela sempre criativa mãe, não fazer nada, absolutamente nada.
O último livro que li foi Malice (1996), de Keigo Higashino. A escolha foi influenciada pela lembrança festiva de outra obra dele, The Devotion of Suspect X (1994), que lhe valeu a referência mercadológica, para mim mais do que justificada, de “The Japanese thriller phenomenon”.
Em The Devotion of Suspect X, Higashino ambienta a história na cidade de Tóquio, mas como se estivesse em uma planície. A narrativa se desdobra em linha reta, sem trepidação nem sacolejos, a tal ponto que cheguei algumas vezes a pensar em fechá-lo. E, de repente, como se fosse uma serpente bravia, a história enrosca a trama, o Norte vira Sul, o Leste, Oeste, e o leitor é sacudido na poltrona, fascinado pela surpresa, agradecido de não ter interrompido a leitura, sorvendo o desfecho como uma taça de vinho de fina cepa.
Foi assim esperançoso que abri Malice. Nada a ver com a obra anterior, porém, embora tivesse suas qualidades. A se confiar na qualidade da tradução do japonês para o inglês, o que, de resto, é a regra com best-sellers, o livro é bem escrito, obedece à recomendação de ouro do gênero policial, de usar estilo ágil e direto, apresenta personagens críveis, com perfis psicológicos intrigantes, e se desenrola em trama que oculta mais do que revela, em sintonia com os cânones das boas histórias de detetives.
É possível que Higashino tenha lido The Chamber, de John Grisham (1994), antes de escrever Malice, porque o escritor norte-americano leva o leitor às últimas gotas da angústia à espera de uma reviravolta jurídica que corrija uma injustiça e livre Sam Cayhall da pena de morte. Quem ler o livro saberá como Grisham resolveu a situação e, mais tarde, quando for a vez de Malice, poderá embarcar em sofreguidão semelhante. É que, mesmo depois de o suspeito de assassinar seu amigo de infância confessar o crime, declinar os motivos de seu ato, o detetive japonês encarregado do caso, qual um pastor alemão, aceita a confissão de morte, mas se encrespa quanto aos motivos e passa a investigar a vida pregressa e presente do acusado.
Agora, o leitor está dividido. Deve esperar um desfecho surpreendente, à la The Devotion of Suspect X, torcendo para que as novas investigações revelem até mesmo que o acusado seja inocente, ou, ao contrário, acompanhar de coração apertado que o nó da forca se contraia ainda mais em torno do pescoço do alegado assassino?
Higashino decidiu não facilitar a vida do leitor. Recorre a um expediente ficcional não muito frequente. Alguns escritores alternam a voz narrativa entre a primeira e a terceira pessoa, em função do efeito dramático que pretendem emprestar ao relato – mais objetivo, no caso da terceira pessoa, e mais humano, senão mais confiável, com o personagem intervindo com sua própria voz, acrescentando talvez credibilidade à sua fala. Garcia-Roza, entre tantos outros, usou esse expediente desde seu primeiro romance, O silêncio da chuva (1996).
Mas Higashino vai mais longe. Ele entrega todo um capítulo aos personagens centrais, que se alternam na função de narrador do romance. A. S. A. Harrison, em The Silent Wife (Penguin Books, 2013), e Gregg Olsen, em Lying Next to Me (Thomas & Mercer, Amazon, 2019), adotam o mesmo procedimento. Confesso que eu me perco um pouco.
Na tradição das histórias de detetives, o narrador não pode saber mais do que os personagens, porque cada um deve estar no universo de sua ação. Tal conduta ajudaria a evitar que o narrador possa julgar seus personagens, atitude pouco admirada por alguns críticos literários. É verdade que, nos romances de Agatha Christie, Hercule Poirot monopoliza a cena no final das histórias assumindo a função de narrador e desvendando, para sua audiência cativa, dentro da qual estará o assassino (no plural, no caso de Expresso do Oriente), a identidade do criminoso, os motivos de seu ato e a maneira como o perpetrou.
Mas a técnica de Higashino é diferente, a ponto, por exemplo, de o último capítulo de Malice ser, na verdade, um monólogo do detetive para benefício do acusado – e, claro, do pobre leitor –, que só então se inteirarão do resultado das investigações, um volume demolidor de provas e fundamentações jurídicas terminais, organizadas precipuamente na cabeça do detetive.
Luiz Carlos Azedo: Distopia no presente
“Nos tornamos seres perigosos, suspeitos. Qualquer aproximação menor que dois metros é uma ameaça e provoca uma reação de legítima defesa”
A pergunta de meu amigo Carlos Alberto Jr., jornalista e cidadão do mundo, numa live, inspirou a coluna de hoje: “Estamos vivendo uma distopia no presente?”. Normalmente, a distopia está associada ao futuro, porque é a negação da utopia, ou seja, da sociedade desejada, uma projeção pessimista do futuro. De certa forma, sim, estamos vivendo uma realidade distópica, como as que aparecem no cinema. A série inglesa Black Mirror (Espelho Negro), lançada há quase 10 anos, por exemplo, em cada um de seus episódios, que são independentes, nos deixa em situação muito desconfortável em relação à tecnologia, à globalização, ao poder e à “sociedade do espetáculo”.
Qual é a grande distopia que estamos vivendo aqui no Brasil? Uma pandemia de coronavírus ameaça sair do controle e seu combate começa a ser militarizado, com a substituição de uma política de saúde pública participativa por estratégias militares que se baseiam em grandes manobras, controle de informações e saídas racionais para situações fora do controle, como criar mais vagas nos cemitérios para evitar que o aumento do número de mortos gere outro grave problema sanitário: cadáveres insepultos. É uma hipótese sinistra, mas faz sentido, porque a concepção do combate à epidemia é a de que se trata de uma guerra. Em tese, militares estariam mais preparados para isso do que civis, o que, obviamente, é um equívoco em se tratando de saúde pública.
O inimigo invisível entre nós, no trabalho, no supermercado, na fila da lotérica, dentro de casa. Todos nos tornamos seres perigosos, suspeitos. Qualquer aproximação menor que dois metros é uma ameaça e provoca uma reação de legítima defesa, nem sempre um educado “por favor, chegue mais para lá”. Os mais aptos a conviver com o novo coronavírus — os contaminados assintomáticos —, hoje são a maior ameaça, não importa se é um antigo colega de trabalho, um parente querido, um amigo de infância, a pessoa amada; amanhã, porém, poderão ser os salvadores da pátria, portadores de anticorpos e perpetuadores da espécie, os primeiros a voltar ao trabalho.
A salvação virá dos mais fortes e do Estado Levitã, que pode tudo? Qual será o custo de tudo isso? Na lógica do presidente Jair Bolsonaro, é preferível um maior número de mortos do que o colapso da economia; é preciso salvar o comércio, a indústria, os pequenos negócios e os biscates. No fundo, seu raciocínio antecipa a escolha de Sofia do intensivista que seria obrigado a escolher quem vai ter acesso ao respirador na UTI quando o sistema de saúde entrar em colapso.
A República, de Platão, citada pelo ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta numa alusão irônica ao famoso Mito da Caverna (metáfora criada pelo filósofo grego para explicar a condição de ignorância em que vivem os seres humanos e o que seria necessário para atingir o verdadeiro “mundo real”), inspirou Thomas Morus (1478-1535) a escrever Utopia. Publicada na Basiléia, em 1516, na época dos Descobrimentos, criticou a tirania e descreveu a sociedade ideal, prontamente associada ao Novo Mundo. Na Inglaterra, seu livro só viria a ser publicado em 1551, 17 anos após a morte do filósofo e estadista católico executado por ordem de Henrique VIII, da Inglaterra.
Tirania
Coube a outro inglês cunhar a expressão “distopia”, o liberal progressista John Stuart Mill, o primeiro a defender o direito ao dissenso e as prerrogativas das minorias, num famoso discurso no Parlamento britânico, em 1868, ao invocar os valores defendidos por Thomas Morus em confronto com a realidade do proletariado da Inglaterra durante a Revolução Industrial. O tema da distopia foi retomado no Admirável Mundo Novo (1932), de Aldous Huxley, e em 1984, de George Orwell. Na primeira obra, a sociedade é domina por uma casta, que a submete a um condicionamento biológico e psicológico; no segundo, numa alegoria do burocratismo stalinista, um ditador muda a língua do povo, controla a vida dos cidadãos e manipula a imprensa.
Na literatura, portanto, a distopia é a denúncia da sociedade indesejada, autocrática, submetida à tirania e à ordem unida. Na vida real, voltando à pergunta inquietante do amigo, é uma ameaça latente, seria quase uma distopia do presente. Estamos vivendo uma situação inimaginável, num mundo globalizado, conectado em rede, onde todos acompanham tudo em tempo real. Trata-se de um colapso da economia mundial, provocado por um fenômeno da natureza que tem a ver com o “grande encontro” da teoria da evolução, a associação entre o vírus mutante e uma bactéria, que se reproduz em velocidade igual ou maior do que a moderna transmissão de dados.
A ficção distópica dos filmes de catástrofes vira realidade, com centenas de milhares de mortos. Ontem, o presidente Donald Trump anunciou que os Estados Unidos vão suspender a imigração legal por dois meses. O “sonho americano”, inspirado na Utopia de Thomas Morus, entrou em colapso. Aqui no Brasil, a grande distopia seria o colapso do nosso regime democrático.
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Compre na Amazon: Livro Um Mundo de Riscos e Desafios propõe recriar democracia
Obra do sociólogo Elimar Nascimento, publicada pela FAP, está à venda na internet
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
“Recriar a democracia, torná-la eficiente e estratégica, é um desafio do Brasil, mas também de todos os humanistas, onde quer que estejam”. A avaliação consta do final do livro Um Mundo de Riscos e Desafios (216 páginas), do sociólogo e professor da UnB (Universidade de Brasília) Elimar Pinheiro do Nascimento. A obra, publicada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira) e que está à venda no site da Amazon, também discute como evitar a nova exclusão social.
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O livro é composto de capítulos que nasceram de artigos publicados entre as décadas de 1990 e 2010, salvo um, inédito. Portanto, o leitor pode usar a sua autonomia para começar por onde lhe for mais interessante, sem prejudicar o entendimento da obra como um todo. O sociólogo também é integrante do Conselho Curador da FAP.
Ao longo de sete capítulo, Nascimento aborda os seguintes assuntos: sustentabilidade; crise ambiental e democracia; possibilidade de recriar a democracia; modernidade, globalização e exclusão social; a dinâmica dos que ficam dentro e fora, no contexto da globalização e exclusão; o pluralismo da sociedade; e os excluídos necessários e os excluídos desnecessários.
De acordo com o ex-senador Cristovam Buarque, que assina o prefácio, o livro apresenta uma análise rigorosa sobre os dois maiores problemas que a humanidade vai enfrentar nas próximas décadas: degradação ecológica, provocada pelo crescimento da produção e do consumo; e degradação moral, provocada pela ampliação da desigualdade social.
“O ‘grande risco’ de que trata o autor instiga cada leitor a imaginar a extinção da civilização, em suas características atuais, seja pela ruptura do equilíbrio ecológico, devido à falta de base material, seja pela ruptura do equilíbrio social, devido ao agravamento da desigualdade, provocando exclusão permanente de uma parte da humanidade”, escreve Cristovam.
O autor considera que a sociedade vive em um mundo perigoso, com crises de múltiplas naturezas e incertezas crescentes. “Uns se preocupam com o vazio e a falta de futuro dos humanos, o consumismo e o aumento de doenças como depressão, câncer e crescimento das taxas de suicídio. Outros, com a degradação ambiental, com o aumento da perda da biodiversidade e riscos crescentes dos eventos críticos climáticos”, afirma o sociólogo.
Além disso, há aqueles que se preocupam com o risco de guerra atômica ou a impossibilidade de os jovens ocidentais escolarizados encontrarem uma forma de se sustentar com os próprios meios. “Os medos se espalham, e uma visão pessimista ganha asas e percorre as sociedades ocidentais, de norte a sul”, afirma, para continuar em outro trecho: “No entanto, sem negar os riscos, o mundo é melhor hoje do que ontem”, assevera o professor da UnB, instigando cada leitor a refletir sobre como conquistar a sustentabilidade, reinventar a democracia e eliminar a nova exclusão social.
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Luiz Carlos Azedo: O bêbado e a borboleta
“Desafiar o novo coronavírus se tornou uma espécie de obsessão para o presidente da República, que se comporta como quem adquiriu imunidade contra a doença”
No livro O revólver que sempre dispara (Casa Amarela), Emanuel Ferraz Vespucci analisa as causas, os comportamentos e as consequências para a saúde de diversas dependências químicas, inclusive o alcoolismo e o tabagismo. É um livro despido de preconceito e, do ponto de vista clínico, como não poderia deixar de ser, serve de referência para os que lidam com o problema: usuários em busca de tratamento, seus familiares e terapeutas. O livro explica de maneira clara como as diversas drogas causam dependência física e psicológica, os problemas que acarretam e as maneiras de enfrentá-los, sem moralismo. A perda de controle sobre o álcool, a cocaína, o crack, a maconha, morfina, calmantes, inibidores de apetite e outros psicotrópicos é um problema muito mais amplo do que se imagina.
A dependência funciona como uma roleta russa. Em algum momento a bala que está no cilindro do rerólver será disparada, na medida em que o sujeito arrisca mais uma vez. Ou seja, o acaso tem um limite, quanto maior a frequência, maior a probalidade de ocorrência. Por causa da dependência, algo grave acontecerá na vida da pessoa, pode ser um acidente de carro, a perda do emprego, um surto psicótico, um infarto.
O que interessa aqui é a analogia da roleta-russa, ou seja, do revólver que sempre dispara. Durante a pandemia de Covid-19, por causa do risco de contaminação, sair de casa é uma espécie de roleta russa, mesmo que a pessoa utilize máscaras e luvas. Acontece que o presidente da República — com o objetivo declarado de desmoralizar a política de distanciamento social preconizada pelas autoridades médicas, inclusive seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e responsabilizar governadores e prefeitos pela recessão econômica — resolveu sair às ruas com frequência e, nesses passeios, visitar o comércio local para estimular proprietários e consumidores a manterem uma vida normal. Bolsonaro ignora uma epidemia que está matando mais de 100 pessoas por dia no Brasil, o equivalente a um desastre de grandes proporções.
Desafiar o novo coronavírus se tornou uma espécie de obsessão para o presidente, que se comporta como quem adquiriu imunidade contra a doença, como acontece com aqueles que já foram contaminados, se recuperaram e adquiriram anticorpos ou que, por qualquer outra razão, têm uma sistema imunológico mais robusto, geralmente mais jovens. Não se sabe se o presidente está imunizado; ele se recusa a revelar os resultados dos exames que fez. Bolsonaro age como um jogador compulsivo, o que não deixa de ser uma dependência, sem levar em conta que a maioria das pessoas não está preparada para lidar com o aleatório.
Teoria do caos
É aí que chegamos a O andar do bêbado (Zahar), o instigante livro do físico Leonard Mlodinow, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, sobre o acaso na vida das pessoas, ou melhor, sobre como funciona a aleatoriedade. O novo coronavírus se multiplica como um “Efeito Borboleta”, descoberto em 1960, pelo matemático Edward Lorenz, base para a Teoria do Caos. Mostra como pequenas alterações nas condições iniciais de grandes sistemas podem gerar transformações drásticas e significativas.
Lorenz, que também era meteorologista, realizava cálculos relacionado a padrões climáticos num computador. Em vez de colocar 0,000001, conforme fez na primeira vez, ele colocou 0,0001, alterando completamente o resultado da simulação, como se o bater de asas de uma borboleta na Austrália provocasse um furacão no Caribe. Foi o que aconteceu com o coronavírus na Alemanha e na Coreia do Sul, países que mais bem monitoraram a epidemia e conseguiram mantê-la sobre controle, com testes em massa e hospitalização dos contaminados. No primeiro caso, bastou que uma pessoa contaminada usasse o saleiro num almoço de família para a epidemia se propagar; no segundo, um único paciente, de 30 casos confirmados, escapou do isolamento e disseminou a doença.
Na Sexta-feira da Paixão contabilizamos 1.056 mortes e 19.638 casos confirmados, 44 dias após o primeiro caso registrado no país e 24 dias depois do registro da primeira morte. São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará e Amazonas estão em risco de colapso do sistema de saúde pública. Numa hora em que o país precisa de coesão social e alinhamento das políticas de combate ao novo coronavírus, para evitar o colapso do sistema de saúde, Bolsonaro aposta na autoimunizaçao pelo contagio e num medicamento de eficácia limitada nos tratamentos, a hidroxicloroquina, para evitar as mortes, e prega a retomada imediata das atividades econômicas, com adoção do chamado isolamento seletivo ou vertical. Essas apostas foram feitas em outros países, como os Estados Unidos, Inglaterra e Japão, e fracassaram.
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Luiz Carlos Azedo: A alegoria de Camus
“A epidemia de meningite só acabou após a vacinação de 80 milhões de pessoas, o que seria impossível com a manutenção da censura sobre a doença”
Publicado em 1947, A Peste, do escritor franco-argelino Albert Camus (1913-1960), é uma alegoria da ocupação nazista. Por isso, fez tanto sucesso não só na França como na Europa do pós-guerra e também na América Latina, inclusive no Brasil, nas décadas de 1960 e 1970. Camus foi um militante da Resistência, mas teve uma posição muito moderada em relação aos que colaboraram com os invasores alemães durante a II Grande Guerra, condenando os “justiçamentos”. Já era um escritor consagrado, com duas obras elogiadíssimas pela crítica: O estrangeiro e O mito de Sísifo.
Albert Camus nasceu em 7 de novembro de 1913 na Argélia, à época uma colônia francesa, cenário de seu romance, que conta a história de uma epidemia na cidade de Oran, no norte daquele país. Em 1940, um médico encontrou um rato morto ao deixar seu consultório. Comunicou o fato ao responsável pela limpeza do prédio. No dia seguinte, outro rato foi encontrado morto no mesmo lugar. A esposa do médico tinha tuberculose e foi levada para um sanatório. A quantidade de ratos aumentou exponencialmente. Em um único dia, oito mil ratos foram coletados e encaminhados para cremação.
Em pânico, a cidade declarou estado de calamidade, as pessoas tinham febre e morriam em massa. Os muros foram fechados, em quarentena, ninguém entrava ou saía; os doentes foram isolados, as famílias, separadas. Enquanto o padre apregoava que tudo aquilo era um castigo divino, prisioneiros eram mobilizados para enterrar os cadáveres, que empilhavam nas ruas: velhos, mulheres e crianças morriam. O livro é uma alegoria da condição de vida regulada pela morte, fez muito sucesso porque era uma crítica ao fascismo e relatava as diferenças de comportamento diante de situações-limite. Fora escrito durante a ocupação militar alemã. Camus foi editor do jornal clandestino Combat, porta-voz dos partisans.
Em 1951, Camus lançou o livro O homem revoltado, no qual condenava a pena de morte e criticava duramente o comunismo e o marxismo, o que provocou uma ruptura com seu amigo e filósofo Jean-Paul Sartre, que liderou seu linchamento moral por parte da intelectualidade francesa. Mesmo depois do Prêmio Nobel de Literatura, em 1957, continuou sendo um renegado para a esquerda. Seu discurso na premiação foi profético. Permanece atual nestes tempos de epidemia de coronavírus.
“Cada geração se sente, sem dúvida, condenada a reformar o mundo. No entanto, a minha sabe que não o reformará. Mas a sua tarefa é talvez ainda maior. Ela consiste em impedir que o mundo se desfaça. Herdeira de uma história corrupta onde se mesclam revoluções decaídas, tecnologias enlouquecidas, deuses mortos e ideologias esgotadas, onde poderes medíocres podem hoje a tudo destruir, mas não sabem mais convencer, onde a inteligência se rebaixou para servir ao ódio e à opressão, esta geração tem o débito, com ela mesma e com as gerações próximas, de restabelecer, a partir de suas próprias negações, um pouco daquilo que faz a dignidade de viver e de morrer”, disse Camus.
Epidemia
Em comemoração aos 60 anos de sua morte, divulgou-se na França um de seus textos da época da resistência, cujo original foi encontrado nos arquivos do general De Gaulle, o presidente francês que liderara a Resistência do exílio. O documento era destinado às forças que combatiam o marechal Pétain e trata de dois sentimentos presentes no contexto da ocupação: ansiedade e incerteza. A ansiedade “em uma luta contra o relógio” para reconstruir o país; a incerteza, em razão do fato de que, “se a guerra mata homens, também pode matar suas ideias”.
A alegoria de A Peste também serve de advertência diante de certas manifestações de apoio ao regime militar implantado após o golpe de 1964, cujo aniversário foi comemorado ontem. Em 1974, o Brasil enfrentou a pior epidemia contra a meningite de sua história. Para evitar o contágio, o governo decretou a suspensão das aulas e cancelou os Jogos Pan-Americanos de 1975, que foram transferidos de São Paulo para o México. A epidemia começou em 1971, no distrito de Santo Amaro, na Zona Sul de São Paulo. Com dor de cabeça, febre alta e rigidez na nuca, muitos morreram sem diagnóstico ou tratamento.
Em setembro de 1974, a epidemia atingiu seu ápice. A proporção era de 200 casos por 100 mil habitantes, como no “Cinturão Africano da Meningite”, que hoje compreende 26 países e se estende do Senegal até a Etiópia. O Instituto de Infectologia Emílio Ribas, com apenas 300 leitos disponíveis, chegou a internar 1,2 mil pacientes. Na época, eu era um jovem repórter do jornal O Fluminense, de Niterói (RJ). Com a cumplicidade de um acadêmico de medicina, conseguimos fotografar pela janela uma enfermaria lotada de crianças com meningite, no Hospital Universitário Antônio Pedro (UFF). A foto foi publicada com a matéria, mas gerou a maior crise política para a direção do jornal, porque a meningite era um assunto censurado pelos militares. A epidemia só acabou no ano seguinte, após a vacinação de 80 milhões de pessoas, que seria impossível com a manutenção da censura sobre a meningite pelo governo do general Ernesto Geisel.
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Compre na Amazon: Livro Gramsci no seu Tempo tem reflexões sobre problemas da sociedade
Edição da FAP está à venda no site da Amazon; italiano se destacou no início do século 20
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
O legado do fundador do Partido Comunista da Itália, Antonio Gramsci, continua com a marca de um grande autor conhecido pela sua capacidade de analisar problemas da sociedade de maneira universal, sem limitar suas reflexões ao tempo em que as produziu. O livro Gramsci no seu Tempo (2ª edição, 416 páginas), editado pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), apresenta uma coletânea de ensaios selecionados por ele e que, nesta edição, foram reorganizados por Alberto Aggio, Luiz Sérgio Henriques e Giuseppe Vacca. A obra está à venda no site da Amazon.
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A obra compõe-se de ensaios selecionados de Gramsci em seu tempo, originalmente organizado por Francesco Giasi e publicado em dois volumes (Roma: Carocci, 2008), com exceção das contribuições de Francesca Izzo e de Giuseppe Vacca, incluídas especialmente nesta edição brasileira. Com o reordenamento dos textos, os leitores podem ver os resultados de algumas das pesquisas mais avançadas no universo gramsciano, fundamentais para a renovação e o aprofundamento do debate teórico na cultura democrática e socialista brasileira.
Críticos afirmam que Gramsci tinha a plena consciência de que sua reflexão não deveria se limitar ao momento presente, mas, sobretudo, considerar o que havia de universal em suas manifestações. Ele nasceu na Sardenha, na Itália, em 22 de janeiro de 1891, e morreu em Lacio, também na Itália, em 1937, aos 46 anos, em razão de problemas de saúde agravados durante a sua prisão.
Gramsci escreveu os textos dos Cadernos – que começou a redigir em 1929, três anos após sua prisão pela polícia política do fascismo italiano – sob a forma de fragmentos a serem desenvolvidos sistematicamente quando viesse a oportunidade, futuramente. As críticas dele abordavam diversas questões, como literatura, política, economia e filosofia. “Seus múltiplos objetos, contudo, sempre estavam aplicados para uma única direção: exausto o ciclo aberto pela Revolução de 1917, quais as novas circunstâncias com que se confrontava a luta pelo socialismo e que inovações teóricas eram exigidas a fim de levá-la à frente”, escreveu o cientista social Luiz Werneck Vianna.
De acordo com Vianna, Gramsci revive na prisão, sob a forma de um pensamento refletido, o seu passado. “Dele extrai uma teoria nova, o que lhe permite observar a cena contemporânea com categorias originais, instituindo um campo próprio para o estudo do processo de modernização capitalista, em particular na modalidade de modernização autoritária, tal como em suas análises sobre o corporativismo italiano”, acrescenta o cientista social.
“A precocidade e o alcance de sua pesquisa teórica sobre esse assunto, antecipando-se em décadas a feitos da ciência política contemporânea, são bem indicados na formulação do seu conceito de revolução passiva, sua maior contribuição para os estudos dedicados à mudança social, hoje de uso generalizado”, completa Vianna.
Ele sugere destaca que, nesta coletânea de artigos de importantes especialistas italianos na obra gramsciana, reunida por respeitados intérpretes do legado do genial sardo, o leitor encontrará um bom mapa do estado da arte e do tipo de recepção contemporâneos às extraordinárias criações do grande autor que foi Gramsci.
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Luiz Carlos Azedo: Corpo fechado
“Há muita agitação contra a política de distanciamento social. Os aliados de Bolsonaro partiram para cima de prefeitos e governadores”
Os Estados Unidos se tornaram, ontem, o país com mais casos confirmados da Covid-19 no mundo, superando a Itália e a China, com 82 mil registros. O presidente Donald Trump minimizou o fato, com o argumento de que o aumento dos casos se deve à ampliação dos exames. “No fundo, não sabemos quais são os números reais da doença, mas nós testamos um grande número de pessoas e, a cada dia, vemos que nosso sistema funciona”, disse. Trump está preocupado com a economia norte-americana, que corre risco de entrar em profunda recessão. Negociou com o Congresso um pacote de US$ 2 trilhões, que serão injetados na economia e já estão repercutindo positivamente no mercado financeiro mundial.
No Brasil, ontem, o presidente Jair Bolsonaro insistiu na linha de minimizar a doença, a ponto de tripudiar da política de distanciamento social do Ministério da Saúde, que vem sendo seguida por governadores e prefeitos. “Eu acho que não vai chegar a esse ponto”, disse, se referindo aos Estados Unidos. “Até porque, o brasileiro tem que ser estudado. Ele não pega nada. Você vê o cara pulando em esgoto ali, sai, mergulha, tá certo? E não acontece nada com ele. Eu acho até que muita gente já foi infectada no Brasil, há poucas semanas ou meses, e ele já tem anticorpos que ajuda a não proliferar isso daí”, disse.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), nos últimos dois dias, o mundo registrou mais de 100 mil novos casos de coronavírus. Ao todo, já são mais de meio milhão de pessoas infectadas. A OMS explicou que os primeiros 100 mil casos da Covid-19 foram registrados em 67 dias, mas foram necessários apenas mais 11 dias para dobrar e atingir 200 mil casos, e outros quatro dias para chegar a 300 mil. Agora, levou dois dias para somar mais 100 mil novos casos ao balanço.
Para reagir à inevitável recessão que a economia mundial sofrerá, o G-20, grupo dos 20 países mais ricos do mundo, do qual o Brasil faz parte, reuniu-se ontem por teleconferência, encontro do qual Bolsonaro tomou parte. A injeção de recursos na economia já programada por esses países deve chegar a R$ 5 trilhões, o que jogou o dólar para baixo de R$ 5 aqui no Brasil, e fez a Bovespa subir 3,67%, chegando a 77,709 pontos.
Desobediência civil
Nas redes sociais, há muita agitação contra a política de distanciamento social adotada pelas autoridades de saúde. Os aliados de Bolsonaro partiram para cima de prefeitos e governadores, estimulando a desobediência civil, o que se traduziu em mobilização de comerciantes, empreendedores e trabalhadores informais nas redes sociais. Com a virada do mês, a falta de dinheiro por causa dos negócios parados aumentou a tensão social, que pode transbordar do ambiente virtual para as ruas. Será muito difícil manter a quarentena a partir deste fim de semana, com o clã Bolsonaro comandando a mobilização contrária. Se isso ocorrer, será uma tragédia.
A posição de Bolsonaro sobre a epidemia contraria a política da Organização Mundial de Saúde (OMS), que recomenda que as pessoas não saiam de casa, a fim de conter a velocidade de propagação da epidemia. Bolsonaro defende uma espécie de salve-se quem puder: “A quarentena vertical tem que começar pela própria família. O brasileiro tem que aprender a cuidar dele mesmo, pô”, disse. É mais ou menos como fez o coronel Pedro Nunes Batista Ferreira Tamarindo (1837-1897) na Guerra de Canudos. Os habitantes do arraial, comandados pelo líder religioso Antônio Conselheiro, já haviam rechaçado duas expedições do Exército, entre outubro de 1896 e janeiro de 1897. Mas a derrota da terceira expedição, uma força de 1.300 homens comandada por um dos heróis da Guerra do Paraguai, o coronel Moreira César, o Corta-Cabeças, foi um espanto.
Moreira César era um militar que se esvaía “na barbaridade revoltante”, segundo Euclides da Cunha em Os Sertões. Quando foi capitão, participou do linchamento de um jornalista, Apulcro de Castro. Encarregado de reprimir duas rebeliões contra o governo Floriano Peixoto (a Revolta da Armada, no Rio de Janeiro, e a Revolução Federalista, em Santa Catarina), executou prisioneiros indefesos. Entrou em batalha de salto alto: “Vamos almoçar em Canudos”, anunciou antes de invadir o arraial. O coronel Tamarindo, que assumiu o comando da terceira expedição após a morte de Moreira César, entrou para a história ao comandar a debandada: “É tempo de murici, cada um cuide de si…”. Como Moreira Cezar, foi esquartejado pelos jagunços.
Ontem, a Câmara aprovou um auxílio mensal de R$ 600 a ser pagos aos trabalhadores autônomos, informais e sem renda fixa durante a crise gerada pela pandemia. O valor inicial proposto pela equipe econômica era de R$ 200, mas o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), propôs aumentar para R$ 500, com o argumento de que a proposta do governo era “muito pequena”. Ao saber disso, Bolsonaro não quis ficar para trás: “Está em R$ 500, pode subir para R$ 600. Vê lá com o Guedes”, disse. O ministro da Economia, Paulo Guedes, por enquanto, é o grande mudo nas polêmicas sobre a mudança na política econômica.
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Leonardo Padura coleciona prêmios, destaca André Amado na Política Democrática Online
Em artigo publicado na revista da FAP, embaixador aposentado analisa trabalho de jornalista cubano
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Leonardo Padura é um escritor e jornalista cubano que coleciona prêmios literários, só lhe faltando o Nobel, e ganha espaço na análise do embaixador aposentado André Amado, em artigo produzido para a 16ª edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília. Padura ganhou projeção internacional com o lançamento de O homem que amava os cachorros (2008) e Hereges (2013). Como autor, centrou seus romances policiais na figura do tenente do departamento de polícia, Mario Conde.
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“Em O homem que amava os cachorros, Padura fabula a vida e morte de Leon Trotski, a partir de conversas entre um aspirante a escritor e um homem que costumava levar seus dois galgos a passear na praia em Havana’, afirma Amado, que é diretor da revista Política Democrática Online. “Em Hereges, o gancho é a viagem de um navio que transportava judeus evadidos do nazismo, em busca desesperada de acolhimento no porto que fosse, às vésperas da Segunda Guerra”, acrescenta.
Na obra de 2008, de acordo com o artigo publicado na revista, o talento e arte do escritor cubano logram transformar a história em ficção, e a ficção em história. “A trajetória de Trotski destaca grandeza e traições, em meio a enfrentamentos abertos, primeiro, com Lenine pela fundação do regime bolchevique, e, depois, com Stalin, que tudo faria para eliminar talvez seu último virtual competidor pelo poder no Kremlim, objetivo que, por fim, logra êxito”, escreve Amado, em um trecho.
Segundo o autor do artigo, o livro de Padura cobre também a visão idealista de Trotski do movimento comunista, suas relações com líderes revolucionários, que teriam sorte igualmente trágica, seu exílio pela Europa e México, e até suas experiências amorosas, incluindo seu romance com Frida Kahlo.
“Em Hereges, a pretexto de acompanhar a sorte dos judeus por alguns destinos forçados na Europa, Padura traça a influência marcante deles, em particular na Holanda, não resistindo a tornar Rembrandt um personagem natural da trama, tanto mais porque era dele a tela, que desapareceria por décadas”, destaca o diretor da revista Política Democrática Online.
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Luiz Carlos Azedo: O tesouro de Ali Babá
“Não existe transparência nas negociações nem ampla divulgação da destinação das emendas, num histórico de desvios de recursos públicos e formação de caixa dois eleitoral”
Na noite de quarta-feira, velhas raposas políticas se reuniram na casa do ex-senador Heráclito Fortes em Brasília, ponto de encontro de bombeiros e conspiradores, dependendo das circunstâncias. Um ex-deputado que hoje integra a assessoria do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), resumiu o paradoxo político do momento: “Não entendo tantos desentendimentos, nenhum governo liberou mais emendas parlamentares do que o atual e nunca um presidente teve tanto apoio do Congresso para aprovar suas reformas quanto Bolsonaro”.
Paradoxos desafiam a opinião concebida e compartilhada pela maioria. É esse o caso. Bolsonaro não somente liberou dinheiro a rodo para os deputados do chamado Centrão durante o ano passado, como endossou todos os acordos anteriormente feitos com a Comissão de Orçamento, que é dominada pelo bloco de partidos conhecido como Centrão da Câmara (PSL, PL, PP, PSD, MDB, PSDB, Republicanos, DEM, Solidariedade, PTB, Pros, PSC, Avante e Patriota). Sem esses partidos, Bolsonaro põe em risco a própria governabilidade e não tem a menor possibilidade de dar continuidade às reformas do ministro da Economia, Paulo Guedes. Tanto que fez um novo acordo para a manutenção dos seus vetos, cuja concretização dependerá da aprovação de três projetos de lei que mandou para o Congresso regulamentando a liberação das emendas parlamentares. Pelo acordo, haverá uma “rachadinha” dos R$ 30 bilhões.
Nas redes sociais, porém, Bolsonaro jogou pesado contra o Congresso, que acusou de usurpar suas atribuições e avançar além da conta no Orçamento, ao atribuir poderes ao relator-geral da Comissão, Domingos Neto (PSD-CE), para estabelecer prioridades de aplicação dos R$ 30 bilhões e fixar um prazo de 90 dias para a execução das emendas, ou seja, antes das eleições. Bolsonaro ganhou a batalha da comunicação contra o Congresso, que foi demonizado na figura do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), enquanto o relator fazia cara de paisagem em toda a crise. A Comissão de Orçamento foi tratada como uma espécie de caverna dos 40 ladrões. Quem não conhece a história de Ali Babá? Era um pobre lenhador árabe que descobriu o segredo de um grupo de 40 ladrões: um tesouro escondido numa caverna. Sem que soubessem, Ali Babá ouviu as palavras mágicas que abriam e fechavam a caverna. Quando os ladrões saíram, entrou na caverna e levou o que podia carregar do tesouro para casa.
O conto está descrito nas aventuras de Ali Babá e os Quarenta Ladrões, que faz parte do Livro das Mil e Uma Noites ou Noites na Arábia. Essa imagem cavernosa da Comissão de Orçamento vem desde o Escândalo dos Sete Anões, que resultou na CPI do Orçamento. O fato de elaborar as emendas ao Orçamento da União confere aos integrantes da comissão um poder extraordinário no Congresso, que sofre a influência de lobistas de toda espécie, desde as corporações do serviço público aos mais diversos interesses empresariais. As emendas geralmente buscam atender a base eleitoral de cada parlamentar e seus aliados políticos, principalmente governadores e prefeitos. Como nem sempre coincidem com as prioridades da equipe econômica, isso gera uma crise de relacionamento do Congresso com o Executivo. A prerrogativa de aprovar o Orçamento, porém, é do Legislativo. O problema é que não existe transparência nas negociações nem ampla divulgação da destinação das emendas parlamentares, além de um histórico de desvios de recursos públicos e formação de caixa dois eleitoral.
Geopolítica
No ano passado, além de trabalhar com Orçamento que herdou do governo Temer, Bolsonaro não tinha as mesmas prioridades de um ano eleitoral, a principal motivação de seu enfrentamento com o Congresso, pois a liberação das emendas fugiria ao seu controle. Vem daí a crise com o Centrão. O senador Renan Calheiros (MDB-AL), velha raposa política fez, ontem, uma denúncia que pode servir de paradigma do conflito de interesses: a distribuição do Bolsa Família passou a obedecer aos critérios geopolíticos, e não econômico-sociais.
Por exemplo, o número de novos benefícios concedidos em Santa Catarina, que tem população oito vezes menor que o Nordeste e é governada por Carlos Moisés (PSL), aliado de Bolsonaro, foi o dobro do repassado à região nordestina inteira, cujos governadores são da oposição. A série histórica mostra que houve um pico de novas concessões do Bolsa Família em janeiro, que se refletiu em todas as regiões, exceto o Nordeste. Nas eleições de 2018, a Região Nordeste foi a única que votou majoritariamente no candidato do PT, Fernando Haddad. No segundo turno, o petista teve 69,7% dos votos válidos, ante 30,3% de Bolsonaro. Nas demais regiões, o atual presidente foi o vencedor. No Sul, conseguiu a maior vantagem: 68,3% ante 31,7% de Haddad.
Os dados mostram que o Nordeste tem ficado para trás nas novas concessões do Bolsa Família, enquanto aumenta o número de famílias que aguardam para ingressar no programa. Entre junho e dezembro, a concessão de novos benefícios despencou a uma média de 5,6 mil por mês. Antes, passavam de 200 mil mensais. Entretanto, o governo encontrou espaço em janeiro para incluir no programa famílias que estavam à espera do benefício. Foram 100 mil contempladas: 45,7 mil delas no Sudeste, 29,3 mil no Sul, 15 mil no Centro-Oeste e 6,6 mil no Norte. O Nordeste recebeu 3.035 novos benefícios. “Os números mostram um favorecimento no pagamento do benefício aos eleitores de regiões fiéis ao presidente Bolsonaro. Cabe aos presidentes da Câmara e do Senado pedirem explicações para manter a eficácia do programa”, critica Calheiros.
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Luiz Carlos Azedo: Carnaval em Guarujá
“Bolsonaro não gosta de desfiles de escolas de samba, prefere as paradas militares. O carnaval é a negação de tudo o que ele pensa. Deveria, porém, prestar mais atenção ao recado dos foliões”
Existe um dilema na vida nacional que somente a antropologia social dá conta de percebê-lo na sua dimensão cultural: a contradição entre os aspectos autoritários, hierarquizados e violentos da nossa sociedade e a busca de um mundo harmônico, democrático e não conflitivo. O antropólogo Roberto da Matta captou esse dilema no livro Carnavais, Malandros e Heróis, de 1979, um clássico da interpretação do Brasil. Na época, o carnaval de rua não era ainda a grande manifestação de massas que se registra hoje em praticamente todos os estados, porém, os desfiles de escola de samba no Rio de Janeiro já traduziam a alma de um Brasil mais profundo.
Este comentário de Henrique Brandão, jornalista e um dos fundadores do bloco Simpatia é quase amor, me remeteu das redes sociais para a obra de Da Matta: “O que se viu e ouviu no Sambódromo neste carnaval foram enredos criativos e, uma boa parte, autorreferentes. Mangueira, Tuiuti, Ilha e Tijuca usaram as comunidades de origem para contar suas histórias. Outras, falaram de personalidades com forte identificação com as localidades de onde surgiram as escolas, como Joãozinho da Gomeia (Grande Rio) e Elza Soares (Mocidade). O Salgueiro exaltou o primeiro palhaço negro do Brasil. Os indígenas que habitavam o Rio antes da chegada dos portugueses foram cantados pela Portela. As Ganhadeiras de Itapuã, negras de ganho que compravam suas alforrias em Salvador, foi o tema da Viradouro. A criatividade destes enredos se refletiu nos sambas, com uma safra de alto nível. Enfim, mesmo lutando contra a má vontade do poder público — principalmente do prefeito-bispo que demoniza o carnaval — as escolas saíram de suas zonas de conforto e foram buscar em suas raízes a chave para renovarem seus desfiles. Há muito não via um carnaval tão bom na Sapucaí”.
Segundo Da Matta, o lado autoritário e hierarquizado da sociedade brasileira tem três dimensões: uma ordem formal, baseada em posições de status e prestígio social bem definidos, onde não existem conflitos e onde “cada um sabe o seu lugar”; uma oposição sistemática entre o mundo das “pessoas”, socialmente reconhecidas em seus direitos e privilégios, e um universo igualitário dos indivíduos, onde as leis impessoais funcionam como instrumentos de opressão e de controle (“para os amigos, tudo; para os inimigos, a lei”); e o sagrado, onde se opera uma suposta equalização da sociedade, já que todos são filhos de Deus, mas, ao mesmo tempo, são mantidas estruturas claramente hierárquicas de santidade.
Nesses sistemas, se estabelece uma tensão permanente entre a vida doméstica, na qual deve reinar a paz e a harmonia e cada um vale pelo que é, e a vida mundana, onde a batalha cotidiana pela sobrevivência é anônima, dura e impiedosa. Os privilégios da elite do tipo “você sabe com quem está falando” impõem à maioria as relações de mercado e as regras da burocracia, restando ao cidadão comum o velho “jeitinho” para minimizar as agruras da vida banal. É aí que o carnaval subverte tudo, pois é uma manifestação essencialmente igualitária, na qual a transgressão e a liberdade traduzem para as ruas as relações espontâneas. O carnaval de rua cresce, inverte a ordem e mostra que continuamos a ser uma sociedade hierárquica, desigual; na folia, as mulheres, os negros, os pobres e os excluídos assumem o lugar que quase sempre lhes é negado nos demais dias do ano.
Napoleão
Paradas militares, procissões e solenidades oficiais ritualizam e explicitam os aspectos hierárquicos e autoritários da sociedade brasileira; a irreverência dos blocos de rua e os heróis populares das escolas de samba, o seu oposto. O carnaval é essencialmente igualitário e, nos seus quatro dias, dramatiza e transpõe para o mundo da “rua” os ideais das relações espontâneas, afetivas, e essencialmente simétricas que são o outro lado da ordem imposta de cima para baixo.
Na antropologia, a “cultura” é um conceito-chave para a interpretação da vida social, não é uma forma de hierarquizar a sociedade. Não marca uma hierarquia de “civilização”, mas a maneira de viver de um grupo, sociedade, país ou pessoa. É justamente porque compartilham de parcelas importantes desse código (a cultura) que indivíduos com interesses e capacidades distintas e até mesmo opostas transformam-se num grupo e podem viver juntos como parte de uma mesma totalidade. Segundo Da Matta, desenvolvem relações entre si porque a cultura lhes forneceu normas que dizem respeito aos modos de comportamento diante de certas situações. A cultura não é um código que se escolhe simplesmente. É algo que está dentro e fora de cada um de nós.
O presidente Jair Bolsonaro passou o carnaval em Guarujá, não gosta de desfiles de escolas de samba, prefere as paradas militares. O carnaval é a negação de tudo o que ele pensa. Como primeiro mandatário da nação, porém, deveria prestar mais atenção ao recado dos foliões, compreenderia melhor o nosso povo e suas aspirações mais profundas. Entretanto, enquanto o povo se divertia, endossou pelas redes sociais a convocação de uma manifestação para fechar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Como quem prepara um “coup d’état”, Bolsonaro testa suas cadeias de comando e capacidade de mobilização, numa afronta à Constituição de 1988. Com todo respeito, nesse “apronto”, vestiu a fantasia de Luís Napoleão.
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