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Leandro Colon: Datafolha reforça quais devem ser as prioridades de Bolsonaro

Guedes deveria aproveitar para falar menos e entender que deve focar na economia

Os brasileiros desconfiam das declarações de Jair Bolsonaro, mas estão otimistas com a economia. E os ministros Sergio Moro e Paulo Guedes lideram como os mais conhecidos na Esplanada ao término do primeiro ano de governo.

Bolsonaro entrará em 2020 sem o benefício de poder cometer erros comuns de um começo de gestão. Ademais, o presidente precisará controlar seus desejos de conduzir impulsiva e desmedidamente temas de relevância interna e externa.

O Datafolha mostra que os brasileiros estão preocupados com o desemprego, a melhoria da saúde e da educação, o desempenho da economia e o crescimento do país e fiam-se nas expectativas em torno dos ministros da Economia e da Justiça.

No caso de Moro, menos pela performance na pasta e mais pelo rescaldo de popularidade que o ex-juiz da Lava Jato levou para Brasília. A dificuldade em aprovar no Congresso suas bandeiras do pacote anticrime e o vazamento de mensagens trocadas com integrantes da operação não abalaram a imagem de Moro.

Ao mesmo tempo, o ministro parece ter superado os estranhamentos políticos com Bolsonaro, sendo inclusive cotado para uma eventual vaga de vice na chapa para 2022.

Segundo o Datafolha, 43% dos brasileiros acham que a economia vai melhorar no curto prazo. A taxa de aprovação do trabalho da equipe de Paulo Guedes subiu de 20% para 25%.
Guedes deveria aproveitar os dados da pesquisa para entender que seu trabalho é tentar tirar o país do atoleiro, avançar nas reformas, e não sair por aí falando barbaridades autoritárias, como a da volta do AI-5.

Assim como Bolsonaro poderia refletir (se é que costuma fazê-lo) sobre o índice de 80% da população que diz desconfiar de suas declarações.

Não à toa, 28% avaliam que seu comportamento nunca é condizente com o cargo de presidente —e 25% acham que ele se comporta adequadamente apenas algumas vezes.

O Datafolha reforça as prioridades urgentes do país e a necessidade de Bolsonaro cuidar somente delas.

*Leandro Colon, Diretor da Sucursal de Brasília da Folha de S. Paulo.


Leandro Colon: Wal do Açaí, o fantasma que ainda perturba Bolsonaro

Presidente tenta impor uma versão distorcida da revelação de que teve assessora fantasma

O medo de fantasmas fez o ex-presidente Michel Temer rejeitar o Palácio da Alvorada e preferir morar na residência do Jaburu.

Jair Bolsonaro ainda não reclamou de almas estranhas perambulando pela casa presidencial, mas tem um fantasma que perturba o presidente desde o ano passado. Seu nome é Wal do Açaí, ex-assessora do gabinete dele dos tempos de Câmara.

Na sexta-feira (29), Bolsonaro voltou a tocar no assunto em meio a mais uma ameaça que fez à Folha. Ao comentar a decisão autoritária de excluir o jornal da lista de veículos de imprensa de uma licitação da Presidência, citou o episódio da Wal e distorceu novamente a história.

Ele insiste na versão de que ela não era fantasma, afinal estava de férias em janeiro de 2018, quando a Folha investigava se a servidora prestava de fato serviços ao gabinete político.

"Tiveram a reputação dessa senhora casada destruída. Vítima de chacota na região. A Folha fez isso com essa mulher. A prova estava dada para vocês. Estava de férias", disse.

Bolsonaro espalha informação falsa ou tenta enganar as pessoas. Talvez por não engolir ter sido colocado na vala dos deputados que sempre usaram verba pública para contratar assessores que nunca trabalharam.

Em janeiro de 2018, moradores vizinhos à casa de praia de Bolsonaro, a 50 km de Angra dos Reis, contaram, em conversas gravadas, que Walderice Santos da Conceição, dona da lojinha "Wal Açaí", vendia açaí e o seu marido era o caseiro da residência do hoje presidente. Não havia nenhuma atividade parlamentar.

Em agosto do mesmo ano, a Folha comprou das mãos de Walderice um açaí e um cupuaçu, durante o horário de expediente dela na Câmara. Encurralado, Bolsonaro então a demitiu e contou essa lorota: "Tem dois cachorros lá [na casa], e pra não morrer, de vez em quando ela [Wal] dá água pros cachorros lá, só isso".

Quase dois anos depois da revelação do caso, o presidente quer impor uma narrativa. A verdade é que ele pagou com dinheiro público da Câmara uma funcionária fantasma.


Leandro Colon: Após deixar PSL, Bolsonaro precisará, enfim, organizar sua articulação para 2020

Há dificuldades para garantir as medidas provisórias, que exigem apenas maioria simples para sua aprovação

Enquanto o presidente Jair Bolsonaro brinca de inventar seu próprio partido político —o da bala e da Bíblia— o Congresso caminha a partir desta segunda (25) para o último mês de trabalho em 2019.

Ao fazer um balanço legislativo do primeiro ano de gestão, o governo Bolsonaro pode incluir na conta a bem-sucedida reforma da Previdência, que deixa positivo o saldo de qualquer análise que atrele a performance parlamentar aos interesses do Palácio do Planalto.

As mudanças na aposentadoria podem ser avaliadas como uma vitória palaciana, afinal esse governo conseguiu o que outros tentaram e fracassaram, atendendo a um ponto crucial da agenda de Paulo Guedes.

Até aí, haveria razões para otimismo e euforia política em 2020, se não fossem os sinais de fragilidade governista no Congresso. A Previdência, por exemplo, só passou porque os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), compraram a ideia. A ausência de uma base aliada não comprometeu a votação.

E mais: a proposta avançou em meio à guerra maluca do alaranjado PSL, que terminará o ano sem sua principal estrela, o presidente da República, no quadro de filiados.

Queira Bolsonaro ou não, o PSL jogou com ele até agora. Serviu como blindagem à falta de sustentação do governo para amealhar votos necessários a projetos menores. Há dificuldades para garantir as medidas provisórias, que exigem apenas maioria simples para sua aprovação.

Uma delas é a nova versão do Mais Médicos. A medida expira nesta semana, e o governo, diante da perspectiva de derrota, já trabalha para tentar fazer as alterações via projeto de lei, uma estrada mais longa.

Parte da reforma tributária será enviada este ano, e o restante seguirá no primeiro semestre de 2020. O tema, caro a todo o país, deve dominar a agenda parlamentar. Se quiser aprovar as novas regras, Bolsonaro, sem ter ainda um partido para chamar de seu, precisará, enfim, organizar a sua articulação política.


Leandro Colon: A intenção de Toffoli sobre os dados sigilosos

Se presidente do STF alega não ter lido os relatórios financeiros, por que então requisitou o material?

Quando alguma crise estoura em Brasília, não raro os personagens envolvidos se defendem com narrativas amparadas em versões desconectadas da realidade.

É o caso do episódio dos dados financeiros sigilosos solicitados ao Banco Central pelo presidente do STF, Dias Toffoli. Parece imperativa a necessidade de discutir limites ao comportamento policialesco de setores do Ministério Público que aproveitaram até hoje brecha para ter acesso aos relatórios do antigo Coaf sem autorização judicial.

Reside aí o mérito de Toffoli em enfrentar o assunto e levá-lo ao plenário do Supremo na próxima quarta (20). Espera-se que alguma restrição seja imposta ao uso desses dados.

No entanto, permanece ainda injustificável o gesto do ministro de intimar o BC a entregar os relatórios financeiros de pessoas físicas e jurídicas emitidos nos últimos três anos.

Ao se defender das críticas, Toffoli afirmou que não acessou as informações obtidas. Não acessou porque a Folha revelou o movimento que havia sido feito pelo presidente do STF de forma sigilosa e o material disponibilizado a ele: 19 mil relatórios envolvendo 600 mil pessoas.

O documento assinado por Toffoli não deixa dúvidas. Pede ao BC “cópia dos Relatórios de Inteligência Financeira (RIF), expedidos nos últimos 3 (três) anos pela Unidade de Inteligência Financeira (antigo COAF)”.

O ministro queria obter a papelada. O despacho assinado por ele diz isso. O órgão do BC, porém, pegou Toffoli no contrapé: o conteúdo seria entregue, mas eletronicamente. “É necessário o cadastramento da autoridade demandante, podendo ser o próprio ministro Dias Toffoli ou quem por ele for designado”, informou a UIF (antigo Coaf).

Ficaria registrado, por exemplo, o acesso da equipe do ministro aos dados de políticos com foro especial.

Se Toffoli alega que não leu os relatórios, por que requisitou “cópia” deles? Se essa montanha de papel chegasse por meio de malote, o ministro do Supremo não abriria o seu lacre? Não faz sentido a sua versão.


Leandro Colon: Crise com PSL transforma governo Bolsonaro em um buraco de incertezas

O barril de pólvora que virou o partido tem potencial para causar danos irreparáveis ao Planalto

"Como o Bolsonaro já falou, nós estávamos noivos e hoje é o dia do casamento". A frase é de Luciano Bivar, no dia 7 de março de 2018, no ato de filiação ao PSL do então pré-candidato à Presidência.

Era um casamento de fachada, assim como de fachada eram as candidaturas de mulheres usadas como laranjas da sigla de Bivar e sua trupe.

O PSL nunca foi levado a sério em Brasília. Nada dos últimos dias surpreende. Bolsonaro topou ser "noivo" ciente da encrenca em que estava se metendo. Beneficiou-se dela, ganhou a eleição presidencial há um ano e agora tenta bancar o bom moço e cair fora da lama da legenda.

Bastava uma lida no prontuário de Bivar para Bolsonaro ter pensado duas vezes antes de entrar no PSL. Quem vive no mundo do futebol conhece as travessuras do deputado.

Cartola conhecido em Pernambuco, Bivar afirmou anos atrás que, no comando do Sport de Recife em 2001, pagou para emplacar um jogador na seleção brasileira. O dinheiro serviu, segundo ele, para garantir a convocação do volante Leomar pelo então treinador da CBF, Emerson Leão. Bivar nunca explicou direito a tramoia financeira - quem recebeu a suposta propina, por exemplo.

Leão, na época da história mal contada pelo deputado, negou ter levado qualquer comissão. A única certeza do caso é que Leomar não tinha futebol para jogar na seleção.

É com esse tipo de político que Bolsonaro se "casou" em março do ano passado, depois de leiloar sua candidatura entre várias legendas de aluguel. O inquilino viu o estado do imóvel e agora quer romper o contrato ou tomá-lo dos donos.

O problema de Bolsonaro é que o barril de pólvora que virou o PSL tem potencial para causar danos irreparáveis ao Planalto e ameaçar a governabilidade de quem ainda não tem uma base para chamar de sua.

O desmonte da única sigla que, em tese, estava até agora fechada com o presidente é um péssimo sinal para Bolsonaro. Ou ele reage e opera algum milagre ou o seu governo caminha para um buraco de incertezas.


Leandro Colon: Brasil envergonhado

O país da casa sem banheiro de Antonete deveria priorizar o acesso ao saneamento básico

O Brasil precisa ter mais vergonha do Brasil. Vergonha dos governos federais e estaduais, do Poder Legislativo e dos lobbies público e privado que deram sua parcela de culpa para o cenário tenebroso do saneamento básico no país.

Desde a última quarta-feira (9), a Folha tem publicado uma série de reportagens sobre o tema. Os dados e as histórias contadas são o retrato de um Brasil esquecido, atrasado, elitista e abandonado pelo estado.

Cerca de 100 milhões de brasileiros, quase metade da população, não têm acesso a coleta e tratamento de esgoto. E 35 milhões vivem sem rede de abastecimento de água, item essencial para o mínimo de estrutura.

Os repórteres Natália Cancian e Pedro Ladeira encontraram Antonete de Castro Monteiro, 50, na periferia de Ananindeua, no Pará. A casa dela não tem pia, torneira, água potável, e o mais assustador: falta banheiro.

“À noite, faço as necessidades num saco, guardo, deixo amanhecer e levo lá”, contou. “Lá” é a mata atrás da casa de madeira. Sim, ela despeja tudo no mato. Antonete toma banho de balde no quintal, com água retirada de um poço raso do terreno.

Há milhões de Antonetes por aí, personagens de um descaso governamental de décadas. As perspectivas são desanimadoras. Se nada mudar no curto prazo (e sabemos que, provavelmente, nada vai mudar), o país atrasará em pelo menos 30 anos a meta de 100% de acesso a saneamento universal (água e esgoto tratados) prevista para o ano de 2033.

Como um país quer crescer e desenvolver em tantas frentes se não oferece condições mínimas de dignidade para a sua população? Não garante nem o “básico” do que é classificado como saneamento básico.

Um caminho é estimular os investimentos da iniciativa privada na área. Apoiada pelo governo Bolsonaro, a ideia patina no Congresso pelas razões de sempre: os lobbies de setores públicos (governadores e companhias estaduais) e particulares.

O Brasil de Ananindeua, da casa sem banheiro de Antonete, deveria ter pressa para sair desse abismo.


Leandro Colon: Tragédia de Ágatha poderia enterrar proposta de Moro que protege policiais

Deputados deveriam homenagear menina morta e jogar fora ideia sobre excludente de ilicitude

O presidente Jair Bolsonaro se calou, e o ministro Sergio Moro (Justiça) divulgou uma nota protocolar sobre o trágico assassinato da menina Ágatha Félix, de 8 anos, no Complexo do Alemão, no Rio.

Moro lamentou a morte e disse confiar que “os fatos serão completamente esclarecidos pelas autoridades”. “O governo federal tem trabalhado duro para reduzir a violência e as mortes no país, e para que fatos dessa espécie não se repitam”.

É de Moro a ideia em discussão na Câmara do excludente de ilicitude, uma espécie de imunidade para policiais e militares que matarem pessoas em serviço. Um “livre para matar”.

A proposta do ministro prevê que o juiz poderá reduzir pela metade ou deixar de aplicar a pena por morte cometida em legítima defesa se o “excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

A menina Ágatha foi baleada nas costas dentro de uma kombi, na companhia da mãe, quando estava a caminho de casa. Segundo parentes, ela foi alvo de disparo da polícia, que buscava atingir um motociclista.

O governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), desta vez não desceu de helicóptero dando murros no vento. Assim como Moro, ele optou por uma nota oficial, convencional, colocando a menina como mais uma vítima inocente de ação policial.

Se a proposta de Moro valesse hoje, o assassino de Ágatha, sendo mesmo um policial, poderia ter a pachorra de alegar que agiu por medo, surpresa ou quem sabe uma violenta emoção ao alvejar do nada uma kombi.

E, assim, um juiz, inspirado no colega que virou ministro de Bolsonaro ou no que agora é governador do Rio, livraria a pele desse agente.

Ao comentar a tragédia de Ágatha, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu uma “avaliação muito cuidadosa e criteriosa” sobre o excludente de ilicitude.

Deputados já esvaziaram boa parte do pacote anticrime de Moro. Fariam uma homenagem à menina Ágatha se enterrassem de vez essa proposta que, se um dia for aprovada, poderá proteger policiais assassinos.


Leandro Colon: O recado do STF a Moro

Cresce a aposta de que Segunda Turma votará pela suspeição do ex-juiz no caso do tríplex

Não bastasse a fritura que vem sofrendo por parte do presidente Jair Bolsonaro, o ministro Sergio Moro (Justiça) pode ser derrotado em breve pelo STF em julgamento sobre métodos da Lava Jato.

A dica foi dada pelo ministro Gilmar Mendes em entrevista que concedeu à Folha e ao UOL, em Brasília.

Para o ministro, a popularidade de Moro, bem acima da de Bolsonaro, segundo o Datafolha, não deve influenciar no julgamento da Segunda Turma sobre a suspeição do ex-juiz no caso do tríplex de Guarujá.

“Se um tribunal passar a considerar esse fator, ele que tem que fechar, porque perde o seu grau de legitimidade”, disse o ministro do STF.

De acordo com Gilmar, o tema ligado a Lula será apreciado pelo colegiado até novembro. Está logo ali. Nos bastidores do STF, cresce a aposta de que os ministros Celso de Mello e Cármen Lúcia caminham para votar contra a atuação de Moro.

Com a posição conhecida de Gilmar e Lewandowski, seriam quatro votos pela derrota do ex-juiz contra o voto isolado de Edson Fachin.

A repórter Thais Arbex contou na Folha que Cármen Lúcia ficou impressionada com o teor das mensagens trocadas pelos procuradores da Lava Jato. Em uma das conversas, a ministra foi chamada de “frouxa”.

Cármen foi quem homologou, como presidente do STF, a delação da Odebrecht após a morte de Teori Zavascki. Para ministros do STF, aquele gesto foi uma homenagem dela ao colega, que conduzia as tratativas até morrer em uma queda de avião.

O tempo mostrou que grande parte dessas delações era frágil, feita às pressas pela Lava Jato, sem elementos capazes de comprovar o que os executivos haviam dito. A delação do fim do mundo virou um mico.

De lá para cá, a ficha de Cármen caiu, dizem ministros. Assim como a do decano Celso de Mello, cujo voto carrega sempre um simbolismo.

Uma derrota de Moro deve favorecer Lula e provavelmente causar turbulência política no país. Outro efeito imediato será o enfraquecimento do ministro de Bolsonaro.


Leandro Colon: A última tacada de Moro

Asfixiado por Bolsonaro, Moro aposta em plano de segurança para sobreviver

Jair Bolsonaro disse à Folha que Sergio Moro é um “ingênuo” na política, mas nem o ministro da Justiça deve ter acreditado nas boas intenções do chefe com o tapinha nas costas e a mão no ombro que recebeu no passeio pela Esplanada no desfile da Independência.

Não precisa de muita malícia para entender o jogo de Bolsonaro. Se dependesse dele, o ex-juiz da Lava Jato já estaria bem longe do seu governo.

O que era para ser um símbolo virou um estorvo para o presidente. Moro foi convidado para assumir a Justiça nas horas seguintes à eleição do ano passado como um gesto de Bolsonaro para tentar ganhar a plateia assustada com o que viria por aí.

Até deu certo. Para grande parte da população, Moro chegou a Brasília como símbolo número 1 da maior investigação de combate à corrupção. O super-herói de toga que botou os políticos ladrões na cadeia.

Não levou tempo para Moro, um “ingênuo” nas palavras do presidente, perceber que Brasília não é Curitiba. Não é o ministro poderoso e autônomo que imaginou que seria.

O Congresso não o bajula, a imprensa séria, idem. Fracassou no movimento para fazer do Coaf um braço de seu ministério e, ao que tudo indica, terá de engolir a saída de um homem de sua confiança da diretoria-geral da Polícia Federal (sem liberdade para escolher o substituto).

Por que Bolsonaro não se livra de Moro? Por mais que isso incomode o presidente, seu ministro da Justiça é hoje muito mais popular do que ele —como mostrou o Datafolha, 54% dos brasileiros aprovam sua gestão na pasta, uma força nas ruas amparada ainda na fama da Lava Jato.

A popularidade do ex-juiz, potencial nome para 2022, causa ciumeira em Bolsonaro, mas é o escudo do ministro para não ser jogado fora.

Asfixiado politicamente pelo presidente, Moro busca refúgio em um ambicioso plano de segurança pública, em parceria com estados e municípios. Há quem diga em Brasília que será a última tacada dele no governo. Se não der certo, Moro pedirá o boné. E Bolsonaro vai agradecer.


Leandro Colon: Os recados da pesquisa ao governo Bolsonaro

Datafolha indica que a escalada retórica do presidente tem afugentado boa parte dos que votaram nele

A nova pesquisa do Datafolha mostra que não tem agradado aos brasileiros a estratégia de governar de Bolsonaro ou a falta dela —se é que inexiste, como já declarou o presidente ("sou assim mesmo").

Foram oito meses até hoje, 16% do mandato. Tempo de sobra tem Bolsonaro para reverter a opinião dos eleitores, embora não haja pista de que ele esteja preocupado com isso.

A pesquisa indica que a escalada retórica do presidente tem afugentado boa parte dos que apertaram o botão para varrer o PT em 2018.

O Nordeste deu sinal de que reprovou o episódio dos "paraíbas", em que Bolsonaro foi flagrado em vídeo criticando governadores da região.

De acordo com a pesquisa, subiu de 41% para 52% o índice de avaliação ruim e péssima feita pelos nordestinos sobre o governo atual.

É um crescimento bem acima da margem de erro. Não há como contemporizá-lo. De nada adiantou o pano quente que o presidente tentou botar para amenizar a crise gerada. O recado foi dado pela população.

Recado também passado em relação às queimadas. O bate-boca com o francês Emmanuel Macron não trouxe ganhos a Bolsonaro. Para 51% dos entrevistados, a condução para combater o desmatamento e as queimadas é péssima ou ruim.

E 75% avaliam que é legítimo o interesse externo na Amazônia. Esse discurso de soberania, de que a Amazônia é do Brasil, não tem colado.

Outro dado sintomático: subiu de 25% para 32% o percentual dos que consideram que o presidente não tem se comportado de acordo com o cargo que ocupa desde janeiro.

De repente, Bolsonaro passou a atacar João Doria e Luciano Huck, potenciais obstáculos no eleitorado de direita a seu desejo de reeleição. Ao mesmo tempo mina os tentáculos de Sergio Moro (Justiça), sempre ventilado como presidenciável.

É difícil acreditar que os gestos contra os três não sejam calculados. A questão é simples: a pesquisa deveria servir para Bolsonaro entender que, se deseja ter chances em 2022, terá de repensar o que fez até aqui.


Leandro Colon || A força de Moro

Ex-juiz pode não ser um superministro de fato, mas parte das ruas o trata assim

Será que Sergio Moro se arrependeu de ter abandonado a magistratura para ser ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro?

Publicamente, ele não vai admitir que tenha errado ao largar a Lava Jato para sentar em uma cadeira na Esplanada. Mas parece não haver dúvidas de que, oito meses depois, o Moro de Curitiba era muito mais forte do que o Moro de Brasília.

O superjuiz que botou figurões da política na cadeia sonhava em ser um superministro de Bolsonaro. Até agora, só acumulou reveses no ministério e passou a ter a lealdade e a capacidade de gestão questionados pela equipe que comanda.

Integrantes da Polícia Federal não vão se esquecer tão cedo da omissão pública do ministro no episódio em que Bolsonaro tripudiou da permanência de Mauricio Valeixo na diretoria-geral da PF. Moro silenciou.

Faz água o pacote anticrime, bandeira principal de sua gestão, em discussão na Câmara. O escolhido do ex-juiz para dirigir o Coaf foi jogado para fora de campo do governo.

O ministro ainda teve de recuar da indicação de uma suplente de conselho ligado à pasta e não conseguiu emplacar um nome preferido para vaga no Cade. Moro não levou uma.

Agora, a aposta nos bastidores é a de que ele pode reverter o jogo político se convencer o presidente Bolsonaro a vetar, da maneira que o ministro deseja, o projeto de abuso de autoridade aprovado no Congresso.

Flagrado em mensagens privadas atropelando a liturgia e as prerrogativas da cadeira de juiz, Moro alega que o texto votado pelos parlamentares pode causar um "temor excessivo" em órgãos de investigação, como polícia e Ministério Público.

Moro continua sendo uma figura muito popular. Tem sido recebido com homenagens e euforia em regiões onde o bolsonarismo deu uma surra no petismo nas eleições. Pode até não ser um superministro de fato, mas parte das ruas o trata assim.

Por isso, Bolsonaro emite sinais trocados: não precisa se livrar dele, mas tenta reduzir a força e a influência do ministro no seu governo.


Leandro Colon || Reação de instituições é fundamental para frear interferência presidencial

Não há brecha para garrancho na caneta de Bolsonaro

Os ministros do governo Bolsonaro estão apavorados, segundo palavras do próprio presidente. Começa a bater o desespero na Esplanada com a falta de dinheiro.

Enquanto isso, servidores públicos da Receita e da Polícia Federal reagem aos movimentos de interferência do chefe da República em postos estratégicos dos dois órgãos.

Em mensagem aos colegas, o delegado de alfândega do Porto de Itaguaí (RJ), José Alex Nóbrega de Oliveira, um dos alvos da pressão palaciana, afirmou que “existem forças externas que não coadunam com os objetivos de fiscalização” da Receita.

O presidente da ADPF (Associação Nacional de Delegados de Polícia Federal), Edvandir Felix de Paiva, declarou que Bolsonaro expõe a PF ao descrédito quando mete o dedo na nomeação de superintendentes.

No Congresso, diante do atropelo por parte do presidente, parlamentares articulam acelerar a PEC que dá autonomia administrativa à polícia vinculada hoje ao Ministério da Justiça, sob as ordens de Sergio Moro.

Um parecer de consultores do Senado afirma que a nomeação do deputado Eduardo Bolsonaro pelo pai para ser o embaixador do Brasil nos EUA seria uma prática de nepotismo.

O presidente tem postergado a oficialização da indicação do filho para Washington até que tenha uma certeza de que não passará o vexame da derrota no plenário do Senado.

Hoje, a aposta entre senadores é a de que a escolha tem mais chances de passar do que ser negada. No entanto, o fantasma do fracasso emite sinais em meio ao clima de desgaste contaminado por episódios recentes fabricados pelo próprio Bolsonaro.

Ele disse que não será um presidente “banana”. “Quem manda sou eu”, declarou sobre as trocas na PF.

Pouco depois, amenizou o tom. Provavelmente terá de segurar também seu ímpeto sobre a Receita. Vai precisar baixar a bola para emplacar o filho nos EUA e agir para evitar um apagão danoso nas contas do país.

A reação das instituições é importante para frear a caneta presidencial, sem brecha para garranchos.