José Serra

José Serra: Frear a deterioração educacional

Já não há espaço para remédios improvisados, são necessárias medidas inovadoras e corajosas

A pandemia tem aumentado o esgarçamento da educação no Brasil, tanto pública quanto privada, mas também vem ampliando a oportunidade para uma agenda social com políticas educacionais inovadoras. Com a paralisação parcial da atividade econômica, milhares de jovens perderam o emprego e a renda para bancar os estudos. Muitos estabelecimentos de ensino paralisaram as aulas presenciais para evitar a proliferação do vírus, o que afetou, sobretudo no ensino público, estudantes das famílias de baixa renda.

A situação da educação no Brasil é tão grave quanto desigual. No ensino infantil faltam creches para 86% das crianças mais pobres. Já entre os 20% de famílias com renda mais alta no País, a falta de creches atinge apenas 6,9% das crianças entre 0 e 3 anos.

Os números que retratam o ensino médio são igualmente alarmantes: nossa taxa de conclusão do ensino médio antes de completar 25 anos é de apenas 58%. Comparando com taxas de conclusão de 86,1% no Chile e 79,1% nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o quadro é dramático. Quanto à metade dos estudantes que conclui o ensino médio, segundo dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), cerca de 70% apresentam resultados considerados insuficientes em Matemática e Português, requisitos hoje mínimos para sua empregabilidade, mesmo em funções modestas.

A formação educacional superior também vai mal, principalmente no ensino tecnológico. As universidades e escolas superiores privadas, que representam cerca de 75% a 80% das matrículas, enfrentam perdas consideráveis, tanto em evasão quanto em inadimplência. Com base em amostra nacional, a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) estima que em julho deste ano apenas 14% da amostra pretendia continuar matriculada no segundo semestre, ante 40% que só retomariam em 2021 e outros 38% apenas quando a situação se normalizasse. Perguntados sobre o que mais estava afetando sua decisão, 80% apontaram perda de renda da família ou do emprego.

O primeiro passo para enfrentar esse quadro é encarar o problema como um desafio federativo. A responsabilidade pela educação é compartilhada pelos três níveis de governo.

O governo federal é o principal responsável pelo financiamento do ensino superior público, sendo uma pequena parcela das despesas destinada à assistência financeira a alunos de instituições privadas. O ProUni concedeu este ano 252 mil bolsas totais ou parciais, ante um total de 6,3 milhões de matrículas no ensino superior privado, menos de 4% dos alunos. Quanto ao crédito estudantil subsidiado (Fies), o governo federal beneficiou cerca de 1 milhão de alunos, metade dos quais está inadimplente!

Os governos estaduais são responsáveis pelo ensino médio e os municípios assumem o grosso do financiamento do ensino fundamental. Mesmo com todas as limitações fiscais do País, inovações na gestão escolar em alguns Estados brasileiros merecem destaque, assim como experiências internacionais bem-sucedidas.

No Ceará, os mecanismos de incentivo baseados na distribuição do ICMS, estadual, de acordo com o índice de qualidade da educação do município mostraram-se efetivos para melhorar os resultados de aprendizagem. No Amazonas os professores são avaliados por meio de cursos online obrigatórios, cuja avaliação final é requisito para a conclusão do estágio probatório.

A Austrália foi a primeira a implementar um sistema de crédito estudantil condicionado à renda (Income Contingent Loan), depois adotado no Reino Unido, na Nova Zelândia, na Hungria, nos Países Baixos e na Coreia do Sul. Nesse sistema, o acesso ao ensino superior é gratuito e o egresso reembolsa o crédito se e quando atingir um patamar mínimo de renda (US$ 40 mil na Austrália e US$ 30 mil no Reino Unido), sujeito a um teto de reembolso. Modelo similar se aplica na Universidade da República do Uruguai, pública e gratuita, que cobra de todos os seus diplomados uma porcentagem específica do Imposto de Renda para financiar o ensino universitário.

O Congresso Nacional tem dado prioridade a uma agenda social voltada para a educação. Recentemente foi aprovada a Emenda Constitucional n.º 108, que torna permanente o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e aumenta suas verbas. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, tem defendido um programa de poupança para estimular o jovem brasileiro a cursar o ensino superior – ideia análoga ao Programa Criança com Futuro, proposto no PL 4.698/19 do Senado.

Diante dos efeitos de longo prazo da pandemia, que se estenderão para além de 2021, já não há espaço para remédios improvisados e de curtíssimo alcance, pois isso implicaria submeter a maioria do povo brasileiro – famílias de renda média para baixo – a sofrimentos que não se limitam à perda de emprego e renda já ocorrida e a ocorrer ao longo deste ano.

A deterioração da formação educacional das crianças e dos jovens brasileiros precisa de medidas inovadoras e corajosas.

*Senador (PSDB-SP)


José Serra: Renda básica com responsabilidade

Não se pode executar a despesa nova sem a aprovação de medidas de compensação

O governo federal enviou a proposta orçamentária para 2021 sem dizer como pretende financiar o novo programa anunciado pela equipe econômica: o Renda Brasil. Curiosamente, esse programa nasceu, morreu e deve ressuscitar após manifestações desencontradas de lideranças do Executivo, até mesmo do presidente da República, tornando o cenário fiscal mais incerto. Certo mesmo é que o País precisa de um programa social de renda mínima, com responsabilidade fiscal e boa governança, para os brasileiros mais afetados pela pandemia.

Hoje presenciamos a subida a todo o vapor da dívida pública em direção à relação de 100% com o produto interno bruto (PIB). Assim, o País, no final do ano, deverá ao mercado de títulos públicos o equivalente ao que produzirá em termos de bens e serviços. Na verdade, esse número estaria longe de representar algo catastrófico caso os gastos públicos no Brasil tivessem qualidade, o que não ocorre. Importa mais a trajetória de crescimento da dívida do que a sua relação com o PIB, afinal, estoque e fluxo são coisas distintas.

Claro está que não nos podemos endividar como se a injeção de gasto público na economia não tivesse custos e limites. A gestão fiscal daqui para a frente não poderá ser tocada na base do improviso e “no susto”. Qualquer programa novo deve ter como base um dos princípios mais relevantes de uma República: a responsabilidade fiscal.

A agenda social em discussão no Congresso, a fim de se criar um programa de renda mínima, deve respeitar na ponta do lápis os dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal, em especial o artigo 17, segundo o qual as despesas permanentes devem ser fiscalmente compensadas por aumentos de receita ou redução de outros gastos também permanentes. Mais: não se pode executar a despesa nova sem que sejam aprovadas medidas de compensação. É o que está na lei e é o que deve ser feito.

É importante que todas as despesas obrigatórias do orçamento federal passem por avaliações periódicas, de modo que sejam feitos ajustes que tornem os programas mais eficientes, eficazes e efetivos. Ainda que o artigo 17 seja respeitado na fase de implementação de uma nova agenda social, não se pode achar que despesa obrigatória é eterna e blindada de avaliações sistemáticas.

Até aqui podemos dizer que o novo programa almejado pela equipe econômica – o Renda Brasil – deve ser criado com transparência em relação às suas fontes de custeio, inclusive com a revisão dos gastos de programas atuais, e com um desenho institucional que dê prioridade a revisões periódicas dos seus resultados. Naturalmente, a função fiscalizatória do Congresso o atrai para esse campo de avaliação, com a devida ajuda do Tribunal de Contas da União, que tem um time de auditores altamente qualificados.

Mais ainda, o teto de gastos também deve ser observado no processo de criação do Renda Brasil. É sabido que o Parlamento aprovou a Emenda Constitucional 95/2016 com a finalidade de estabelecer limites apertados para a taxa de crescimento do gasto público, com base no IPCA. Com a queda da inflação e o crescimento das despesas da Previdência, que representam mais da metade do teto de gastos do Poder Executivo, o espaço fiscal deve nortear a criação do Renda Brasil.

Diante desse quadro, o Congresso Nacional pode assumir a iniciativa de estabelecer uma nova agenda social, caso a estratégia do Executivo seja passar a bola para o Parlamento. Assim, será melhor para o País que o Congresso aprove um programa de renda mínima delegando ao Executivo a definição dos valores dos benefícios, juntamente com as medidas de compensação. E, nesse sentido, há projetos tramitando. A razão é que o Executivo conta com melhores condições de revisar o Orçamento em busca dos recursos necessários para financiar a nova agenda social.

A lei que criar o novo programa deve também apresentar dispositivos que obriguem o governo a revisar periodicamente o programa, seguindo as boas práticas de gestão adotadas por países avançados em matéria fiscal, como o Reino Unido e a Austrália. Nestes, os programas governamentais são sempre revisados para melhorar a alocação dos recursos nos orçamentos públicos.

Essa ideia da revisão periódica dos gastos públicos parece simples, mas no Brasil ela vem sendo ignorada de forma desconcertada. Em 1998, por exemplo, participei do governo que introduziu na Lei 8.742/1993, que regulamenta os Benefícios de Prestação Continuada, um dispositivo para exigir a sua revisão a cada dois anos. Mas esse dispositivo tem sido solenemente ignorado pelos órgãos de controle e de execução das políticas públicas.

A covid-19 tem revelado a importância da responsabilidade fiscal para os próximos anos. As lideranças do Legislativo e do Executivo precisam atuar de forma conjunta para estabelecer um programa de renda básica que socorra a parcela mais vulnerável da sociedade sem perder de vista a responsabilidade fiscal e a boa governança pública. Não vejo incompatibilidade necessária entre esses dois objetivos.

*Senador (PSDB-SP)


José Serra: Pôr as cidades nos trilhos

A crise fiscal, agravada pela pandemia, exige a revisão de paradigmas obsoletos

As políticas voltadas para a superação da pobreza e a redução da desigualdade social tendem a promover transferências de renda ou programas setoriais, como os de educação e saúde. Tenho dedicado grande parte da minha vida pública ao fortalecimento das políticas e instituições de saúde. Mas o bem-estar das pessoas não depende apenas disso. A qualidade de vida propiciada pela cidade é igualmente importante.

Na escala do bairro, um espaço bem organizado permite o acesso a pé ou por bicicleta a equipamentos públicos, como praças, escolas, postos de saúde, quadras esportivas e teatros, além de serviços e comércio, que asseguram consumo e empregos próximos à moradia.

Na escala da cidade, a infraestrutura fundamental é a de transporte coletivo, que garante ao cidadão acesso a empregos mais distantes e a equipamentos de maior porte, como hospitais, universidades, estádios de futebol e parques.

É por isso que atualmente se procura, no mundo todo, promover um desenvolvimento urbano mais compacto, em que bairros densos e diversificados se conectam entre si por redes de mobilidade de alta capacidade, como metrôs, trens de superfície, veículos leves sobre trilhos (VLT) e ônibus de trânsito rápido (BRT, de bus rapid transit).

Procura-se garantir que todos os moradores da cidade possam chegar a uma estação de transporte de alta capacidade em até 15 minutos, a pé ou de bicicleta, modelo conhecido pela sigla TOD, de transit-oriented development ou desenvolvimento centrado no transporte. Além de aumentar a densidade de ocupação no entorno das estações, reorganizam-se o sistema viário e o reparcelamento do solo, criam-se ciclovias e calçadas acessíveis – mesmo em detrimento do espaço destinado ao automóvel privado de uso individual –, além de novos imóveis apropriados à infraestrutura de transportes.

Nas metrópoles brasileiras, a expansão dos metrôs avança muito lentamente. Em parte, pelos altos custos envolvidos, que se tornam proibitivos quando financiados exclusivamente com recursos orçamentários. No entanto, o problema também se deve a fatores institucionais.

A doutrina tradicional encara o transporte ferroviário de passageiros como um serviço autocentrado, exclusivamente destinado a deslocar pessoas de um ponto a outro da cidade. Trata-se de uma visão míope. Nos países desenvolvidos o metrô não se limita a implantar e gerenciar linhas férreas, mas reurbaniza seu entorno, com o objetivo de melhorar o aproveitamento dos terrenos próximos, aumentando a densidade da região, criando demanda e receitas aptas a financiar o investimento. Em outros países, como o Japão, essas receitas não tarifárias chegam a 80% do faturamento total.

Aqui desapropriamos apenas o estritamente necessário para a instalar linhas e estações. Nos trechos de superfície, as linhas de trem seccionam o tecido urbano, criando uma separação absoluta entre os dois lados da via, o que degrada o seu entorno. Chega-se ao absurdo de desapropriar partes de imóveis, deixando para os proprietários terrenos imprestáveis, de dimensões inferiores às mínimas exigidas para a construção de uma edificação.

Os planos diretores ampliam o potencial construtivo dos terrenos próximos às estações, a fim de propiciar maior verticalização e o consequente adensamento. Mas essa diretriz acaba sendo frustrada pela fragmentação das propriedades, que tornam inviáveis as incorporações imobiliárias.

Para superar esse desafio o novo marco legal das ferrovias, em tramitação no Senado, contém uma seção voltada para as operações urbanísticas. A implantação de infraestruturas ferroviárias passará a incorporar projeto urbanístico do entorno, destinado a minimizar possíveis impactos negativos, propiciando aproveitamento eficiente do solo urbano. Além disso, prevê-se a captura do valor da terra, que não deve ser vista apenas como uma receita acessória à tarifária, mas como fonte ordinária de financiamento do transporte ferroviário.

Incorporando técnicas internacionais de reparcelamento do solo, a execução desse projeto será promovida pela própria operadora ferroviária, que deverá constituir um fundo de investimento imobiliário aberto à participação dos proprietários de imóveis.

Tendo em vista que muitos imóveis têm pendências fundiárias que impedem sua negociação no mercado, o projeto altera também a lei das desapropriações, para permitir a desapropriação para execução de planos de urbanização ou renovação urbana, com posterior exploração econômica dos imóveis produzidos. Além disso, reconhece os direitos possessórios dos ocupantes de núcleos informais consolidados, que também deverão ser indenizados.

A crise fiscal em que se encontram todos os entes da Federação, agravada pela pandemia de covid-19, exige a revisão de paradigmas obsoletos. No caso do transporte ferroviário, é preciso tratar a instalação de infraestruturas como uma oportunidade de reestruturação abrangente do tecido urbano, capaz de produzir cidades mais justas, acessíveis e sustentáveis.

Chegou a hora de pormos as nossas cidades nos trilhos.

*Senador (PSDB-SP)


José Serra: A hora do saneamento básico

Novo marco vai na direção correta. Saúde dos brasileiros e meio ambiente agradecem

Venho defendendo uma agenda de recuperação econômica pós-pandemia, por meio de novos investimentos e de aumento da produtividade. Considero o novo marco regulatório do saneamento, relatado pelo senador Tasso Jereissati, uma das principais iniciativas dessa agenda. Além dos impactos econômicos, os investimentos em saneamento básico trarão externalidades altamente positivas no campo social e na saúde pública. Entre eles se inscreve um “novo rumo para a infraestrutura na América Latina”, citado em editorial do Estado (2/8, A3), alertando não só para a infraestrutura física, mas para a incorporação de tecnologias, maior eficiência, qualidade e acessibilidade para os usuários.

Por exemplo, a Organização Mundial da Saúde estima que, para cada real investido em saneamento se economizam quatro em gastos com saúde. Também estima que diariamente 41 pessoas morrem e 958 são internadas, no Brasil, por doenças ligadas à falta do saneamento básico, o que se vem agravando com a pandemia. Mais de 35 milhões de brasileiros não têm acesso a água tratada e quase metade da população não conta com serviços de esgotamento sanitário.

A aprovação do novo marco do saneamento básico desperta grandes esperança de enfrentamento desse drama. A nova lei rompeu com um paradigma do Plano Nacional de Saneamento Básico (Planasa), implantado na década de 1970, que delegou os serviços de água e esgoto dos municípios às companhias estaduais de saneamento básico (Cesbs). Na prática, o serviço tornou-se estadual.

No período militar, essa delegação foi contratada sem licitação e sem cláusulas quanto às obrigações da concessionária. As Cesbs eram monopolistas sem nenhuma regulação.

A Constituição de 1988 determinou que todo serviço público fosse prestado diretamente pelo ente público ou por concessão, precedida de licitação. Proibiu, ainda, tratamento privilegiado para as empresas estatais.

Mas o status quo foi mantido, em 2005, com a Lei n.º 11.107, mediante o “contrato de programa”, em regime similar à concessão, com duas exceções: 1) beneficia apenas empresas estatais e 2) prescinde de licitação. Ou seja, em lugar de empresas públicas e privadas disputarem o mercado oferecendo maiores investimentos e menores tarifas, as concessões do Planasa foram renovadas via contratos de programa e nada mudou.

Um marco legal para o saneamento básico foi instituído apenas em 2007. Previa a elaboração de planos municipais de saneamento básico.

Também foram instituídas cláusulas obrigatórias dos contratos de concessão ou de programa, exigindo a individualização contábil de cada município atendido e obrigando à regulação dos serviços, a fim de coibir abusos de poder econômico.

Mais de uma década depois, o que se constata é que o modelo Planasa continua praticamente intacto. Os contratos de programa não estipulam metas de investimento ou obrigações claras para as empresas prestadoras, as receitas e despesas relativas a cada município não são segregadas e as agências reguladoras não têm autonomia para contrariar os interesses das Cesbs.

O novo marco regulatório representa uma ruptura com o modelo vigente, ao exigir que a contração das Cesbs se dê por contrato de concessão precedido de licitação, conforme o artigo 175 da Constituição de 1988. Não se trata de privatizar essas empresas, mas de acabar com seu monopólio, de modo a introduzir a concorrência em segmento fundamental da economia brasileira, a exemplo do que já se fez nas áreas de energia, transportes e telecomunicações.

Apesar da urgência na atração de investimentos para a universalização dos serviços, em nenhum momento se pretendeu interromper os contratos de programa, que expiram em datas variadas, quase todos ainda com mais de cinco anos de vigência pela frente.

O novo marco prevê a formação de blocos de municípios, para prestação regionalizada, com visando a obter economia de escala e a combinação de áreas rentáveis e deficitárias. Cada bloco deverá ter seu plano de saneamento básico atualizado, para então se preparar a modelagem das futuras licitações.

Não há por que supor que empresas privadas levem vantagem sobre empresas estatais nas futuras disputas. A rigor, prevalece o contrário. Como incumbentes, as Cesbs conhecem em profundidade a geografia da área a ser atendida e as condições da infraestrutura existente, e dispõem de recursos humanos e materiais no local, o que reduz os custos de prestação dos serviços.

Em toda a minha atuação na área de saúde sempre tive uma preocupação especial com a melhoria do saneamento básico no Brasil e estou seguro de que o novo marco vai na direção correta. Ainda podemos avançar com a aprovação de mecanismos tributários estabelecendo a possibilidade de o PIS-Cofins devido pelo setor ser utilizado para financiar investimentos. Em vez de tributos, investimentos na expansão dos serviços, incluindo aumento da produtividade das diferentes ações, como a redução do desperdício de água.

Chegou a hora do saneamento básico. A saúde dos brasileiros e o meio ambiente agradecem.

*Senador (PSDB-SP)


José Serra: É urgente atualizar o regime do petróleo

Não podemos deixar o futuro das próximas gerações perdido no fundo do mar

A aprovação do novo marco legal do saneamento básico abriu caminho para uma agenda de recuperação econômica pós-pandemia, por meio de novos investimentos e de aumento da produtividade. Dentre as pautas prioritárias, destacam-se, além do novo marco legal das ferrovias, a reforma do setor elétrico e a do mercado de petróleo e gás natural.

Neste último caso, é crucial atualizar o marco regulatório do pré-sal, permitindo que os leilões a serem realizados em 2021 recuperem a competitividade em relação a outros países. Mudanças no marco legal do petróleo começaram em 1997, com a Lei do Petróleo, que criou o regime de concessão. A descoberta do pré-sal levou o governo Lula a criar, em 2010, o novo regime de partilha, que concedeu à Petrobrás o monopólio da operação e a participação de, no mínimo, 30% nos leilões de campos do pré-sal.

Em 2013 foi realizado o primeiro leilão do pré-sal, com a oferta do campo de Libra, com potencial estimado entre 8 bilhões e 12 bilhões de barris. O resultado ficou muito aquém das expectativas, sem a participação maciça de empresas estrangeiras. Sem concorrência, apenas um consórcio apresentou oferta e o governo recebeu o mínimo estipulado nas regras: um bônus de assinatura (BA) de R$ 15 bilhões e 41,65% do petróleo produzido, descontados os custos de produção. Ficou evidente que as regras criadas pelo novo regime anularam a atratividade da área em oferta.

Com a Lei 13.365/2016, que tem como objetivo principal atrair investidores e estimular a concorrência, a Petrobrás deixou de ser o operador único e de participar obrigatoriamente com 30% em todos os consórcios do pré-sal. A partir de então os leilões tiveram sucesso inegável. No final de 2017 e primeiro semestre de 2018, as três rodadas realizadas tiveram 75% dos blocos ofertados arrematados, proporcionando mais de R$ 9,3 bilhões de arrecadação em BA. Ainda em 2018, a quinta rodada tornou-se o primeiro certame sob o regime de partilha a ter, com mais de um bloco em oferta, 100% das áreas arrematas, com um BA total de R$ 6,82 bilhões.

Os resultados decepcionantes do Excedente da Cessão Onerosa e da 6.ª Rodada de Partilha evidenciaram a inevitabilidade de uma nova alteração na lei. O leilão da cessão onerosa realizado em 2019 não atraiu o interesse das grandes petroleiras: os R$ 69,96 bilhões arrecadados em BA restringiram-se à Petrobrás (90%) e às chinesas CNODC Brasil (5%) e CNOOC Petroleum (5%). Na sexta rodada, realizada no dia seguinte, apenas uma das cinco áreas ofertadas foi arrematada e, mais uma vez, pela Petrobrás e associados chineses. A Petrobrás havia exercido o direito de preferência sobre outras áreas, mas desistiu da operação. Esse resultado reforçou a tese de que os campos brasileiros com grandes reservas já tinham sido leiloados.

Com isso a alteração da lei se tornou mais pertinente e urgente. O surgimento da pandemia do novo coronavírus causou incertezas quanto ao futuro do mercado de petróleo. Sendo assim, a criação de um ambiente legal e regulatório que propicie, já em 2021, a volta bem-sucedida dos leilões passou a ser fundamental. A meu ver, alterações que flexibilizem o regime de exploração no pré-sal e em áreas estratégicas, associadas a medidas de aperfeiçoamento das regras vigentes, são fundamentais para o sucesso dos leilões do próximo ano.

Reconheço que a retirada do direito de preferência da Petrobrás é uma medida polêmica. A repulsa a esse tema provém de uma suposta defesa da Petrobrás. A crença imaginária de que “o petróleo é nosso” ainda permeia as decisões de alguns senadores. Mas é preciso entender que essa prerrogativa concedida à Petrobrás distorce o processo competitivo, permitindo-lhe optar por diminuir os porcentuais de excedente em óleo destinados à União. Ora, quanto menor a parcela desse excedente, menores serão os recursos dirigidos a programas sociais, sobretudo à educação. O fracasso dos leilões da cessão onerosa evidenciou essas distorções, pois arrecadaram apenas R$ 69 bilhões dos R$ 106 previstos.

O fortalecimento do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que deve deliberar sobre o melhor regime jurídico a ser adotado nos leilões do pré-sal, é crucial. Com a flexibilização do regime de licitação do pré-sal e das áreas estratégicas, o CNPE deve ficar livre para definir, antes de cada rodada, qual regime é mais vantajoso, do ponto de vista social e econômico, para licitar cada área/bloco ofertado: partilha de produção ou concessão. A maximização da arrecadação nos leilões, devida à maior competição entre as petroleiras, seria uma consequência adicional.

O setor de petróleo terá certamente papel fundamental na retomada da economia pós-covid-19, já a partir de 2021. Para tanto é indispensável que os leilões do pré-sal sejam realizados sob um novo regime legal o mais depressa possível. Caso contrário, corremos o risco de deixar inexplorada grande parcela de nossas reservas de óleo e gás.

O futuro das próximas gerações passa por investimentos maciços em educação. Não podemos deixar esse futuro perdido no fundo do mar.

*Senador (PSDB-SP)


José Serra: Quem somos nós e por que lutamos

Com os não radicais fragmentados, só vamos continuar a marcar passo

Uma iniciativa de opositores às aspirações autoritárias do atual presidente busca inspiração no movimento das Diretas-Já, de 40 anos atrás. Episódios históricos são sujeitos a revisões e reversões de seus fatos e significados ao longo de décadas e séculos.

Mesmo aqueles que, como eu e muitos de minha geração, participaram ativamente do movimento terão versões particulares do que viram e ouviram contar. Gostaria de compartilhar aqui lições que pude aprender com base em meu testemunho pessoal e nos conhecimentos das ciências sociais.

O movimento das Diretas não foi apenas um tipo de movimento coletivo, agrupamentos que se movem ao mesmo tempo, sem objetivo preestabelecido, não necessariamente de modo convergente, nem no mesmo espaço, e sem um desfecho previsto. O Diretas-Já foi mais do que isso: um movimento social, definido pelo sociólogo francês Alain Touraine – grande amigo e estudioso do Brasil e da América Latina – como um movimento coletivo com objetivo claro, com adversário definido e senso de identidade. Em suma: quem somos nós, por que lutamos e contra quem.

Parece claro que nem os diversos movimentos coletivos em nosso passado recente, nem mesmo grande número de partidos políticos, têm clareza sobre essas dimensões, que, idealmente, deveriam ter presidido sua criação.

O Diretas-Já teve um alvo imediato bem definido, a aprovação do projeto de emenda constitucional do deputado federal Dante de Oliveira que aboliria a eleição indireta do presidente da República por um colégio eleitoral criado sob medida para eleger quem o regime escolhesse. Era uma ideia com grande apoio popular, mas uma ideia só não faz verão, e a oposição não tinha votos suficientes (dois terços das duas Casas do Congresso Nacional, na época) para aprovar aquela emenda.

Três fatores transformaram essa ideia em movimento social. Em primeiro lugar, nos dez anos precedentes formou-se um grande movimento de ideias. Intelectuais, editorialistas, artistas, lideranças dos mais diversos matizes, políticas, sindicais, religiosas, martelavam diuturnamente, nos meios de comunicação tradicionais e alternativos, o princípio da primazia da sociedade civil sobre o regime autoritário, da legitimidade das instituições democráticas e da representação popular.

Isso deixou claro “quem somos nós” (a sociedade civil) e “contra quem lutamos” (o governo militar). Inicialmente, o ideal por que lutávamos era pontual: devolver à sociedade civil o direito de eleger o presidente da República.

Outro fator foi a liderança política assumida pelo governador Franco Montoro, do Estado de São Paulo, o mais poderoso da Federação, que propiciou a mudança de patamar de manifestações restritas para um movimento político com uma estratégia de poder. Com isso foi possível reunir a capacidade de mobilização popular de praticamente todos os governadores e dominar as ruas em todo o País. O mais importante, entretanto, é que, quando o movimento foi derrotado – por não ter alcançado o quórum constitucional –, o ideal do movimento se transformou, de restaurar o voto popular direto para conquistar o poder, mesmo disputando dentro das regras impostas pelo regime. Ou seja, nós, a sociedade civil, lutamos para conquistar o poder político, contra o regime autoritário e tudo o que ele representa.

Essa nova razão de ser do movimento – conquistar o poder político, e não apenas mudar as regras do jogo – acrescentou outra dimensão: o princípio das concessões mútuas. Para conquistar a vitória no colégio eleitoral a oposição teria de conquistar votos entre os adversários, a fim de que seu candidato fosse eleito.

Essa opção não foi aceita por alguns governadores e líderes partidários, particularmente do PT, que recusavam disputar o poder “dentro das regras da ditadura”, porque reconheciam, até com razão, que sua chance de vitória seria disputando eleições diretas. O maior partido do Congresso e em número de governadores, o PMDB, contava com três fortes candidatos capazes de reunir a condição sine qua non para ganhar o pleito indireto, isto é, serem aceitos pela Frente Liberal, dissidência do partido do governo, e aceitarem os moderados do governo como aliados para o pleito. Eram eles o grande articulador das Diretas-Já, Franco Montoro, o líder inconteste da oposição, Ulysses Guimarães, e Tancredo Neves, cujas inclinações moderadas seriam mais aceitáveis para a Frente Liberal.

Montoro propôs a Ulysses que ambos renunciassem à candidatura por ser Tancredo mais viável para compor a chapa com José Sarney, líder da Frente, que acabara de renunciar à presidência do partido do governo.

O movimento das Diretas não fracassou quando derrotado em seus objetivos iniciais. Adotou uma estratégia de poder, com definição clara de sua identidade e do adversário, e criou uma maioria, atraindo os mais moderados entre os adversários.

Enquanto os não radicais da classe política e da sociedade civil continuarem fragmentados entre radicais dos dois lados e não adotarem um estratégia convergente de poder, continuaremos a marcar passo.

  • José serra é senador (PSDB-SP)

Bernardo Mello Franco: A derrocada de Serra e o declínio do PSDB

Demorou seis anos, mas aconteceu. Na sexta-feira, a Lava-Jato denunciou o primeiro figurão do PSDB de São Paulo. O senador José Serra foi acusado de receber propina da Odebrecht durante as obras do Rodoanel. Os repasses somaram R$ 191 milhões em valores atualizados, informou o Ministério Público Federal.

Os procuradores dizem ter identificado crimes de corrupção, fraude a licitação e formação de cartel. Como a investigação andou a passo de tartaruga, a maior parte das acusações prescreveu. Mesmo assim, Serra e a filha Verônica foram denunciados por lavagem de dinheiro transnacional.

Também na sexta, a Polícia Federal fez buscas em endereços do senador e do ex-deputado Ronaldo Cezar Coelho, que já admitiu ter recebido caixa dois na Suíça. A operação recebeu o nome de Revoada. Homenagem singela ao tucano, símbolo do partido que governou o país entre 1995 e 2002.

Ex-prefeito, ex-governador e ex-ministro, Serra foi quase tudo, menos o que sempre quis ser. Chegou ao segundo turno de duas eleições presidenciais, mas foi derrotado por Lula e Dilma Rousseff. Sua derrocada abre um novo capítulo na história de declínio do PSDB. O partido passou incólume pela Lava-Jato enquanto pontificava na oposição. Consumado o impeachment, viu sua blindagem desmoronar.

Candidato ao Planalto em 2014, Aécio Neves escapou por pouco da cadeia. Os ex-governadores Beto Richa e Marconi Perillo não tiveram a mesma sorte. Até Eduardo Azeredo, precursor do valerioduto, acabou em cana. Ele havia se tornado um símbolo da impunidade: denunciado por crimes na campanha de 1998, conseguiu adiar por duas décadas o encontro com o xadrez.

Os escândalos derreteram a imagem da sigla que liderava o coro contra os desmandos do PT. Desiludido, o eleitor que confiou na pureza dos tucanos bateu asas e pousou no ombro de Jair Bolsonaro. Em 2018, Geraldo Alckmin teve míseros 4% dos votos. Foi o pior resultado do PSDB em oito corridas presidenciais.

Depois do massacre nas urnas, o que restou do partido caiu no colo de um preposto de João Doria. O governador de São Paulo sonha com o Planalto, mas esbarra na pecha de elitista. Há dois dias, sua mulher disse que não se deve doar marmita aos desabrigados porque eles “gostam de ficar na rua” e precisam “se conscientizar”.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não disfarça a antipatia pelo casal. Prefere inflar o balão de Luciano Huck, animador de auditório e aspirante a salvador da pátria.

O PSDB de Doria tem pouco a ver com o partido social-democrata de Covas, Montoro e FH. Para marcar a guinada à direita, o governador mudou até o logotipo da sigla. Saiu o tucano e entrou a bandeira verde e amarela, emblema dos seguidores do capitão. Ele ainda franqueou a legenda a dissidentes do bolsonarismo, como o deputado Alexandre Frota e o empresário Paulo Marinho.

Em 2022, essa turma enfrentará uma raia congestionada. Apesar de todos os pesares, a direita brucutu se mantém fiel ao Mito. Correndo por fora, o ex-juiz Sergio Moro ameaça dividir ainda mais o campo conservador.


José Serra: Epidemia de desgoverno

A irresponsabilidade com relação ao ensino superior beira o sadismo

Pesquisas de opinião, quando avaliam o apoio popular do presidente, costumam perguntar aos entrevistados sobre o desempenho do seu governo. A primeira dificuldade, no caso, é identificar de que governo se trata. É aquele que precisa proteger um ministro contra uma deposição na Justiça, enviando-o para o exterior de modo tão pouco ortodoxo?

É o governo que mantém nas áreas que mais afetam o bem-estar e o modo de vida das famílias – a educação e a saúde – ministros interinos perpétuos sem nenhuma afinidade e experiência nessas áreas? E que utiliza as áreas de Justiça, Segurança Pública e Advocacia da União como uma banca advocatícia a serviço da família presidencial?

É o mesmo governo esse que anuncia para daqui a três meses o início da tramitação das reformas estruturais da economia e da administração, consideradas prioritárias – e admite, com isso, que já considera o segundo ano de mandato perdido? E cujo chefe do Executivo é o primeiro a patrocinar, contra a orientação de seu próprio ministério, brechas no equilíbrio fiscal, já abalado pela pandemia?

É o governo que promove uma queda de braço dos partidários da desregulação da propriedade rural e da inação diante da destruição das florestas, contra aqueles que promovem a imagem externa e o acesso a mercados do nosso agronegócio?

Como alertei neste jornal, em meu primeiro artigo deste ano (9/1), “na área da Educação, preocupa-me a inação do governo e do Congresso Nacional. Em 2019 não avançamos na discussão sobre o Fundo Nacional da Educação Básica (Fundeb). Além de assegurar os repasses desses recursos para 2020, precisamos dar caráter permanente ao fundo, melhorar a sua distribuição e aumentar os recursos de forma responsável. Paralelamente, precisamos garantir a correção pela inflação do piso salarial nacional do magistério público da educação básica.

Criado no governo Fernando Henrique e ampliado em 2006, no governo Lula, o fundo representa 80% do investimento em educação em mais de mil municípios brasileiros, como demonstra levantamento da organização Todos pela Educação. É utilizado para o pagamento de salários, merenda, transporte escolar, material didático e reformas em escolas. Neste ano, a previsão é de que alcance R$ 173 bilhões”.

Pois bem, diante da total omissão do governo, a matéria aguarda, há 13 meses, decisão da Mesa do Senado, e perderá sua validade no final deste ano!

De fato, o desgoverno na Educação é geral. A irresponsabilidade com relação ao ensino superior beira o sadismo. O Enem, que afeta o futuro imediato, e para toda a vida, de milhões de brasileiros, ora está sob ameaça de não ser efetuado no futuro, por alegada falta de orçamento, ora é mantido para o pico da pandemia, ora é adiado, mas sem data, aumentando, em vez de atenuar, a verdadeira angústia dos candidatos e de suas respectivas famílias.

O ensino superior está sendo gravemente afetado pelo fechamento de escolas e universidades, e parte do próximo ano letivo será prejudicada. Assim como não tomou providências para tornar viável a integridade do ensino básico, o Ministério da Educação limitou-se a “autorizar” o ensino à distância, sem se preocupar com orientações e recursos indispensáveis para o modo não presencial.

As instituições de ensino superior (IES) públicas não estão preparadas para o ensino não presencial, que pode ser até improvisado numa emergência, mas perde muito em conteúdo e qualidade na falta de uma preparação prévia de professores e alunos. Estes, em número não desprezível, nem sempre têm acesso à internet, o que poderia facilmente ser resolvido com recursos redirecionados dos gastos economizados com o fechamento das IES. Aqueles, porque suas instituições não têm equipamentos nem recursos administrativos para tornar viável essa modalidade de ensino.

Mesmo as IES públicas que se empenharam em manter o ensino no modo não presencial perderam parte do primeiro semestre letivo. Outras, entretanto, simplesmente suspenderam as aulas. O então ministro da Educação, muito empenhado em demolir as instituições constituídas, e em interferir na autonomia universitária, limitou-se a “autorizar” um ensino não presencial, para o qual não há preparo nem equipamentos nas instituições de ensino. Simplesmente se omitiu.

Já é muito difícil desentortar setores falhos de um governo, mas transformar o desgoverno em governo minimamente atuante é praticamente impossível. Impedir o governo de fazer o mal é uma das funções mais nobres do Parlamento e do Judiciário, mas é difícil esses Poderes obrigarem o governo a fazer o bem.

O Parlamento não pode nem deseja governar no lugar do Executivo e até aqui toda a legislação mais relevante, que dependia de grandes maiorias para ser aprovada, resultou do empenho parlamentar em contribuir proativamente para a superação da crise econômica e da pandemia, que a agravou.

Estou certo de que tudo o que depender do Parlamento, para impedir a calamidade que a omissão do MEC está provocando na Educação será feito com a urgência e a qualidade devidas.

*Senador (PSDB-SP)


José Serra: Política nacional de segurança sanitária

Urge uma legislação geral de combate a pandemias e desastres de calamidade nacional

A pandemia de covid-19 é uma calamidade que combina três dimensões: econômica, sanitária e social. Ela causa um choque negativo na demanda e na oferta da economia, afetando a produção, o emprego e a renda. Suas proporções de doença e mortes provocam um choque social: milhões de pessoas, sem emprego ou renda, tornam-se vulneráveis e outras tantas aprofundam sua vulnerabilidade preexistente. Paralelamente, os efeitos da pandemia sobre a população causam um choque no sistema de saúde, ameaçando-o de colapso. A existência prévia de acentuada crise política é sério agravante.

Uma pandemia de coronavírus era prevista pela comunidade científica internacional, mas ao eclodir obrigou o poder público em todos os países a atuar de improviso. A maioria das nações tem adotado medidas pontuais de enfrentamento de emergência da disseminação do vírus e de tratamento dos infectados: transferências de recursos para grupos vulneráveis ou afetados pela pandemia, garantias e subsídios para empresas e proteção ao mercado de trabalho.

A experiência internacional aponta novos rumos para enfrentar calamidades públicas. O Fundo Monetário Internacional (FMI), por exemplo, publicou recentemente uma nota técnica que defende a ideia de “válvulas de escape” a serem acionadas em situações de calamidade. Isso permitiria que “regras contra desastres” fossem automaticamente acionadas, assim como é feito quando as regras fiscais são desobedecidas.

O desafio de desenhar políticas públicas às pressas, entretanto, é imenso e afeta mais os países onde há falhas de governo. Nesta pandemia, saíram-se melhor países como a Nova Zelândia, onde a espinha dorsal do orçamento público são políticas de bem-estar e saúde. A Austrália adotou um modelo de gestão compartilhada entre o governo federal e os entes federativos no enfrentamento da covid-19, dando transparência às iniciativas do poder público e funcionando como uma política nacional contra a pandemia.

No caso dos Estados Unidos, não foram tomadas medidas de planejamento de longo prazo, nem medidas imediatas de pronta resposta. Entretanto, desde a pandemia da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), em 2003, causada por coronavírus, a ocorrência de novas pandemias era tida por certa, a dúvida seria quando. Naquele ano, um Estoque Farmacêutico Nacional, criado ainda na administração Clinton (1993-2001), fora transformado em Estoque Estratégico Nacional, que, no entanto, nunca chegou a reunir insumos e equipamentos básicos, tais como máscaras ou remédios genéricos, indispensáveis para enfrentar uma pandemia. O resultado é conhecido, tendo sido agravado pelo empenho presidencial em se opor ao combate à pandemia.

O governo brasileiro, desde o início, tinha várias condições favoráveis para encarar com eficiência a pandemia. O primeiro, fortuito, foi o começo tardio da presença e disseminação do vírus em nosso território, dando aos órgãos públicos mais tempo para se prepararem, além de proporcionar exemplos, em outros países, do que fazer e do que evitar. Conta também com um sistema de saúde nacional e de alcance universal, gratuito, cobrindo desde o atendimento médico, do mais simples ao mais complexo, até o desenvolvimento de pesquisa e a distribuição gratuita de medicamentos essenciais. E acumulou, ao longo de décadas, uma bem-sucedida experiência de campanhas nacionais de vacinação.

Entretanto, essas vantagens de nossa gestão da saúde pública não se converteram automaticamente em mecanismo capaz de planejar e gerir uma máquina de guerra de combate a um desastre das proporções da pandemia de covid-19. A começar por planejamento estratégico de diagnóstico, elaboração de políticas, implementação de gestão da crise provocada pela pandemia, que vai muito além de seus aspectos sanitários.

Um importante obstáculo são as inevitáveis oposições internas a uma política dessa magnitude. O surgimento de uma quinta-coluna, comandada pelo próprio presidente da República, certamente não ajudou, e ficamos condenados à improvisação em todos os níveis de governo. No início da crise, regras fiscais foram usadas pelo Executivo como pretexto para não atuar energicamente, mesmo após o Congresso e o Supremo Tribunal flexibilizarem os diplomas legais em vigor. Diante dessa omissão, partiu do Congresso a iniciativa de aprovar a Emenda Constitucional 106, a fim de instituir um apropriado regime fiscal, financeiro e de contratações para atender às necessidades de um estado de calamidade pública internacional.

Cabe destacar que o novo dispositivo constitucional não deveria restringir-se à pandemia do novo coronavírus, mas alcançar qualquer calamidade decretada pelo Congresso Nacional em razão de emergência provocada por fatores externos. O regime extraordinário instituído pela Emenda 106 alinha-se às “válvulas de escape” propostas pelo FMI. Nesse sentido, é urgente a adoção de legislação geral estabelecendo, nos três níveis de governo, a regulamentação de uma política nacional de segurança sanitária, dotada de um arranjo institucional permanente de combate a pandemias e outros desastres que provoquem estados de calamidade nacional.

SENADOR (PSDB-SP)


José Serra: Receita venezuelana

A conduta política de Bolsonaro evidencia que ele está seguindo a cartilha bolivariana

Ninguém se torna ditador de um dia para o outro. Em primeiro lugar, precisa desacreditar o regime democrático e o sistema representativo. Depois de insuflar as massas insatisfeitas contra a democracia e os representantes eleitos, o líder populista procura demolir as instituições e tudo o mais que impõe limites entre a sua vontade e a submissão do povo ao seu desejo de poder absoluto, transmutado em mito. O terceiro passo é angariar recursos de poder, apoio financeiro de setores das classes dominantes, e armar seus seguidores. Tudo isso em nome da liberdade do povo, supostamente usurpada por autoridades legitimamente constituídas.

Jair Bolsonaro costuma citar a Venezuela como o perfil preferido de seus adversários dentro e fora do País. As evidências de sua conduta política mostram, entretanto, que ele está, ao contrário, seguindo a cartilha bolivariana com certa persistência.

É longa a transmutação de um líder político, eleito por voto popular, em figura mítica onipotente. Hugo Chávez, depois do fracasso de sua tentativa de golpe armado, deu um primeiro grande passo revogando a Constituição venezuelana e adotando uma Constituinte unilateral. Sua tarefa foi facilitada pelo boicote de uma oposição moderada muito fragmentada, a tal ponto que boicotou as eleições. Uma situação muito similar à que se observou entre nós quando, mesmo diante da radicalização política dos extremistas, as forças democráticas moderadas nem sequer tentaram se unir contra a ameaça comum.

Seguiram-se a manipulação populista da economia, a cooptação das Forças Armadas e do setor produtivo, em grande parte estatizado e majoritariamente corrupto, e a manipulação do câmbio para beneficiar as elites. Apesar disso, e incapaz de se unir, o pouco que restou da oposição não podia ser tolerado e Hugo Chávez reinventou a Corte Suprema de Justiça, impondo-lhe a missão de servir, acima de tudo, à “revolução” bolivariana.

O passo decisivo da ditadura chavista foi dado pela criação, em 2009, de milícias armadas, a Guardia Civil Bolivariana, encarregada da defesa contra a crescente organização das oposições e neste ano transformada em braço oficial das Forças Armadas.

Diferentemente das organizações militares tradicionais, as milícias são organizadas em grupos armados dentro de empresas e repartições e em comunidades de residência. São principalmente essas milícias, e não as Forças Armadas, que efetuam a repressão às manifestações, os sequestros, as execuções, a invasão e ocupação da Assembleia Nacional, tudo praticado em nome do socialismo e da liberdade.

A opinião pública brasileira e o debate político estiveram, nos últimos dias, estupefatos pelo conteúdo perturbador de uma reunião entre as mais altas autoridades do País. Mas o que essa reunião põe a nu de mais relevante não é a suposta interferência de Bolsonaro em instituições de investigação e inteligência. É, sim, o propósito anunciado do presidente de armar o povo para que o cidadão comum ameace, com armas de fogo, as autoridades constituídas quando delas discordarem.

Nas palavras do presidente, ouve-se: “Eu peço ao Fernando e ao Moro que, por favor, assine essa portaria hoje que eu quero dar um p..a de um recado pra esses b…a. Por quê que eu estou armando o povo” - sendo esses b…as governadores e prefeitos que não lhe agradam. Não se trata de um caso isolado. Os insultos ao Parlamento e ao Judiciário estão presentes desde a campanha eleitoral, tornaram-se pauta normal do presidente desde o fim de 2019 e, agora, agenda dominical do primeiro mandatário e de seu Ministério.

Em maio de 2019 Bolsonaro deu um passo nas pegadas de Chávez ao propor um pacto com os demais Poderes da República, convidando o Judiciário a colaborar com as agendas de governo, reiterando que era bom ter a Justiça a seu lado, quando o que cabe a ela é estar do lado da lei. Mais significativamente, na sequência da proposta de pacto, após criticar o Supremo Tribunal Federal por decisões supostamente contrárias às suas convicções políticas e religiosas, prometeu nomear para a Suprema Corte um evangélico, porque o Estado pode ser laico, “mas”, ressaltou, “eu sou cristão”.

Faltava, até agora, o modelo de mobilização de fiéis seguidores, que substituiu o voto popular, para manter no poder o sucessor de Chávez, derrotado nas eleições para a Assembleia Nacional. Trata-se das milícias bolivarianas, que o mantêm no poder mediante ataques armados às manifestações populares, praticam sequestros e execuções e invadem e ocupam o Parlamento.

Não é à toa que a opinião nacional e o Congresso têm reagido contra as tentativas do presidente de anular todas as cautelas e restrições ao acesso universal indiscriminado a armas letais, sob o pretexto de garantir a segurança dos indivíduos e de suas propriedades. Por trás dessa agenda existe, como esclarece o próprio Bolsonaro, uma agenda, até agora oculta, de armar seus fiéis seguidores para que possam resistir com armas na mão contra autoridades públicas que ousarem contrariar seus desejos e interesses.

*Senador (PSDB-SP)


José Serra: Sobre filas e descompasso na urgência social

Não é razoável deixar de pagar um benefício emergencial por causa de pendência eleitoral

As filas, enormes e anárquicas, que a população brasileira tem enfrentado para receber um benefício social emergencial contrariam as normas sanitárias e o bom senso. De forma precipitada, mas previsível, o dedo acusador é endereçado ao ente pagador, a Caixa Econômica. O descompasso entre a urgência social (a emergência sanitária) e o martírio dos longos períodos na espera de atendimento – muitas vezes infrutíferos – pode ser manifestação da ineficiência e ineficácia da corporação. Mas também, e mais provavelmente, é a expressão de um desenho legal e institucional inadequado para responder a uma situação que o mundo está vivendo e nos pegou a todos de surpresa. A atual pandemia pode não ser um cisne negro, mas seu tamanho, tal como se mostrou, com extensão e virulência inéditas na História recente da humanidade, era improvável.

No Brasil, o caso específico do pagamento do auxílio emergencial se reproduz, com outras singularidades, nas mais diversas dimensões sociais, políticas, econômicas e mesmo científicas. Os protocolos usuais para criar, testar e aprovar medicamentos parecem estar em conflito com as demandas por respostas sanitárias quase imediatas ao flagelo. Toda a formatação institucional, legal e organizacional, que parecia ser funcional em tempos “normais”, está sendo submetida a um estresse que induz, pela ineficiência que revela neste momento de crise, a desrespeitar o seu cumprimento. Metas fiscais como as contempladas no Tratado de Maastricht, no caso europeu, são abertamente ignoradas. Se alguma vez puderam ser consideradas um arcabouço para disciplinar potenciais irresponsabilidades na gestão da política econômica, hoje parecem completamente disfuncionais.

Que lições podemos colher do atual choque? Parece óbvio: a resposta dependerá do futuro pós-pandemia. Se assumimos uma perspectiva otimista e presumimos um rápido retorno ao “antigo normal”, as tarefas para o futuro serão desafiadoras; essencialmente, consistirão em administrar a “ressaca” no tempo – como as dívidas públicas que serão deixadas de herança. Alguns ajustes serão feitos nas diversas áreas, principalmente na sanitária, mas, basicamente, instituições, marcos legais e formatações organizacionais permanecerão.

Nessa perspectiva, a atual crise seria entendida como um evento transitório, talvez produto da “má sorte”, um episódio que dificilmente se reproduziria no futuro e que, com os ajustes pertinentes, na eventualidade de uma réplica, as sociedades – especialmente as modernas democracias liberais – seriam capazes de administrar. Transformar o período pré-coronavírus em nova utopia a ser perseguida apequena os corolários da atual crise.

Afora aspectos muito específicos, a recomendação que podemos extrair da análise da atual conjuntura diz respeito à necessidade de assumirmos o futuro em que o normal é formular respostas flexíveis para a incerteza e a dubiedade, com o desenho de marcos de regulação institucional, legal e organizacional propensos a rápidas adaptações. Estruturas rígidas, centralizadas, muito hierarquizadas, nas quais prevalecem lentos processos burocráticos de decisão, aprofundarão custos dos imprevisíveis choques negativos no futuro. A única certeza que podemos ter é a imprevisibilidade e a ela temos de nos adaptar.

A estrutura da Caixa não parece ser a mais adequada para oferecer uma resposta urgente à situação atual de emergência social. Não apenas não oferece solução eficiente, como aprofunda os desdobramentos negativos, com as filas e aglomerações.

Outras formas organizacionais, como as atuais fintechs, devem ser avaliadas e experimentadas. Em termos de marcos legais, não é razoável imaginar que um benefício emergencial possa deixar de ser pago porque o CPF do potencial beneficiário foi bloqueado por pendência com a Justiça Eleitoral. Isso deveria ter sido considerado antes do anúncio dos pagamentos, e não após as aglomerações e confusões amplamente noticiadas.

Em matéria sanitária temos situações similares. Uma resposta inadequada ou insuficiente seria a formação futura de amplos recursos humanos na área de médicos “urgentistas”. Todavia não sabemos onde e como se manifestará a próxima crise sanitária. A prioridade deve ser formar recursos humanos nas diferentes áreas da saúde com flexibilidade para serem alocados com rapidez onde a carências se manifestarem.

O mundo moderno é assemelhado a uma enorme rede. A sua complexidade e a interconectividade têm inúmeras vantagens, mas apresentam enormes riscos, sendo um deles a possibilidade de choques que provoquem processos centrífugos de desintegração. Em outros termos, as sociedades contemporâneas podem ser comparadas a sistemas dinâmicos em que as possibilidades de uma trajetória caótica são sempre factíveis. Não podemos retroceder na complexidade atual das interações dos países e tampouco prever a integralidade dos choques. A alternativa será desenvolver marcos institucionais, legais e organizacionais que tenham flexibilidade suficiente para evitarmos cenários de caos e desintegração.

  • José serra é senador (PSDB-SP)

José Serra: A democracia sob ataque

Se tentasse agir fora dos limites da lei, o Poder Executivo seria contido pelas instituições

Quem estava atribuindo a última das crises governamentais ao estilo do presidente da República e ao conflito entre Jair Bolsonaro e o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta não perdeu por esperar além de um par de dias. O presidente já está desautorizando o ministro recém-empossado, Nelson Teich, e desafiando o compromisso do novo ministro com uma atitude cautelosa e baseada em fatos comprovados, de revisão da política de isolamento.

Os menos pessimistas esperavam que, afastado o ministro que seria um suposto desafeto, Bolsonaro deixaria a política de combate à pandemia em mãos da autoridade competente, aliás, declaradamente em “alinhamento completo” com ele, e assumiria como prioridade total a gestão da crise sanitária, social e econômica provocada pela pandemia. Mas sua conduta depois da demissão de Mandetta parece ser não mais a de combate à política identificada com seu ex-ministro, mas a de insatisfação com as instituições da República.

No domingo Bolsonaro liderou um comício em praça pública não para protestar contra o isolamento, como vinha fazendo, mas, como disse, a fim de dar sua vida “para mudar o destino do Brasil”. Em seu discurso, em palanque improvisado da caçamba de uma picape, deu um passo a mais em sua verdadeira campanha contra o Congresso, o Supremo, os partidos políticos e mesmo contra a Constituição, não só com palavras, mas também com condutas pouco apropriadas ao papel presidencial no Estado Democrático de Direito.

Em poucas palavras, expressou teses esdrúxulas sobre a democracia, como o conceito equivocado de que “todos estão submissos à vontade do povo”. Nas democracias, o povo não submete nem é submisso à vontade de ninguém. Só se submete à Constituição, que garante a sua liberdade e emana dele próprio, o povo.

O contexto do discurso, as palavras de ordem implícitas que não vêm de hoje - como o fechamento do Congresso, do Supremo Tribunal Federal e dos partidos, e a substituição da Constituição pelo famigerado AI-5 - são questões graves. Evidenciam que, para Bolsonaro e seus seguidores, as autoridades legitimamente eleitas devem submeter-se a uma massa rebelada comandada por ele, que se compromete a fazer não tudo o que a Constituição permite, mas “tudo o que for necessário” - linguagem da política associada à da violência.

O povo brasileiro reconquistou sua liberdade em 1985, pelo voto popular, com imensas manifestações políticas - a campanha das Diretas-Já - e uma negociação realista entre praticamente todas as tendências da oposição, que escolheram Tancredo Neves e puseram fim a um longo período de regime autoritário. A Constituição de 1988, cuja legitimidade veio do voto popular, estabelece que a representação do povo, que se expressa nas urnas, e não em carreatas, é prerrogativa compartilhada pelo Legislativo e pelo Executivo. Qualquer medida de força contra o Congresso equivaleria a tentativa de golpe.

Talvez os inspiradores do presidente - não por acaso dotados de escassa experiência de vida pública, com pouco ou nenhum conhecimento da gestão de governo e nenhuma capacidade para avaliar tanto obstáculos reais como a resiliência dos que tratam como adversários - tenham elucubrado uma tática de provocar o Parlamento, com o propósito de induzi-lo a erro e justificar um golpe de força contrário.

Mas o Congresso, cuja experiência mediana de vida pública é considerável, incluindo familiaridade com a gestão de governo, e muitas vezes décadas de habilidades para fazer e receber concessões, não deverá cair nessa arapuca. Ao contrário, poderá exercer os freios e contrapesos que a Constituição lhe outorga para se contrapor a eventuais deslizes do presidente.

Talvez o primarismo das táticas de alguns dos inspiradores da Presidência os conduza ao devaneio de um golpe com apoio militar. Tratar-se-ia de uma perfeita manifestação de alienação do que hoje representam as Forças Armadas brasileiras, institucionalmente comprometidas com o Estado Democrático de Direito e com suas responsabilidades de manutenção da ordem interna e da defesa externa do País. Elas dispõem de uma oficialidade altamente preparada, disciplinada e hierarquizada, que repelirá qualquer tentativa contra a ordem democrática, como - fique bem claro - seus dirigentes têm tornado público inúmeras vezes.

Caso tentasse agir fora dos limites da lei e em desrespeito à Constituição, o Poder Executivo seria contido pelas instituições. Para tanto os cidadãos brasileiros contam com o Supremo Tribunal Federal, um Poder que fala pela Constituição e se há de pautar pela absoluta neutralidade partidária, ideológica e religiosa na imposição da lei.

Uma certa perda de confiança do Parlamento no presidente vem se avolumando desde sua eleição e a ela se soma um começo de desgaste de sua popularidade, uma vez que ele criou expectativas altas sem que as razões do descontentamento popular com os serviços públicos essenciais fossem bem enfrentadas por seu governo. Com popularidade relativamente menor e desconfiança do Parlamento, Bolsonaro terá de mudar, pois a democracia brasileira ele não mudará.

*Senador (PSDB-SP)