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José Casado: Plano de invadir Venezuela causa choques no Planalto
Militares adotam moderação, ao contrário de civis
O colapso da ditadura venezuelana expôs uma situação paradoxal em Brasília. Militares da ativa e aposentados empregados no Planalto têm expressado mais convicção na saída política do que civis representantes do Brasil na mesa diplomática.
A cacofonia deriva do embate entre a curadoria militar do governo Jair Bolsonaro e o agrupamento civil em torno do chanceler Ernesto Araújo, que é amparado por um dos filhos do presidente, o deputado Eduardo.
Os choques ocorrem na definição de limites ao alinhamento do Brasil com os EUA. Existe interesse nas ofertas americanas para tecnologias bélicas inéditas no país. Mas há, também, ambiguidades que as Forças Armadas acham útil preservar. Por exemplo, em negociações na área nuclear, onde se explora um acordo.
Não incomoda a cruzada contra o “domínio cultural esquerdista-marxista”, como define o deputado Bolsonaro. Até porque nada se cria do nada. O centro da divergência está na condução da política externa a reboque do ideário fundamentalista.
O debate sobre a hipótese de invasão da Venezuela tem sido exemplar, com veto unânime dos militares. Em contraste, a chancelaria tem elevado o tom nos ultimatos ao condomínio de cleptocratas da “revolução” chavista —a “robolución”, como é conhecida em Caracas.
Araújo insiste na sintonia com a ala mais belicista de Washington, que vê na queda da ditadura de Maduro, com reflexos em Havana e Manágua, fator de influência no voto latino majoritário na Flórida, estado decisivo à reeleição de Trump.
No domingo, o Itamaraty atacou o “caráter criminoso” de Maduro, pelo “brutal atentado aos direitos humanos”, injustificável “no direito internacional”. Se adjetivos são úteis à diplomacia, substantivos errados em política externa ampliam cemitérios.
Na premissa, a chancelaria flerta com a admissão de guerra civil na Venezuela. Na lógica de Estado, esse raciocínio leva à legitimação do intervencionismo. A base está nos protocolos da Convenção de Genebra que proíbem a submissão da população civil à fome, como método de combate.
José Casado: Por trás da crise, a disputa pelo controle do PSL
A crise tem nome, Jair Bolsonaro é o sobrenome do clã político que molda um projeto de poder desde a chegada do patriarca à Presidência. Um dos objetivos é a preparação do terreno para a próxima temporada eleitoral. Dentro de 20 meses acontecem eleições em 5,6 mil municípios e, desta vez, sem coligação partidária. O clã prevê concentrar interesses no Rio e mais 30 dos maiores colégios eleitorais.
Requisito elementar é controlar o partido, decidira partilhados fundos públicos e as alianças regionais.
O PSL tinha um par de votos na Câmara. Agora possui a segunda maior bancada, com 52 deputados. O “efeito Bolsonaro” se refletiu no caixa: o PSL terá 18 vezes mais dinheiro do Tesouro Nacional. Era empresa com faturamento anual de R$ 6 milhões, alcançando R$ 15 milhões nas safras eleitorais. Se tornou um negócio de R$ 110 milhões por ano, com chance de chegar a R$ 200 milhões.
Há um ano, o clã abandonou subitamente o Patriota/ PEN, ligado à Assembleia de Deus, e migrou para o PSL, do advogado Luciano Bivar, autor de “Psicoses socialistas”.
Numa “convergência de pensamentos”, como definiu Bivar, a família de políticos obteve “garantias reais” — na definição do vereador Bolsonaro — sobre controle do caixa e dos diretórios em 23 estados.
Bivar se contentou coma presidência do partido e domínio de 15% do fundo eleitoral.
Seu vice no PSL é Gustavo Bebianno, ex-coordenador da campanha presidencial. Ontem Bebianno foi demitido, num confronto público com o patriarca e seus filhos, que permeia o controle do partido e o projeto de poder do clã. Todos, com certeza, têm razão.
A curadoria militar do governo Bolsonaro se completa com o substituto de Bebianno, o sexto general a comandar mesa no Planalto. Na ilha civil resta o deputado Onyx Lorenzoni.
Porém, essa crise envolve manipulação de fundos na campanha eleitoral. E ninguém, ainda, esclareceu as obscuras transações com o dinheiro público. Entre elas, o custo de R$ 33 mil por voto no PSL, agora um milionário objeto de desejos.
José Casado: O inimigo do governo veste batina
Augusto Heleno Ribeiro Pereira tem precedência hierárquica na curadoria militar do governo Jair Bolsonaro. É da tradição dos quartéis, onde viveu 45 dos seus 71 anos de idade — a última dúzia como general.
A ascendência sobre Bolsonaro tem origem na dedicação do treinador da Academiadas Agulhas Negras, que ajudou o cadete Cavalão ase destacarem pentatlo moderno. A gratidão veio coma chefiado Gabinete de Segurança Institucional.
Desde que experimentou um biênio no Comando Militar da Amazônia (2007-2009), com 17 mil soldados em quatro brigadas de infantaria de selva, Ribeiro Pereira—mais conhecido como Augusto Heleno—enxerga um potencial de “teatro de operações” em metade do mapa do Brasil, por ausência do Estado.
Na últimas décadas, recitou em auditórios os clássicos da catequese sobre a “cobiça internacional” pela Amazônia, além de listar equações diplomáticas nos 11 mil kms da fronteira Norte com chance de “descambar para uma situação bélica”.
Agora, como disse à repórter Tânia Monteiro, mobiliza o governo para “neutralizar” o Vaticano, que programou para outubro o Sínodo da Amazônia, com batinas de Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Venezuela, Perue Antilhas. Faltou o chefe do GSI definir “neutralizar”.
Argumenta com possíveis críticas do Vaticano à política para a Amazônia. Seria impossível, porque, se existe, até hoje ninguém viu — como o projeto de reforma da Previdência.
Ele se queixa de que “há muito tempo existe influência da Igreja e ONGs na floresta”. Tem razão. Entidades civis proliferam no vácuo estatal. A história da Igreja Católica é mais antiga.
Ribeiro Pereira talvez tenha esquecido, mas Brasil é assunto em Roma desde meio século antes do “Descobrimento”. Caminha registrou o “achamento”, a missa e a ordem do capitão Cabral para deixar na praia de Santa Cruz (BA) um par de colonos. Um deles se chamava Ribeiro.
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Quem, algum dia, desfrutou do prazer de conviver com Ricardo Boechat aprendeu algo sobre o significado da palavra “liberdade”.
José Casado: Lucros e bônus envenenados na mineração
Acionistas e executivos têm um histórico de governança cataclísmica
Desde que trocou a vida nômade em tendas no gélido deserto canadense pelo escritório aquecido na York Street, em Toronto, o britânico Jonathon Paul Rollinson, 56 anos, passa o tempo imaginando formas mais baratas de aumentar a extração de ouro em três continentes.
No Brasil cortou custos, aumentou produção (25%) e lucros. Ano passado, o chefe da Kinross embolsou R$ 29 milhões em salário e bônus.
A mina de ouro brasileira está dentro de Paracatu (MG), oito mil quilômetros ao sul de Toronto. Ali, dinamitam-se rochas. O ouro é extraído a céu aberto. Por cada grama, libera-se em média 2,8 quilos de arsênio. É um ambiente tóxico, onde vivem 80 mil pessoas, com prevalência de múltiplas doenças. A Kinross represa 60 mil toneladas de puro veneno a 500 metros dos bairros mais pobres.
O medo avança na esteira da lama química, política e corporativa que já devastou Mariana e Brumadinho. Empresas como Vale, BHP Billiton, Norsk Hydro, CSN, Anglo American, Aterpa, Ashanti e outras 360 precisam se reinventar com urgência.
Acionistas e executivos têm um histórico de governança cataclísmica. Se enlaçaram na própria negligência e na leniência dos amigos no poder. Elevaram o perigo de catástrofes nas comunidades onde extraem valiosos lucros e bônus anuais.
À margem de exuberantes códigos de ética, são responsáveis por inovações no dolo corporativo. Mesmo sem intenção, socializam perdas exponenciais na economia.
Entre sequelas está o aumento do custo do dinheiro nas operações de crédito para todas as empresas e o setor público brasileiro.
Com Mariana e Brumadinho, em apenas 38 meses, a Vale viu seus papéis rebaixados a “lixo” por agências como a Fitch (S&P e Moody’s indicam a mesma trilha). Ela era um dos sete casos de sobrevivência, com certificado global para investimento, em meio à aguda recessão e crise política. Sua lama química, política e corporativa agora respinga em outros setores. A sociedade, que subsidia as mineradoras, vai pagar mais enquanto resgata corpos soterrados.
José Casado: Lama política e corporativa
Afundam, se arrastam e escavam na lama à procura dos soterrados pela escória química da Vale. São servidores públicos, bombeiros na maioria. Trabalham para o Estado de Minassem saber quando e como serão pagos. O último governador, Fernando Pimentel, expoente do Partido dos Trabalhadores, foi embora sem pagar afolha de 2018. E o sucessor, Romeu Zema, do Partido Novo, não tem ideia de quando vai conseguir saldara dívida.
Minas entrou em colapso pouco antes de uma subsidiária da Vale e BHP Billiton despejar um rio de lama tóxica sobre 230 cidades mineiras e capixabas, deixando um legado de miséria e desemprego na região onde a mineração avança desde a Colônia. Naquele 2015, a Petrobras também entrou em convulsão. Por corrupção, em parceria com grupos privados como Odebrecht, SBM (Holanda) e Keppel Fels (Cingapura).
Os executivos Murilo Ferreira (Vale) e Andrew Mackenzie (BHP) acertaram com os governos Dilma Rousseff, Fernando Pimentel (MG) e Paulo Hartung (ES) a contenção dos danos corporativos (US $2 bilhões) a 3% das suas vendas (US$ 60 bilhões).
Foram aplaudidos por 166 deputados federais e 14 senadores eleitos com o dinheiro de empresas de mineração. Elas bancaram, por exemplo, 47% dos gastos do deputado Leonardo Quintão( P MD B-MG ), aliado de Eduardo Cunha( P MD B- RJ )— condenado amais de 40 anos de prisão por corrupção na Petrobras e na Caixa nos governos Lula e Dilma.
Quintão retribuiu com eterna gratidão: promoveu a “modernização” das normas sobre mineradoras, a partir de um texto produzido em laptop da banca Pinheiro Neto, que defende a Vale e a BHP Billiton. Não foi reeleito, mas conseguiu abrigo na Casa Civil de Bolsonaro, onde serão filtradas as mudanças na lei setorial.
Depois de inventar o socialismo de direita e o capitalismo de laços, o Brasil inova com a criação de passivos intangíveis em escala industrial: algumas das maiores empresas avançam na produção de dívidas imensuráveis em responsabilidade social, governança emeio ambiente. A lama é política e corporativa.
João Domingos: Mourão vence a guerra
As notícias consideradas positivas deram uma goleada nas negativas
Se fosse um jogo de futebol, poderia ser dito que o jogador reserva, convocado para uma ou algumas partidas no lugar do centroavante matador afastado por algum motivo, talvez uma viagem ao exterior, deu um show e marcou quantos gols foram possíveis. Como não é uma partida de futebol, mas a forma como se exerce o poder, é preciso então mudar o sentido da comparação. O reserva deu um show. Em outras palavras, o general Hamilton Mourão, vice-presidente, venceu a batalha da comunicação no seu primeiro teste à frente do governo. Um feito raro, muito raro, pois essa é uma das guerras mais difíceis de vencer.
Na semana em que substituiu o titular Jair Bolsonaro, de viagem para Davos, na Suíça, Mourão evitou portas laterais ou de fundos para entrar em seu gabinete. Passou sempre entre um pequeno exército de repórteres, acampado na entrada do anexo do Palácio do Planalto onde está instalado o gabinete do vice. Fez charme na entrada e na saída, só para dar tempo a um pequeno suspense, parou e deu entrevistas, sobre tudo e sobre todos. A pergunta é sobre reforma da Previdência? O tempo de serviço dos militares deve ser aumentado de 30 para 35 anos e o projeto não deve ser enviado junto com a peça principal. É sobre as suspeitas que envolvem o senador eleito Flávio Bolsonaro, filho do presidente? Apurar e punir, se for o caso. Há solução para a Venezuela? Maduro e seu bandão deveriam procurar um país que os queira. Segue o baile. E assim a semana se passou. Mais do que responder aos repórteres, Mourão deu seu recado.
Indagado sobre decreto assinado por ele que ampliou o número de pessoas – servidores comissionados também, e quase todos por indicação política –, o que vai comprometer a transparência do governo, Mourão não fugiu. Disse que a assinatura do decreto não foi ideia sua, que o ato foi combinado com o presidente e que o documento foi preparado pelo governo anterior. Simples assim. Como deve ser a comunicação.
Quando questionado sobre o que acha da decisão do deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) de abrir mão do mandato de deputado e ir embora do País por causa das ameaças que vem sofrendo, Mourão respondeu que o parlamentar deve ter suas razões, sobre as quais não tinha mais detalhes. Em seguida, fez uma defesa do estado democrático de direito: “Quem ameaça parlamentar está cometendo um crime contra a democracia. Nela você tem sua opinião e liberdade para expressá-la. Parlamentares, eleitos, representam os cidadãos que votaram neles. Quer goste ou não, você ouve. Gostou, bate palma. Não gostou, paciência. É assim”. No meio disso tudo, Mourão ainda postou nas redes sociais um foto dele cercado de jornalistas. No texto, os agradeceu por tê-lo esperado todos os dias.
Goste-se ou não do general Mourão, o resultado foi que as notícias consideradas positivas por empresas especializadas nesse tipo de medição deram uma goleada nas negativas.
Até agora, só o ministro da Economia, Paulo Guedes, vinha conseguindo tal feito.
O ministro da Justiça, Sérgio Moro, um campeão da comunicação durante a Operação Lava Jato, o que fez com que entrasse em sintonia com todo o País e fora dele, ainda está meio lá e meio cá desde que aceitou o convite para ser o superministro encarregado de criar um plano para salvar a arruinada segurança pública do País e criar métodos eficazes de combater o crime organizado e devolver o domínio dos presídios ao Estado. Talvez mais pra lá do que pra cá, pois atrapalhado pelo noticiário que envolve Flávio Bolsonaro, além de assistir, sem nada que fazer, à divulgação, gota a gota, do relatório do Coaf, órgão sob sua jurisdição, a respeito da movimentação bancária de familiares do presidente da República.
José Casado: Preso no labirinto
Aos 69 anos, Paulo Guedes, ministro da Economia, começa a desvelar na mesa do jogo de poder a sua maior aposta como ativista do liberalismo. Na gélida Davos, Suíça, apresentará o projeto de uma “frente única” de conservadores e liberais-democratas para um programa liberal no Brasil.
Num dos textos publicados no GLOBO no final de 2017, sugeriu o desmonte do “Leviatã moldado pelo nacionalismo estatizante do regime militar”. Na travessia do tempo, ressaltou, ele “acabou —quem diria —aparelhado pelos petistas”.
“Esse aparelho de Estado”, prosseguiu, “antes dirigido por uma tecnoburocracia administrativa de comando central com foco em infraestrutura, foi saqueado por grupos de interesse corporativo e partidos políticos desidratados pela concentração de recursos no governo central. O capitalismo de Estado dos militares tornou-se o capitalismo de quadrilhas dos social-democratas.”
Guedes seduziu um de seus leitores, Jair Bolsonaro, na época candidato à procura de uma ideia.
A eficácia política dessa ideia de uma “frente” de conservadores e liberais-democratas será testada em temas como a reforma da Previdência, a partir da segunda-feira, 4 de fevereiro. É quando o Congresso começa a decidir sobre os limites da ação governamental na desmontagem desse “legado” do regime militar.
Já é possível perceber Guedes se chocando contra paredes do próprio labirinto. Há três semanas prometeu amputar parte dos “braços armados” do capitalismo de Estado, como define o gigantismo dos três bancos públicos, donos de metade do crédito disponível na praça.
Seu dilema é como decepar o segmento financeiro do setor público sem alternativa à subversão ainda maior do ambiente de negócios no país. O risco é o de estimular mais, e exponencialmente, a concentração na tesouraria de três bancos privados (Itaú, Bradesco e Santander).
Se Guedes já encontrou a saída, deveria indicá-la o mais rapidamente possível. Sobram dúvidas, e isso nunca é bom para os negócios no Brasil ou na Suíça.
José Casado: Hegemonia verde-oliva
Talvez seja útil à curadoria militar do governo Bolsonaro a presença de Villas Bôas no núcleo de conselheiros presidenciais
O presidente se perfilou diante do general que respirava por máscara. Bateu continência, debruçou sobre a cadeira de rodas, e segredou-lhe algo. Então, encarou a plateia fardada: “Obrigado, comandante Villas Bôas. O que nós já conversamos morrerá entre nós. O senhor é um dos responsáveis por (eu) estar aqui.”
Talvez um dia, Jair Bolsonaro e Eduardo Villas Bôas resgatem a memória de suas conversas nos últimos 34 meses. Seria útil à História o relato do que ocorreu desde quando o deputado, ex-capitão-paraquedista, pediu para avisar ao general no Forte Apache — como é conhecido o QG do Exército em Brasília— que planejava saltar da planície política para o topo do poder no Planalto.
Encontraram-se, mais tarde, na despedida de Villas Bôas do Comando do Exército. O general-ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, foi enfático: “A maior entrega deste comandante é o que ele conseguiu evitar. Foram tempos que colocaram à prova a postura do Exército como organismo de Estado, isento da política e obediente ao regramento democrático.”
Azevedo e Silva, também, tem uma dívida com a História. Pode resgatá-la contando o que Villas Bôas “conseguiu evitar”, desde 2015 no Comando do Exército. Azevedo e Silva chefiava o QG do Rio. O hoje vice-presidente Hamilton Mourão regia a tropa do Sul e incitava “uma luta patriótica” para derrubar Dilma Rousseff.
Quando Mourão homenageou o coronel Brilhante Ustra, “Doutor Tibiriçá” para os presos torturados em porões da ditadura, Villas Bôas tomou-lhe a tropa. Depois, saiu a instigar o “expurgo” de Temer. Villas Bôas disse-lhe, então, que já não cabia mais na cadeira do Alto Comando.
O general de pijama foi acompanhar o antigo capitão no salto bem-sucedido para o topo. Não se sabe o que aconteceu entre o presidente e seu vice, mas é visível que algo mudou. Se mostram distanciados.
Talvez seja útil à curadoria militar do governo Bolsonaro a presença de Villas Bôas no núcleo de conselheiros presidenciais. Arquiteto dessa hegemonia verde-oliva, ele continua sendo o líder que “consegue evitar”.
José Casado: Fracasso na estreia
Na noite de quarta-feira, dia 2, o presidente, o ministro da Justiça, o governador cearense e seu secretário de Segurança foram dormir avisados sobre episódios de violência nos subúrbios de Fortaleza, onde vivem quatro milhões de pessoas. Acordaram coma confirmação de ataques em série, com o caos disseminado.
Jair Bolsonaro (PSL), 63 anos, e o governador Camilo Santana (PT), 50 anos, estavam diante da primeira crise de governo. Hesitaram.
Adversários, permaneciam reféns de palanque. Bolsonaro ainda rumina a acachapante derrota no Nordeste, imposta pela coalizão do PT com PDT, PC doB, PSB e a fração alagoa nado MD B de Renan Calheiros, ex-presidente do Senado. Só conseguiu um de cada três votos válidos dos eleitores nordestinos.
Reeleito com quase 80% da votação no Ceará, Santana e os governadores do Nordeste se recusam a conversar com Bolsonaro, que costuma evocar a lembrança de Lula preso por corrupção: “O presidente deles está em Curitiba.” Eles boicotaram a posse presidencial.
Presidente e governador achavam-se politicamente protegidos pela distância de 2,2 mil quilômetros. A realidade bateu à porta dos palácios, com aviso sobre o risco de naufrágio no caos da insegurança pública.
Na quinta-feira, o governador Santana relutou em enviar (Ofício GG nº 05) um pedido de socorro ao adversário. Quando receberam, Bolsonaro e o ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança) vacilaram por horas em decidira ajuda. A improvisada Força Nacional só chegou ao Ceará no quarto dia de pavor nas ruas, patrocinado por delinquentes presos.
A surpresa de Bolsonaro e de Santana expõe mútuas fragilidades. O governador coleciona fracassos na segurança. O presidente mostrou que a curadoria militar do seu governo sucumbiu na estreia: não tinha informação e nem plano para proteger uma população em perigo.
Os dois políticos se veem inimigos. Ególatras, remam juntos, mas hesitam em se entender sobre a sobrevivência nesse barco chamado Brasil.
José Casado: Trapalhadas na transição
Jair Bolsonaro completou três décadas de vida no Legislativo, o dobro do tempo que serviu nos quartéis. Aos 63 anos e com a experiência de oito eleições vencidas, pode ser considerado um político profissional do tipo demasiadamente velho para se permitir ilusões na travessia do Congresso para o Palácio do Planalto. No entanto, está surpreendendo aliados pelo amadorismo na transição de governo.
Assume em duas semanas um governo sob curadoria de antigos companheiros militares da reserva —grupo coeso até no perfil pontuado pela indisciplina na caserna.
No novo governo, o primeiro círculo do poder será composto pelos onipresentes e indemissíveis Bolsonaro: Jair, pai-presidente, e os filhos eleitos para o Legislativo.
O protagonismo já assumido pelo trio de parlamentares formata uma nova, inédita, instância de poder. O presidente terá uma linha direta, familiar, no Congresso. Logo vai se descobrir se este será um canal de soluções ou de problemas institucionais.
Na transição, até agora, prevalece improviso em algumas áreas-chave do futuro governo. Filhos-parlamentares anunciam supostas decisões e são desmentidos pelo pai-presidente. E todos se mostram surpresos com a bruma de transações mal explicadas na gestão dos próprios gabinetes no Legislativo.
Observa-se uma opção preferencial pela retórica sobre decimais e polissílabos na política externa. No caso dos médicos cubanos, por exemplo, a precipitação discursiva custou mais caro ao país e criou um vácuo na Saúde em um terço dos municípios.
Trapalhadas resultaram no “desconvite” aos presidentes de Cuba e da Venezuela para a festa da posse. Como se sabe, só é possível “desconvidar” quem já estava convidado.
Mais graves foram as ameaças à China, maior cliente de 12 estados exportadores; aos 52 países islâmicos que compram US$ 6 bilhões ao ano em carnes; e à Argentina, destino de 80% dos manufaturados. A imprudência se amplia nos anúncios sobre acordos de imigração, do clima, do Mercosul e com a União Europeia.
Bolsonaro flutua no autoengano, como Lula. Um dia, talvez, descubra que o espaço de tolerância ao seu governo é bem menor do que imagina.
José Casado: A irmandade do suborno
Todo dia a Petrobras compra e vende petróleo e derivados no mercado mundial. Durante a última década e meia, negociou em média 400 mil barris a cada jornada de 24 horas, a preços variáveis.
Agora descobriu-se que parte dessas transações não teve qualquer registro e deu prejuízos à empresa estatal, mediante subornos pagos a funcionários, intermediários, políticos do PT, MDB, Progressistas (antigo PP) e do PSDB.
Eles receberam propinas entre dez centavos e US$ 2 por barril de petróleo e derivados nas negociações diárias, com pagamento à vista, e em contratos de longo prazo — mostram os novos processos abertos na Operação Lava-Jato.
O grupo fazia a Petrobras comprar a preços acima de mercado e a vender a preços mais baratos. Numa negociação de 300 mil barris, por exemplo, acertavam com o cliente estrangeiro “comissão” de US$ 1 por barril e embolsavam US$ 300 mil. Chegaram a “sumir” com 17,5 mil toneladas métricas de combustível da estatal embarcadas em três navios. Em 2012, celebraram o recorde de US$ 2 de propina sobre uma carga levada a Fortaleza.
A Petrobras não consegue dimensionar suas perdas na área, onde obtém dois terços do seu faturamento. Contou ao Ministério Público, em abril: “Não é possível localizar todas as aprovações (dos gestores), visto que algumas ocorreram em despachos presenciais ou por telefone, principalmente para os casos mais antigos.” São 15 anos de contratos informais, diários, sem controle de auditores e de órgãos como CVM e TCU.
Entre os principais beneficiários se destacam três trading companies, irmãs na hegemonia sobre o mercado mundial de petróleo e derivados. Vitol, Trafigura e Glencore somam receitas de quase US$ 500 bilhões por ano, seis vezes mais que a estatal brasileira, equivalente ao PIB de Minas. Os processos deixam claro que “a alta cúpula dessas empresas tinha total consciência do que estava ocorrendo”. Devem ir a julgamento no Brasil, nos Estados Unidos e na Suíça.
José Casado: O tesouro da cleptocracia
John Caulfield e Darnall Steuart foram almoçar, depois de transmitir a mensagem a Washington. “Confidencial”, alertavam no texto (09CARACAS918_a) enviado às 13h14m daquela segunda-feira 20 de julho de 2009. Contaram como o vice-presidente da Venezuela, Diosdado Cabello, estava “expandindo sua rede de corrupção para o setor financeiro”.
Cabello é “perigoso” e o mais influente no governo Hugo Chávez, escreveram. Detalharam sua parceria com o chefe do Tesouro, Alejandro Andrade, na “compra de vários pequenos bancos e companhias de seguros” para lavar o dinheiro de propinas.
Nove anos depois, Caulfield está aposentado em Nova York. Steuart comanda o setor de Sanções Políticas em Washington. E Alejandro Andrade, o ex-chefe do Tesouro descrito na mensagem de 2009, vai amanhã a um tribunal da Flórida para ouvir sua condenação a dez anos de cadeia.
Andrade é réu e delator num processo de corrupção e lavagem de dinheiro roubado da Venezuela cuja dimensão supera o caso Odebrecht, revelado em 2016. Ele confessou ter recebido US$ 1 bilhão (R$ 4 bilhões) em propinas. O valor é 27% maior do que o total de subornos pagos pela Odebrecht em 12 países.
Andrade comandava apenas um segmento da fraude, usando um banco na República Dominicana, comprado pelo aliado chavista Raúl Gorrín, dono da TV Globovisión.
O barril de petróleo a US$ 110 embalava delírios de Chávez. Com aval de Lula, ele deu à Odebrecht US$ 20 bilhões (R$ 80 bilhões) em obras, financiadas pelo BNDES. O chefe local da empreiteira, Euzenando Azevedo, confessou subornos milionários a agentes governamentais.
A tesouraria da cleptocracia chavista começou a ser desvelada em tribunais. A escala do roubo explica, em parte, a atual catástrofe humanitária.
Agora tenta-se impedir que o regime chavista perdure além de janeiro, quando completa 20 anos. Esse é o tema da reunião prevista para amanhã, no Rio, entre o conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, John Bolton, e o presidente eleito Jair Bolsonaro.