João Doria

Luiz Carlos Azedo: Que falta faz um pouco de harmonia a Dória e Leite

O problema do partido nas eleições de 2022 não é a falta de candidatos

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Com origem no grego, harmonia é um substantivo que significa concordância ou consonância. Na música, faz toda a diferença, porque é a combinação de sons simultâneos e a sucessão de acordes, ao longo de uma melodia. É uma ciência e uma arte. Nas escolas de samba, porém, o cargo de diretor de Harmonia não tem nada a ver com a bateria, que tem um mestre de percussão que manda e desmanda em todos os ritmistas. O diretor de Harmonia cuida do sentido filosófico do termo, ou seja, da paz entre pessoas, da concordância de opiniões e sentimentos dos integrantes da escola.

Não é uma tarefa fácil, pois se trata de respeitar e manter, de forma equilibrada e justa, os interesses das partes do todo. É o diretor de Harmonia, por exemplo, que organiza e arma o desfile da escola de samba na avenida. Quem já viu uma concentração antes do desfile no Sambódromo, tem ideia de como essa tarefa é difícil. BPois não é que o PSDB está como uma escola de samba conflagrada às vésperas do carnaval? O problema do partido nas eleições de 2022 não é a falta de candidatos, é a ausência de Harmonia.

As prévias da legenda para escolha do candidato a presidente da República ameaçam implodir o partido, tamanha a confusão e a confrontação entre os partidários do governador de São Paulo, João Doria — coadjuvado pelo ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio Netto —, e o governador do Rio Grande do sul, Eduardo Leite. Concebida para permitir amplo debate político, participação democrática de filiados e mandatários, e uma composição política entre os pré-candidatos, após a apuração dos resultados, para unir o partido, as prévias aprofundaram as divergências. Além disso, foram um vexame organizacional, porque o aplicativo de votação entrou em colapso logo após o início das prévias, no domingo passado.

Ontem, a cúpula da legenda anunciou uma nova rodada de testes de um novo aplicativo, sem ainda definir a data de retomada das prévias. Apenas 8%, dos quase 44 mil votantes previstos, conseguiram confirmar o voto. Há três versões para o episódio: uma seria a falha do próprio aplicativo, desenvolvido por uma universidade gaúcha; outra, a sobrecarga do servidor; a terceira, no terreno das teorias conspiratórias, um ataque de hacker.

Essa hipótese acirra as suspeitas de sabotagem entre os principais protagonistas da disputa. Nos cálculos do grupo de Doria, as prévias já estariam decididas a seu favor, no âmbito dos mandatários da legenda. Para o grupo de Leite, a disputa estaria muito equilibrada e ainda pode ser decidida pelos filiados. Qualquer que seja o resultado, porém, as prévias somente serviram para desgastar os dois governadores, e para ameaçar a própria sobrevivência do PSDB.

Nó apertado
Será muito difícil evitar um racha. Caso Doria vença, a dissidência do ex-governador Aécio Neves e outros caciques da legenda, inclusive de São Paulo, já está contratada. Menos provável, a vitória de Leite implodiria a legenda em São Paulo. Doria e Leite estão sendo atropelados pelo Podemos, com o lançamento da candidatura do ex-ministro da Justiça Sergio Moro.

Tradicionalmente, paulistas e gaúchos não se bicam. Protagonistas da expansão territorial do país no período colonial, ambos têm tradição de resolver as disputas pela força e colecionam ressentimentos políticos, em razão da Revolução de 1930 e da Revolução Constitucionalista de 1932. Pode ser que a disputa tucana vire uma Batalha de Itararé, aquela que não aconteceu, no município paulista do mesmo nome, na divisa com o Paraná.

Na Revolução de 1930, quando Getulio Vargas partiu de trem para o Rio de Janeiro, esperava-se que ocorresse um grande confronto com as tropas paulistas no local. Mas a cidade acolheu Getulio na estação ferroviária, permitindo sua entrada em São Paulo. O presidente Washington Luís foi deposto em 24 de outubro daquele ano, após a chegada triunfal dos gaúchos ao Rio de janeiro.

Durante a Revolução Constitucionalista de 1932, porém, Itararé foi uma das frentes de batalha. Os paulistas consideravam que São Paulo estava sendo tratado como terra conquistada, sendo governada por tenentes de outros estados, e sentiam, segundo eles, que a Revolução de 1930 fora feita contra São Paulo. O fotógrafo Gustavo Jansson registrou, em 1934, as ossadas recolhidas no cemitério local como de soldados do 8º Regimento de Passo Fundo (RS), mortos em 32, prova de que houve confrontos entre paulistas e gaúchos, que duraram três dias.

Feito o registro histórico, vem bem a calhar um samba de quadra de Olivério Ferreira, mais conhecido como Xangô da Mangueira, por décadas o diretor de Harmonia da tradicional Estação Primeira. Intitulada A gente com briga não chega lá, diz a canção: “A gente com briga não chega lá/A gente com briga não chega lá/ Afrouxe um pouquinho daí/ Que eu afrouxo um pouquinho de cá/ Vamos afrouxar a corda/ Pra esse nó se soltar/ Quanto mais a gente estica/ Mais o nó vai apertar/ E depois a gente fica/ Com vontade de chorar/ E depois a gente fica/ Com vontade de chorar.”


Eliane Cantanhêde: João Dória de olho em Moro

Doria contra Leite: ‘A população não quer fazer teste, quer segurança, confiança’

Eliane Catanhede / O Estado de S. Paulo

O mais novo investimento do governador e presidenciável João Doria, de São Paulo, é para tentar atrair o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sérgio Moro para seu projeto de disputar as prévias do PSDB em novembro e a Presidência da República em 2022. Os dois andam conversando, mas Moro, um poço de indefinição, não diz nada e não descarta nem confirma sua própria candidatura. Além disso, é também disputado pelo União Brasil (resultado da fusão DEM-PSL).

Além do temperamento e da inexperiência política, o tempo corre contra Moro, que tem até o fim deste mês para acertar sua vida com a consultoria em que trabalha depois de deixar o Ministério da Justiça atirando. Ele tem até o dia 31 para dizer se abandona o sonho de ser candidato (à Presidência ou ao Senado), ou se abandona o emprego.

Moro conversa muito, mas não define nada, enquanto João Doria é inabalável na sua decisão – ou obsessão – de disputar a Presidência e tenta arrastar Moro e, junto com ele, toda a sua simbologia no combate à corrupção, para sua campanha. A Lava Jato morreu, mas a aura da Lava Jato ainda paira sobre o eleitorado.

Doria levou para seu governo seis ex-ministros do governo Michel Temer, a começar por Henrique Meirelles, da Fazenda. Também levou o seu vice, Rodrigo Garcia, do DEM para o PSDB e acolheu o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, ex-DEM, hoje sem partido, numa secretaria com dupla personalidade, econômica e política. E convidou para a Saúde Luiz Henrique Mandetta, do DEM, que indicou seu ex-braço direito, João Gabbardo.

Enquanto o governador Eduardo Leite (RS), seu adversário nas prévias do PSDB, esbanja simpatia, princípios e pautas de costumes, Doria dispara uma torrente de números: PIB de 7,5% em São Paulo neste ano, segundo a Fundação Seade, e recuperação de 713 mil empregos de janeiro a agosto, segundo o Caged. Tudo sempre acompanhado de “eu fiz”, ou “São Paulo fez”. O Estado, aliás, aplica R$ 30 milhões em absorventes femininos nas escolas. Ontem, Bolsonaro vetou um programa semelhante para o Brasil...

Ao dizer que o social e a Educação “não são prerrogativas do (ex-presidente) Lula”, novos números: mais R$ 21 bilhões para investir em 2021 e R$ 28 bilhões em 2022, 4,3 milhões de pessoas no “Alimento Solidário”, 2 milhões no “Vale Gás”, de 363 para 1.878 escolas de tempo integral... E uma bandeira de campanha: “Aqui não tem roubo. Não se mete a mão no dinheiro público”.

E a rejeição? Para o mundo político, um grande problema de Doria é exatamente sua rejeição, que é forte em São Paulo e migra para o resto do País. Mas o próprio rejeitado diz que o índice vem caindo há quatro meses e emenda: “Quanto melhor a economia, a renda, o emprego e a vacina, melhor a avaliação (dele) em São Paulo e no Brasil”. A estratégia de Eduardo Leite é transformar suas desvantagens em vantagens – ser muito jovem (36 anos), novato e inusitado. Mas Doria aposta: “A população não quer fazer teste, quer segurança, confiança”.

Se as prévias já não são um passeio, como Doria aparentemente imaginava, a maior pedreira vem depois, seja para ele, Leite ou qualquer opção de “centro” ou “terceira via”. Ao admitir a força eleitoral de Lula, com quem já trocou ácidos desaforos, disse que não menospreza Bolsonaro: “Ele está ferido, machucado, mas tem a caneta e a queda nas pesquisas não é acentuada, é gradual. Logo, será um importante player, vai dar muito trabalho”.

É uma corrida de obstáculos: prévia tucana, polarização Lula-Bolsonaro e uma multidão de candidatos a terceira via, que fica ainda mais congestionada com o União Brasil. Logo, Eduardo Leite é apenas um dos muitos problemas de Doria para sobreviver até o segundo turno de 2022.


João Doria: O Brasil precisa de esperança

O Brasil da esperança valoriza o Estado onde ele é essencial: Saúde, Educação, Segurança Pública e Assistência Social

O Brasil vive hoje o pior momento da sua história. Os recordes negativos se acumulam: 27 milhões de brasileiros em extrema pobreza, vivendo com menos de R$ 9 por dia. 19 milhões passaram fome nos últimos três meses. 125 milhões, o que corresponde a seis em cada dez brasileiros, padecem de insegurança alimentar desde o início da pandemia. São 18 milhões de desempregados. Seis milhões de desalentados, que desistiram de procurar emprego, e somamos 5 milhões de crianças e adolescentes fora da escola.

O Brasil está próximo de bater 400 mil vítimas de covid. É o segundo país do mundo com mais mortes na pandemia. Faltam vacinas e medicamentos. Não foram comprados a tempo pelo Ministério da Saúde.

A Nação assiste à redução de dois anos na expectativa de vida da sua população, fato inédito na história do Brasil. Em seis anos, vivemos as três piores recessões econômicas já registradas, no País. Na década encerrada em 2020, empobrecemos 0,2% a cada ano, enquanto outros países emergentes enriqueceram 2,5% por ano.

Empobrecimento, fome, desemprego, evasão escolar e mortes. Essa tem sido a dura realidade do Brasil, especialmente para os mais pobres e mais vulneráveis.

O cenário de curto prazo não indica mudanças:

Inflação alta. Em 12 meses, a inflação alcançou 6,1% e ultrapassou o teto determinado pelo Banco Central. Juros altos. O mercado prevê uma taxa básica de 5% no fim do ano, o que prejudica investimentos na produção. Dólar alto. Estima-se que o real continuará a perder força.

Crise nas contas públicas. O orçamento irreal produzirá gastos extras de R$ 121 bilhões, muito acima do teto constitucional. A dívida pública aumenta e a confiança diminui. O Brasil caiu de 9.º para 12.º lugar entre as maiores economias do mundo.

Neste ano, a economia brasileira é a única a desacelerar entre os principais países. Corremos o risco de cair para o 14.º lugar ao fim de 2021.

O populismo aliado ao autoritarismo cobram agora um alto preço da sociedade. O Brasil está na contramão do mundo. 

É hora de mudar. O resgate da esperança pode começar hoje, 21 de abril, uma das datas mais simbólicas do calendário do nosso país. 

O Brasil da esperança combate a pandemia, produz vacinas, cuida dos doentes, protege os mais pobres e salva vidas.

O Brasil da esperança tem a educação como prioridade, o mais efetivo instrumento de transformação social. O Brasil da esperança combate a fome, produz alimentos, cuida dos mais pobres, respeita e acolhe seus cidadãos.

O Brasil da esperança defende a democracia, a liberdade individual e a livre manifestação artística, cultural, religiosa e de imprensa. O Brasil da esperança combate o racismo. O Brasil da esperança respeita a diversidade.

O Brasil da esperança valoriza a cultura regional, a economia criativa e a produção cultural brasileira. O Brasil da esperança respeita as comunidades tradicionais, os quilombolas e os povos indígenas. O Brasil da esperança incentiva a prática de esportes e os atletas de alto rendimento.

O Brasil da esperança promove o turismo e os valores do seu povo e da sua terra. O Brasil da esperança tem compromisso com as leis e a ética.

O Brasil da esperança promove o empreendedorismo e o desenvolvimento tecnológico. O Brasil da esperança preserva o meio ambiente, incentiva a economia circular e estimula o uso de energias renováveis.

O Brasil da esperança apoia a pesquisa, o desenvolvimento científico e aposta na ciência. O Brasil da esperança defende a indústria 4.0 e o agro sustentável e tecnológico.

O Brasil da esperança garante o exercício do papel constitucional das Forças Armadas como instituição de Estado. O Brasil da esperança trabalha pela paz e harmonia das nações e fortalece a cooperação internacional.

O Brasil da esperança organiza as contas públicas, oferece segurança jurídica e atrai investimentos, nacionais e internacionais. O Brasil da esperança valoriza o Estado nos lugares onde ele é essencial, principalmente na Saúde, Educação, Segurança Pública e Assistência Social.

O Brasil da esperança estimula a iniciativa privada nas atividades em que ela atua com mais eficiência do que o poder público. O Brasil da esperança gera empregos para todos os brasileiros.

O Brasil da esperança não alimenta ódios, nem rancores, nem racismo, nem conflitos. O Brasil da esperança é de paz e trabalho. O Brasil da esperança é o nosso país sendo uma grande nação.

*Governador do Estado de São Paulo


Fernando Luiz Abrucio: Para o País sair do pesadelo, é preciso oposição mais forte

É preciso ter mais debates públicos, não só pela internet, como o da Brazil Conference neste sábado, mas também pela imprensa escrita e televisiva

Quem assistiu ao debate organizado pela Brazil Conference com cinco potenciais candidatos à Presidência da República –  Ciro Gomes, João Doria, Fernando Haddad, Luciano Huck e Eduardo Leite – teve contato com diagnósticos precisos e bem elaborados sobre a realidade brasileira. A despeito das diferenças políticas, e numa discussão que evitou a polarização tóxica, prioridades comuns foram destacadas: melhorar a educação, combater a desigualdade, criar um modelo de desenvolvimento sustentável, modernizar a gestão pública, fortalecer a saúde pública, em suma, sintonizar o País com os desafios do século 21.

O problema é que o Brasil está sendo governado por uma postura oposta. Vigora o negacionismo científico frente à pandemia, o descaso educacional, o desastre ambiental, a postura presidencial autoritária e a incompetência governamental. As luzes do debate de ontem se contrapõem ao pesadelo vivido pelo País hoje.

Mas 2022 pode repetir 2018, não se pode esquecer disso. Duas coisas podem evitar isso. Primeiro, todos devem estar contra Bolsonaro e aumentar sua pressão contra o presidente. O sofrimento diário dos brasileiros na pandemia precisa de uma oposição mais forte do que a atual. E a grande lição deste sábado: é preciso ter mais debates públicos, não só pela internet, mas também pela imprensa escrita e televisiva. Isso não pode ocorrer somente no período eleitoral de dois meses. Em boa medida, a falta de discussão política da última eleição favoreceu a escolha que gerou o pesadelo. Melhores ideias precisam vencer o populismo autoritário. 

*Doutor em Ciência Política pela USP e professor de Gestão Pública da FGB-EAESP


Ricardo Noblat: Todos juntos contra Bolsonaro

 O primeiro debate entre aspirantes a candidato a presidente

O painel de encerramento da sétima edição da Brazil Conference at Harvard & MIT, evento organizado pela comunidade de estudantes brasileiros de Boston (EUA), em parceria com o jornal O Estado de São Paulo, reuniu ontem, pela primeira vez, cinco aspirantes à candidato a presidente do Brasil na eleição de 2022.

O que mais uniu Ciro Gomes (PDT, os governadores João Doria (PSDB-SP) e Eduardo Leite (PSDB-RS), o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) e o apresentador de televisão Luciano Huck: duras críticas ao presidente Jair Bolsonaro e ao seu governo, embora todas elas feitas sem que perdessem o prumo.

Ninguém desafinou quanto a isso. O clima foi cordial entre eles, que defendem que é preciso “curar as feridas provocadas pela polarização política” e construir “um projeto de país” para barrar a eventual reeleição de Bolsonaro. As críticas mais ácidas ao presidente partiram de Doria, Ciro e Haddad.

Os três chegaram a taxar de “genocida” a atuação do governo no combate à pandemia do coronavírus. E apontaram como traços do comportamento antidemocrático do presidente sua revolta com decisões do poder Judiciário e as tentativas de interferir na Polícia Federal bem como nas polícias militares estaduais.

Doria: “Lembro que o Brasil responde por 12% dos óbitos (no mundo) e menos de 3% da população (mundial). Significa dizer que 270 mil brasileiros morreram não em função do vírus, mas em função da péssima gestão que se faz da pandemia. É preciso pressionar o governo para que acelere o ritmo da vacinação”.

Haddad: “Quando o presidente é acusado de genocídio, ele não está sendo ofendido, são dados objetivos que mostram que o governo brasileiro falhou na grave crise que estamos enfrentando”. E acrescentou “que a palavra genocida” não é modo de falar, mas “uma descrição” da conduta de Bolsonaro ao longo da pandemia.

Ciro não seria Ciro se não usasse palavras mais fortes para distinguir-se dos demais debatedores. Chamou o governo de “fascista”, e Bolsonaro de “genocida boçal”. E vaticinou que “o delírio do presidente é formar uma milícia para resistir de forma armada à derrota eleitoral que se aproxima”.

Leite e Huck preferiram se ater mais à questão ambiental. O governador do Rio Grande do Sul citou os sucessivos recordes nos índices de desmatamento na Amazônia em outras regiões, dados que a seu ver têm sido motivo de desprestígio para o Brasil aos olhos de outros países do mundo.

Houve um momento do debate em que Huck censurou os seus colegas. Foi quando disse: “Só estou enxergando narrativas pelo retrovisor, vendo dificuldade de olhar para frente. Temos que deixar de lado nossas vaidades e entender que, mesmo com o enorme potencial, o Brasil não deu certo”. Para quê falou isso…

Ouviu de Haddad em troca: “Olhar para trás é um aprendizado, não é de todo ruim”. Doria também afirmou que entender o passado pode ajudar a projetar adequadamente o que fazer no presente. Ciro declarou “que é preciso, sim, conhecer o passado para que os erros não sejam repetidos”.

Huck recuperou-se ao voltar ao tema do meio ambiente: “A Amazônia tem tudo para ser o vale do silício da biotecnologia global. Tem muito dinheiro na mesa. Estima-se que tem mais de 50 trilhões de dólares no mundo para serem investidos em energia limpa, investimentos que iam para petroquímica, óleo e gás”.

O debate terminou com um afago de Haddad em Doria e Leite: “Quero me solidarizar com os dois governadores que são do PSDB, mas que têm sofrido ataques indignos e intoleráveis. Queria manifestar o meu repúdio ao tratamento que os governadores em geral vêm recebendo. Todo mundo aqui merece ser respeitado”.


Correio Braziliense: 'Bolsonaro gosta de errar,' afirma Doria em entrevista exclusiva

Atacado duas vezes em poucos dias, político paulista rebate pedindo que o presidente da República governe mais e faça menos confusão

Israel Medeiro, Correio Braziliense

Em menos de uma semana, Jair Bolsonaro voltou a colocar João Doria no alto da prateleira dos seus desafetos políticos. No jantar com empresários, na capital paulista, na quarta-feira passada, o presidente não poupou xingamentos ao governador de São Paulo e, ontem, ao visitar uma família de refugiados venezuelanos em São Sebastião, no Distrito Federal, voltou à carga, chamando-o de “patife”. Nas duas oportunidades, Doria rebateu com bom humor e preferiu não inflar a polêmica. Nesta entrevista ao Correio, o ocupante do Palácio dos Bandeirantes classifica o chefe do Palácio do Planalto como alguém que dá importância a questões desimportantes, num momento em que o país vive a pior crise sanitária em mais de 100 anos. Explica, ainda, que o programa de ajuda aos necessitados em São Paulo tem diferenças importantes em relação ao auxílio emergencial do governo federal. E garante que o Instituto Butantan cumprirá o cronograma de entrega de vacinas fechado com o Ministério da Saúde.

O presidente Jair Bolsonaro dá sinais de que, em uma eventual CPI da covid-19 no Senado, vai tentar culpar os governadores pela situação a que o país chegou nesta pandemia. O senhor teme alguma coisa? O que diria ao presidente diante dessas ameaças?
Faça mais gestão e menos confusão. O presidente Bolsonaro gosta de errar e gosta de fazê-lo permanentemente. Em vez de se concentrar em buscar soluções para a crise da saúde, a pior pandemia que se abateu sobre o Brasil nos últimos 100 anos, e a crise da economia, do meio ambiente, da educação, da pobreza, ele prefere mergulhar e criar a crise política, eleitoral e ideológica. É uma subversão de valores e de tempo. Ele se aplica ao que não é importante e despreza o que é substantivo.

O presidente participou de um jantar, na semana passada, organizada pelo empresário Washington Cinel, que é próximo do senhor. Como vê essa reaproximação de setores do empresariado com Bolsonaro?
O Washington Cinel tem todo direito, como empresário e cidadão, de fazer a opção que lhe abrace, que deseje fazer. Não condeno meus amigos pelas suas decisões políticas nem eleitorais. Não tenho amigos por razões eleitorais ou partidárias; os tenho por uma vida, uma existência, pelo convívio. Embora eu discorde dessa opção feita pelo Washington, não vou deixar de gostar dele, nem da mulher dele ou abrir mão do convívio que temos de mais de 20 anos de amizade. Agora, entendo como algo muito mais volúvel uma relação com o presidente e com o bolsonarismo do que algo com raízes, com profundidade. Mas respeito a opção não só do Cinel, como dos demais empresários. Eu diria que, daqueles que estavam no jantar, pelo menos 18 conheço muito bem. Não vou desrespeitá-los, sei que essa é uma situação momentânea. Meu sentimento é de relevar isso, não criar um distanciamento, nem transformar em inimigos quem tomou a decisão de aplaudir Jair Bolsonaro. Eu apenas lamento.

O presidente o insultou nesse jantar. Como o senhor recebeu as ofensas?
Eu fiz até um tuíte. Aquela é minha resposta. Eu fui insultado, mas eu dei uma resposta bem-humorada ao presidente. Falei: “Presidente, tenha calma, eu vou lhe dar as vacinas: vacina do Butantan contra a covid-19, que, aliás, sua mãe tomou aqui em São Paulo. E vou lhe dar também a vacina antirrábica, que o Butantan também produz”.

O programa Bolsa do Povo foi anunciado na mesma semana em que o governo federal retomou o auxílio emergencial. Foi provocação? Há alguma semelhança entre eles?
O Bolsa do Povo não foi feito, não foi inspirado nem tem nenhuma relação com o programa Auxílio Emergencial, do governo federal. Nós o construímos desde o ano passado. Estávamos buscando a integração de programas — ou seja, como fazer para integrar vários programas sociais do governo de São Paulo e agregar valor com contrapartida. Aliás, o maior desafio foi esse. São Paulo tem uma situação saudável, estável do ponto de vista fiscal, porque fomos o único estado do Brasil que fez reforma fiscal.

Que diferenças o programa de São Paulo traz para o do governo federal?
O difícil era encontrar um mecanismo de benefício que pudesse ter contrapartida. O que nós não queríamos, aqui, era fazer um programa que dá dinheiro sem contrapartida alguma, como é o caso do auxílio emergencial. O Bolsa do Povo envolve uma contrapartida: as pessoas vão receber até R$ 500 e têm que trabalhar, dar expediente de até quatro horas por dia para fazer jus a esse benefício.

Sobre os insumos para a produção de vacinas do Instituto Butantan, o senhor conversou com o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, há poucos dias. A matéria-prima que atrasou, e impactou a produção, chega mesmo esta semana?
Primeiramente, não houve interrupção, houve conclusão. Pode parecer semântica, mas não é. Uma coisa é você concluir a produção, outra coisa é interrompê-la. O Butantan concluiu a produção com os insumos que já tinha recebido. Agora, receberá, no próximo dia 19, mais. Continuamos a produzir e a entregar mais vacinas para o PNI, o Programa Nacional de Imunização. Ainda depois do dia 12 teremos uma nova entrega de vacinas e, até o final deste mês, vamos entregar 46 milhões de doses, exatamente o que estava previsto. E depois, mais 54 milhões até 30 de agosto. Era para ser até 30 de setembro, mas estamos fazendo um esforço enorme para entregar até dia 30 de agosto.

Qual o motivo do atraso no carregamento?
Houve alguma circunstância relativa à orientação e à agilidade para liberação da exportação dos insumos, mas o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, foi muito atencioso e diligente. Ele me disse que, naquele mesmo dia, falaria com a Chancelaria. Dito e feito. Ele falou, o assunto foi resolvido e o embarque foi programado, ou seja, solução encontrada e viabilizada. Até o presente momento, não há motivos para se preocupar com as entregas do Butantan. O que está previsto para 30 de abril, as 46 milhões de doses, o Butantan me confirma que serão entregues dentro do período combinado. E esperamos que os 6 mil litros de insumos que vão chegar, em dois lotes de 3 mil, cheguem nas datas programadas e sem percalços para que o Butantan possa, no prazo necessário, fazer a operacionalização e o envase — operações em que é preciso pelo menos 10 dias seguidos para fazê-la.


Correio Braziliense: Com possível corrida por reeleição estadual, Doria tem truco no PSDB

Os aliados precisarão correr atrás do governador paulista, que tem a alternativa de disputar a reeleição ao Palácio dos Bandeirantes, se o quiserem como candidato ao Planalto. No plano nacional, porém, o tucano enfrenta dificuldades e concorrentes

Luiz Carlos Azedo, Correio Braziliense

O governador de São Paulo, João Doria, cansou de ser chantageado e resolveu trucar na disputa interna do PSDB, ameaçando concorrer à reeleição. Primeiro, foi o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que se lançou pré-candidato e exigiu prévias na legenda. Depois, o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio também anunciou a intenção de participar das prévias; finalmente, o deputado Aécio Neves, recém eleito presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, anunciou que o PSDB pode não ter candidato a presidente da República e apoiar alguém de outro partido, o que foi interpretado como uma sinalização do ex-governador mineiro de apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujas condenações foram anuladas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin.

Doria enfrenta outras dificuldades com os aliados. O MDB, fundamental para viabilizar capilaridade nacional à campanha, assedia o vice-governador Rodrigo Garcia (DEM) para que se filie à legenda, o que complica a vida de Doria na sua própria retaguarda, porque o ex-governador Geraldo Alckmin, seu padrinho político, com certeza, concorrerá ao Palácio dos Bandeirantes se o PSDB não tiver uma candidatura própria. O DEM também subiu no telhado, desde a eleição para a Mesa da Câmara dos Deputados, quando traiu o apoio ao deputado Baleia Rossi (MDB-SP), deixando de ser uma legenda confiável no plano nacional por causa da aliança do ex-prefeito de Salvador ACM Neto com o presidente Jair Bolsonaro. E ainda tem a ala adesista do PSDB, que apoia Bolsonaro, como é o caso do senador Izalci Lucas (DF), vice-líder do governo no Senado.

Noves fora as conversas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso com o apresentador Luciano Huck, cuja pré-candidatura à Presidência da República nunca foi assumida publicamente, num cenário como esse, a desistência de João Doria deixa os partidos do chamado centro democrático sem uma candidatura competitiva para enfrentar a polarização entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As outras opções são o ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta (GO), que também não conta com nenhuma garantia de que terá legenda no DEM. E o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, cuja candidatura é alicerçada no apoio popular à Operação Lava-Jato, um palavrão para a cúpula do PSDB.

Em vez de Doria buscar apoio, agora serão os aliados, se quiserem ter uma candidatura robusta à Presidência, que precisarão correr atrás dele, pois o governador paulista sempre tem a alternativa de concorrer à reeleição ao Palácio dos Bandeirantes, o vértice do sistema de poder que alicerça as alianças tucanas. Esse é o truco, o governador paulista dobrou a aposta. Foi decisiva para o gesto a entrevista de Aécio Neves, seu principal desafeto no partido, que ainda mantém grande influência na bancada federal, tanto na Câmara como no Senado. Suas declarações de que o PSDB poderia apoiar um candidato de outra legenda foram a senha para a “cristianização” de candidatura de Doria, que tem o precedente da aliança pirata do político mineiro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na campanha de 2002, colaborando para a derrota de José Serra (PSDB-SP).

Erros sucessivos

João Doria, porém, também tem culpa no cartório, porque cometeu vários erros na condução da política interna do PSDB. Primeiro, tentou expulsar Aécio Neves sem ter força suficiente para isso, apostando apenas na repercussão que o gesto teria na opinião pública. Segundo, tentou deslocar do cargo o presidente do partido, deputado Bruno Araujo (PE), num jantar em São Paulo no qual postulou a presidência do PSDB. O gesto foi muito mal recebido não somente pelo político pernambucano, mas por toda a cúpula do partido, abrindo espaço para que o governador gaúcho Eduardo Leite o desafiasse a disputar prévias, com amplo apoio das demais seções estaduais do partido.

Além disso, há dificuldades eleitorais propriamente ditas, porque Doria não larga bem na disputa pela Presidência. Tem à frente outros possíveis concorrentes, como Mandetta, Moro e Huck, todos de centro. O confronto com o presidente Jair Bolsonaro muito antes das eleições, por causa das vacinas, tampouco trouxe os ganhos eleitorais que imaginava, além de despertar uma oposição de direita ao seu governo constituída por setores que o ajudaram a chegar ao Palácio dos Bandeirantes. A candidatura do ex-presidente Lula também divide o eleitorado paulista, neutralizando o que deveria ser uma vantagem estratégica de Doria na disputa pela Presidência. Finalmente, como quase todo político paulista, o governador tem dificuldades para chegar junto aos eleitores do Norte e Nordeste, o que exige alianças com políticos dessas regiões. Como não tem nenhuma vivência parlamentar, seu trânsito acaba interditado no Congresso, tanto pelos desafetos tucanos como pelos aliados que querem levar vantagem em tudo.

Morre deputado que criticava vacinação

Morreu ontem, vítima de covid-19, em Cuiabá, o deputado estadual do Mato Grosso Silvio Antônio Fávero, autor de um projeto de lei que procurava vetar a obrigatoriedade da vacina. Fávero tinha 54 anos e estava internado desde o último dia 4 com complicações pulmonares. “O quadro de saúde se agravou nesta madrugada, chegando ao quadro de infecção generalizada”, informou a assessoria do deputado. Fávero apresentou, na Assembleia Legislativa de Mato Grosso, um projeto de lei que visava a permitir que o cidadão optasse pela vacinação contra a covid-19. Na justificativa, alegou: “O projeto visa também a evitar que a vacinação seja compulsória, eis que, atualmente, subsiste insegurança quanto à eficácia e eventuais efeitos colaterais das vacinas”. Apesar de ser contrário à obrigatoriedade dos imunizantes, o deputado também apresentou projetos com o objetivo de desburocratizar a compra de vacinas.

Morreu ontem, vítima de covid-19, em Cuiabá, o deputado estadual do Mato Grosso Silvio Antônio Fávero, autor de um projeto de lei que procurava vetar a obrigatoriedade da vacina. Fávero tinha 54 anos e estava internado desde o último dia 4 com complicações pulmonares. “O quadro de saúde se agravou nesta madrugada, chegando ao quadro de infecção generalizada”, informou a assessoria do deputado. Fávero apresentou, na Assembleia Legislativa de Mato Grosso, um projeto de lei que visava a permitir que o cidadão optasse pela vacinação contra a covid-19. Na justificativa, alegou: “O projeto visa também a evitar que a vacinação seja compulsória, eis que, atualmente, subsiste insegurança quanto à eficácia e eventuais efeitos colaterais das vacinas”. Apesar de ser contrário à obrigatoriedade dos imunizantes, o deputado também apresentou projetos com o objetivo de desburocratizar a compra de vacinas.


Ricardo Noblat: Doria admite deixar a boca do palco para depois voltar

Assim como é cedo para Lula admitir que será candidato a presidente da República no ano que vem, é cedo também para qualquer outro nome – salvo Ciro Gomes (PDT) e Jair Bolsonaro em campanha contínua desde que um foi derrotado pela terceira vez consecutiva e o outro acabou eleito para surpresa dele mesmo.

João Doria (PSDB) disse, ontem, ao jornal O Estado de São Paulo que não descarta a possibilidade de abrir mão de uma eventual candidatura à vaga de Bolsonaro, resignando-se a tentar se reeleger governador de São Paulo. Pouco importa que ele tenha dito ao se eleger que não disputaria o mesmo cargo em seguida.

Quando candidato a prefeito de São Paulo, José Serra (PSDB) registrou em cartório a promessa de que cumpriria o mandato, negando a hipótese de concorrer ao governo do Estado dali a dois anos. Concorreu e ganhou. Eleito presidente com uma votação estrondosa, Jânio Quadros renunciou seis meses depois.

Nada é mais perecível do que palavra de político. Em certos casos porque eles não se envergonham de mentir. Em outros, porque a conjuntura muda e são obrigados a mudar com ela. É o natural instinto de sobrevivência do ser humano. Da política já se disse que é como uma nuvem, assumindo nova forma a cada instante.

No momento, de fato, o formato da nuvem para Doria não lhe parece o mais favorável. Como político que mais bateu de frente com Bolsonaro para que o país importasse vacina com a urgência requerida pelo combate a Covid, era para ele estar vendo sua popularidade ganhar altura a uma velocidade maior.

Não aconteceu ainda. Doria patina nas pesquisas de intenção de voto. É reconhecido por seu esforço e elogiado pela compra da vacina chinesa, aqui produzida pelo Instituto Butantan. Mas por ora é só. Apesar de bem-sucedido, Doria ainda não domina a refinada arte da política e tem fama de não respeitar a fila.

Isso pode agradar aos paulistas, mas em outros lugares pesa contra ele. Especialmente no Nordeste, Doria é visto como paulista demais. Nordestino gosta de correr para São Paulo atrás de emprego. Uma vez por lá, aprende a gostar. Mas tem birra com político paulista. Pior se aparecer com chapéu de vaqueiro.

É mais tático do que qualquer outra coisa o aparente recuo de Doria. Ao estancar ou dar meia volta, ele quer criar um ambiente mais favorável às suas pretensões e ganhar tempo para que possa dar a volta por cima. Pela importância de São Paulo, tudo passa e sempre passará por lá, e Doria será o grande anfitrião das tramas.


Alon Feuerwerker: Batalha tucana morro acima

O PSDB tem dificuldades para voltar a liderar o seu campo político

Não é frequente eleições presidenciais no Brasil trazerem surpresas. De 1994 a 2014, deu a lógica, pelo menos sobre quem iria ao segundo turno, ou ganharia no primeiro. Foram as duas décadas da polaridade PT/PSDB. Tempos nos quais os apelos “contra a polarização” tiveram pouca acolhida no debate público e na opinião pública. No máximo, viam-se ensaios de “terceira via”, que as circunstâncias invariavelmente acabavam deixando na poeira.

O que mudou em 2018? Jair Bolsonaro desalojou o PSDB da hegemonia no bloco que vai do centro à direita. É interessante notar que a Lava-Jato acabou tendo para os tucanos um efeito mais destrutivo que para os petistas. Varrido do cenário nacional pouco mais de dois anos atrás, o PSDB luta agora para retomar o posto de líder de seu campo, não sem razoável dificuldade. Uma batalha morro acima.

Os tucanos mantêm alguma expressão pelo Brasil em nível estadual, mas, à exceção de São Paulo, não dá para dizer que o partido tenha capilaridade hegemônica em nenhum outro estado. Um lugar onde mostrava algo parecido com isso era Minas Gerais, mas ali razões históricas conhecidas fazem hoje o PSD de Gilberto Kassab ser o candidato mais forte a ocupar a vaga de eventual partido hegemônico — inclusive com a participação de ex-peessedebistas.

“Em 2018, Bolsonaro tirou dos sociais-democratas a hegemonia no bloco que ia do centro à direita”

Situações de crise trazem oportunidades, diz o batido bordão, e o governador João Doria luta com todas as forças para ser o comandante da ofensiva de reconquista tucana. Teve a ousadia de sair na frente nas vacinas contra a Covid-19 e espera colher os frutos no próximo ano. Os fatos dirão. Um problema para Doria? É provável que daqui a um ano e meio, na hora da eleição, as “vacinas federais” já sejam em bem mais quantidade que a “de São Paulo”.

Doria tem um histórico de respeitáveis arrancadas eleitorais. Aconteceu quando concorria à prefeitura da capital paulista e, depois, ao governo estadual. É um argumento que ele tem usado ao ser confrontado com seus baixos índices atuais de intenção de voto. Há precedentes também na eleição presidencial. Fernando Henrique Cardoso em 1994, Dilma Rousseff em 2010 e Jair Bolsonaro, em 2018, partiram de trás — ainda que não tanto quanto o governador hoje.

Há, porém, uma diferença essencial entre os cenários enfrentados por Doria nas corridas de 2016 e 2018 e a disputa pela sucessão presidencial de 2022. O desafio ali era ocupar um espaço em larga medida desocupado. Nem para a prefeitura nem para o governo estadual, Doria teve de lutar em seu bloco com um Jair Bolsonaro. Os oponentes a ultrapassar eram Celso Russomanno e a incógnita entre Paulo Skaf e Márcio França.

Logo no começo do mandato de agora, Doria escolheu abrir, mais cedo do que recomenda a sabedoria convencional, a refrega com o atual presidente. Talvez tenha sido apenas por estilo, ou vai ver o governador avaliou que Bolsonaro se enfraqueceria rapidamente. A favor de Doria está o fato de as arremetidas anteriores dele terem dado certo. Contra, a também certeza de que enfrentar um presidente na cadeira costuma pedir mais frieza quando ainda falta muito tempo para a eleição.

Publicado em VEJA de 17 de março de 2021, edição nº 2729


Folha de S. Paulo: Apoio evangélico em 2022 indica Bolsonaro na ponta e entraves a Doria, Huck e PT

Pastores que marcharam junto com governador de SP agora dizem que o tucano perdeu moral com as igrejas

Anna Virginia Balloussier, Folha de S. Paulo

Num grupo de WhatsApp, um pastor brinca que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) atingiu imunidade de rebanho no eleitorado evangélico. Estaria protegido, assim, contra o "vírus de esquerda" por contar com a ampla maioria de uma fatia que representa cerca de 30% dos brasileiros.

Mas não é só o campo progressista que precisa se preocupar com a fidelização ao bolsonarismo dos principais líderes evangélicos do país —estima-se que 70% do segmento tenha aderido a ele em 2018.

Muitos pastores que marcharam junto com o governador João Doria (PSDB) agora dizem que ele perdeu moral com as igrejas. E isso, apostam, sairá caro na eleição de 2022, caso ele consiga pôr de pé uma candidatura presidencial.

No dia 19 de novembro de 2020, o pastor Silas Malafaia postou uma foto: ele, o apóstolo César Augusto, da Igreja Apostólica Fonte da Vida, e Bolsonaro, "num bate-papo sobre o Brasil agora à tarde". Duas pontes entre o presidente e essa parcela religiosa, eles dizem que o tucano não é sequer cogitado no pastorado.

"Nunca vi tanto o Doria quanto o [Luciano] Huck se posicionarem a favor dos valores que defendemos. Como disse, evangélicos apoiam os valores conservadores. Bolsonaro até então é o único que os tem", afirma Augusto à Folha.

Sobre o "mocinho engomado", como Malafaia chama o governador, tem a dizer: "A ideia que a liderança tem é a de que ele é traíra. O cara que você não pode confiar, o verdadeiro escorpião. Traiu Alckmin, depois Bolsonaro".

Em 2018, Doria escanteou seu padrinho político no PSDB, o ex-governador Geraldo Alckmin, e se elegeu pregando o voto BolsoDoria. Agora, faz oposição feroz ao titular do Palácio do Planalto. Se muito, conseguirá "arrumar algum pastor aí pra enfeite" em 2022, diz Malafaia.

Augusto e ele já tiveram um lugar no coração para o governador. Em 2017, o pastor carioca disse à Folha que, embora preferisse Bolsonaro, o tucano —então prefeito paulistano— faria "um bem danado ao Brasil" e daria um "ótimo presidente", isso "se não descambar".

Já Augusto começou aquela campanha endossando Alckmin, que acabaria em quarto lugar no primeiro turno, contrariando o favoritismo inicialmente previsto.

Um ano antes do pleito, o apóstolo foi recebido pelo tucano, que à época controlava o Palácio dos Bandeirantes. Ali o instigou: Deus o convocaria a concorrer à Presidência de novo (já havia perdido em 2006, para Lula). O pastor mudou de lado perto da reta final, quando a vitória de Bolsonaro se avizinhava.

A simpatia por Doria, então aposta de Alckmin, veio por extensão. Augusto diz que nutria a esperança de que "ele abraçaria os valores que apoiamos", e que o tucano ganhou pontos por se acoplar ao bolsonarismo antes da eleição.

Fato é que, ao se mudar para o Bandeirantes, Doria diminuiu o contato com pastores. "O distanciamento, além da pandemia, também se configura pelo próprio cargo: políticas públicas são mais fáceis de serem implementadas no âmbito municipal do que estadual", diz Carolini Gonçalves, presidente do Núcleo Cristão do PSDB em São Paulo.

Coordenador de Assuntos Religiosos do grupo tucano, o pastor Luciano Luna lembra que Doria foi muito próximo, enquanto prefeito, dos evangélicos. "Ele e Bruno [Covas, seu sucessor] conseguiram muitas conquistas pras igrejas, em relação a alvarás e licenciamentos."

Os humores eleitorais sempre foram fluídos na liderança evangélica. Malafaia é um bom estudo de caso.

Em 1989, apoiou Leonel Brizola e, no segundo turno, Lula, por então vê-lo como "um cara que vem da classe baixa, do sofrimento do pobre". Depois, ladeou com FHC (PSDB), voltou a exaltar o lulismo, então defendeu os tucanos José Serra e Aécio Neves.

Debates progressistas aceleraram o divórcio entre o PT e os pastores evangélicos de maior alcance nacional —como Edir Macedo e José Wellington Bezerra da Costa.

O desgaste gerado por um projeto que combatia o bullying homofóbico nas escolas, apelidado por conservadores de kit gay, é um ponto de inflexão. Formulado por ONGs a pedido da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, o material foi acompanhado pelo Ministério da Educação sob guarda de Fernando Haddad. Acabou suspenso após ser bombardeado por vozes religiosas.

Em 2018, um católico com fortes laços no pentecostalismo brasileiro conseguiu a proeza de reunir em torno dele um segmento tão pulverizado quanto o evangélico.

Jair Bolsonaro, casado com uma evangélica e batizado ele próprio, de forma simbólica, nas águas do rio Jordão pelo hoje presidiário Pastor Everaldo, permanece como predileto no que podemos chamar de nata do pastorado nacional.

Se já era de se esperar o azedume com que se referem a políticos da esquerda, outro nome malquisto é o de Luciano Huck. O apresentador, figura mais ao centro e com entrada na direita, nunca oficializou sua intenção de se candidatar, mas essa hipótese circula livremente em Brasília.

Com sogros evangélicos, Huck nunca teve uma relação azeda com o segmento. Já recebeu estrelas da música gospel em seu programa de TV e tem bom trânsito em estratos mais carentes do país, onde a participação evangélica é forte.

Com a polarização dos últimos anos, contudo, sua ligação com a Globo virou vidraça —muitos pastores reproduzem o discurso de "Globo Lixo" que Bolsonaro dissemina.

Seu posicionamento em temas morais, mais progressista, também joga contra ele. Há ainda quem resgate imagens dele com Tiazinha e Feiticeira, personagens sensuais do programa que apresentava na Band nos anos 1990.

A possibilidade de a esquerda voltar a abocanhar votos evangélicos em massa é vista com descrença, o que se estende a outros atores do campo, como Ciro Gomes (PDT) e Guilherme Boulos (PSOL). Mas o fogo maior é contra o petismo.

"Com todo o respeito, em 2018 o PT pegou uma meia dúzia de gente sem nenhuma expressão no mundo evangélico", diz Malafaia. "Dá até vergonha os caras que apoiaram, não tem expressão."

Refere-se aos pastores que se alinharam a Haddad em 2018 —que pode repetir a candidatura ano que vem, caso condenações judiciais impeçam mais uma vez que Lula entre no páreo.

Coordenador no núcleo evangélico do PT, Luis Sabanay afirma que o partido perdeu votos sobretudo na população pobre, "onde a presença evangélica é significativa". A "divinização da imagem de Bolsonaro" somada a artifícios "para destruir a imagem do PT" agravaram o quadro.

Pastor presbiteriano, ele questiona se líderes como Macedo e Malafaia estão a fim de papo. "Não digo que foram aliados dos governos petistas, mas eles tinham canais de diálogos abertos. Romperam porque tinham outro projeto."

Sabanay prefere focar em fronts socioeconômicos para reconquistar esse eleitor. Defende "um maior diálogo com as classes empobrecidas nas periferias urbanas e rurais, onde os impactos do desmonte das políticas sociais e da crise sanitária [a pandemia] são devastadores".

O PT explorou bem esse ângulo em 2002, quando lançou a Carta aos Evangélicos. Nela, Lula enfatizou "projetos de promoção social" e de "resgate dos marginalizados", para depois agradecer "o amor cristão que vocês têm demonstrado por nós".

O amor acabou? Talvez não na base, pondera Ana Carolina Evangelista, diretora-executiva do Instituto de Estudos da Religião.

"Importante lembrar que no primeiro turno de 2018, quando o Lula ainda era o candidato, liderava as intenções de voto no segmento evangélico, sempre seguido de perto por Bolsonaro. Não por acaso as lideranças evangélicas também demoraram para declarar seu apoio [a Bolsonaro]."

Dados da última eleição revelam que esse eleitorado elegeu representantes "a partir de pautas que se relacionavam com a forma pela qual as crises econômicas e de segurança pública afetavam suas vidas, não apenas por orientação religiosa", afirma.

"Ao mesmo tempo, também é uma base que vem se movendo por valores cada vez mais conservadores, não apenas morais, mas na educação e na segurança pública."

Os pastores "estarão onde estiver o poder e a chance de vitória, não importando em qual espectro", diz Evangelista. "A história mostra isso."


Marco Aurélio Nogueira: Dilúvios à vista

Há muitos 'presidenciáveis' em cogitação, mas não há o fundamental: nem uma boa articulação democrática, nem um programa mínimo com que tirar o país do buraco em que se encontra.

O açodamento, em política, é inimigo do protagonismo inteligente. Hoje, faltando quase dois anos para as próximas eleições, andam todos em busca do candidato “campeão”, aquele que será capaz de bater nas urnas o capitão cloroquina, hoje tido como adversário de respeito e o mais forte no ringue.

Pelo centro e pela esquerda a especulação campeia, juntamente com balões de ensaio em profusão e muito movimento de ocupação de espaço. Há quem busque se cacifar com antecedência, caso de João Dória, que põe em curso uma operação desenhada para fracassar, seja pela falta de carisma do personagem, seja por sua baixa densidade nacional, seja pela incapacidade de ser um ponto de convergência consistente do centro liberal-democrático. 

Há os que procuram um nome de “fora da política”, capaz de fornecer ao eleitorado uma perspectiva de renovação, derivada da ideia de que o eleitor médio está cansado dos mesmos de sempre. Chega-se mesmo a ventilar o nome da empresária Luiza Trajano, nome digno mas que está anos-luz distante de uma briga eleitoral mais profissional. Passa-se o mesmo com Luciano Huck, cuja juventude e cujo dinamismo podem estar sendo desperdiçados por falta de definições e bases sólidas de sustentação. Lula, por sua vez, incapaz de agir em articulação com os vários pedaços da esquerda, diz para Fernando Haddad “por o bloco na rua” e o ex-prefeito de São Paulo obedece, sem levar em conta os humores do próprio partido. Ciro Gomes mexe-se o tempo todo, mesmo que em silêncio e sem sair do lugar.

E isso para não falar dos que se aproveitam da conjuntura para atiçar a luta interna nos partidos.

Há nomes sendo cogitados, mas não há o fundamental: nem uma boa articulação entre as correntes democráticas, nem um programa mínimo com que tirar o país do buraco em que se encontra. Sem isso, nomes ficarão a flutuar, sem agarrar coisa alguma. E aquele que está mais assentado (no caso, o presidente da República) vai não só mantendo posição como pondo em curso o projeto de dividir e impulsionar a “implosão” dos partidos institucionalmente mais fortes (DEM, PSDB) do centro democrático. Até agora, ele está nadando de braçada.

Muitas águas vão rolar, com certeza, ao longo de 2021. Mas só promoverão dilúvios desagregadores se não houver esforços tenazes para construir diques democráticos de sustentação, que agreguem o que está sendo atacado pelo vírus demoníaco da divisão e do açodamento.

*Marco Aurélio Nogueira, professor titular, Teoria Política da Unesp


Vera Magalhães: Estranho no ninho

João Doria Jr. é candidato a presidente da República desde 2018, talvez antes. Quando decidiu adentrar a política, o hoje governador de São Paulo traçou uma rota rápida que o levaria, no curto intervalo de seis anos, ao Palácio do Planalto. Até aqui, os passos deram certo. Mas agora o campeonato será jogado numa outra liga, bem mais dura.

A primeira mostra de que o jogo é bruto veio nos primeiros meses após a eleição. Logo depois do Bolsodoria, o tucano passou a ser hostilizado pelo presidente, pelos filhos e pelo entorno radicalizado.

A razão é simples: o bolsonarismo só pensa na reeleição, e a ordem é aniquilar no nascedouro qualquer potencial adversário. Nesta quinta-feira, a milícia virtual do presidente, deputados federais à frente, começou a alvejar ninguém menos que a empresária Luiza Trajano, por ver nela uma potencial candidata, graças a sua campanha pela vacinação imediata de todos os brasileiros. O jogo é bruto.

Doria não é alguém conhecido exatamente pela calma nem por seguir os ritos da política, que incluem muito diálogo antes das ações. Na segunda-feira, foi anfitrião de um jantar que reuniu figurões tucanos, em que o cardápio servido foi a ideia de que ele assumisse o comando da sigla de entrada, sua candidatura presidencial como prato principal e uma nova tentativa de expulsar Aécio Neves de sobremesa.

Caiu como um tijolo no estômago de parte dos presentes, sobretudo nas bancadas de deputados e senadores, que ato contínuo decidiram manter Bruno Araújo na presidência da legenda e lançar o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, como alternativa a Doria internamente.

A surpresa foi que Leite topou o jogo e não ficou no muro, poleiro de predileção dos tucanos desde sempre. Surge, então, o estranho no ninho com que Doria não contava. Ao menos não agora.

Aliados do paulista dizem que o seu objetivo com o jantar da segunda-feira era instar o partido a adotar uma postura firme de oposição a Bolsonaro, e não antecipar a própria candidatura.

Será mesmo? Dados os porta-vozes da ideia (o ex-ministro Antonio Imbassahy e o deputado federal paulista Samuel Moreira, ambos ligadíssimos a ele), ninguém acredita que o script não tenha sido previamente organizado pelo meticuloso Doria.

O tiro saiu pela culatra, mas ainda assim é temerário apostar que ele vá deixar a sigla só porque apareceu um oponente. Doria sempre repete que é “filho das prévias”, numa alusão aos dois processos seletivos internos que venceu, mesmo sem ser versado nas liturgias da política partidária.

Leite, por sua vez, saiu de vez a campo. Além da frase de alta octanagem política que cunhou, ao afirmar que não misturou seu nome ao de Bolsonaro (um tiro no Bolsodoria), aceitou a convocação de deputados e senadores e vai rodar o país. Em entrevista que fizemos com ele ontem na CBN, assumiu a candidatura sem tergiversar e se disse preparado para os ataques que receberá (já está recebendo, corrigiu) dos gabinetes do ódio bolsonaristas.

Se os dois levarem adiante a disposição de se candidatar, o PSDB pode ter primárias pela primeira vez em sua história. Mesmo com guerras internas no passado, algumas com direito a dedo no olho, sempre prevaleceu um arranjo de cúpulas que evitou esse tipo de escolha.

Dada a deterioração programática e o desgaste político do PSDB desde que Aécio Neves enfiou o partido no pântano do JBS Gate, e desde que Geraldo Alckmin foi reduzido a nanico em 2018, uma disputa poderia oxigenar e dar algum rumo a uma sigla que virou coadjuvante apagada no cenário nacional.

Isso depende, no entanto, de que quem perder aceite a derrota, e de que a contenda não se dê em níveis bolsonarescos. É o que vamos começar a assistir a partir de já, porque essa campanha também já começou.