João Domingos

João Domingos: A banalidade autoritária

‘Sem liberdade de imprensa, além de acuados, estaremos perdidos’

Ninguém que defenda a democracia pode considerar normal a banalidade com que se tem invocado a edição de um novo AI-5. Com o AI-5, o Congresso foi fechado, o presidente da República foi autorizado a decretar estado de sítio por tempo indeterminado, demitir pessoas do serviço público, cassar mandatos, confiscar bens e intervir nos Estados e municípios. A liberdade de imprensa e de expressão foi extinta. Essa é a verdade dos fatos. Escondê-la é distorcer a realidade, é fabricar fake news.

Autor do recém-lançado Existe democracia sem verdade factual? (Estação da Letra e Cores Editora), no qual dialoga sobre o impacto da desinformação no debate público com o pensamento da filósofa Hannah Arendt, criadora da teoria da “banalidade do mal”, Eugênio Bucci, professor titular da Escola de Comunicações e Artes da USP, faz uma analogia entre a tentativa de negar a verdade dos fatos e a ameaça ao estado democrático de direito.

À coluna, Bucci lembrou que a democracia é uma construção histórica, um engenho social, um projeto humano. “Sem cuidados, ela pode perder vigor e desaparecer. A democracia existe porque existiram e existem seres humanos que cuidam dela, com muito trabalho. Sem eles, nada feito.”

Para existir a democracia, é preciso haver liberdade de expressão e de imprensa. Mas até quando a liberdade de imprensa e de expressão sobreviverá à ameaça de soluções autoritárias, como a da volta do AI-5, ou à tentativa de banalização do uso das Forças Armadas em conflitos urbanos e rurais, que podem esconder intervenções nos Estados e quebra do princípio federativo?

Bucci observa que no Brasil e em outros países aumentam a atividade e o espaço dos que trabalham contra e combatem as liberdades individuais, os direitos fundamentais, as conquistas sociais, a tolerância, o pluralismo e a cultura de paz, valores que servem de balizas civilizatórias. “A democracia ainda está aí, as instituições estão funcionando, mas as ameaças contra ela se avolumam.”

Nesse contexto, os primeiros ataques tentam atingir a liberdade de imprensa – a frente mais frágil e mais visível das sociedades democráticas, diz Bucci. “No Brasil, o clima de ameaças se tornou escancarado. Artistas são xingados e execrados. As universidades sofrem infâmias diárias, como a de que não passam de centro de consumo e de produção de drogas. Por que isso? Porque na universidade há pensamento livre, coisa que os autoritários não suportam. E porque nas artes há imaginação à solta, coisa que os apavora. Mas é contra a imprensa que se detonam os bombardeios mais baixos e mais covardes, incluindo intimidações pessoais, ameaças de morte e de prisão, chantagens e tentativas, vindas do Estado, de quebrar o negócio de órgãos jornalísticos.”

Para Bucci, não há nada mais frágil do que a verdade factual, mas, ao mesmo tempo, não há nada que o autoritarismo mais tema. “Cerremos fileiras com a liberdade de imprensa. Se ela cair, todo o resto cairá logo em seguida. Se queremos uma democracia que não dobre os joelhos, queremos uma imprensa incômoda, independente e sustentável. A liberdade de imprensa será o fiel da balança no Brasil de agora, como já foi no passado. Sem ela, além de acuados, estaremos perdidos.”

Despedida
Esta é minha última coluna. A intenção, ao pedir a Eugênio Bucci que falasse sobre a liberdade de imprensa para o texto de despedida, foi lembrar que essa liberdade sofre ameaças muito sérias. Entendo que Bucci, ao lado do ex-presidente do STF Ayres Britto, e de veículos de comunicação como o Estado, simbolizam, cada um em seu espaço, a luta pela liberdade de expressão. Que, em resumo, é a defesa da democracia. E a garantia da liberdade.


João Domingos: A antítese do PT

Até por falta de tempo, falta medir o tamanho do partido de Bolsonaro

O partido que o presidente Jair Bolsonaro está criando, do qual é presidente da comissão provisória, e o filho, o senador Flávio Bolsonaro (RJ), é o vice, surge como a antítese do PT.

E, como o PT, provavelmente será falado, estudado e dissecado. Luiz Inácio Lula da Silva foi o sindicalista que ganhou notoriedade na segunda metade dos anos 1970 e fundou o PT no início dos 80, ainda na ditadura militar. Tal partido, que depois chegaria à Presidência da República e só sairia com o processo de impeachment de Dilma Rousseff, nasceu da junção do pensamento da elite sindical, do clero progressista, de acadêmicos de esquerda que rejeitavam o PCdoB e o antigo PCB, por tê-los como inviáveis, retrógrados e dogmáticos, e de trotskistas fundamentalistas.

Jair Bolsonaro fundou o Aliança pelo Brasil (APB) a partir do próprio clã familiar, de parlamentares que foram eleitos em sua onda política e de adeptos de uma linha de pensamento da direita que ainda não é possível definir muito bem. Só já se sabe que está se acostumando a misturar política com religião, é conservadora ao extremo e confia na tese de Bolsonaro de que uma pessoa pode se armar para se defender de quem estiver armado e ameaçar a sua segurança ou a de seus familiares. Um grupo que até pouco tempo não costumava aparecer nem expor suas ideias.

Não expunham suas ideias nem apareciam porque, também até pouco tempo, era vexatório e até se arriscava a levar uma vaia quem ousasse falar que era de direita.

Bolsonaro disputou a Presidência da República como o anti-PT, o anti-Lula. A partir de seu gesto, conseguiu despertar essa direita envergonhada e uni-la em torno dele. A ponto de por ela ser chamado de “mito” e de ganhar outdoors por todo o Brasil de 2016 para cá sem que nem ao menos soubesse quem é que mandou fazer a propaganda.

O PT, o Brasil já sabe o tamanho que tem. Sabe que é um partido de tendências hegemônicas, que não gosta muito de dividir, que numa autocrítica que fez em maio de 2016, logo depois da abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff, se disse descuidado por não ter reformado o Estado, “o que implicaria impedir a sabotagem conservadora nas estruturas de mando da Polícia Federal e do Ministério Público Federal; modificar os currículos das academias militares; promover oficiais com compromisso democrático e nacionalista; fortalecer a ala mais avançada do Itamaraty e redimensionar sensivelmente a distribuição de 5 verbas publicitárias para os monopólios da informação”.

Caso fosse fazer uma autocrítica, o partido de Bolsonaro se queixaria de ter sido descuidado quando esteve no governo, como o PT se queixou? É possível que sim. Ninguém que planeja ficar no poder gosta de descuidos, principalmente quando podem atrapalhar seus planos. O próprio Bolsonaro já deu mostras de sobra de que quer tudo sob seu controle. Já negou verba publicitária para meios de comunicação dos quais não gosta, já escolheu o chefe do Ministério Público que melhor se enquadrava em seu estilo, já determinou o fim da prática ideológica no Itamaraty, já exigiu a demissão de quem considerou sem comprometimento consigo ou vinculado a partido ou movimento que, no entender do presidente da República, é adversário do seu governo.

Até por falta de tempo, falta medir o tamanho que o partido de Bolsonaro tem. Isso poderá acontecer quando o APB estiver regularizado. Os institutos de pesquisa acham que os bolsonaristas podem ser uma parcela de 15% da população. Se tal porcentual se confirmar, o partido de Bolsonaro já nasce grande. É de fato um fenômeno a ser muito bem estudado. E dissecado.


João Domingos: O bolsonarismo

O nome Aliança pelo Brasil remete à Arena, o partido da ditadura militar

A decisão do clã Bolsonaro de sair do PSL e patrocinar a criação de um partido é uma consequência natural daquilo que se convencionou chamar de bolsonarismo. Trata-se de um fenômeno recente, sobre o qual não há ainda estudos aprofundados. Mas a respeito do qual já se pode dizer que é um movimento político que busca se contrapor a governos social-democratas, como os de Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff, atribuindo-lhes erroneamente uma tendência socialista ou comunista.

O bolsonarismo é ainda um movimento que busca misturar valores cristãos (aqui não importando se a fé é católica ou protestante/evangélica) com o fortalecimento da estrutura familiar baseada nos pilares homem/mulher, uma forte presença militar e repressão aos crimes sem a necessidade da observância, por parte do Estado, de regras consagradas por declarações e avanços em favor do respeito aos direitos humanos.

Assim como o lulismo idolatra a figura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o transforma em dogma e o isenta do pecado, o bolsonarismo faz o mesmo com a figura do presidente Jair Bolsonaro. A diferença é que Lula ainda não é o anti-Bolsonaro, embora queira ser. Bolsonaro sim. Sem dinheiro, sem tempo de TV e sem partido, conseguiu vencer uma eleição declarando-se o anti-Lula.

Portanto, a decisão de Bolsonaro e seu clã de formar um novo partido é mais do que coerente. Incoerente seria permanecer no PSL, uma legenda usada por Bolsonaro para se candidatar em 2018, como poderia ter usado outra.

O PSL, além de ter uma sigla trava-línguas, é um partido sem nenhum apelo popular. Não se vê por aí alguém batendo no peito e dizendo que é pesselista. O que se vê entre os bolsonaristas é alguém batendo no peito para dizer que segue Bolsonaro.

O partido bolsonarista, que se chamará Aliança pelo Brasil, tem um nome que se encaixa muito bem na idolatria a Bolsonaro e na sua forma de pensar a política. O Aliança remete à Arena, o partido que deu sustentação parlamentar à ditadura militar, e que se chamava Aliança Renovadora Nacional. Nos seus bons tempos, a Arena misturava a elite política e empresarial e oficiais das Forças Armadas que se aventuraram na política.

Assim como acontece nos movimentos criados em torno de uma pessoa, o Aliança pelo Brasil deverá se tornar a herança que Jair Bolsonaro deixará para seus filhos. O deputado Eduardo Bolsonaro (SP), que não conseguiu a Embaixada do Brasil nos Estados Unidos, como planejado, poderá ser o presidente da nova legenda. Isso, caso consiga costurar um acordo no PSL para deixar o partido sem perder o mandato por infidelidade. Se houver esse risco, o presidente deve ser o senador Flávio Bolsonaro (RJ). Nenhum bolsonarista vai reclamar.

O poder da informação
Quanto mais informação um político tem, mais poder ele acumula. Pode prever, por exemplo, a movimentação de amigos e adversários, pode formalizar alianças impensáveis, pode abortar ações que considera perigosas para seu futuro e o futuro de seu grupo.

Nesse sentido, não há como desconhecer que o presidente do STF, Dias Toffoli, tem acumulado poder. Depois de suspender investigação contra o senador Flávio Bolsonaro que utilizava dados do Coaf e da Receita liberados sem autorização judicial, ele pediu e recebeu do Banco Central relatórios sigilosos mencionando 600 mil pessoas, 412,5 mil físicas e 186,2 mil jurídicas. De acordo com reportagem da Folha de S. Paulo, há integrantes da família Bolsonaro citados. Da Receita, Toffoli obteve ainda dados relativos a investigações sobre 6 mil contribuintes. Tudo no contexto da liminar concedida ao senador Flávio. Toffoli não é político. É juiz. Pode fazer a solicitação. O que não o impede de ganhar poder.


João Domingos: O STF e o pacto de 2022

Lula, Sérgio Moro e Bolsonaro tendem a ganhar maior espaço

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de proibir a prisão após condenação em segunda instância tem tudo para se tornar um marco na História do País. Por alguns motivos em especial. Um, porque foi - e continuará sendo - um teste para se medir a força das instituições pilares da sustentação do Estado Democrático de Direito. Mesmo sob forte pressão para que mantivesse a jurisprudência de 2016, a favor da prisão, a Corte não se intimidou. A sessão foi transmitida ao vivo pela TV e quem quis pôde ver em detalhes como se comportou cada ministro. Goste-se ou não do resultado, ele está aí.

O motivo número 2 que fará com que o julgamento entre para a História existe porque, embora se trate de uma questão técnica - se um artigo do Código de Processo Penal é compatível com a Constituição -, o resultado principal foi político. Daqui para a frente começa a ser montado o palco da eleição presidencial de 2022. Agora, com todos os personagens que, de alguma forma, movimentarão as forças políticas do País, ou na frente de alguma chapa, ou nos bastidores.

O ex-presidente Lula, motivo de toda a barulheira em torno do julgamento, passa a ter liberdade de locomoção para continuar a fazer aquilo que sempre fez, e que não deixou de fazer nem na cadeia, que é política. Se será candidato ou não, isso é outra coisa. Lula está enquadrado na Lei da Ficha Limpa e, caso o STF não anule sua sentença, o que, se não é impossível, é muito difícil, não poderá se candidatar. Mas poderá percorrer o País para fazer campanha por um candidato do PT. Quer dizer que vencerá a eleição, como venceu com Dilma? Necessariamente não. Hoje a situação é muito diferente da de 2010. A rejeição ao PT é maior. Ninguém deve se esquecer que o processo de corrupção que arruinou o partido é recente, está na memória do eleitor e fez nascer novas forças políticas no País, uma delas no poder com Jair Bolsonaro. Mas o peso de Lula é grande.

Outro personagem que pode ser resgatado, embora no momento se encontre um pouco apagado, é o ministro da Justiça, Sérgio Moro. É possível que a decisão do STF reacenda a lembrança de que foi Moro que condenou Lula no processo do triplex do Guarujá. Não só Lula, mas dezenas de empresários até então intocáveis, dirigentes de partidos, parlamentares e burocratas de estatais. Não se deve esquecer ainda que foi Moro o maior responsável pelo impeachment de Dilma Rousseff. Ele divulgou o grampo de uma conversa entre Dilma e Lula, na qual a então presidente da República mandava a seu mentor o termo de posse na Casa Civil, o salvo-conduto para que não fosse preso. Tal grampo levou o ministro Gilmar Mendes a proibir a posse de Lula. Sem cargo no governo, Lula não pôde fazer nenhuma articulação política para salvar Dilma, que logo teria o mandato cassado.

A respeito de Moro, Jair Bolsonaro aproveitou ontem cerimônia de formatura de policiais federais para dizer que se não fosse o ex-juiz de Curitiba ele não estaria ali como presidente da República. “Parte do que acontece na política do Brasil devemos a Sérgio Moro”, afirmou.

Nada mais verdadeiro. Para, em seguida, dizer essa frase enigmática, que pode ser interpretada de várias maneiras: “Ele (Moro) estava cumprindo uma missão. Se a missão não fosse bem cumprida eu também não estaria aqui”. Bolsonaro é outro personagem político que tende a se manter em evidência por causa da decisão do STF. Ainda encarado como o “anti-PT” e o “anti-Lula”, ele vai aguardar a forma como se comportará o ex-presidente. Se Lula radicalizar o discurso, ficará à vontade para também radicalizar o seu e tentar tirar o mesmo proveito do antagonismo com os petistas que tirou na eleição de 2018.


João Domingos: Pacote terá problemas no Congresso

O governo pode se preparar. O Congresso não aprovará as propostas do Plano Mais Brasil do jeito que foram entregues. Em alguns casos, haverá resistências intransponíveis, como a extinção de cerca de 1,2 mil municípios com menos de 5 mil habitantes e arrecadação menor do que 10% da receita total. Em outros, os projetos serão tocados, mas com mudanças. A única parte com chance de andar, talvez com votação em pelo menos uma das Casas este ano, é a que trata dos gatilhos para reduzir gastos.

O Congresso é formado na sua maioria por parlamentares que se dizem municipalistas. E, mesmo que nem todos saibam direito o que isso significa, sabem que precisam do apoio dos prefeitos para garantir a eleição. Acabar com mais de mil municípios é acabar com mais de mil cargos de prefeito e outro tanto de vices, além de cerca de 12 mil mandatos de vereador, todos cabos eleitorais importantes. Sem contar os servidores, eleitores que podem perder o emprego.

Para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, tudo leva a crer que essa iniciativa tem cheiro de jabuti em cima de uma árvore. “Tem segunda intenção por parte desse projeto”, disse Maia a este repórter ontem.

Deve-se levar em conta para o futuro do pacote dois fatores: a total dependência que Bolsonaro tem de Maia e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Sem base parlamentar, e com o único partido do governo, o PSL, em guerra interna, o presidente terá de contar com a boa vontade dos dois. Como contou na aprovação da reforma da Previdência.

Só que o momento é diferente. Maia está descontente com a forma como o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem se comportado quanto à reforma tributária. A impressão que Guedes passa é a de que não deseja que nada seja feita. Outro tema que levanta o debate no Congresso são as crises que Bolsonaro e seus filhos criam do nada. Muitos líderes começam a demonstrar cansaço com a usina de crises do clã Bolsonaro.


João Domingos: Em estado de autoflagelo

Se o País tivesse paz na política, poderia estar numa situação muito melhor

Na tarde de ontem, o presidente Jair Bolsonaro usou a conta pessoal que tem no Twitter para fazer uma comparação entre o primeiro ano de seu governo e o primeiro ano do segundo governo de Dilma Rousseff (2015). Eis a tabela: inflação no governo Dilma, 10,67%, no de Bolsonaro, 3%; juros com Dilma, 14%, com Bolsonaro, 5%; índice da Bolsa no governo Dilma, 38 mil, no governo de Bolsonaro, 108 mil pontos; risco-país sob Dilma, 533 pontos, sob Bolsonaro, 117; PIB de Dilma, -3,8%, de Bolsonaro, 0,8%. Goleada para Bolsonaro.

Certamente seus partidários mais fiéis vão dizer que é um placar semelhante ao 7 a 1 aplicado pela seleção de futebol da Alemanha na seleção do Brasil na Copa da Fifa de 2014, competição que Dilma chamou de “Copa das Copas”, e que para o Brasil foi o vexame dos vexames.

Bolsonaro não disse, mas isso ninguém costuma mesmo dizer, é que os índices econômicos tão diferentes para melhor foram conseguidos por vários motivos, com destaque para dois. O primeiro, é que ele recebeu do presidente Michel Temer uma economia já em recuperação, lenta, mas não mais em depressão. O segundo é que sua equipe econômica trabalha duro e sem interferências mais sérias. Na economia, nem o presidente nem seus filhos criam crises como criam na política. Além do mais, o Congresso decidiu parar de fazer marolas, de votar pautas-bomba. Abraçou as reformas econômicas, passou confiança para o mercado, permitiu que investidores pensem no Brasil como um bom lugar para pôr o dinheiro que têm.

Imagina o cenário que o presidente poderia mostrar no Twitter se o País tivesse um mínimo de paz na política, se o presidente não criasse uma crise nova a todo momento, se os filhos decidissem ser só o que são: filhos do presidente da República, um envolvido com o trabalho no Senado, outro com o trabalho na liderança do PSL e na presidência da Comissão de Relações Exteriores da Câmara e outro na sua função de vereador no Rio de Janeiro, fiscalizando o que faz a administração de Marcelo Crivella. E não pensando que, por serem filhos do presidente, podem também ocupar a Presidência de vez em quando. E nessa função à qual não têm direito, pensar em uma guerra contra inimigos imaginários, planejar a assinatura de um novo AI-5 e jogar a Nação e seu povo de volta a uma ditadura que ninguém quer.

Sem as crises políticas, Bolsonaro poderia usar o Twitter não só para fazer uma comparação entre seu governo e o de Dilma. Poderia também dizer que em seu governo não se registrou, até agora, nenhuma crise política, ao contrário do que ocorreu no de Dilma em 2015. Naquele ano, em novembro, aliados fugiam dela como se ela fosse o diabo. E dali a um mês seria aberto um processo de impeachment.

O problema é que Bolsonaro não consegue usar o Twitter só para enaltecer as coisas boas que seu governo tem feito, e que até permitiram uma recuperaçãozinha do emprego. Vai à rede social para agredir instituições que são os pilares do estado democrático de direito, como fez com o STF, ao compará-lo a uma hiena que tenta destruir o leão-Bolsonaro. E os filhos, um aproveita que o pai está fazendo uma cirurgia para dizer que o regime democrático não permite mudanças rápidas, insinuando que as coisas só se resolvem numa ditadura; o outro dá uma entrevista para convocar fantasmas e falar que pode ser necessário editar um novo AI-5. Isso contra um adversário hipotético, incapaz de chamar uma manifestação de rua contra a reforma da Previdência. E que ainda reúne os cacos do desastre em que se meteu ao confundir o público com o privado, ao criar uma máquina de corrupção nas estatais. O que permitiu a eleição de Bolsonaro.


João Domingos: O desafio do Supremo

Há muita culpa de dirigentes do STF na pressão que seus ministros sofrem

Qualquer pessoa de qualquer país que der uma lida no noticiário político ou se aventurar pela selva das redes sociais, verá que o Supremo Tribunal Federal (STF) está diante de um desafio sem igual na história recente: decidir, sob violenta pressão, se é constitucional ou inconstitucional a prisão após condenação em segunda instância. Pelas contas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), quase 5 mil presos podem ser beneficiados se o STF concluir que a prisão só pode ocorrer depois de todo o trânsito em julgado do processo. Pelo que se pode observar, dos mais variados presos, o interesse todo se volta para um, o ex-presidente Lula. A depender do que o STF decidir, ele pode ser solto.

A jurisprudência do STF a respeito da prisão em segunda instância é de 2016. Ela teve como fundamento principal o fato de que cabe apenas às instâncias ordinárias (Varas, Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais) o exame dos fatos e das provas. Portanto, são essas instâncias que fixam a responsabilidade criminal do acusado. Nos recursos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo, a discussão diz respeito apenas a questões legais ou constitucionais.

Tal jurisprudência foi fundamental para o sucesso da Operação Lava Jato. Permitiu que o então juiz Sérgio Moro, o juiz da Lava Jato, mandasse para a cadeia um sem número de empresários, políticos muito poderosos, como o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e o ex-governador Sérgio Cabral, ambos do MDB do Rio de Janeiro, dirigentes partidários e Lula, um líder popular e carismático. Derrubar agora a prisão em segunda instância seria um golpe quase fatal na Lava Jato ou no avanço do combate à corrupção. A polarização política, que já é imensa, tende a ficar ainda maior.

Nesse contexto, surgem teorias da conspiração as mais diversas e até manifestações, por parte de autoridades diretamente envolvidas na questão, que não fazem nenhum sentido. Como a do procurador Deltan Dallagnol, chefe da força tarefa da Lava Jato, que disse esperar que a aposentadoria do ministro Celso de Mello reverta uma possível decisão pela mudança na jurisprudência. Em primeiro lugar, Mello ainda não votou. Acha-se, de achismo mesmo, que ele poderá dar um voto para mudar a jurisprudência. Em segundo lugar, Mello só completa 75 anos em novembro do ano que vem, o que o obriga a sair. Ninguém pode afirmar que o substituto de Mello será favorável à prisão em segunda instância. Mudanças na forma de ver as coisas são mais do que comuns também nos meios jurídicos. O PT achava que todos os ministros que nomeou votariam de acordo com os desejos do partido. Veio o escândalo do mensalão e ministros nomeados pelo PT mandaram petistas para a cadeia.

Há muita culpa do STF na pressão que seus ministros têm sofrido. Desde que a questão Lula entrou na pauta do Supremo, os dirigentes da Corte evitaram enfrentá-la. Para isso, fizeram os mais incríveis malabarismos, talvez esperando que a situação se resolvesse por si. Mas, como ficou provado agora, não se resolveu.

Ao decidir por pautar o julgamento de três ações que podem derrubar a prisão em segunda instância, o presidente do STF, Dias Toffoli, poderia ter se precavido e agido de forma diferente. Por exemplo: em vez de fazer sessões a conta-gotas, que pulam de uma semana para outra, e para outra, o que permite o aumento da pressão, que tal se tivesse pensado numa só, mesmo que entrasse por duas ou três madrugadas? O assunto seria resolvido muito mais rapidamente.

Qualquer que for a decisão do STF, ela precisa ser acatada. Note-se, a respeito, o comportamento do presidente Jair Bolsonaro. Ele tem evitado comentários sobre o julgamento.


João Domingos: Jogar para perder?

Difícil entender a estratégia de Bolsonaro na crise do PSL

A coluna deste sábado poderia se referir à aprovação da reforma tributária, uma proposta tão moderna e desburocratizante que se tornará modelo para o mundo. Ou sobre a reforma administrativa que acabou com privilégios e deixou a máquina pública enxuta e pronta para servir ao cidadão que paga impostos. Talvez a respeito do novo plano industrial. Quem sabe sobre o sucesso do programa de combate ao desemprego, que levou ao pleno emprego, fez a renda crescer e devolveu ao cidadão brasileiro esperança e felicidade.

Mas não será a respeito de nenhum desses temas. O governo nem conseguiu montar seu projeto de reforma tributária. A reforma administrativa é um sonho mais do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), do que do presidente Jair Bolsonaro. O plano industrial, se existe, existe só no papel. O programa de criação de empregos ainda não apareceu. E a renda do cidadão é uma tragédia. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) com dados de 2018, divulgada na quarta-feira, 16, mostra que mais de 100 milhões de brasileiros – quase a metade da população – vivem com apenas R$ 413 mensais.

A vergonha nacional revelada pelo estudo da Pnad Contínua, com aumento ainda maior da desigualdade entre ricos e pobres, nem foi tão comentada porque um outro tema a encobriu. Trata-se da crise do PSL, o escândalo da arapongagem que grampeou todo mundo, até o presidente da República, e suas possíveis consequências para o projeto de reformas do País. Como até agora só a reforma da Previdência entrou na pauta, e esta parece estar resolvida, pois depende apenas da votação do segundo turno, pelo Senado, pode-se deixar as considerações sobre a agenda econômica para um futuro próximo. E ater-se ao comportamento político do presidente Jair Bolsonaro na crise do PSL.

Nos 28 anos em que foi deputado federal, Bolsonaro se diferenciou muito de seus colegas. Não ocupou presidência de comissão nem disputou relatorias. Teve como foco as pautas conservadoras, a defesa de direitos de militares, uma aversão a reformas, o combate à corrupção e o enfrentamento à centro-esquerda. Se tudo isso fez parte de um projeto político, foi um projeto vitorioso. Bolsonaro conseguiu firmar-se como o antiPT e o antiLula num momento de crise dos petistas e do centro, fez uma campanha eleitoral sem dinheiro nenhum, sem tempo de propaganda na TV e venceu. Alguns atribuem a vitória dele ao atentado à faca que sofreu em Juiz de Fora, que o transformou em vítima e o livrou dos debates com os adversários. Mas isso é apenas uma afirmação empírica.

Ao assumir a Presidência da República, Bolsonaro abominou o fatiamento da Esplanada dos Ministérios adotado por seus antecessores como forma de garantir a governabilidade. Decidiu que o governo era dele, porque ganhara a Presidência praticamente sozinho. Partidos reclamaram. Mas, sem ter o que fazer, e não podendo votar contra uma pauta positiva para o País como a reforma da Previdência, tiveram de aprová-la. Até então, a estratégia política de Bolsonaro vinha dando certo.

Por isso, é difícil entender seu comportamento na crise do PSL. Primeiro, a fez detonar, ao dizer a um eleitor que esquecesse o partido, esquecesse o presidente do partido, Luciano Bivar, “queimado para caramba”. Depois, liderou pessoalmente a tentativa de destituição do líder na Câmara, Delegado Waldir (GO), para em seu lugar pôr o filho Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), também seu preferido para a Embaixada em Washington. Foi derrotado, grampeado e ainda xingado de “vagabundo”, por Waldir.

Quando um presidente da República entra numa briga, tem de entrar para ganhar. Pior é que a derrota de Bolsonaro foi dupla. Dele e do filho.


João Domingos: Um governo em dívida

Onde estão a reforma tributária e o plano de salvação da indústria?

Com a reforma da Previdência praticamente concluída, muitas perguntas relacionadas com temas fundamentais para a recuperação econômica e a retomada do emprego começam a ficar no ar, à espera de respostas. Cadê o projeto de reforma tributária do governo? Será possível que a qualificada equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, só tinha como ideia para mudar o arcaico, burocrático e confuso sistema tributário brasileiro a criação de um imposto semelhante à CPMF?

E onde está o plano de salvação da indústria do País? O que o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe econômica pensam a respeito do setor calçadista, da indústria de confecções, do chão de fábrica das autopeças, da cerâmica? Essas perguntas os congressistas já começam a fazer. Alguns chegam a duvidar de que o governo vá mesmo fazer um projeto de privatização radical das estatais, como Paulo Guedes anunciou. Afinal, parece que alguém já conseguiu tirar a EPL da lista das que serão vendidas ou liquidada

A EPL, só para lembrar, é a empresa criada no governo de Dilma Rousseff para tocar o projeto do trem de alta velocidade que ligaria o Rio de Janeiro a Campinas, passando por São Paulo. Tal linha deveria ter sido inaugurada meses antes do início da Copa da Fifa de 2014. Alguns bilhões foram gastos em estudos e o brasileiro continua sem ver sinal do trem-bala. Ou mesmo do trem-pangaré.

Plano industrial, venda de estatais, reforma da Previdência, tudo faz parte de um conjunto de medidas necessárias à salvação do País depois do desastre econômico que foi o governo de Dilma. A reforma previdenciária andou bem. Qual foi o Congresso de qualquer nação democrática do mundo que votou e aprovou mudanças profundas no sistema de Previdência em oito meses, a contar da entrega do projeto pelo Executivo?

Se na Previdência tudo andou até melhor do que o imaginado, no restante as coisas ameaçam empacar. Vejamos a reforma tributária.

Para muitos, principalmente para o setor produtivo, ela é até mais importante do que a reforma da Previdência. Mas corre sério risco de não avançar. Ou, se avançar, fazê-lo lentamente. Câmara e Senado até que tentaram tocar sua parte.

Cada um abraçou um projeto já pronto. O Senado, a proposta trabalhada há anos pelo ex-deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR); a Câmara, uma liderada pelo economista Bernard Appy. Mas sem a proposta do governo não dá para fazer quase nada. Afinal, a União, assim como os Estados, os municípios e o setor produtivo, é parte interessada na reforma.

O atraso do envio do projeto de reforma tributária pela equipe econômica não é o único problema no momento. Há um outro complicador. Se, por um lado, os cerca de R$ 24 bilhões (R$ 10,9 bilhões para Estados, igual quantia para os municípios e mais R$ 2,18 bilhões para os Estados confrontantes com as plataformas marinhas onde há exploração de petróleo) do futuro leilão do pré-sal devem dar um fôlego ao caixa de entes da Federação que se encontram na maior quebradeira, de outro tal alívio pode atrasar a reforma tributária. Deve-se levar em consideração que a União também receberá seu quinhão, R$ 48,84 bilhões.

 

Em 1996, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, foi aprovada a Lei Kandir quando havia pressão por uma reforma tributária. A lei obriga a União a compensar os Estados que concedem isenção de ICMS para produtos de exportação. Contentes com o dinheiro, os Estados pararam de falar na reforma. O mesmo ocorreu com a Emenda Constitucional 84, aprovada em 2014, com efeitos a partir de 2015, que aumentou em 1% a alíquota do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Prefeitos que faziam pressão por uma reforma tributária deram-se por satisfeitos.


João Domingos: Tudo a perder

Atrapalhar o segundo turno da reforma da Previdência é um erro

Senado e Câmara correm o risco de pôr a perder, senão toda ela, pelo menos uma parte da boa imagem que construíram neste ano. Logo depois da posse, em fevereiro, muita gente olhou para a composição das duas Casas – esse repórter também –, e não teve dúvidas em dizer que era o pior Congresso desde o fim da ditadura militar.

Recuperados da surpresa da exclusão da mesa farta do Palácio do Planalto e da perda do poder de mando sobre a Esplanada dos Ministérios e estatais, como Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa, BNDES e Correios, para citar alguns dos alvos mais desejados, deputados e senadores se recolheram. Foram pensar no que fazer diante da dura realidade que lhes impunha o presidente Jair Bolsonaro ao lhes negar as tetas do governo.

Entenderam que o melhor jeito de enfrentar tal situação sem que morressem por inanição era fazer valer a voz e a vontade do Congresso.

Deixariam de ser um apêndice do Executivo, como nos governos anteriores, e cuidariam de uma pauta própria. Logo assumiram para si a agenda positiva do governo, traduzida primeiramente na reforma da Previdência. Decretos e outras iniciativas do presidente da República começaram a ser derrubados, a exemplo do decreto que aumentava o número de agentes públicos autorizados a dizer o que era documento secreto ou ultrassecreto e do que flexibilizava a posse de armas, substituído por um projeto de lei.

Por achar que manter o Coaf no Ministério da Justiça fortaleceria demais o ministro Sérgio Moro e o aparelho de controle financeiro, fiscal e de investigação, o Congresso mudou a medida provisória que reduziu ministérios e fundiu outros. Sem que o governo nada pudesse fazer, o Coaf foi devolvido ao Ministério da Economia (posteriormente o presidente Jair Bolsonaro o transferiu para o Banco Central).

Tudo o que os deputados consideraram que era alheio ao tema Previdência, e que constava do projeto de reforma enviado pelo governo, foi arrancado ainda na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. E a reforma da Previdência andou. Rápida, segura. Era o Congresso dizendo à sociedade que assumia ali a agenda positiva para o País. Era o Congresso dizendo que, apesar das aparências, estava disposto a desmentir os que o consideravam o pior da História recente.

Vale insistir, toda essa imagem boa, porém, pode desaparecer. Ao condicionar a votação do segundo turno da reforma da Previdência à distribuição do dinheiro do leilão do pré-sal, marcado para novembro, o Senado reduz o seu papel, recua anos ao passado e se expõe aos que acusam os congressistas de chantagem. A reforma da Previdência deve ser vista como um projeto de País, importante para a redução do déficit fiscal e para a manutenção do próprio sistema de aposentadorias. Pode-se discordar do conteúdo, mas não há um único partido que não diga que a reforma previdenciária não é importante.

Fala-se muito entre os senadores que eles estão descontentes com o governo porque nada do que vem de promessa lá das bandas do Palácio do Planalto é cumprido. Ou que muitos se sentem traídos pela forma individualista como tem atuado o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Dificultar a votação do segundo turno da reforma da Previdência seria uma forma de retaliar o governo e o presidente do Senado. É um erro. A reforma é do País, não do presidente Bolsonaro ou de Alcolumbre. Se querem retaliá-los, existem outros projetos que dizem muito mais respeito aos dois do que à sociedade. Não é preciso ir longe. A indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para a Embaixada do Brasil em Washington é muito mais um desejo do pai, o presidente, que a negociou com Alcolumbre, do que uma necessidade do País.


João Domingos: Adeus aos superpoderes

Em pouco tempo Guedes e Moro se transformaram em ministros comuns

O presidente Jair Bolsonaro costuma dizer que a cadeira de presidente da República é como a criptonita para o Superman. A metáfora não é a mais precisa. Nos quadrinhos do “homem de aço” a criptonita tira-lhe a invulnerabilidade, a força descomunal, a visão de raio X e outros atributos do super-herói, tornando-o um homem comum. A melhor definição da cadeira do presidente da República talvez seja a de que ela não é eterna. Mesmo que feita do couro mais legítimo, com o tempo se desgasta.

Se a metáfora de Bolsonaro não se encaixa bem para a cadeira presidencial, ela acaba por ser perfeita para os superministros. Com o detalhe de que a criptonita deles é Jair Bolsonaro.

O economista Paulo Guedes sabia, ainda na eleição, que a vitória de Bolsonaro o transformaria no superministro da Economia, aquele que teria carta-branca para fazer o que quisesse na economia. Tanto era verdade que Bolsonaro quase nunca respondia sobre questões relacionadas a crescimento econômico, reformas estruturais, busca do equilíbrio fiscal. “Pergunta lá para o meu Posto Ipiranga”, costumava dizer. E acrescentava: “Não entendo nada de economia. Não tenho vergonha de dizer”.

Na campanha eleitoral, o juiz Sérgio Moro tinha a informação de que seria ministro da Justiça. Não de Bolsonaro, mas do candidato do Podemos, Alvaro Dias. “Sérgio Moro será meu ministro da Justiça”, repetia o candidato, sem cessar. Trunfo tão poderoso, dada a popularidade de Moro, não serviu de nada para Dias, que obteve apenas 0,8% dos votos.

Vencedor, Bolsonaro confirmou Paulo Guedes na Economia. O convite a Moro veio logo depois da eleição, no início de novembro. Assim como fez com Guedes, o então presidente eleito disse ao ainda juiz da Lava Jato que, na Justiça, ganharia também a Segurança Pública, seria autônomo para fazer o que quisesse. De cara, garantiu a Moro que lhe daria o Coaf. Cumpriu a palavra. A medida provisória da reforma administrativa, que reduziu o número de ministérios, fundindo alguns e extinguindo outros, tirou o Coaf da Economia, passando-o para a Justiça. Moro montou lá uma estrutura de investigação e pôs na chefia do órgão Roberto Leonel, de sua absoluta confiança.

Nasciam, com a MP, dois superministros. Um para fazer tudo na economia; outro, para tudo fazer na área da Justiça, combate ao crime organizado, à corrupção e ao crime violento. Já postos em suas funções, e derramando poderes, os dois logo começaram a trabalhar. Guedes convidou aqueles que melhor achou que poderiam ajudá-lo; Moro também, principalmente aqueles com os quais trabalhara na Lava Jato.

Acontece que um relatório do Coaf, feito em conjunto com o Ministério Público, alcançou o ex-policial Fabrício Queiroz, que fora assessor do então deputado Flávio Bolsonaro, filho do presidente. Logo vazou a notícia de que a investigação chegara a Flávio, agora senador. Ao mesmo tempo, o Congresso tirava o Coaf de Moro, sem que Bolsonaro fizesse nenhum esforço para reverter a situação. Depois, o presidente tornou público seu descontentamento com a superintendência da PF do Rio e ameaçou demitir o diretor da corporação, Maurício Valeixo, escolhido por Moro.

Em relação a Guedes, o problema ocorreu primeiro com Joaquim Levy, escolhido para o BNDES. Bolsonaro ordenou sua demissão. Depois, com o economista Marcos Cintra, chefe da Receita, encarregado de comandar a proposta de reforma tributária. Bolsonaro não gostou da forma como insistiu em criar um imposto parecido com a CPMF. Mandou que fosse demitido.

Se não têm autonomia para comandar seus ministérios, escolher seus auxiliares, os dois ministros não podem mais ser chamados de super. A criptonita Bolsonaro tirou-lhes os poderes.


João Domingos: Mudança de rumos

Combate à corrupção deixa de ser bandeira n.º 1 do chefe do Ministério Público

A escolha do subprocurador Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República consolida o que há algum tempo começou a ser percebido no mundo político e entre os eleitores de Jair Bolsonaro: o presidente da República deu um cavalo de pau em sua principal bandeira de campanha, a do combate à corrupção.

Essa mudança de rumos pode explicar também os atritos do presidente com o ministro da Justiça, Sérgio Moro, levado ao governo por causa de sua fama de justiceiro e de inimigo da corrupção. E, também, as interferências de Bolsonaro na Polícia Federal, na Receita e no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que por intermédio da Medida Provisória 893/2019 foi transferido do Ministério da Economia para o Banco Central.

O meio político, cansado de quase todo dia ver um de seus integrantes alvo de ação do Ministério Público, gostou da escolha de Aras. Com isso, se o novo procurador não tiver o voto de todo mundo quando o Senado se reunir para deliberar sobre a indicação dele, chegará perto da unanimidade.

Já parte dos eleitores de Bolsonaro, como se sabe, repudiou a escolha. A ponto de o presidente usar sua live semanal no Facebook, há cerca de dez dias, para pedir paciência e compreensão aos eleitores. Porque, segundo Bolsonaro, não basta na chefia do Ministério Público alguém que apenas combata a corrupção. É preciso ter sensibilidade também em outros setores. E numa cena poucas vezes vista antes, a de Bolsonaro na defensiva, o presidente recorreu a uma expressão bíblica: “Atire a primeira pedra quem não teve nenhum pecado. Eu tive que escolher alguém.”

Já o escolhido, aquele pelo qual uma parte dos eleitores ameaçou apedrejar Bolsonaro, disse em suas andanças pelo Senado, onde tem passado boa parte de seu tempo atrás de votos, que não atacará só a corrupção. Prometeu trabalhar também pelo destravamento da economia. Em outras palavras, em vez de propor o embargo de uma obra onde forem encontradas irregularidades, ou o fechamento de uma empresa suspeita, tentará um acordo para que as coisas possam andar. O relator da indicação de Aras no Senado, Eduardo Braga (AM), gostou do que ouviu. Disse que os senadores não querem o ativismo político no Ministério Público.

O que teria levado Bolsonaro a mudar tão radicalmente entre a eleição e agora? Muitos especulam que ele estaria agindo para proteger o filho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que sem autorização judicial foi investigado por um consórcio entre o Coaf, a Receita e o Ministério Público. Tal ação só parou por ordem do presidente do STF, ministro Dias Toffoli.

É possível que essa seja uma das razões. Mas não é só essa. Bobo é quem pensa que Bolsonaro é bobo.

A queda dele pela família é incontestável. Mas o presidente, que foi deputado por 28 anos, que assistiu de uma posição privilegiada aos impeachments de Fernando Collor e de Dilma Rousseff, sabe que nenhum governo se sustenta só numa frente de combate à corrupção. É preciso fazer a economia andar e com isso gerar empregos.

Se a economia anda, se os empregos formais aparecem, o Tesouro arrecada mais impostos e a Previdência melhora suas contas, pois cresce o número de contribuintes. Ao mesmo tempo, pode sobrar algum dinheiro para o governo fazer grandes obras de infraestrutura. O que ajuda a gerar mais empregos. Paralisar tais obras por qualquer irregularidade, corrupção também, é perder emprego. A Lava Jato fez um limpa na corrupção, virou até uma seita seguida pelos lavajatistas. Mas comeu 500 mil empregos e acabou com um bom número de empresas conhecidas mundialmente. Dilma Rousseff não caiu pela corrupção do PT. Caiu porque destroçou a economia.