João Domingos

João Domingos: O preço da desarticulação

Próximos dias serão de muitas dificuldades para o governo no Congresso Nacional

Se for perguntado a qualquer líder partidário no Congresso se o governo tem condições de reverter a tendência de uma votação, ou impedir que vetos presidenciais sejam derrubados, é possível que todos eles respondam que não tem. Tal realidade tornou o governo de Jair Bolsonaro dependente dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (AP), ambos do DEM. Não é à toa que muitas vezes se ouve falar que, em relação ao Congresso, Bolsonaro é “maiadependente”, se a votação vai ocorrer na Câmara, ou “davidependente”, se o palco é o Senado.

No caso dos vetos à Lei de Abuso de Autoridade, Bolsonaro não poderá contar nem com Maia nem com Alcolumbre. Os dois farão o que os congressistas desejarem. E a tendência no Congresso é a de derrubar boa parte dos 36 vetos de Bolsonaro à lei. À exceção do veto à parte que condena o policial à prisão por uso de algemas quando o preso não oferecer resistência, qualquer um dos outros pode cair. Em maior risco estão o que trata de punições à autoridade que dá início “à persecução penal, civil ou administrativa” sem justa causa fundamentada ou contra quem se sabe ser inocente (artigo 30) e o que se refere a punições por decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais (artigo 9.º).

Cabe ao presidente do Senado definir a data da sessão que tratará do exame dos vetos. Mas deputados que fazem parte do grupo de partidos de centro conhecido por Centrão já pressionam Davi Alcolumbre a resolver logo o assunto. Entre eles, o líder do PP, Arthur Lira (AL), e o relator do projeto da Lei de Abuso de Autoridade, deputado Ricardo Barros (PP-PR).

Um fator surpresa veio somar-se ao movimento pela derrubada dos vetos. Trata-se da indicação, pelo presidente Jair Bolsonaro, do subprocurador Augusto Aras para ocupar o cargo de procurador-geral da República. Em suas andanças pelo Congresso na condição de candidato a procurador-geral de fora da lista tríplice feita pelo Ministério Público, Aras afirmou a congressistas ser defensor ferrenho da inviolabilidade das imunidades parlamentares. O que, para muitos congressistas, soa como um apoio à derrubada dos vetos.

A questão dos vetos a partes da Lei de Abuso de Autoridade é apenas uma no universo de dificuldades que Bolsonaro tem pela frente nos próximos dias na sua relação com o Congresso. No Senado, o relator da proposta de reforma da Previdência, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), retirou do texto principal várias medidas de interesse do governo. Entre elas, a possibilidade de pagar pensão por morte em valor inferior ao salário mínimo e cobrar contribuição previdenciária de anistiados políticos. A perda com as mudanças, em termos de dinheiro, alcançou quantia superior a R$ 63 bilhões em 10 anos.

O secretário de Trabalho e Previdência, Rogério Marinho, anunciou que tentará reverter as mudanças no plenário do Senado. Sabe-se que será uma missão impossível. A questão da pensão por morte foi uma exigência do MDB. Quanto aos anistiados, o próprio Jereissati assumiu a mudança, depois de ouvir líderes dos partidos de oposição. Para ele, iniciar agora a cobrança de previdência dos benefícios recebidos por anistiados seria uma retaliação política.

Nesse clima, e sem articulação no Congresso, Jair Bolsonaro só deve apresentar no mês que vem a mensagem com a indicação do filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), para a Embaixada do Brasil em Washington. Isso se a reforma da Previdência for aprovada até lá. O presidente, que foi deputado por 28 anos, sabe que nas vésperas de toda votação importante sempre aparece alguém para cobrar alguma coisa. Como não há articulação, o preço pode ser bem salgado.


João Domingos: Bolsonaro, Moro e os dilemas do ministro da Justiça

Mesmo com um gesto simbólico de reaproximação, não dá para dizer que a situação do ex-juiz é segura

Mesmo que Jair Bolsonaro e Sérgio Moro tenham se acertado, e até feito um gesto simbólico de reaproximação na semana passada, não dá para dizer que a situação do titular da Justiça é segura. Quando Bolsonaro diz, e repete, que quem manda é ele, o destinatário da mensagem é Moro. Porque a autoafirmação de autoridade de Bolsonaro, nesses casos, quase sempre é feita quando se trata de algum órgão ou alguma pessoa ligada a Moro.

Sabe-se que os dois tiveram discussão ríspida na semana passada, por causa da PF. Bolsonaro queria mudar o superintendente no Rio, encontrou resistências e ameaçou demitir o diretor-geral, Maurício Valeixo. Não contente, deu declarações dizendo que é ele o responsável pela direção-geral da instituição, não Moro.

Ora, se é ele quem cuida da direção da PF, poderia ter demitido Valeixo, ou exigido dele a troca do superintendente, sem precisar dizer que a responsabilidade é dele, não de Moro. Ou Bolsonaro terá de pedir autorização de algum ministro quando quiser demitir outro? É lógico que não. Acontece que, ao deixar clara a intenção de fazer uma interferência na PF, levará à conclusão de que ele está se imiscuindo numa área que não lhe pertence. Daí, a citação a Moro, para dizer que não é ele o responsável pela direção da PF, mas o próprio presidente.

Sabe-se que Bolsonaro pretende trocar a direção da Abin e da Receita. A primeira é subordinada ao general Augusto Heleno; a segunda, a Paulo Guedes. No momento em que se decidir pela troca, Bolsonaro certamente chamará um e outro e mandará mudar o comando. Portanto, se quem manda na PF é Bolsonaro, por que ele precisa dizer aos quatro ventos que o mando é dele, não de Moro?

Porque o ministro é popular e faz sombra ao presidente.

Feita a reconciliação, Bolsonaro já voltou ao ataque. À Folha de S. Paulo, disse que é preciso dar uma “arejada” na PF. O que está por trás da declaração é a certeza que ele tem de que a PF é corporação muito unida, com capacidade de reação e rebeldia, como a entrega dos cargos. Daí, a insistência em dar essa “arejada”, o que não conseguirá sozinho. Precisará de Moro. Mas não tem a certeza de que o ministro seguirá suas ordens ao pé da letra. Até porque, se segui-las, Moro perderá a autonomia e será apenas mais um a obedecer cegamente a tudo o que o presidente determina.


João Domingos: Freios e contrapesos

Mesmo em choque, as instituições democráticas têm funcionado bem

É possível que, da Proclamação da República para cá, não tenha sido testada tão insistentemente, como tem sido testada no governo de Jair Bolsonaro, a Teoria da Separação dos Poderes de Montesquieu, conhecida também como Sistema de Freios e Contrapesos. Por essa teoria, na qual se baseia a maioria das nações democráticas modernas, um poder vigia o outro, evitando excessos, desmandos, quedas pelo autoritarismo, omissões e descumprimento da lei, de forma que cada um fique ali no seu quadradinho.

Não há uma semana em que o Congresso ou o Supremo Tribunal Federal não mande um recado para o presidente Bolsonaro, naquele bom estilo do “menas, menas”. Brigado com o presidente da França, Emmanuel Macron, o presidente Bolsonaro fez beiço e decidiu rejeitar a ajuda de cerca de R$ 83 milhões oferecida para ajudar no combate às queimadas na Amazônia. Para Bolsonaro, tratava-se de uma esmola, de uma tentativa de comprar o Brasil em suaves prestações. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), rebateu. Disse que não se deve dispensar nenhum dinheiro que vier, mesmo que seja apenas R$ 1.

Quando Bolsonaro, ainda irritado, atacou a França, Maia contemporizou. Num encontro com empresários franceses ele destacou que muitas das instituições brasileiras foram criadas com base no modelo francês. Além de elogiar a tradição libertária da França e o principal legado da Revolução Francesa, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

A imagem do Brasil está muito ruim lá fora por causa de declarações de Bolsonaro a favor da liberação de atividades de mineração em terras indígenas, ou por dizer que não cria mais nenhuma reserva? Maia decide recolher todos os projetos que tratam da exploração de terras indígenas, para não atrapalhar o setor produtivo. O próprio Bolsonaro, que fala primeiro para pensar depois, tem aceitado tranquilamente as regras dos freios e contrapesos. No que depender dele, anunciou, não demarcará nenhuma área indígena nova. A não ser – e aí a ressalva é importante – que seja obrigado. Em outras palavras, por um dos outros Poderes, ou o Judiciário ou o Legislativo.

Tanto o STF quanto o Congresso têm freado decretos assinados pelo presidente e que são tidos como viciados, por conterem excessos. No STF caíram, entre outros, um decreto que extinguia centenas de conselhos de representação da sociedade civil. O Supremo também determinou a Bolsonaro que mantenha a demarcação das terras indígenas na Funai, e não no Ministério da Agricultura, como queria o presidente.

Nesse caso, o Judiciário agiu também para garantir o freio por parte do Legislativo, visto que o presidente havia editado uma medida provisória contrariando decisão do Congresso que determinara justamente que a demarcação das áreas indígenas teria de ficar com a Funai. E quando o ministro da Justiça, Sérgio Moro, falou em destruir o material recolhido com um grupo que hackeara mensagens de parte da força-tarefa da Operação Lava Jato e de outras autoridades, o ministro Luiz Fux determinou a preservação de todo o material.

Às vezes, esses choques entre os Poderes podem até parecer exagerados. E pode até ser que são, pois é como se cada lado, principalmente o Executivo, fizesse testes constantes sobre a capacidade de reação das instituições. Vista do lado do estado democrático de direito, no entanto, o resultado desses choques pode conter uma notícia boa. É preciso reconhecer que as instituições democráticas, às quais cabe botar freio umas nas outras, têm funcionado bem.


João Domingos || Os amadores do clima

Por trás das questões ambientais está a guerra comercial

Uma das conclusões que se pode tirar do olhar do mundo sobre o nosso país por causa das queimadas na Amazônia é de que, nas questões ambientais, o governo de Jair Bolsonaro é despreparado e amador. Por trás das questões ligadas ao meio ambiente está, muitas vezes, muitas mesmo, a guerra comercial que hoje é o motor do mundo, que contrapõe os Estados Unidos e a China, a Coreia do Sul e o Japão, e tantas outras nações, o Brasil entre elas, e ameaça levar a economia do planeta a desembocar num crash profundo.

Será que ninguém no governo sabia disso quando Bolsonaro decidiu aproveitar uma reunião do G-20, no Japão, para, segundo o presidente brasileiro, falar umas verdades para seu colega da França, Emmanuel Macron, e a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, a respeito das questões ligadas ao meio ambiente? Ou que chamar Macron para visitar a Amazônia seria ganhá-lo para o lado brasileiro, fazendo-o esquecer o lobby do agronegócio francês contra o Brasil?

Quando Bolsonaro resolveu fazer uma desfeita para o ministro de Negócios Estrangeiros (o correspondente ao nosso ministro das Relações Exteriores) da França, Jean-Yves Le Drian, marcando uma audiência com ele, e desmarcando em seguida, para cortar o cabelo, o francês ficou surpreso. Mas não se viu, da parte dele, muitas queixas quanto ao gesto mal-educado. O episódio, no entanto, motivou comemorações. Da Irlanda. A mesma Irlanda que prega o boicote à compra de carne brasileira e tenta travar o acordo Mercosul/União Europeia.

O presidente Jair Bolsonaro passou 28 anos na Câmara. Nesse período, teve uma atuação ruidosa nos enfrentamentos ideológicos e na defesa de causas corporativas relacionadas aos militares, mas discreta nas outras questões. Nunca presidiu nenhuma comissão, não relatou projetos. Gaba-se de ser alguém que, do baixo clero, chegou à Presidência da República pelo voto popular por ter uma bandeira anti-PT, anti-Lula e contra o politicamente correto. É provável que não soubesse mesmo como é a guerra comercial em todo o mundo e como os cuidados com o meio ambiente são importantes para os negócios do País. Dado aos embates, Bolsonaro não se preparou para a chamada diplomacia ambiental.

Mas os escolhidos para comandar o Itamaraty tinham o dever de saber tudo a respeito dessas nuances. De falar a Bolsonaro que o Brasil é um gigante do agronegócio e que abrir garimpos nas reservas indígenas, ou acabar com as reservas florestais, traria problemas comerciais. Mas, não. Ficaram envolvidos em outros temas, foram tratar de buscar formas de tirar o Brasil do caminho daquilo que chamam de marxismo diplomático ou coisa que o valha. Outros gastaram seu tempo no incrível debate sobre se a Terra é redonda ou plana.

Nesse campo, quem melhor se saiu foi a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que sabe o quanto a questão ambiental é importante para o ambiente dos negócios e das exportações brasileiras e que foi fundamental para o acordo Mercosul/União Europeia. Embora não se possa dizer que Tereza Cristina tenha acertado 100%, porque defendeu e conseguiu a liberação de agrotóxicos (ou defensivos, como ela prefere dizer), o que também é ponto negativo na guerra comercial.

Nessa guerra, declarações disparatadas, como as que têm sido ditas pelo presidente Jair Bolsonaro ou por seus ministros, só ajudam o concorrente. Bolsonaro e seu governo ainda acham que estão diante de um embate ideológico. Se prepararam para ele quando ninguém mais, com alguma relevância no mundo, dá a menor importância para o assunto. Ou alguém acha que Macron e Merkel são de esquerda? Se alguém acha, esse alguém deve achar que a Terra é quadrada.


João Domingos || O dilema de Bolsonaro

Indicação do filho para embaixada nos EUA faz o presidente pisar em ovos

Ao aprovar o projeto de lei que regulamenta o crime de abuso de autoridade, o Congresso pôs o presidente Jair Bolsonaro diante de um dilema. Para não dizer sinuca de bico, uma expressão popular que poderia ser usada aqui. O próprio presidente já percebeu que está numa situação complicada. “Vetando ou sancionando eu vou levar pancada”, disse Bolsonaro ao ser indagado sobre qual destino dará à lei que o Congresso jogou em seu colo e que ali vai queimar até que ele tome uma decisão.

Ao presidente não interessa arrumar confusão com o Congresso. Ou, melhor dizendo, com os partidos de centro, reunidos em torno do chamado Centrão, responsáveis pela urgência na votação e aprovação do projeto, tudo num só dia, e que são contrários a qualquer tipo de veto. É o Centrão, dono da maioria dos votos na Câmara, que determina o que será aprovado e o que será rejeitado. É o Centrão que põe a agenda positiva para andar. É o Centrão que, quando quer, aprova decreto legislativo rejeitando decisões do governo, como a que aumentava o número de pessoas autorizadas a dizer o que é documento secreto e ultrassecreto. Brigar com os partidos que o integram é apanhar.

A Bolsonaro não interessa também criar um caso com o Senado, onde a proposta nasceu. O autor do projeto é o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Ele foi fundamental na arregimentação de votos que levaram à desistência de Renan Calheiros (MDB-AL) de disputar a presidência do Senado em fevereiro, abrindo espaço para que Davi Alcolumbre (DEM-AP) vencesse a eleição. Alcolumbre foi apoiado por Bolsonaro, que jogou tudo para impedir Renan de voltar à presidência do Senado. A improvável aliança entre Randolfe e Bolsonaro deu certo. O presidente se tornou devedor do senador da Rede.

Além do mais, a relação de Bolsonaro com o Senado, hoje, passa por um momento em que o presidente precisa pisar em ovos. Um senador contrariado pode significar um voto a menos na indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para a embaixada do Brasil em Washington. Bolsonaro já disse que uma eventual rejeição da nomeação do filho para a embaixada vai deixá-lo numa situação constrangedora quando for a Nova York fazer o discurso de abertura da assembleia anual da ONU, em setembro. Significa que o presidente acha que dá para ter essa questão resolvida até o mês que vem. Então, nada de arrumar encrenca com qualquer senador.

O ministro da Justiça, Sérgio Moro, corporações da magistratura e do Ministério Público e bolsonaristas ideológicos defendem o veto à proposta aprovada. O problema é que, se Bolsonaro vetar o projeto, os partidos que integram o Centrão já prometeram que o derrubam rapidamente. O que poderá significar também uma reviravolta nos votos dos senadores quando examinarem a indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada.

Quem manda
Sob o argumento de que não é um presidente banana, pois quem manda é ele, o presidente Jair Bolsonaro acabou por armar para si duas armadilhas dessas difíceis de escapar. Uma está na Polícia Federal, que ameaça implodir se Bolsonaro continuar a interferir na escolha de superintendentes da corporação, como fez com o do Rio. A outra armadilha foi montada na Receita Federal, que ameaça uma rebelião contra o que qualifica de interferência política na superintendência do Rio, agora por parte do Supremo Tribunal Federal, com o apoio do presidente da República.

Comprar briga com a PF e com a Receita não é aconselhável para ninguém. Mesmo que seja alguém que diz rejeitar o rótulo de presidente banana. E que saiba, como Bolsonaro sabe, que quem manda é ele. Numa hora ou noutra alguma coisa vaza.


João Domingos || A Lava Jato sob controle externo

A Lava Jato continua, mas submetida a um controle rígido tanto da parte do STF quanto da Procuradoria da República e do Conselho Nacional do Ministério Público.

Algumas conclusões podem ser tiradas das recentes decisões da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e do Conselho Nacional do Ministério Público em relação à Lava Jato.

Em primeiro lugar, ao decidir prorrogar a atuação da força-tarefa de procuradores da Lava Jato por mais um ano, Raquel deixou claro que a operação não está em risco, ao contrário do que muitos especulam. Dissolver a força-tarefa seria um erro político gigantesco.

A procuradora-geral, que sonha com a recondução, jamais faria isso. Mas ela aproveitou a decisão para lembrar aos procuradores que eles precisam agir dentro da legislação. O que é um puxão de orelhas sem tamanho em todos eles.

Em segundo lugar, ao reabrir ontem uma reclamação contra Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa, por causa da divulgação das mensagens que teriam sido trocadas entre ele, colegas, políticos e o então juiz Sérgio Moro, o CNMP impõe uma espécie de sanção antecipada ao mais famoso procurador da Lava Jato. Qualquer ato dele fora dos padrões pode levar a uma punição.

Ao mesmo tempo, o presidente do STF, Dias Toffoli, tem usado palestras e participações em eventos para exigir que a forçatarefa atue dentro do que determina a Constituição. Ou que pare de criticar o STF. A ponto de dizer que a Lava Jato só existe por causa do Supremo Tribunal Federal.

Em resumo, a Lava Jato continua. Mas submetida a um controle rígido tanto da parte do STF quanto da Procuradoria da República e do CNMP.


João Domingos: Ética e autorregulação

Abalado pela Lava Jato, setor de infraestrutura busca se reerguer

A reforma da Previdência está bem encaminhada, o que já permite que se vejam sinais do restabelecimento da confiança na superação dos problemas fiscais e busca de equilíbrio das contas públicas do País.

A reforma tributária tende a seguir o mesmo caminho, quem sabe com uma legislação moderna e simplificada sobre tributos. O programa de privatizações pode ser o maior da história, o que permitirá, depois de feito, o início de um projeto de obras de infraestrutura em rodovias, ferrovias, portos, saneamento básico e energia.

E aí é que se encontra um grande problema. Boa parte das empresas de infraestrutura ainda está inidônea por causa do envolvimento nos casos de corrupção descobertos pela Operação Lava Jato e não pode participar de obras públicas. Outras estão em fase de recuperação judicial. Centenas de milhares de empregos foram perdidos. Tecnologias de engenharia apurada correm o risco de nunca mais serem recuperadas se as empresas não conseguirem sair da situação em que se encontram e recuperar o prestígio que já tiveram.

Foi essa situação preocupante em relação a um outrora avançado setor da economia do País que levou um grupo de especialistas em infraestrutura e ex-integrantes de governos anteriores a buscar uma forma de tirar as empresas do atoleiro. Levando-se em conta que quem cometeu crimes tem de pagar por eles, como muitos já pagaram, com prisão e multas pesadas, e que as empresas e o capital tecnológico e de conhecimento de infraestrutura têm de ser preservados, esses especialistas, sob o comando do general Sérgio Etchegoyen (ministro do Gabinete de Segurança Institucional de Michel Temer), decidiram criar um grupo executivo e procurar o Instituto Ethos, a FGVethics e o International Financial Corporation (IFC), uma espécie de BNDES do Banco Mundial, para montar um plano de reerguimento do setor à base da ética.

No dia 8 de maio, a ideia de criação de um instituto dedicado à autorregulação e integridade das empresas foi lançada, em São Paulo, numa cerimônia que contou com a participação do Ethos, da FGVethics e do IFC. Houve adesão de empresas de engenharia, construtoras, operadores de infraestrutura, bancos e financiadores, seguradoras, associações de classe e agências multilaterais. O grupo de Etchegoyen passou a comandar a secretaria executiva. De lá para cá já foram realizadas oito reuniões.

A próxima ocorrerá em Brasília, no dia 28, quando será analisado o estatuto de uma entidade dedicada à mudança da imagem das empresas. O projeto de estatuto já está aberto a consulta pública. Segundo Etchegoyen, no dia 27 de setembro será criado oficialmente o Instituto Brasileiro de Autorregulação e Integridade.

Etchegoyen contou que no fim do ano passado foi procurado para saber se tinha interesse em organizar a criação do instituto. Disse que só poderia fazê-lo a partir deste ano, quando já estivesse fora do governo.

Em janeiro, começou a conversar. Procurou o ex-ministro Raul Jungmann, que fora ministro da Defesa e também da Segurança Pública no governo de Michel Temer, além de especialistas em infraestrutura. “Falei também com o ministro Wagner Rosário (CGU) e ele disse que tudo o que ele queria era ver a recuperação das empresas. Precisava ouvir isso, porque não dava para entrar em campo se o governo não mostrasse interesse na salvação do setor.”

A ideia central que vem sendo trabalhada para a criação do instituto é promover o fortalecimento do setor de infraestrutura no Brasil a partir da construção das bases para sua autorregulação. Bases essas ligadas à ética, integridade, transparência e ao combate à corrupção. O resultado deverá ser a autorregulação baseada num código de ética vigoroso.


João Domingos: Um freio em Bolsonaro

Supremo não precisaria ter julgado medida provisória das terras indígenas

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, pela unanimidade dos 10 ministros presentes à sessão de quinta-feira, manteve a demarcação de terras indígenas com a Funai, foi uma forma de a Corte mostrar ao presidente Jair Bolsonaro que ele precisa cumprir o que determinam a Constituição e as leis.

A rigor, o Supremo nem precisaria ter julgado se Bolsonaro poderia ou não ter editado a medida provisória que transferiu da Funai para o Ministério da Agricultura a demarcação das terras indígenas. No dia 25 de junho, depois de ouvir líderes partidários, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), devolveu ao Palácio do Planalto a parte da MP que tratava da demarcação.

Argumentou que Bolsonaro não poderia assinar tal medida, pois dias antes o Congresso decidira, ao votar a medida provisória que fez a reforma administrativa e deu uma nova cara à Esplanada dos Ministérios, que demarcação de terras indígenas era com a Funai. E que a Funai deveria ficar no Ministério da Justiça, assim como o Coaf deveria sair da Justiça e voltar para o Ministério da Fazenda, agora transformado no Ministério da Economia.

Legalmente, portanto, a parte da medida provisória que se refere à demarcação das terras indígenas não existia mais. É prerrogativa do presidente do Senado devolver medida provisória que considera inconstitucional ou contrária ao que determina a Constituição. Do governo de José Sarney (1985/1990) para cá há vários casos de devolução. Em 2015, embora aliado de Dilma Rousseff, o então presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), devolveu uma MP que tratava da desoneração da folha de pagamento das empresas.

Tanto a parte da MP sobre as terras indígenas já não existia mais que na quarta-feira, dia anterior ao julgamento, havia dúvidas no STF se o relator da ação, ministro Luís Roberto Barroso, que concedera uma liminar para suspender os efeitos da medida provisória, a levaria ao plenário. Como Barroso optou por manter o tema na pauta, o plenário então decidiu que Bolsonaro não poderia ter editado a medida. O ministro Celso de Mello, o mais antigo do STF, disse no voto que a iniciativa de Bolsonaro “traduz uma clara, inaceitável, inadmissível e perigosa transgressão” às normas constitucionais. Afirmou ainda que ela deforma o princípio da separação dos Poderes.

O STF também não estava obrigado a julgar logo no primeiro dia de retorno das atividades do Judiciário a ação contra a MP, apresentada por PT, PDT e Rede. Mas a forma como Bolsonaro agiu durante o recesso, tanto do Legislativo quanto do Judiciário, fazendo declarações que negam fatos históricos e documentos oficiais, levou o STF a decidir-se por botar um freio no presidente. Entre as declarações polêmicas dele está uma em que contesta decisão da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos a respeito do sumiço, na ditadura militar, do estudante Fernando Santa Cruz, pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz.

Há no STF uma preocupação com as ameaças praticamente diárias do que se convencionou chamar de “ameaça de disruptura” da sociedade democrática. Essa ameaça partiria, principalmente, de movimentos que usam as redes sociais para fazer ataques aos pilares do estado democrático de direito. Entre eles, os alvos principais são o Congresso e o STF e seus representantes. Declarações como as que Bolsonaro tem dado contribuiriam para manter vivos esses movimentos todas as vezes em que atingem as instituições. Assim, a decisão do STF não visou apenas a MP da demarcação das terras indígenas, mas o contexto de todo um movimento que se sustenta, em parte, no que o presidente faz ou declara.


João Domingos: A próxima pizza

Articulações para a eleição presidencial de 2022 já são intensas

A conversa entre os ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Justiça, Sérgio Moro, num jantar no restaurante Avenida Paulista, às margens do Lago Paranoá, em Brasília, na noite de quarta-feira, traduz o momento político do País. O jantar deles ocorreu um dia depois da prisão de quatro pessoas apontadas pela Polícia Federal como sendo os hackers que invadiram os telefones de autoridades de todos os Poderes. Entre as vítimas do crime cibernético estariam o presidente Jair Bolsonaro e seus dois superministros, que se sentaram num local reservado para comer pizza, acompanhada de vinho para Moro e guaraná para Guedes, segundo relato da repórter Bela Megale, de O Globo, que numa mesa ao lado assistiu a tudo e ouviu cerca de uma hora de papo.

Dada a importância da prisão dos hackers para Guedes e Moro, e para o ministro da Justiça, principalmente, pois o vazamento de supostas mensagens trocadas entre ele, quando juiz, e a força-tarefa da Lava Jato levou ao questionamento sobre sua imparcialidade de magistrado e a outras dúvidas, a lógica seria que os dois centralizassem o assunto na operação da Polícia Federal que prendeu os criminosos. O que se ouviu, no entanto, foi Moro dizer: “Coloquei um Twitter para dar uma cutucada”, um tuíte no qual parabenizou a Polícia Federal, ainda na terça-feira. Seguida de um “fez muito bem” de Guedes.

Depois, a conversa variou para a sucessão de Bolsonaro, em 2022. Moro disse que não tem pretensões políticas, que pode passar quatro anos no governo e depois ir para a iniciativa privada e que o candidato será Bolsonaro. Note-se que Moro não falou na possibilidade de ser nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), compromisso que Bolsonaro teria com ele por ter deixado a carreira de magistrado para se tornar ministro da Justiça num momento em que o governo que iria assumir precisava encontrar nomes fortes para sua afirmação.

Quanto a Moro dizer que não tem pretensões políticas, as coisas não são bem assim. Desde que aceitou o Ministério da Justiça ele entrou para a política. É considerado um potencial candidato à sucessão de Bolsonaro, ou até mesmo para ocupar a vaga de vice, no lugar do general Hamilton Mourão. Só o fato de tratar da sucessão presidencial já mostra o quanto Moro está envolvido com a política.

Queiram ou não, ao redor da pizza estavam dois personagens que podem ser marcantes nas próximas eleições. Se a política econômica de Guedes der certo, e se a economia do País voltar a crescer e o desemprego diminuir, Bolsonaro ganhará força. O mesmo ocorre com o pacote anticrime de Moro. Sem falar que, como ministro da Justiça, ele tem condições de ajudar o nome de Bolsonaro a se firmar. Ou, quem sabe, até mesmo pensar na candidatura. Não é à toa que o PT tenta inviabilizá-lo agora.

Por falar em PT, o partido corre o risco de perder o bonde da História se insistir só nessa bandeira do “Lula livre”. À exceção do partido, não se vê uma mobilização forte pela libertação de Lula. Já o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), viu surgir a hora de trabalhar para se tornar um candidato que atraia também o centro. A movimentação dele nos últimos meses é de um candidato que busca ocupar o espaço no campo político da centro-esquerda. Tem mantido conversas constantes com representantes de partidos do centro. Suas costuras chegaram até o ex-presidente José Sarney, mais do que um adversário histórico. A eleição presidencial será em 2022. Mas as articulações seguem intensas. Ao término do jantar, Guedes se propôs a pagar a conta. O ministro da Justiça prometeu, segundo relato de Bela Megale: “A próxima pizza é minha”.


João Domingos: A jogada de Toffoli

Decisão amarrou o ministro Sérgio Moro e o presidente Jair Bolsonaro

A decisão do presidente do STF, Dias Toffoli, que suspendeu inquéritos e ações penais que utilizam dados compartilhados da Receita Federal e do Coaf sem autorização judicial, carrega em si muito mais do que a polêmica a respeito de danos à investigação sobre a suspeita de envolvimento do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) na retenção de parte do salário dos servidores de seu gabinete nos tempos em que foi deputado estadual. Ou, por ter repercussão geral, por suspender também centenas de outros casos semelhantes em todo o País. Ou até mesma à especulação de que agora o golpe na Operação Lava Jato foi forte demais.

Na terça-feira, quando tomou a decisão de suspender as investigações com dados compartilhados a pedido do primogênito do presidente Jair Bolsonaro, Dias Toffoli atingiu por tabela o ministro da Justiça, Sérgio Moro, e uma porção de outros personagens da política.

Mesmo que o Congresso tenha retirado o Coaf do Ministério da Justiça, devolvendo-o ao Ministério da Economia a contragosto do ministro Paulo Guedes, Moro continua a ser o chefe informal do órgão de controle das atividades financeiras. A estrutura é a mesma do início do governo, quando a medida provisória que mudou a Esplanada dos Ministérios foi editada por Bolsonaro e fez a transferência do Coaf para a Justiça.

Tem mais, de acordo com informações que chegam aos líderes partidários no Congresso. Hoje a Receita Federal também estaria sob a influência do ministro Moro. Desse modo, o ex-juiz da Lava Jato, fundamental para que a operação tivesse o êxito que teve e mandasse para a cadeia grandes empresários, dirigentes partidários e o ex-presidente Lula, estaria com os dois principais órgãos de controle nas mãos, o financeiro e o tributário.

Como o caso envolve o nome do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, e o presidente é o patrão de Moro, dificilmente o ministro da Justiça fará qualquer tipo de reclamação contra Toffoli. Por sua vez, o presidente Bolsonaro também ficará em silêncio. Reclamar de uma decisão que beneficiou o filho? Para quê?

Quanto aos congressistas, verifica-se entre eles uma clara satisfação a respeito da decisão de Dias Toffoli. O pessoal do PT, porque aplaude qualquer coisa para dar uma segurada em Moro. Os outros, porque muitos já ouviram informações de que são alvo de operações silenciosas, das quais nunca conseguem noticias. Se estão mesmo em curso, nunca saberão, porque as investigações dos dois órgãos são sempre sigilosas.

Se de um lado a decisão de Toffoli causou protestos dos que defendem a atuação do Coaf e da Receita na identificação de suspeitos de lavagem de dinheiro e de envolvimento em casos de corrupção, por outro recebeu apoio, por ser considerada uma atitude em favor dos direitos individuais dos cidadãos. O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, adversário dos Bolsonaros, elogiou a decisão de Toffoli. Disse ao Estado que não é pelo fato de os integrantes da família Bolsonaro terem dado declarações preocupantes e contraditórias sobre a democracia que não mereçam ser protegidos por instituições dessa mesma democracia. “Que bom a família Bolsonaro ter confiado no STF para garantir seus direitos”, afirmou Santa Cruz.

Torna-se, assim, fundamental prestar atenção nos desdobramentos políticos da decisão de Toffoli. E também no próprio presidente do STF. Hoje ele é o único interlocutor, de fato, entre os três poderes. Conversa com Jair Bolsonaro como conversa com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre(DEM-AP). Sem os riscos da ciumeira que as atividades executivas e legislativa causam entre si.


João Domingos: O senhor embaixador

Um presidente poderia ser apenas um presidente. Ele tem uma Nação inteira para cuidar

O título acima tomei emprestado a Érico Veríssimo. Na obra O senhor embaixador, o escritor gaúcho foca sua história no ambiente diplomático durante a Guerra Fria. A ação se passa em Washington e em Sacramento, uma República fictícia localizada na América Central.

Ao longo da obra fala-se de ditadura, corrupção, desigualdade social, instabilidade política, pressão do mais forte sobre o mais fraco, revolução messiânica, luta ideológica, amizade, até onde vai esse sentimento tão humano e tão universal.

Amizade com os filhos de Donald Trump foi uma das justificativas de Jair Bolsonaro para defender a indicação de seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro(PSL-SP), para a embaixada do Brasil em Washington, durante transmissão anteontem, pelo Facebook, nas já tradicionais lives do presidente. Outros atributos do filho que justificariam sua ida para Washington foram, nas palavras do próprio presidente, o fato de Eduardo falar inglês e espanhol e há muito tempo rodar o mundo todo.

Eduardo Bolsonaro está em seu segundo mandato de deputado federal. Em 2018, foi eleito com a maior votação da história. Acabou de fazer 35 anos. É possível que tenha uma carreira política promissora pela frente. Se vier a entrar para o mundo da diplomacia, para o qual já demonstrou gosto, nada impede que chegue a ser um novo Barão do Rio Branco. Mas a forma como está sendo empurrado pelo pai para se tornar embaixador não pode ser festejada. É polêmica e inoportuna.

Polêmica porque, embora a escolha de embaixadores de fora dos quadros da carreira diplomática não seja incomum, ela quase sempre ocorre por compensação política. Foi assim com as nomeações do ex-presidente Itamar Franco, do ex-deputado Paes de Andrade (CE) e do ex-senador Jorge Bornhausen (SC) para a embaixada do Brasil em Portugal. Os três ganharam a embaixada porque, ou tinham disputado uma eleição e perdido, ou porque, caso de Itamar, tinha deixado a Presidência da República e estava sem emprego. Eduardo Bolsonaro não se encontra nesta situação. Pelo contrário. Está muito bem. É presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados. Nessa condição viaja o mundo todo em contatos parlamentares e políticos. Ele mesmo se diz um missionário que trabalha em prol da propagação da ideologia da direita. No caso em questão, o que há é nepotismo.

A manifestação de Jair Bolsonaro em favor da nomeação do filho para a embaixada do Brasil em Washington foi também inoportuna porque não há como desvincular o que o presidente diz do processo de votação da reforma da Previdência pela Câmara. O momento é delicado. Qualquer coisa que o presidente disser terá repercussão, dada a sensibilidade do tema. Foi ele falar sobre a embaixada e a Câmara dar uma rateada. Bolsonaro defendeu vantagens para policiais federais, rodoviários, legislativos e agentes penitenciários e, imediatamente, o lobby dessas categorias se fortaleceu. A ponto de conseguirem na reforma da Previdência privilégios que ninguém mais terá. Os homens poderão se aposentar aos 53 anos e as mulheres aos 52.

Bolsonaro demitiu o general Juarez de Paula Cunha da presidência dos Correios porque, segundo o presidente da República, ele agiu como sindicalista. Quando pediu à bancada ruralista que ajudasse os policiais federais e rodoviários, Bolsonaro disse que o governo havia errado ao não dar a essas categorias determinadas vantagens. Agiu como sindicalista. Quando defende a nomeação do filho para uma embaixada, age como pai que deseja dar tudo o que pode para o filho, apesar do nepotismo. Um presidente da República poderia ser apenas um presidente da República. Ele tem uma Nação inteira para cuidar.


João Domingos: A reação do Congresso

De forma involuntária, Bolsonaro pode ter feito um bem para a política

O presidente Jair Bolsonaro pode ter feito um bem muito grande ao Congresso quando optou por montar um Ministério livre das amarras das negociações partidárias que marcaram o presidencialismo de coalizão nas últimas décadas. Tal decisão, que parece ter nascido de um pagamento de promessa de Bolsonaro, segundo a qual não lotearia seu governo, e de uma ação politicamente egoísta, no estilo “eu ganhei a eleição, o governo é meu e não vou dividi-lo”, mexeu com os brios partidários.

Também fez o Congresso reagir a uma situação à qual estava acostumado e já havia se rendido, a de ser uma espécie de apêndice do Poder Executivo, carimbador de medidas provisórias editadas pelo presidente da República, alienado de suas próprias tarefas e, por consequência, preguiçoso. Em muitas situações, mas muitas mesmo, deputados e senadores preferiram negociar com o Palácio do Planalto uma medida provisória, que se transforma em lei assim que é editada, a apresentar um projeto de lei, esperar sua longa e cansativa tramitação, batalhar por ele no plenário e ainda correr o risco de sofrer uma derrota. Com a MP, basta fazer uma emenda contentando um determinado setor que a situação está resolvida. De forma rápida e prática.

Do governo de Fernando Henrique Cardoso (1998/2002) para cá, deputados e senadores transformaram-se numa espécie de despachantes de luxo de governadores, prefeitos, corporações e empresas em ministérios entregues aos partidos, portanto feudos próprios onde mandaram e desmandaram.

Assim, de forma involuntária, Bolsonaro deu um sacolejão no Congresso, nos partidos e na própria política. Os que lutaram para abocanhar um pedaço da Esplanada dos Ministérios ouviram seguidos nãos. Deixaram o gabinete presidencial com raiva e com um certo desejo de vingança. Aos poucos perceberam que, ou tomavam uma atitude, ou teriam a população contra eles, visto que as redes sociais, estimuladas pelo presidente e seu círculo mais íntimo, não paravam de atacá-los, a ponto de transformá-los no alvo das manifestações pró-governo do domingo passado.

O resultado dessa política adotada por Bolsonaro, de distanciamento do Congresso, é que hoje o que se ouve em qualquer roda parlamentar é que a saída para a Câmara e o Senado é se mostrar presente, ter uma agenda própria, assumir pautas que sejam importantes para o País, como a da reforma da Previdência e a reforma tributária. E que é preciso ganhar protagonismo com iniciativas positivas, que mostrem o Congresso trabalhando. Não é possível sobreviver sendo apenas o patinho feio da política, como costumam dizer.

Nesse sentido, o projeto alternativo de reforma da Previdência apresentado pelo PL (novo nome do PR, que substituiu o antigo PL e agora retoma a sigla original, mas sempre sob influência do ex-deputado Valdemar Costa Neto) é o retrato mais fiel da reação que o Congresso decidiu ter. E também uma forma que o Centrão, integrado, entre outros, pelo PL, encontrou para dizer ao governo que continua vivo e atuante, apesar dos desgastes que tem sofrido.

O projeto do governo para a reforma da Previdência prevê economia superior a R$ 1,2 trilhão em dez anos; o do PL, economia de R$ 600 bilhões no mesmo período, 50% a menos do que a equipe econômica previu. Pretende ser muito menos austero do que o do governo. Faz a reforma da Previdência, mas não mexe em aposentadorias especiais de professores nem na idade mínima para o trabalhador rural. Também não reduz as pensões pagas aos carentes, o chamado Benefício de Prestação Continuada (BPC). Permanece, portanto, dentro de uma agenda positiva dupla: busca o equilíbrio das contas do governo e preserva direitos de eleitores, principalmente dos mais pobres.