João Domingos

João Domingos: Cuidados de Bolsonaro

Hoje existe uma tendência de divórcio entre o Congresso e o Palácio do Planalto

Quando o presidente Jair Bolsonaro decidiu anunciar publicamente que não participará nem incentivará as manifestações de domingo, além de pedir a seus ministros que delas fiquem distantes, no fundo o que ele fez foi buscar proteção contra um eventual pedido de impeachment por crime de responsabilidade. Porque a Lei 1.079/1950, que define os crimes de responsabilidade e as regras do julgamento, diz que é crime atentar contra o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados (item II do artigo 4.º); tentar dissolver o Congresso Nacional, impedir a reunião ou tentar impedir por qualquer modo o funcionamento de qualquer de suas Câmaras (parágrafo 1.º do artigo 6.º); incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina (parágrafo 7.º do artigo 7.º); entre tantos outros constantes da lei que possibilitou o impeachment de Fernando Collor (1990/1992) e de Dilma Rousseff (2011/2016).

Não que se pense que Bolsonaro fosse infringir qualquer uma dessas vedações. Apesar de dizer que o mal do Brasil é a classe política, ele não atacou o Congresso com seu raciocínio. E depois se incluiu no grupo dos que ele criticou. Tem pregado o respeito às instituições que são pilares do estado democrático de direito e prometido que jamais se voltará contra a liberdade de expressão e de imprensa. Mas haveria o risco de alguém associá-lo a uma das vedações da Lei do Crime de Responsabilidade caso viesse a participar das manifestações, ou mesmo incentivá-las.

Sabe-se, pelo teor das convocações, que alguns grupos que anunciaram a presença nas ruas, amanhã, poderão exibir faixas pedindo o fechamento do Congresso e do STF, além de fazer provocação à desobediência dos militares. Por isso mesmo é que os movimentos de direita racharam e alguns, como o MBL, decidiram ficar de fora dos protestos. Também foi por essa razão que a deputada Janaina Paschoal (PSL), uma das autoras do pedido de impeachment de Dilma, disse que não via nenhum sentido nos protestos. E que tantos líderes da direita tentam limitar as manifestações ao apoio à reforma da Previdência, ao pacote do ministro Sérgio Moro (Justiça) de combate ao crime organizado, ao crime violento e à corrupção e à manutenção do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) no Ministério da Justiça.

Mesmo sem a presença ou o incentivo de Bolsonaro, é possível que as manifestações deste domingo se transformem num marco político desses dias tão conturbados. Se forem muito grandes, darão uma prova ao presidente de que ele ainda goza de apoio popular, apesar de as pesquisas, como a mais recente da XP/Ipespe, divulgada ontem, dizerem que sua popularidade está caindo rápido. Se o número de manifestantes ficar abaixo das expectativas, o presidente terá nas ruas o testemunho de que a tendência verificada pelas pesquisas reflete-se na movimentação de seus apoiadores.

A depender do grau de agressividade às instituições – se alto, baixo ou nenhum – que for mostrado nas ruas, o Congresso terá ainda um termômetro para orientar o enfrentamento que tem mantido com o governo de Jair Bolsonaro, principalmente os parlamentares de centro e de centro-direita que integram o Centrão e que são os mais achincalhados nas redes sociais pelos integrantes do movimento chamado de olavo-bolsonarista.

Hoje existe uma tendência de divórcio entre o Palácio do Planalto e o Congresso. Essa separação só pôde ser concretizada porque Bolsonaro decidiu montar um governo sem negociações políticas. Com isso, o Congresso despertou e começou a tocar uma agenda própria. As manifestações pró-Bolsonaro dirão se o Parlamento deve seguir nesse caminho.


João Domingos: Riscos para a economia

Os que olham o Brasil com desconfiança não deixam de ter razão

A crise política começou a afetar a economia, disso parece não haver mais dúvidas. O que é um péssimo cenário para um país que mal saiu de uma recessão profunda, teve uma recuperação bastante pífia, com crescimento de 1,1% em dois anos seguidos, e agora se vê na possibilidade de ter um PIB negativo no primeiro trimestre deste ano e traz de volta o medo da recessão. Nesse mundo de incertezas, o dólar foi lá para cima, passou dos R$ 4. Há riscos de aumento da inflação. Sem falar na dubiedade do presidente Jair Bolsonaro quanto ao controle de preços dos combustíveis.

E tem a crise do emprego, com 13,4 milhões de desempregados na recente medição feita pelo IBGE, já em relação ao primeiro trimestre deste ano. Portanto, já no governo de Jair Bolsonaro, ante 12,1 milhões de desempregados no trimestre passado.

Pior, e esse é um dado preocupante, por causa de seu ineditismo e da impossibilidade de quaisquer tipos de previsão, é que muitas das crises políticas têm sido criadas pelo próprio governo e seu entorno. Além de ser alimentada pela falta de construção de uma base de sustentação no Congresso, o que todo governo necessita ter se não quiser sangrar até não ter mais jeito.

O resultado disso tudo é que o mundo passa a ver o Brasil com outro tipo de olhar, com dúvidas sobre a capacidade que o governo terá de aprovar projetos de grande importância, como a reforma da Previdência, o plano de privatizações, a reforma tributária.

Esses que olham o Brasil com desconfiança não deixam de ter razão. Como é que o presidente da República não consegue defender a medida provisória editada no primeiro dia de seu governo, a medida que lhe deu uma identidade própria, reordenou a Esplanada dos Ministérios, reduziu o número de ministérios de 29 para 22, criou o Ministério da Economia?

A medida provisória perde a validade no dia 3 de junho. Há riscos sérios de não ser votada. Se não for, caduca e seus efeitos legais desaparecem. Se isso acontecer, o governo voltará a ter a cara do governo de Michel Temer. Será um vexame sem tamanho, pois a identidade do governo de Bolsonaro, que foi bem aceita, corre o risco de desaparecer.

Bolsonaro continua a se recusar a criar uma base de apoio no Congresso sob o argumento de que não fará negociações políticas, não loteará seu governo, não cederá à pressão de partidos. Do outro lado, ao perceber que o governo está fraco, que a popularidade do presidente cai, o Congresso não cede e vai para o enfrentamento. A crise só aumenta.

Efeitos colaterais da crise política e do nó que não desata nas relações entre o Executivo e o Legislativo começam a aparecer. O ministro da Economia, Paulo Guedes, o grande fiador do governo de Bolsonaro no mercado, vê-se obrigado a deixar suas funções para ir ao Congresso mendigar a aprovação de um crédito suplementar que assegure ao governo o pagamento no segundo semestre das aposentadorias, dos benefícios de prestação continuada (BPC), do Bolsa Família e até das verbas para cobrir prejuízos causados por desastres naturais. E sem a certeza de que será atendido, porque o que não faltam entre deputados e senadores são questionamentos sobre o tamanho do crédito pedido. Se tiver de suspender o pagamento de um desses benefícios passará a sensação de incompetência de gestão.

Questionado sobre a situação atual, Bolsonaro tem culpado os governos anteriores. O presidente não deve se esquecer, porém, de que é ele quem está no comando, que as contas serão cobradas de seu governo. Terceirizar a culpa não resolverá nada em termos concretos. O único que pode acertar os passos dele é ele mesmo.


João Domingos: A encruzilhada de Moro

Se ficar ocupado com coisas menores, o ministro será engolido

É possível que no dia em que aceitou o convite do então presidente eleito Jair Bolsonaro para ocupar o Ministério da Justiça, com poderes sobre o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), vital para rastrear lavagem de dinheiro, e para fazer um pacotaço de combate a todo tipo de crime, o juiz Sérgio Moro tenha pensado, lá no fundo, que dizer sim o tiraria de uma brilhante carreira na magistratura, mas o alçaria à condição de uma das principais figuras da República. Valeria o risco.

No mesmo dia em que disse sim ao convite de Bolsonaro, um sem-número de analistas políticos, este repórter também, se concederam a liberdade de achar que Moro ganhava, naquele momento, condições políticas para se tornar um presidenciável para as eleições de 2022. Só uma vaga no Supremo Tribunal Federal era muito pouco para a importância de Moro no protagonismo dos acontecimentos políticos anteriores à eleição de Bolsonaro. Recordemos alguns: o comando da Operação Lava Jato na parte referente à Justiça, o vazamento do conteúdo de um telefonema da então presidente Dilma Rousseff para Lula, peça mais do que chave para o sucesso do impeachment da petista, e a decretação da prisão do ex-presidente, principal líder político do PT e único que, de acordo com as pesquisas sobre intenção de votos, bateria o capitão.

Sem falar que, se Lula, segundo as pesquisas, era o único nome que venceria Bolsonaro, Sérgio Moro, de acordo com essas mesmas pesquisas, era o único que bateria Lula.

Acontece que a política é alimentada por rasteiras, conchavos, recuos, alianças que viram ao sabor do vento, vitórias, derrotas, alegrias e decepções.

É possível que hoje, quatro meses e alguns dias depois de assumir a pasta da Justiça, de apresentar em tempo recorde um pacote de medidas para o combate ao crime organizado, ao crime violento, ao crime de corrupção e tantos mais, Sérgio Moro esteja um pouco decepcionado. Para quem se acostumou aos trâmites do Judiciário, em que uma decisão ditará o futuro de uma pessoa, independentemente de ser essa pessoa um importante empresário, um ex-presidente da República ou um ladrão de galinhas, os escaninhos da política podem não ser compreendidos. Neles, uma decisão não é para ser cumprida à risca. Vai depender do momento, dos humores, de taxas de popularidade e de rejeição.

Nesse sentido, Moro tem enfrentado muitos percalços. Além do risco de ficar sem o Coaf, e não ver o presidente Bolsonaro defender com clareza a permanência do conselho na Justiça, Moro teve de mastigar sapos. Um que mexeu com a autoridade do ministro foi a ordem que recebeu de Bolsonaro para desconvidar a cientista política Ilona Szabó, especializada em estudos sobre a segurança pública, para ocupar uma suplência do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. O presidente implicou com ela ao saber que fora ativa na campanha contra sua candidatura.

Outro exemplo: Bolsonaro prometeu isentar de pena produtores rurais que atirarem contra invasores de terra, apesar do que estabelece o Código de Processo Penal. Moro não teve alternativa a não ser dizer que a discussão sobre armas no campo ainda é prematura.

Em resumo, enquanto o pacote anticrime do ministro da Justiça dorme nas gavetas do Congresso, porque o Congresso tem a reforma da Previdência como prioridade, pautas periféricas vão ocupando a vida dele, envolvendo-o numa teia que não é sua.

Moro sabe que a sobrevivência política dele depende da aprovação do pacote anticrime e, depois, que os efeitos das novas regras sejam sentidos pelos cidadãos. Se ficar ocupado com coisas de menor importância, como as promessas de Bolsonaro sobre a liberação de armas, será engolido.


João Domingos: Um passo atrás

Em vez de proteger, inquérito compromete a imagem do Supremo

O presidente do STF, Dias Toffoli, trabalhou por muitos anos na assessoria jurídica do PT. Quando Lula assumiu a Presidência da República, em 2003, Toffoli foi escolhido para comandar a subchefia de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, ministério então sob o comando de José Dirceu. Com o escândalo do mensalão, em 2005, Dirceu foi demitido, voltou à Câmara dos Deputados e teve o mandato cassado. Toffoli continuou em sua função. No segundo governo de Lula, foi chamado para ser o advogado-geral da União. Lá ficou até 2009. Com a morte do ministro Carlos Alberto Menezes Direito, do STF, Lula o nomeou para a Suprema Corte. Toffoli tinha 41 anos de idade. Havia muitos outros candidatos, com muito mais experiência. Toffoli venceu a disputa porque foi político o suficiente para convencer Lula a nomeá-lo.

Também ministro do STF, Alexandre de Moraes é um ano mais novo do que o presidente do STF. Ligado ao PSDB, foi secretário de Justiça do governador Geraldo Alckmin entre 2002 e 2005. Entre 2015 e 2016 foi secretário de Segurança Pública de mais um governo de Alckmin. Com o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, foi chamado por Michel Temer para assumir o Ministério da Justiça. Em março de 2017, Temer o nomeou para o lugar de Teori Zavascki, ministro do STF que morrera em um acidente aéreo. Havia muitos outros candidatos à vaga, muitos deles mais experientes do que o ministro da Justiça. Moraes venceu a disputa porque, como Toffoli, soube ser mais político do que os concorrentes.

Um e outro são ministros que, embora tenham se destacado por trabalhos na área jurídica, chegaram ao STF por intermédio da política, cada um pertencente a um dos partidos que, desde 1994, polarizaram as disputas pelo poder no País. A nomeação de Toffoli foi muito criticada pelos tucanos; a escolha de Moraes foi muito atacada pelos petistas, que criaram até o bordão de “golpistas” para Temer e seus auxiliares, um deles Alexandre de Moraes.

Ambos sabiam que seriam vigiados por todos os lados. Para quem concedem habeas corpus, se a decisão tem viés ideológico e partidário, se estão no STF a serviço de alguém ou de alguma coisa.

Em 2018, quando Toffoli concedeu de ofício habeas corpus a José Dirceu, até que o STJ julgasse recurso do ex-ministro contra a volta à prisão, agora não mais pelo mensalão, mas pelas apurações da Lava Jato, ele apanhou uma barbaridade nas redes sociais. Nem mesmo a decisão de que suspendeu a liminar do ministro Marco Aurélio Mello que livraria Lula da cadeia, e foi considerada uma intervenção na sentença de um colega, serviu para serenar as críticas.

Ao chegar à presidência do STF Toffoli prometeu que tentaria pacificar a Corte, trazendo-a para decisões mais técnicas, dando-lhe, de fato, a condição de poder moderador, uma decisão política sensata. Mas, aí, veio a ordem para que fosse instaurado inquérito para apurar ataques a ministros do STF e familiares. Uma aberração, disseram juristas, integrantes do Ministério Público, ex-ministros do STF e até ministros da Corte. Caberá ao STF acusar, processar e julgar, o que remeteria à Inquisição.

Em seguida, a decisão de Alexandre de Moraes de retirar do ar uma reportagem da revista Crusoé sobre uma investigação da Lava Jato segundo a qual o empresário Marcelo Odebrecht dissera que Toffoli era conhecido como “o amigo do amigo do meu pai”. A proibição atingiu também o site O Antagonista. A hipótese de censura foi levantada, o que seria inconstitucional.

Pressionado, Moraes revogou a proibição. Toffoli insiste em manter o inquérito. Moraes foi político. Toffoli está sendo corporativo. O que, em vez de proteger o STF, compromete a imagem da instituição.


João Domingos: Político, não liberal

Veto de Bolsonaro ao aumento do diesel não deveria causar surpresas

Causou certa perplexidade no mercado e entre pessoas de tendências liberais na economia a decisão do presidente Jair Bolsonaro de, anteontem, mandar a Petrobrás suspender o reajuste de 5,74% no preço do diesel. Não é próprio dos liberais vigiar a política de preços de uma empresa, mesmo que seja estatal, disseram inúmeras vozes.

O próprio Bolsonaro revelou que tomou mesmo a decisão de vetar o reajuste no preço do diesel, o maior porcentual desde que assumiu o governo. E o fez, segundo ele, porque está preocupado com o transporte de cargas, com os caminhoneiros, por serem pessoas que movimentam riquezas de norte a sul, leste a oeste, devendo ser tratados com o devido carinho.

Bolsonaro acrescentou que sempre disse que não entende de economia. E que os que disseram que entendem de economia afundaram o Brasil, numa referência direta à presidente cassada Dilma Rousseff, que submeteu a Petrobrás a um rígido controle de preços e quase quebrou a empresa. O presidente informou ainda que convocou a direção da Petrobrás para que explique por que aplicaria um reajuste superior à inflação do ano.

Há alguns pontos a serem considerados a respeito da decisão de Bolsonaro quanto ao veto ao aumento do preço do diesel. A decisão dele foi política. Ele não quer saber de arrumar encrenca com os caminhoneiros, que aqui ou em qualquer lugar do mundo causam um estrago sem tamanho na economia e na vida das pessoas quando fazem bloqueio de estradas. É só se lembrar do que ocorreu no País há menos de um ano com a greve dos caminhoneiros. Até hoje a economia se ressente daquela paralisação.

Além do mais, Bolsonaro teve ganhos políticos na campanha ao receber a adesão de boa parte dos caminhoneiros. Eles passaram a divulgar a candidatura dele à Presidência por meio de cartazes e das redes sociais. Como qualquer político – e Bolsonaro é político, apesar de dizer que não nasceu para ser presidente da República e, sim, militar –, pensaria mesmo numa solução política quando posto diante de uma questão como essa. Mesmo que as consequências para a economia sejam desastrosas ou façam a equipe econômica pensar que o presidente está sabotando o próprio governo.

Quando Dilma Rousseff decidiu controlar os preços dos combustíveis, ela o fez por decisão política, não por achar que era uma economista que jamais errava, como insinuou Bolsonaro. Segurar os preços para tentar conter a inflação fazia parte de uma estratégia para que o PT mantivesse o poder. O mesmo ocorreu quando Dilma obrigou as empresas do sistema Eletrobrás a baixar as tarifas de energia elétrica. Pensava na reeleição. Como ela não soube dosar suas intervenções na economia e perdeu as condições de articulação política com o Congresso, acabou por enforcar as empresas e a si própria.

Erram os que acreditaram que Bolsonaro pensará só na economia quando tiver de tomar uma decisão. Seu instinto político falará mais alto. Apesar de manter suas ideias vinculadas aos quartéis, o fato é que mais da metade da vida econômica útil de Bolsonaro foi civil e política, uns aninhos na Câmara Municipal do Rio e quase 28 anos como deputado.

E aí está a solução para o enigma Bolsonaro. A não ser que tenha passado por uma transformação radical de uns meses para cá, ele não é um liberal. Pode aceitar tal tendência porque ela é conveniente para o casamento de seu lado conservador nos costumes com impulsos que fortaleçam o governo, e esses impulsos têm origem na economia. Se o País voltar a crescer, se a geração de emprego for restabelecida, a sociedade ficará mais feliz. Poucos se importarão com o que o presidente fizer ou disser na área dos costumes. É tudo uma questão de conveniência política.


João Domingos: O mea-culpa de Bolsonaro

Pode ser que o presidente esteja perplexo com o trabalho que terá

Na conversa que teve com jornalistas ontem, durante café da manhã, o presidente Jair Bolsonaro informou que trocará o comando da Secretaria de Comunicação do governo na próxima segunda-feira. Sai o publicitário Floriano Amorim, entra o empresário Fábio Wajngarten. Das várias missões de Wajngarten, uma será trabalhar para melhorar a imagem do presidente e de seu governo.

Incomodou muito a pesquisa do Ibope divulgada no dia 20 do mês passado, quando foi feita a comparação entre a avaliação de Bolsonaro com a do mês de março do primeiro ano de mandato dos três últimos presidentes. Na sondagem, 34% avaliaram a gestão de Bolsonaro como ótima ou boa. Em março de 1995, Fernando Henrique Cardoso obteve índice de 41%; Lula de 51% em março de 2003; e Dilma Rousseff, de 56% em março de 2011. A avaliação ruim ou péssima no mesmo período também foi desfavorável a Bolsonaro em comparação com os três eleitos anteriormente. Ele chegou a 24%. Fernando Henrique obteve 12%, Lula, 7% e Dilma, 5%.

Com a entrada de Wajngarten na Secretaria de Comunicação a ideia é uma mudança radical na estratégia de comunicação do governo. Deverá haver mais investimentos em campanhas publicitárias pela TV na defesa da reforma da Previdência e de outros projetos, quando eles forem anunciados. E aproximação do governo com os meios de comunicação tradicionais. Um cavalo de pau até mesmo na forma de Bolsonaro encarar a mídia tradicional, uma de suas adversárias preferidas. (Na troca de mensagens pelo WhatsApp com Gustavo Bebianno, que acabaram vazadas, Bolsonaro chegou a vetar encontro do então ministro com um representante da Rede Globo, tida pelo presidente como inimiga desde a campanha presidencial).

O que terá provocado o desgaste rápido da imagem de Bolsonaro? Não pode ser a reforma da Previdência, que, embora impopular, só começou a tramitar para valer mesmo agora, com a escolha do relator da proposta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.

Como a campanha eleitoral foi muito agressiva, e Bolsonaro prometeu fazer mudanças muito rapidamente, é possível que o eleitor esperasse resultados práticos já nos primeiros 60 dias do governo. Elas, no entanto, não vieram. Nesse período sobraram também confusões, idas e vindas e declarações controversas que agradaram a bolsonaristas convertidos, mas não o grosso dos que votaram nele, e que o fizeram por ter conseguido passar a imagem de ser o anti-PT e o anti-Lula.

Pode ser que o presidente esteja perplexo com o tamanho do trabalho que terá pela frente. Ele mesmo já disse que o que o conforta é que o cargo de presidente é passageiro, “imagina passar o tempo todo com esse abacaxi?”

Dá para perceber, nesses agora quase 100 dias de governo, que Bolsonaro tem seus assuntos prediletos na Presidência da República: flexibilizar a posse de armas, aumentar o tempo de validade da carteira de habilitação de cinco para dez anos, dar um jeito nos radares que medem a alta velocidade nas estradas, suspender o horário de verão. Ao que parece, assuntos mais profundos, como as negociações com os partidos, a reforma da Previdência, Bolsonaro só os abraça com grande sacrifício.

Fica ainda a impressão de que ele gostaria de seguir sua vida como um cidadão comum, que vai ao cinema com a mulher, que faz churrasco para convidados, que recebe amigos em casa, e de chinelos. Quem sabe foi por isso que, durante cerimônia no Palácio do Planalto, ontem, Bolsonaro fez um pedido de desculpas pelas caneladas? E acrescentou: “Não nasci para ser presidente, nasci para ser militar”. Ninguém nasceu para ser presidente. Mas, chegando lá, é preciso aprender a sê-lo com cada abacaxi que se descasca.


João Domingos: Desculpas esfarrapadas

 Atrair partidos só pela força das urnas parece sonho distante 

O presidente Jair Bolsonaro atribuiu a ordem de prisão preventiva do ex-presidente Michel Temer às práticas da “velha política”, na qual, segundo ele, “a governabilidade vem em troca de cargos, ministérios e estatais”. Já o Ministério Público acusou Temer de liderar uma organização criminosa que atuava “há praticamente” 40 anos.

Há uma discrepância entre o que disse Bolsonaro, segundo o qual a prisão de Temer foi ocasionada pelo “toma lá, dá cá”, o que de fato garantiu ao ex-presidente uma grande base parlamentar no Congresso, e a acusação do Ministério Público.

Na conclusão de Bolsonaro, as ações de Temer foram políticas, usadas para montar a governabilidade. Acabou indo para a cadeia. Por isso, o atual presidente disse que, apesar das pressões, vai resistir aos acordos baseados na nomeação de afilhados políticos para cargos, ministérios e estatais. Presume-se que, a partir desses acordos, cometem-se crimes. E Temer, o ex-ministro Moreira Franco e vários outros foram presos preventivamente pelo juiz federal Marcelo Bretas, do Rio, por causa desses acordos que levam a crimes.

O Ministério Público afirmou que Temer lidera uma quadrilha há praticamente 40 anos. Fazendo-se as contas, e voltando as quatro décadas, chegamos a 1979, já transcorridos 15 anos da ditadura militar, ano em que o general Ernesto Geisel entregava o poder para o general João Figueiredo. Naquele ano, segundo o MP, Temer começava a liderar a quadrilha. É de se perguntar: o que fizeram o MP e a Polícia Federal que não perceberam que um chefe de quadrilha foi nomeado procurador-geral de São Paulo em 1983, depois se candidatou a deputado federal e foi por três vezes presidente da Câmara, líder e presidente do então PMDB por anos, vice-presidente da República por dois mandatos e presidente com o impeachment de Dilma Rousseff? Afinal, Temer é acusado de cometer crime de ação continuada.

Considerando-se ainda que Temer chefia uma quadrilha há aproximadamente 40 anos, e de tão esperto nunca foi pego, é de se duvidar que ele chamasse os presidentes de partidos, se identificasse como um capo e propusesse a todos que, uma vez no governo, garantida a governabilidade, dividissem o butim.

Quando Bolsonaro diz que a montagem da governabilidade baseada num sistema de distribuição de cargos a partidos pode resultar em roubalheira, ele não deixa de ter razão. Mas não necessariamente. É possível fazer a boa política com acordos partidários.

Façamos um exercício com o governo de Bolsonaro, que precisa muito montar uma base de apoio no Congresso e não quer dar chances ao azar. Ele poderia chamar os dirigentes partidários, um a um, propor o acordo, dizer que as coisas mudaram e que não aceita acusados de malfeitos (na equipe de Bolsonaro há suspeitos de uso de candidatos laranjas e desvio de dinheiro do Fundo Partidário, mas deixa pra lá). E que, como tem o chefe da Abin, o general Augusto Heleno, como principal conselheiro, como tem a PF sob o comando do ministro Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública), será informado de tudo o que acontece no governo. Um desvio sequer, rua. Se ele agir assim, provavelmente acumulará capital político.

A ideia de atrair os partidos para o governo, levá-los a aprovar a reforma da Previdência, só pela força das urnas, sem oferecer nada em troca, parece um sonho distante. A agenda conservadora de Bolsonaro virou motivo de piada entre alguns dirigentes. Os projetos da área econômica poderiam encantá-los. Mas o governo consegue se meter em tanta confusão, com ministros falando barbaridades, a exemplo de Onyx Lorenzoni (Casa Civil) sobre o banho de sangue de Pinochet, no Chile, ou filhos que palpitam sobre tudo, que os partidos não negam que sentem um certo desconforto com a situação.


João Domingos: A força de Maia

Construção de candidatura começa assim, pavimentada centímetro a centímetro

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é o maior beneficiário da incapacidade demonstrada pelo governo até aqui na construção de uma base de apoio parlamentar. Sem um negociador político do governo capaz de fazer a ponte entre o Congresso e o Palácio do Planalto, Maia acabou por herdar essa função. Dela está tirando todo o proveito político que pode.

Hoje é possível perceber o quanto o governo passou a ser dependente do deputado. Quando o ministro da Economia, Paulo Guedes, se refere à possibilidade de aprovação da reforma da Previdência pelo Congresso, ele sempre cita “a visão de futuro” de Maia. Essa visão de futuro levou o presidente da Câmara a negociar com o presidente Jair Bolsonaro o adiamento para o segundo semestre da tramitação do pacote de combate ao crime organizado, à corrupção e aos crimes violentos, pacote este feito pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro.

O próprio Moro, ao perceber que suas propostas vão ficar para trás, anunciou que vai procurar Maia para tentar um acordo que leve à tramitação dos projetos. Ele acha que uma coisa não atrapalha a outra. Maia acha que atrapalha. Por enquanto, o pacote anticorrupção e anticrime está parado na Câmara, anexado a outros preparados por uma comissão chefiada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes.

É costume dizer que em política não existe vácuo. Todos os espaços são preenchidos o mais rapidamente possível. Hoje não se sabe se Bolsonaro tentará a reeleição. Nem dá para dizer que, se disputar, é favorito, tantas são as crises em que se envolveu.

Nesse momento, Rodrigo Maia começa a despontar como um possível candidato a presidente da República em 2022, à frente de Sérgio Moro que, embora tenha dito várias vezes não ter pretensão de chegar ao Palácio do Planalto, sempre foi visto como um nome muito forte para disputar a sucessão de Jair Bolsonaro.

Rodrigo Maia tem a confiança do mercado quanto à sua capacidade de liderar a aprovação da reforma da Previdência e de outras reformas também muito importantes, como a tributária, além de ser a favor da privatização de estatais. Caso consiga levar à frente tais reformas, não restam dúvidas de que terá consolidado seu nome para disputar a Presidência. Se vai fazê-lo, aí é outra questão. Dependerá de sua própria vontade e de sondagens sobre a capacidade de atrair votos do eleitor. Mas a construção de candidaturas começa assim, pavimentada centímetro a centímetro.

O governador João Doria, que não esconde a vontade de também se candidatar a presidente pelo campo da centro-direita, terá de trabalhar muito duro em São Paulo para depois mostrar o resultado ao eleitor. Maia, pelo contrário, até pela posição que ocupa, e pela falta de concorrência no setor que opera, já está com a mão na massa.

O jornalista e cientista político Antonio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), acompanha o poder desde antes da Constituinte. Ele lembra que, quando o ex-presidente Michel Temer esteve para cair do governo, o mercado começou a fazer sondagens sobre um nome que pudesse substituí-lo. Exigia cinco requisitos: manter a política econômica, manter a equipe econômica, não ter problemas com a Lava Jato, ter votos para se eleger na eleição indireta no Congresso e ter equilíbrio emocional.

O primeiro da lista era Fernando Henrique Cardoso. O segundo, Rodrigo Maia. Depois vinham Nelson Jobim e Tasso Jereissati.

Fernando Henrique rejeitou as sondagens. Houve desconfianças quanto ao controle emocional de Maia. De lá para cá, o presidente da Câmara trabalhou o lado emocional. Consegue hoje conviver friamente com as idas e vindas do governo Bolsonaro e com a pressão da centro-esquerda.


João Domingos: Governar é preciso

Um presidente demonstra que quem manda é ele quando pensa no sucesso do governo

Dois meses depois de tomar posse como presidente da República com um discurso de que a partir de agora trabalharia para unir o Brasil e os brasileiros, a impressão que ainda se tem de Jair Bolsonaro é a de que ele continua em campanha. É até chato escrever isso. Torna-se repetitivo, parece que o assunto não muda. Mas Bolsonaro tem agido mais como o combatente que sempre foi nos quase 28 anos numa cadeira na Câmara dos Deputados do que o presidente de todos os brasileiros.

Na Câmara, logo que assumiu seu primeiro mandato, em 1991, Bolsonaro combateu pela melhoria das condições de trabalho dos militares em marchas e concentrações junto com as mulheres de oficiais, repetindo o que fizera como capitão do Exército, em 1986, ao escrever um artigo para a revista Veja, no qual criticava os baixos salários nos quartéis. Foi preso por 15 dias, por indisciplina, por causa de seu ponto de vista, mas conquistou simpatias de colegas por todo o País. À frente, foi absolvido pelo Superior Tribunal Militar (STM). Também como deputado combateu para ter o direito de matricular os filhos no Colégio Militar de Brasília, atacou o governo de Fernando Henrique Cardoso, que segundo ele prejudicou os militares, e até pregou o fuzilamento do ex-presidente.

Ao longo de sua carreira de deputado, Bolsonaro notabilizou-se também por combater os governos do PT, sua política de direitos humanos, alguns colegas da Câmara, como a deputada Maria do Rosário (PT-RS) e o ex-deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), que renunciou ao mandato e foi morar no exterior, sob o argumento de que não se sentia mais seguro no País. Foi essa mesma vocação para o combate que levou Bolsonaro à vitória, pois conseguiu passar ao eleitor a mensagem de que era o candidato anti-Lula e anti-PT. Por consequência, contra a corrupção e a favor de uma agenda conservadora nos costumes, além de ser favorável à liberação da posse de armas.

Pois Bolsonaro já venceu a eleição. O Brasil continua com problemas econômicos sérios, desemprego altíssimo, educação de baixa qualidade, saúde precária, desigualdade social gritante, sistema de transporte ruim e segurança pública de envergonhar. Frentes de batalha é que não faltam para o presidente. Armas ele tem. Uma delas é o projeto de reforma da Previdência, que pode ajudar a combater o déficit público e a melhorar a economia, além do pacote de combate à corrupção e ao crime organizado e violento.

Como presidente, Bolsonaro deveria estar mesmo é preocupado com a garantia de sua governabilidade, o que só será conseguido com a construção de uma forte base de apoio no Congresso. Isso, até agora, não foi feito. Logo, logo, tanto a reforma da Previdência quanto o pacote anticorrupção começarão a tramitar. Portanto, é urgente formar essa base. Cabe ao presidente encabeçar a articulação e lutar para que os projetos sejam aprovados.

Nessa semana, Bolsonaro desautorizou publicamente seus ministros Paulo Guedes (Economia) e Sérgio Moro (Justiça), ao dizer que a idade mínima para a aposentadoria da mulher pode baixar de 62 anos para 60, e ao ordenar o desconvite para que a cientista política Ilona Szabó ocupasse uma vaga no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Talvez Bolsonaro desejasse, com tal atitude, reafirmar a condição de que quem manda é ele. Mas isso é um detalhe menor. Observe-se o que aconteceu com Dilma Rousseff, que não costumava desautorizar ministros. Fracassou. Um presidente demonstra que quem manda é ele quando pensa prioritariamente no sucesso de sua administração. Um governo sem sucesso não passa para a História. Aliás, passa sim, mas de forma negativa. Um governo é muito mais do que uma vontade ou uma birra pessoais.


João Domingos: Otimismo exagerado

Praticamente impossível Congresso aprovar reforma da Previdência até junho

É compreensível que todos – ou quase todos, pois existem também os que continuam a afirmar, de boa ou má-fé, que a Previdência não tem déficit – queiram a aprovação o mais rápido possível da reforma da Previdência por parte do Congresso. Afinal, a proposta foi considerada boa por economistas e por quem entende do assunto, há elogios à alíquota progressiva, por trazer justiça social, e o debate sobre o tema parece estar suficientemente maduro. Mas tem havido exagero nos cálculos feitos quanto ao término da votação. Ou até na facilidade com os que os votos favoráveis serão conquistados.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), por exemplo, diz que, se a proposta for aprovada na Câmara até abril, ele garante sua finalização antes do recesso de julho. A não ser que haja um milagre, e um milagre numa matéria tão polêmica quanto a reforma da Previdência parece fora de cogitação, jamais a Câmara conseguirá terminar a votação da proposta em abril. Em primeiro lugar, a Câmara não tem ainda nem Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) montada, como não tem comissão nenhuma. A tramitação da proposta começa obrigatoriamente pela CCJ. Depois, se admitida, analisada a constitucionalidade, forma-se uma comissão especial, que tem 40 dias de prazo para dar o parecer, que será encaminhado ao plenário para votação em dois turnos, com interstício a ser observado.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), prometeu que na semana que vem a Câmara estará com sua Comissão de Constituição e Justiça pronta. Não será assim tão fácil defini-la para que comece logo a trabalhar. Sem outras comissões para as quais os deputados possam ser enviados, e com a reforma da Previdência em destaque, está na cara que todo parlamentar vai pressionar seu líder para indicá-lo para a CCJ. Será um Deus nos acuda. No próprio PSL do presidente Jair Bolsonaro, partido para o qual foi prometida a presidência da Comissão de Constituição e Justiça, há disputa ferrenha entre os que almejam chegar lá. Já os partidos de oposição garantem não ter nenhuma pressa para indicar seus integrantes.

Desse modo, é possível que a sessão de instalação da nova CCJ só ocorra depois do carnaval. Em seguida, haverá o embate de sempre entre governistas e oposição, com manobras regimentais das mais diversas. A comissão especial, nesse caso, só deverá iniciar seus trabalhos na segunda quinzena de fevereiro.

Rodrigo Maia prometeu ao ministro da Economia, Paulo Guedes, rapidez na votação. Mesmo assim, ele pensa diferente de Alcolumbre. Calcula que a reforma da Previdência só sairá da Câmara em junho.

Já o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), acredita que a reforma pode ser aprovada em setembro. Se tudo der certo. Com isso, no quarto trimestre o País já teria a nova Previdência, o que poderia destravar investimentos.

É preciso levar ainda em conta que o projeto do governo para a reforma da Previdência tem muitos “bodes” ou “jabutis”, expressões usadas na política para se referir a partes de uma proposta que não têm nada a ver com o assunto tratado. O que certamente vai gerar debates intensos e causar algum tipo de atraso.

Entre “bodes” e “jabutis”, já foram identificados o que isenta as empresas do pagamento de multa de 40% do FGTS para trabalhadores que se aposentaram e continuam trabalhando e o que transfere para Lei Complementar a definição sobre a idade-limite para que o trabalhador fique na ativa, o que poderá derrubar a chamada “PEC da Bengala”, que tornou compulsória a aposentadoria aos 75 e não mais aos 70. Essa PEC possibilitou o adiamento da aposentadoria por parte dos ministros do STF Celso de Mello e Marco Aurélio Mello.


João Domingos: A crise no ar

Por enquanto, fica a impressão de que os militares fazem pressão para que Bebianno fique

A demora do presidente Jair Bolsonaro em tomar uma decisão sobre o afastamento ou não do advogado Gustavo Bebianno da Secretaria-Geral da Presidência não contribui em nada para debelar a maior crise política de seus 45 dias de administração.

Enquanto Bolsonaro pensa no que fazer, prevalecerá a impressão de que o grupo de militares que atua no governo trabalha para que não se mexa com o ministro. Ou, então, que Bebianno sabe de coisas demais e que há risco de, na saída, sair atirando. Corre no governo a informação de que os militares preferiram ficar ao lado do ministro, que disse ter falado com o presidente quando este ainda estava no Hospital Albert Einstein, mas foi desmentido pela rede social por um dos filhos, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ). O desmentido foi corroborado pelo pai um pouco depois.

A melhor solução para esse caso seria o afastamento imediato do ministro Bebianno. Se não em definitivo, pelo menos temporariamente, até que tudo seja esclarecido. Afinal, existe a suspeita de que o PSL, partido do presidente, usou candidatos laranja para a distribuição do dinheiro do Fundo Eleitoral. Por determinação de Bolsonaro, o ministro da Justiça e Segurança, Sérgio Moro, terá de cuidar da apuração do caso. Durante a campanha Bebianno presidiu interinamente o PSL. Foi ele o responsável por levar todo o grupo de Bolsonaro para o partido. Chefiou ainda a equipe de juristas e cuidou do caixa.

Quanto ao afastamento de Carlos Bolsonaro da possibilidade de dar pitacos nas questões de governo, decidida pelo pai, esse é um ato que se faz necessário de fato. O eleitor votou em Jair Bolsonaro para presidente da República. Não num mandato colegiado, que inclui também os filhos. Quem gosta de mandato coletivo é o PSOL. Em alguns locais, em Pernambuco e em São Paulo, por exemplo, o eleitor votou num candidato e levou cinco.

Voltando à crise política, ela veio forte porque envolveu de novo um filho do presidente em questões de governo, o próprio presidente, que deu apoio a Carlos, e o chefe da campanha vitoriosa, tornado ministro. Tudo isso, nas vésperas do anúncio do conteúdo do projeto de reforma da Previdência, a mais esperada e mais comentada reforma a ser feita pelo governo, um assunto sensível e de aprovação difícil. Ainda mais sabendo-se que o governo não teve competência para montar uma equipe de articuladores políticos que consiga garantir uma base de sustentação forte no Congresso.

Como admitiu o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), o governo não tem os 308 votos na Câmara e os 49 no Senado para aprovar a reforma da Previdência. Para construir a governabilidade, disse Waldir, sem nenhuma cerimônia, terá de oferecer cargos no governo aos partidos, e dar garantias de que vai liberar o dinheiro das emendas parlamentares ao Orçamento da União.

Pelo que se vê, a maçaroca para Bolsonaro desenrolar é grande. Vai do envolvimento de familiares nas questões de governo, na falta de uma solução para o ministro Gustavo Bebianno, e na confissão, pelo líder do partido do governo, de que o jeito será recorrer aos costumes da velha política, de construção de uma base governista sustentada no “toma lá, dá cá” que o presidente tanto combateu durante a campanha.

Fazer o quê? Como disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao analisar esse momento da vida política brasileira: “Inicio de governo é desordenado. O atual está abusando. Não dá para familiares porem lenha na fogueira. Problemas sempre há, de sobra. O presidente, a família, os amigos e aliados que os atenuem, sem soprar nas brasas. O fogo depois atinge a todos, afeta o País. É tudo a evitar.” Taí um conselho que, mesmo detestando Fernando Henrique como detesta, Bolsonaro deveria seguir.


João Domingos: A ‘CPI da Lava Toga’

Os contrários à votação da pauta econômica e de segurança vão fazer a festa

Fundamentais para o impeachment de Fernando Collor, em 1992, para a descoberta do desvio de verbas do Orçamento da União pelos chamados “anões do Orçamento”, entre 1993 e 1994, e para se chegar ao escândalo do mensalão, em 2005, as CPIs perderam força ou tiveram suas funções invertidas nos últimos anos. De instrumento poderoso de investigação, pois com o auxílio do Ministério Público e Polícia Federal, além de contarem com o poder da publicidade da comunicação parlamentar totalmente despida de censura, muitas CPIs se tornaram instrumento de chantagem, de promoção pessoal e até mesmo de obtenção de vantagens indevidas, conforme investigações internas feitas no Senado e na Câmara e que levaram até à abertura de processos de cassação de mandato por quebra de decoro parlamentar.

Como as CPIs se banalizaram demais, não foi à toa que oito parlamentares da base do governo de Jair Bolsonaro, seis deles do PSL do presidente, madrugaram na última segunda-feira, 4, para esperar a abertura da porta da Secretaria-Geral da Mesa com um pedido de instalação de uma CPI, todas elas chapa-branca ou para investigar coisas ocorridas nos governos petistas: programa Mais Médicos, Comissão da Verdade, entre outros.

Com a iniciativa, a bancada governista preencheria logo as cinco vagas de funcionamento simultâneo de CPIs, conforme determina o regimento interno da Câmara. Com isso, impediria o PT ou qualquer outro partido de oposição de aparecer com um pedido de investigação indesejável contra o governo de Bolsonaro. Do ponto da luta política, é uma estratégia. Do ponto de vista da investigação parlamentar, a perda de um instrumento que já foi poderoso e que agora tem se prestado a outras coisas, menos à investigação séria.

Se na Câmara o PSL e outros partidos do governo foram mais espertos do que o PT e a oposição, em geral, e entupiram a Mesa da Casa de pedidos de abertura de investigações sobre os petistas, no Senado está se armando uma CPI que tem tudo para nascer torta e se tornar o pior exemplo daquilo em que a investigação parlamentar foi transformada.

Trata-se da CPI que visa a investigar o ativismo judicial dos tribunais superiores. Por trás, desconfia-se que há nela uma vingança de senadores contra o presidente do STF, Dias Toffoli, que há uma semana derrubou manobra do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e determinou que a eleição para a Mesa da Casa tivesse voto secreto e não aberto. Tal CPI ganhou dos senadores o apelido de “Lava Toga”.

Nas circunstâncias em que está sendo criada, e dado o momento político delicado, essa CPI vai servir apenas para causar tumulto e jogar um Poder contra o outro. À sua sombra, os contrários à votação da pauta econômica e de segurança pública do governo vão fazer a festa. Quanto mais confusão nesse momento, melhor para atrapalhar o governo, a votação da reforma da Previdência e o pacote contra os crimes violentos e o crime organizado e o caixa 2 nas campanhas eleitorais.

Se a CPI que visa a investigar o ativismo judicial for levada à frente e concluir que há mesmo um ativismo, o que ela fará? Nada. Vai determinar aos ministros que revejam suas decisões? Na vai. CPIs não têm poder para isso. Ajudará a desmoralizar ainda mais o instrumento de investigação parlamentar. Essa CPI não tem um fato determinado. É carregada de subjetivismo. Diz o pedido de abertura dela que “a atuação dos tribunais superiores tem sido pontuada, na história recente, pelo exacerbado ativismo judicial e por decisões desarrazoadas, desproporcionais e desconexas dos anseios da sociedade”.

Se as CPIs ainda fossem sérias, essa CPI da “Lava Toga” mereceria uma CPI para apurar as circunstâncias em que foi requerida. Até porque o artigo 146 do Regimento do Senado proíbe CPIs sobre o Poder Judiciário. Deixa pra lá.