Janot

Paulo Delgado: Saint Janot

Falar do procurador, em certa medida, é ser atraído por seu abismo de sentido

“Tem que manter isso, viu?” Foi essa frase, plantada no processo contra o presidente da República, a pólvora do tiro real dado pelo procurador. O papo-furado do outro tiro no ministro do Supremo só Freud e a demagogia calculada explicam. As coisas estão assim. O privilegiado é um confortador de si mesmo. Usufrui com requinte o poder, quando o perde não sabe se comportar e escoa no País resíduos da alma. Só por falar já é um risco para os tolos interessados na imitação dos piores.

O verniz de justo se desfaz e revela que se alimenta dos que acusa. São os santos de vidro quebrado que metem medo, deixando lascas por aí. É impressionante como normalmente homens de paixões frias prosperam no meio das conspirações políticas. O poder não conhece ateus, todos o veneram.

Um ministro tenaz e impopular, alvo de fúria alegórica de um homicida ficcional, um presidente interino e reformador, a vítima política atingida, se encontram no rito secreto de um procurador mal-intencionado, fantasiado de sacerdote do sadomasoquismo da justiça. Nenhum pudor ou aviltamento na consciência. Talvez, atribuindo-se papel importante para alguma causa, tenha se sentido figurante mal pago.

O ostracismo impulsionou sua fragilidade e fez despontar a imagem que projeta: ele é sua própria causa e para compartilhar sem culpa esse horror o revela como crime passional. Os infelizes, quando fazem mal aos outros, só precisam de si mesmos para se ferirem. E, como em romance policial, quem volta ao mesmo caminho é sempre para voltar a ele. Claro que há muito crime de colarinho-branco, mas o desassombro impune do procurador passou da conta. Induzir à violência por imitação, forjar a derrubada de um presidente, expressar o direito de matar – o poder como êxtase, exercê-lo além do ponto, até a obscenidade.

É no mundo dos que se sentem donos do mundo que se compreende o homem em sua totalidade. Quantos eram uns e se tornaram outros com poder! E muitos procuradores, como as crianças para as religiões, decidiram representar para a sociedade o estado de graça original. Mesmo errados, não contabilizam seus atos como maus. Objetos de culto, beneficiam-se da confusão que é a ideia da justiça num país sem valores universais e dominado pelo apetite doentio da publicidade do poder.

Envergonhado, quer envergonhar e, sem perder a ambição de ser santo, informa que consumado o ato dirigiria a sevícia contra si. O autossuplício de quem se sente deus para definir também sua sentença, supondo suprimir o dano. É das meditações de um imperador romano o alerta: “Nada mais digno de pena do que aquele que a tudo faz a volta completa, investigando o âmago da terra e perquirindo, através de ilações, a alma do próximo”.

Não é o primeiro da longa lista de sofrimentos por que passa o nosso país. Podemos chamá-lo de qualquer coisa, classificá-lo, fazer do seu caso objeto de conversa ruim que torna mais áspera a superfície das paredes das casas de família e alimenta o glamour podre dos justiceiros. A política brasileira de uns tempos para cá permanece irregistrada na literatura não engajada, nos filmes e músicas de amor. Talvez porque quem quiser entender o que está acontecendo recebe antes uma avalanche de razões e relatos meio embusteiros que servem como veneno para impulsionar essa espiral sem freio que sobe como mola. É uma luta sem consolação ver o País sempre se dividir quando um fato mostra que não é virtuoso algum guardião da virtude. Verdadeiro flagelo a Justiça brasileira ficar presa na gangorra dessa teia de aranha.

O ambiente civilizado do bom humor e do humanismo desapareceu. O amor quebrado domina tudo. Todos são obrigados a viver o malfeito dos outros como se fôssemos a síntese do erro de nossas autoridades, equivalendo-se a todas elas, tendo de viver a vida confusa de cada um. A reação é pior: virou onda considerar o Brasil um lugar incapaz de se aturar.

Não pense assim, nem suponha que mudar de país vai ajudar. O mal se agrava quando tudo cai no campo da significação política e perdemos a capacidade de analisar sua especificidade. O duopólio esquerda e direita tem-nos levado a essa sobrepolitização de tudo sem espaço para a consciência se abrir a outras explanações, fechada somente no que é exterior a nós. A fúria é até justa, pois em repartições onde ocorrem coisas vulgares grandões autoritários não passam de homenzinhos deseducados. A mesma falta de limites se vê em ambientes ornamentados por crucifixo, a Bíblia, um livro de orações.

A imagem de um poderoso com poder de acusar, julgar ou prender sempre foi impossível olhar sem chorar, ou rir. Os bons, e são muitos, falam por si. O indiciado, o réu, o prisioneiro, esse é contabilizado como mais um dos bens do carcereiro. As decisões das autoridades penais são verdadeiras doenças verbais, inventários morais para serem lidos pela televisão. Muitas vezes é o ódio que os anima, não a busca da verdade. E quando a verdade desemboca na mentira usada para esconder a falta de provas ou nenhuma investigação científica sobre o delito, é impossível deter essa ciranda de erros.

Encontrar um culpado não tem sido, entre nós, esclarecer um crime. O que ecoa da cabeça de um obstinado juiz, procurador ou delegado funciona como um alucinógeno. E, clichê dos clichês, não é errado pensar que depois de fazer o mal a preocupação do injusto seja comer bem e dormir sem ser perturbado. O crime no Brasil é um prato cheio também para extravagantes legais e tratado como um bufê de palácio onde muitos se alimentam do que dizem fazer-lhes mal.

Nós não somos homogêneos e a facilidade e a rapidez com que hoje sabemos dos outros não devem fazer-nos pensar que o mundo é inútil. Falar do procurador, em certa medida, é ser atraído por seu abismo de sentido, esse estereótipo da negatividade que domina o universo mental brasileiro. Sem raiva, nem simpatia, não foi o que desejei.

*Sociólogo.


Elio Gaspari: Janot mostrou o cenário chinfrim

Ex-procurador-geral exagerou na seletividade da própria memória

O livro “Nada Menos que Tudo”, do ex-procurador-geral Rodrigo Janot, deseduca, desinforma e ofende o vernáculo. Traz mais revelações sobre o funcionamento do aparelho digestivo de sólidos e líquidos do doutor do que a respeito da máquina do Judiciário e do Ministério Público que chefiou por quatro anos. Conta dois episódios de vômito e um de gases. A certa altura diz que o senador Renan Calheiros tinha uma “suposta namorada”, quando se sabe que ele teve uma filha com a senhora.

As memórias de Janot desencadearam um episódio chinfrim porque, numa entrevista a propósito do livro, ele revelou que foi armado ao Supremo Tribunal Federal para matar Gilmar Mendes. (Essa cena, narrada com detalhes na entrevista, está contada no livro de forma críptica, sem identificar o ministro que levaria um tiro “na cabeça”.) A pedido do doutor Alexandre de Moraes, a Polícia Federal foi à casa do ex-procurador-geral numa operação de busca e apreensão e capturou sua pistola. Episódio desnecessário, acompanhou o estilo teatral das memórias do ex-procurador.

Sucederam-se manifestações de solidariedade e espanto, traduzidas pela professora Eloísa Machado de Almeida: “O episódio coroa a má relação entre procuradores da República e ministros do Supremo”. Aquilo que poderia ter sido um conflito em torno do direito virou um confronto de antropófagos com canibais. Como escreveu a professora: “O futuro da Lava Jato sempre dependeu de sua própria integridade jurídica e de seus membros. A autoridade do Supremo vem da legitimidade constitucional de suas decisões. Por isso, agora, ambos naufragam abraçados”.

Mais preocupado em falar bem de si, Janot exagerou na seletividade da própria memória. Ainda assim, ele mostra o momento em que o conjunto da Lava Jato começou a naufragar. Em 2014, quando a Procuradoria-Geral recebeu um lote de delações vindas de Curitiba, Janot teria comentado:

“Isso tá uma merda, não tem nada.”

Ele se referia às acusações de Alberto Youssef contra Lula e Dilma Rousseff, “destituídas de valor jurídico”. Como procurador-geral, Janot poderia ter contribuído para ordenar os métodos e a qualidades das delações. Ele e os procuradores preferiam cavalgar a popularidade de seus espetáculos.

Três meses depois, em fevereiro de 2015, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, de Curitiba, dizia que “o procedimento da delação virou um caos.(...) O que vejo agora é um tipo de barganha onde se quer jogar para a plateia, dobrar demasiado o colaborador, submeter o advogado, sem realmente ir em frente. Não sei fazer negociação como se fosse um turco.” Acabou aprendendo, mas essa é outra história.

Em maio de 2015, o Ministério Público em Curitiba foi confrontado com duas delações conflitantes, na qual um dos colaboradores oferecia-se para uma acareação. Um dos doutores disse que não se devia mexer no assunto: “Esse é o tipo de coisa que quanto mais mexeu pior fica.” Ao que um de seus colegas completou:

“É igual bosta seca: mexeu, fede”.

Desde que os processos de Curitiba e da Procuradoria-Geral chegaram às cortes superiores a fedentina tomou conta da Lava Jato, pois não havia como deixar a bosta seca intocada.

 


Hélio Schwartsman: Coisa de louco

Fantasiar com um crime e revelar essa fantasia não são crimes

Às vezes, um charuto é apenas um charuto. A declaração do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot de que quase disparou um tiro de pistola contra o ministro Gilmar Mendes durante sessão do STF é tão maluca e está tão fora da curva que não deve, a meu ver, ser tratada como sintoma de agravamento de uma suposta crise institucional.

O plano homicida de Janot envolve aspectos tão pessoais que não me parece plausível explicá-lo apenas como resultado de exacerbações políticas ou de uma polarização crescente entre o Ministério Público e o Judiciário. Não foi, afinal, uma tese jurídica que pôs o antigo chefe do parquet em rota de colisão com o magistrado, mas uma escalada de intrigas e falatórios que não poupou nem cônjuges e filhos.

Podemos no máximo especular sobre os motivos para a confissão tardia do ex-PGR. E eles vão de um esforço para promover seu livro de memórias até a preparação para disputar um cargo eletivo. O homem que quase matou Gilmar Mendes encontraria um eleitorado cativo. Não podemos nem mesmo descartar a possibilidade de que Janot tenha sido acometido por algum transtorno psiquiátrico, como a síndrome de Korsakoff, hipótese em que o fato narrado pode nem ter ocorrido.

Agora que Janot já teve sua arma apreendida, o que mais me preocupa é a mão pesada e pouco republicana com que o STF age contra todos aqueles que desafiam algum de seus membros, mesmo que dentro dos limites das liberdades constitucionais. Fantasiar com um crime, afinal, não é crime; revelar essa fantasia pode até ser coisa de doido, mas tampouco é um delito.

Quanto às instituições, elas decerto não vivem seu momento mais brilhante. Os abusos e caneladas vêm de todos os lados. Mas, para os que, como eu, pensam que o objetivo primordial das instituições democráticas é impedir que conflitos políticos degenerem em guerra civil, então elas estão dando conta do recado.


Ricardo Noblat: O poder em estado bruto

Janot conta suas verdades

Pressões, ameaças, chantagens, tentativas de suborno, vale tudo pelo poder como se sabe e como agora conta com uma fraqueza surpreendente o ex-Procurador-Geral da República Rodrigo Janot em livro de memórias que chegará em breve às livrarias.

A VEJA antecipou parte do que Janot ditou ao jornalista Jailton de Carvalho, coautor do livro. As memórias de Janot deixam todo mundo mal, principalmente ele, embora essa não fosse a intenção. Ninguém se autoincrimina de propósito, a não ser um suicida.

Janot revelou-se um assassino em potencial e um suicida arrependido quando entrou armado com um revólver no prédio do Supremo Tribunal Federal para matar o ministro Gilmar Mendes e depois matar-se. Engatilhou o revólver, mas na hora de disparar…

Uma força divina, segundo ele, impediu-o de apertar o gatilho. Como tanta gente faz, Janot meteu Deus numa história com a qual ele nada teve a ver. O mais correto seria admitir que lhe faltou coragem para consumar o gesto ou que pensou melhor e desistiu.

Graças a Deus (êpa!) que desistiu. Primeiro porque poupou a vida de um semelhante e a sua própria vida. Depois porque poupou o país do horror de ver duas togas ensanguentadas no espaço destinado a produzir justiça de acordo com a lei.

Impossível que o livro não venha a ser lembrado pelo tresloucado gesto abortado. Mas também o será por outros episódios ali narrados. Que tal um ex-presidente (Collor) que passa uma audiência inteira sussurrando que o procurador é filho da puta?

Que tal um vice-presidente (Temer) que convoca o procurador para uma audiência e lhe pede para não denunciar por crimes o presidente da Câmara (Eduardo Cunha)? A audiência foi assistida pelo então ministro da Justiça (José Eduardo Cardoso).
Que tal um senador (Aécio), candidato a presidente da República, que para escapar de ser investigado por corrupção se apressa a oferece ao procurador o que ele quiser – do posto de embaixador em Portugal à vaga de vice em sua chapa?

Cabe a pergunta: por que o procurador, do alto de um dos cargos mais poderosos da Corte, não denunciou todos os que o ameaçaram ou tentaram corromper? Não tinha provas para sustentar as denúncias? Tem agora para sustentar o que conta?
De Janot sempre se soube que apreciava beber – até aí nada demais. Lula gostava muito de beber e não foi por isso que está preso. Espera-se que o gosto de Janot pela bebida não o tenha desnorteado no momento em que resolveu depor para a História.

Lula (mais ou menos) livre

A ideia agrada a Bolsonaro
O plano original era: condena-se Lula em primeira e segunda instância no caso do sítio de Atibaia de modo que ele não fosse para o regime semiaberto por ter cumprido um sexto da pena a que fora condenado no caso do tríplex. Aí não deu tempo.

Então para não ficar ainda pior na foto, o Ministério Público Federal de Curitiba pediu à Justiça que Lula fosse para o regime semiaberto uma vez que tem direito. Ficaria pior na foto se a iniciativa tivesse partido do Supremo Tribunal Federal.

Lula recusa-se a ir para o regime semiaberto que permite ao condenado trabalhar fora durante o dia retornando à noite à prisão. Quer que a Justiça simplesmente anule suas condenações por irregularidades cometidas na condução dos seus processos.

Preso não tem querer. Pode estrebuchar na maca, protestar por meio de notas, apelar para a justiça internacional, mas assim será. Se de dentro da cadeia Lula já fala muito, imagine quando puder ficar fora dela pelo menos 12 horas por dia?

A ideia não desagrada ao presidente Jair Bolsonaro e ao gabinete do ódio que o assessora. Para continuar forte politicamente, Bolsonaro precisa de Lula e do PT razoavelmente fortes. A receita deu certo no ano passado. Bolsonaro carece de outra.


O Globo: 'Temer achava que era imune a qualquer investigação', diz Janot, um ano depois da delação de Joesley

Para ex-procurador-geral da República, omissões não contaminam provas contra o presidente Michel Temer

Por Jailton de Carvalho, de O Globo

BRASÍLIA - Um ano depois de assinar o mais impactante acordo da Lava-Jato, que resultou em duas denúncias contra o presidente da República, o ex-procurador-geral Rodrigo Janot reafirma a importância das delações dos irmãos Joesley e Wesley Batista e se espanta com a permanência do Michel Temer no cargo. Em entrevista concedida ao GLOBO na terça-feira, o ex-procurador-geral diz que não há nenhum outro país do mundo em que o chefe da nação é réu em dois processos criminais e alvo central dois outros inquéritos. E afirma que o presidente imaginou que jamais seria investigado.

Foi um acordo importantíssimo para desvendarmos toda organização criminosa que se apropriou do poder público brasileiro. As informações, provas e a proatividade dos colaboradores foram medidas nas denúncias feitas contra o presidente em exercício Michel Temer e nas investigações que seguiram. Ele responde a duas denúncias e duas investigações criminais, que decorrem dessa colaboração. Acredito que essa foi uma das colaborações premiadas que mais auxiliaram o combate à corrupção no Brasil. O que se passou depois foi um outro fato. Os colaboradores não souberam se comportar à altura e, agora, estão sofrendo a possibilidade de ter os seus acordos rompidos, o que não prejudica as provas obtidas. Nós tivemos dois acordos de colaboração premiada muito sensíveis. O primeiro da Odebrecht, difícil pela sua extensão, 78 colaboradores. Exigiram do Ministério Público Federal muito aplicação e criatividade. Mas esse da J&F foi o acordo em que nós chegamos à cabeça da organização criminosa, por isso foi muito importante. Atingiu um presidente da República em exercício que, depois de três anos e meio da Lava-jato, continuava praticando atos que queria. Achava que era imune a qualquer investigação do Ministério Público. E nenhum cidadão é. Chegamos ao virtual futuro presidente da República (senadorAécio Neves), que também continuava praticando atos e se acreditava imune. Esse é o quadro que eu desenho de um ano depois dessa colaboração da J&F.

 

Mas o presidente Michel Temer permanece presidente e o senador Aécio Neves permanece senador. Isso não dá a impressão que estão passando ao largo das investigações decorrentes do acordo?A gente precisa entender as duas situações. A situação do presidente Michel Temer, em razão da relevância do cargo que ocupa, para que seja processado criminalmente necessita autorização da Câmara. E a Câmara, fazendo um juízo político, não permitiu o prosseguimento do processo penal, que já existe. Então ele vai responder depois que deixar o seu mandato. Quanto ao senador Aécio Neves, virtual futuro presidente da República, é réu em um processo penal. E réu num processo admitido pelo Supremo Tribunal Federal em razão da colaboração premiada feita pelos executivos da J & F. Então eu acho que mudou muito. Temos um presidente da República que responde a dois processos penais, suspensos por decisão política da Câmara – e sobre isso eu não me pronuncio. E responde a mais duas investigações no STF. Isso não é pouco. Não consigo vislumbrar exemplos em outros países. Isso não é pouco. O Brasil mudou, tem indignação na rua e tem uma atuação profissional na atuação no campo judicial.

Se tem indignação (nas ruas) e atuação profissional (no campo judicial), o que sustenta o presidente no poder?
Essa pergunta tem que ser feita à Câmara dos Deputados que não permitiu o prosseguimento dos dois processos penais contra ele (Temer). Processos inaugurados contra ele com provas, estou falando em provas, não em indícios, que decorreram da colaboração premiada e da atuação proativa desses colaboradores. Malas de dinheiro circulando em São Paulo, “tem que manter isso, viu ?”, isso não é pouco. Isso é muito. Então quem tem que responder a essa pergunta é Câmara que, num juízo político, entendeu que ele não poderia ser processado agora enquanto presidente da República, apesar de ter cometido, ao que tudo indica, crime no exercício da presidência da República depois de quase quatro anos de Lava-Jato em curso. Quanto ao senador (Aécio) é réu, responde a um processo penal.

 

Qual sua expectativa em relação aos desdobramentos dessas duas frentes de investigação?
Essa investigação não pertence à polícia, ao órgão acusador, à defesa, à ninguém. É uma investigação que está sob os olhos da sociedade brasileira. Mais do que isso: todos os países estão de olho nisso. No Brasil temos uma atuação da imprensa livre. A imprensa é o quarto poder no país. A imprensa atua, mostra, cobra, põe luz nesses fatos todos. Como dizia um juiz da Suprema Corte americana nos anos 1800, o melhor detergente nessas situações chama-se luz. E a imprensa brasileira põe luz nesses fatos todos. Não acredito que teremos regressão nessas investigações.

Antes de deixar a Procuradoria-Geral do ano passado, o sr. pediu a rescisão do acordo de colaboração dos executivos da J & F. Não foi uma medida muito dura? Hoje os advogados dizem que outros delatores também teriam omitido informações e nem por isso tiveram acordos cancelados.
Isso é um assunto muito técnico, que a gente tem que avaliar com muito cuidado em fazer essas comparações. Isso é muito complicado. O que a gente tem de concreto nessa colaboração é que fizemos um acordo. O Ministério Público foi muito criticado por ter dado imunidade a essas pessoas – demos a imunidade e faríamos tudo de novo. Uma das cláusulas do acordo era que não houvesse omissão ou mentira. Os acordos com esses criminosos são feitos a partir de uma relação de confiança. O Estado acusador confia que o criminoso colaborador se redimiu. Está falando sobre a organização criminosa a que pertence, está revelando crimes que a organização praticou, está entregando participantes da organização. No nível que fizeram essa organização, quando omitem ou mentem sobre fatos, o Estado não pode fingir que não deve reagir a esse tipo de atitude. Ou o indivíduo deixa a vida criminosa e passa a ser um colaborador da justiça penal. Ele não pode ter o pé nos dois pontos. Não pode ser colaborador do Estado e continuar com tergiversações de criminosos.

Mas os advogados alegam que eles entregaram aqueles áudios (auto-gravações de conversas com referências a ministros do STF e ao próprio procurador-geral) no último dia, mas dentro do prazo. Portanto, não teria havido omissão.
O que os advogados não dizem é que esse áudio veio dentro de um anexo sobre um senador da República (Ciro Nogueira), que não tinha nada a ver com esse áudio. Esses áudios foram denominados por ele de Piauí. Recebemos quatro áudios envolvendo o senador: Piaui 1, 2, 3 e 4. Piauí 1, 2 e 4 eram áudios de conversas pouco republicanas com esse senador. Piauí 3 era um outro áudio que não tinha nada a ver com esse seguimento. Era um outro fato. E por que fizeram isso ? Por que não disseram,então, que tinha aquele áudio ali que envolvia uma situação que não era aquela do senador. Entendemos o seguinte: como era comum nos acordos espúrios e políticos e empresários colocar jabutis em medidas provisórias, achamos que era um jabuti colocado em um anexo da nossa colaboração. Por isso, por falta de clareza, objetividade, porque não disseram a verdade, porque tentaram enganar o Estado acusador, é que eu propus a rescisão ao acordo de colaboração.

Essa sua decisão acabou dando argumento para a defesa do presidente. Se os delatores tinham mentido ou omitido as acusações seriam inconsistentes. O comportamento não retilíneo dos delatores enfraqueceu a denúncia?
Não. As coisas são diferentes. Como é que pode haver enfraquecimento da denúncia contra o presidente da República se contra ele existem provas ? Se os delatores omitiram fatos sobre outras pessoas não quer dizer que essas provas, estou repetindo provas, apresentadas contra o presidente da República estão contaminadas. A pergunta que se tem que fazer é: existem provas contra o presidente da República em exercício por atos criminosos por ele praticado? A imprensa divulgou áudios, vídeos. Se isso não é suficiente, eu me mudo para Marte.

O ex-procurador Marcelo Miller, que atuou como advogado dos executivos, foi criticado e acusado de cometer crimes nesse episódio. Hoje, no seu entendimento, o ex-procurador cometeu mesmo algum crime?
Na época, com os elementos que tínhamos, eu acreditava que sim, que ele fazia parte dessa organização criminosa, como fazia parte o presidente da República e esses executivos da J&F. Hoje, com o quadro fático que temos – já saí dessas investigações desde setembro – eu acredito que ele tenha cometido atos não éticos, mas estou convencido hoje que crime ele não cometeu.

O sr. foi muito criticado por ter concedido imunidade penal aos irmãos Batista. Se arrepende disso? Tem algo nesse acordo que faria diferente?
Eu não faria nada diferente. Quem tem que pensar em um comportamento diferente são os colaboradores. Eles teriam que ter tratado o órgão acusador com mais respeito. Teriam que ter entregue tudo que tinham realmente. Um acordo de um colaborador da Justiça, que entrega o presidente da República em exercício do cargo cometendo crime, com provas. Houve uma gravação, por decisão espontânea do colaborador, em que o presidente da República é pilhado em uma conversa com esse empresário, que entra na residência oficial sem ser identificado. A placa do carro tinha sido acordada por um deputado, aquele deputado da mala, com a segurança da entrada da residência oficial. Essa pessoa entra na residência oficial do presidente da República. A segurança do presidente é muito ruim ou houve um acordo para que essa pessoa entrasse de maneira desconhecida dentro do palácio. Essa pessoa entra e grava uma conversa às onze da noite, no subterrâneo. Tem com o presidente uma conversa pouco republicana. Os acertos são feitos e aquele deputado da mala, da corridinha, é indicado como o novo interlocutor desse empresário criminoso com ninguém menos que o presidente da República. E quais são as expressões que o empresário usa? “As vias estão obstruídas. Não podemos mais usar esses instrumentos de comunicação, ou algo do gênero”. A mensagem era essa. E esse deputado recebe uma mala com R$ 500 mil numa ação controlada. O acordo ainda não estava assinado. Eram potenciais colaboradores. Enfim, está aí o presidente da República denunciado duas vezes, com mais duas investigações abertas. O virtual futuro presidente da República com denúncia aceita.

A partir dessas duas outras investigações em curso, que tem como alvo central o presidente, vai haver uma terceira denúncia?
Isso eu não sei, não conheço o conteúdo dessas investigações. O caminho normal é a denúncia virá. A justiça brasileira é republicana. Não estamos aqui mais para proteger oligarquias. O Brasil está mudando para melhor.

Por falar em mudanças, qual sua expectativa em relação às eleições tendo em vista que a Lava-Jato gira em torno de políticos e dinheiro desviado?
A primeira coisa é que esse discurso falso de que as investigações criminalizaram a política. A investigação não criminaliza político. Estou convencido de que a mudança desse cenário corrupto, esse cenário destruído, a partir de uma reforma política profunda. Então a mudança virá pela política. A investigação não criminaliza a política. Ela busca criminosos que se escondem atrás de mandatos políticos.

Mas essas eleições serão diferentes das anteriores? Haverá menos corrupção?
Não sei. Temos decisões importantes. Não haverá possibilidade de financiamento de pessoas jurídicas. A expectativa é de que os custos se reduzam. O custo das eleições no Brasil é muito mais caro que na França, Inglaterra, Alemanha, Itália. Temos outros estudos que mostram que dos 20 maiores doadores das eleições de 2010, 14 delas caíram na Lava-jato. Será uma eleição diferente ? Sim, será uma eleição diferente. Mas se haverá interferências dessas organizações eu não posso dizer. Existe um ditado, “criada a lei, criada a fraude à lei”. Então vamos esperar. Como a reforma política não veio, temos que ver o que vai acontecer.

 


Luiz Carlos Azedo: O susto de Temer  

Uma “obstrução urológica”, eis o diagnóstico oficial do mal-estar que o presidente Michel Temer sofreu ontem e o levou ao Hospital do Exército, no qual foi submetido a exames e passou por uma “sondagem vesical de alívio por vídeo”, segundo nota oficial do Palácio do Planalto. A notícia vazou quando os deputados começavam a apreciação da segunda denúncia do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot contra Temer, na qual também estão arrolados os ministros da Casa Civil, Eliseu Padilha, e da secretaria-geral da Presidência, Moreira Franco.

Temer chegou andando ao hospital, mas uma ambulância do Exército fez todo o percurso da Praça dos Três Poderes ao Setor Militar Urbano. Seu mal-estar interrompeu uma agenda movimentada, que havia sido iniciada bem cedo, toda focada na votação que haveria na Câmara. Recebeu os deputados Caio Nárcio (PSDB-MG), Aluisio Mendes (Pode-MA), Ademir Camilo (Pode-MG) e Jozi Araújo (Pode-AP), Sinval Malheiros (Pode-SP) e Maurício Quintella (PR-AL); o governador de Tocantins, Marcelo Miranda (PMDB); além de Moreira e Padilha.

Quando o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Sérgio Etchegoyen, chegou ao gabinete, Temer já estava sentindo muitas dores, o que levou o militar responsável pela segurança pessoal do presidente da República a acionar o dispositivo médico e de segurança. Entre os políticos, o diagnóstico era unânime: Temer havia sentido o ritmo de trabalho, que incluiu muitos almoços e jantares, e somatizou a pressão política. O presidente da República sempre teve votos para barrar a denúncia, mas foi chantageado pela própria base e obrigado a fazer muitas concessões. O deputado mineiro Fábio Ramalho (PMDB), que oferecera um jantar para o presidente na terça, comentava que Temer, não era de dispensar um leitãozinho à pururuca, mas se recusara a comer na confraternização.

No final da tarde, o Palácio do Planalto minimizava a situação, anunciando que o presidente da República deixaria o hospital caminhando por volta das 18h. Não foi o que aconteceu. Também informava que o médico do presidente, Roberto Kalil Filho, estava em contato com a equipe do Hospital do Exército para avaliar se haveria necessidade de Temer ser transferido para São Paulo. Informada da situação, Marcela Temer foi para o hospital no meio da tarde para acompanhar o marido.

Uma obstrução urinária pode ser uma coisa simples ou algo muito grave, dependendo da causa. A obstrução urinária aguda começa com um desconforto na bexiga, com dores abdominais. A sondagem vesical e esvaziamento da bexiga proporcionam alívio imediato, mas não resolve a causa do problema. A causa mais comum entre os homens com mais de 60 anos é a hiperplasia prostática benigna (HPB), o aumento da próstata, que estreita o canal da uretra. É um mal do envelhecimento que pode ser tratado com medicamento ou cirurgia. O problema é facilmente detectado nos exames de PSA e de toque.

Cálculos
Cálculos renais também pode provocar obstrução urinária. A urolitíase (pedra no rim) desenvolve-se quando o sal e as substâncias minerais contidas na urina formam cristais, que se aderem uns aos outros e crescem em tamanho. Normalmente, são removidos do corpo pelo fluxo natural da urina, mas, em certas situações, aderem ao tecido renal ou se localizam em áreas de onde não conseguem ser removidos. Esses cristais podem crescer variando desde o tamanho de um grão de arroz até o tamanho de um caroço de azeitona. A maior parte dos cálculos inicia a sua formação dentro do rim, mas alguns podem deslocar-se para outras partes do sistema urinário, como o ureter ou a bexiga, e lá crescem. Existem cinco tipos predominantes: oxalato de cálcio, fosfato de cálcio, ácido úrico, cistina, estruvita (infectado) e cálculos de tipos mistos.

Carne vermelha, crustáceos e pouco líquido favorecem a formação dos cálculos, que podem ser tratados com dieta e muito líquido. Noventa por cento dos cálculos saem do rim e passam ao ureter dentro de três a seis semanas. Os cálculos que não passam através do ureter podem ser removidos através de cateteres especiais ou através da desintegração com ultrassom. Em ambos os casos, o médico coloca um aparelho na bexiga (cistoscópio) ou no ureter (uretroscópio) para facilitar a remoção. Se a sonda não funcionar, a opção é a cirurgia ou um novo tipo de tratamento, chamado litotripsia extracorpórea, no qual os cálculos são “despedaçados” por ondas de choques, que dispensam anestia e hospitalização.

Mas a causa pode ser mais grave. Uma estenose uretral, por exemplo, pode ser provocada por traumas ou lesões uretrais, uretrites e, principalmente, câncer. Temer tem 77 anos, está sob forte pressão, em plena seca de Brasília, com uma agenda carregadíssima. Os próximos dias dirão o que realmente houve.

- Correio Braziliense


Eliane Cantanhêde: Cicatrizes de Temer

Joesley preso, Janot já era e Temer se salva; apesar disso... cicatrizes ficam

Aos solavancos, de delação em delação, de denúncia em denúncia, o presidente Michel Temer acredita que, daqui para frente, tudo será diferente, mas pode estar enganado. Ele parece cercado de inimigos e aliados infiéis e ainda precisa dar muitas explicações após o plenário da Câmara livrá-lo de um processo imediato. E não só à Justiça, mas também à opinião pública. Rodrigo Maia, Renan Calheiros e Kátia Abreu têm, cada qual, seus motivos contra Temer, mas concordam numa coisa: ele saiu vitorioso da primeira denúncia da PGR e sairá também da segunda, na quarta-feira, dia 25, mas isso não bastará para apagar as suspeitas contra ele.

Maia tem problemas na Lava Jato e Renan é o campeão de inquéritos contra parlamentares no Supremo. Logo, não se trata de um surto ético e sim uma constatação que joga o Planalto para um lado e o Congresso para outro: apesar de o presidente sobreviver e a economia voltar a respirar, eles e a maioria dos deputados e senadores não veem em Temer uma boa companhia para 2018.

No Planalto, sonha-se com uma reforma da Previdência, por mínima que seja. No Congresso, sonha-se com outra coisa: eleição. Como avisa Maia, os deputados, que já engoliram o desgaste de votar com Temer na primeira denúncia e terão engolido de novo na segunda, não vão engolir mais uma vez por uma reforma rejeitada até por seus pais e companheiros.

Além disso, o delator Joesley Batista está preso, sua credibilidade está abaixo de zero e as flechadas do ex-procurador-geral Rodrigo Janot vêm sendo questionadas, uma a uma, mas deixaram sérias cicatrizes em Temer. Ele concluirá o mandato, mas nunca se livrará delas.

Janot é acusado de alterar maliciosamente a sequência do diálogo entre Temer e Joesley no Jaburu, para esquentar a primeira denúncia e seu efeito na opinião pública. Apesar disso... o áudio não evaporou e Temer não pode alegar que não disse o que disse e não ouviu o que ouviu.

Janot também fica em situação difícil porque seu braço direito Marcello Miller armava contra o presidente como procurador da República e advogado regiamente pago para defender interesses da JBS. E piorou quando Joesley foi gravado dizendo que Miller abriu a porta para o próprio Janot entrar no mesmo escritório de advocacia. Apesar disso... as provas de Joesley contra Temer mantêm efeito jurídico.

Janot, igualmente, apresentou indícios e uma narrativa lógica para concluir que a mala de dinheiro do ex-assessor Rodrigo Rocha Loures era para Temer, mas ele nunca comprovou que era, nem que o dinheiro chegou a esse destino. Apesar disso... de nada adianta a provocação de Temer: se a mala de Loures era dele, a gorda remuneração do advogado Miller, em tese, não poderia ser de Janot? É uma equação ruim para Janot, mas nem por isso boa para Temer.

Janot, por fim, fez uma colcha de retalhos com delações para denunciar Temer por organização criminosa com atuais ministros e com Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima e Henrique Alves, agora presos, mas a segunda denúncia é considerada mais frágil, sem provas, áudios e vídeos de impacto. Apesar disso... é inquestionável que Temer andava em más companhias. Sem falar nos assessores do terceiro andar do Planalto.

Enfim, depois de tantos “apesar disso...”, a conclusão é de que Temer “convence” a CCJ e o plenário da Câmara, mas não a opinião pública. Era impopular antes, continuou durante e depois da bomba JBS e nada indica que possa melhorar. Rodrigo Maia sugeriu a ele um publicitário “jovem e moderno”, mas não há jovialidade nem modernidade para dar um jeito nisso. As flechadas de Janot estavam envenenadas.

 


Correio Braziliense: "Eu não criminalizei a política. Criminalizei os bandidos", diz Janot

Na primeira entrevista depois de deixar o comando da Procuradoria-Geral da república, Rodrigo Janot relata ao Correio os bastidores dos momentos mais importantes da Lava-Jato

Ana Dubeux , Ana Maria Campos , Helena Mader
No quarto andar da sede da Procuradoria-Geral da República, funcionários trabalham para adaptar um amplo gabinete ao novo ocupante, que acaba de chegar. Um arco e flecha pendurado à parede divide o espaço com uma escultura de tuiuiu e com uma coleção de canetas — uma delas, em destaque, foi usada para assinar a delação premiada de executivos da Odebrecht.

De camisa polo e com visual despojado, Rodrigo Janot parece alheio ao bombardeio que vem recebendo há meses. O mineiro, de Belo Horizonte, deixou o posto de procurador-geral da República no mais conturbado momento de seus 33 anos de carreira. Até a transmissão de cargo à sucessora, Raquel Dodge, foi controversa: Janot não compareceu à cerimônia de posse. Na entrevista exclusiva ao Correio, Janot explica a ausência: “Quem vai em festa sem convite é penetra”.

O procurador revela que não foi convidado nem mesmo para transmitir o cargo. Se fosse ao auditório, teria de procurar um assento. Ele conta que não havia sequer uma cadeira reservada. Mas garante que não se sentiria constrangido em dividir a cena com políticos que denunciou, como o presidente Michel Temer. “As pessoas que têm de se sentir constrangidas”, aponta.
Em duas horas e 20 minutos de conversa, o ex-chefe do MP relata os bastidores de momentos importantes que marcaram a Lava-Jato: o pedido de prisão do então senador Delcídio do Amaral, a morte do ministro Teori Zavascki, a “escolha de Sofia” na imunidade concedida ao empresário Joesley Batista em troca de provas contra Temer e as suspeitas envolvendo integrantes do próprio Ministério Público.

Janot deixou o cargo, mas não se afastou da turbulência. Pelo contrário. Ele sabe que, agora, começam de verdade os ataques, principalmente na CPI da JBS, comandada por aliados de Temer. “Vão tentar usar todo mundo e tudo contra mim… Tudo é possível, vão tentar desconstituir a figura do investigador”, diz. E já se defende: “Não levei dinheiro do Miller nem autorizei ninguém a receber mala de dinheiro em meu nome. Nem tenho amigo com R$ 51 milhões em apartamento”. Para quem acha que o ex-procurador-geral exagerou, ele rebate: "Não criminalizei a política. Criminalizei os bandidos".

Por que o senhor não foi à posse da sua sucessora, Raquel Dodge?
Na minha terra, se diz o seguinte: a gente não vai a festa sem convite. Quem vai em festa sem convite é penetra.

O senhor não foi convidado?

Para a posse, definitivamente, não fui convidado. A gente tratou como seriam colocados os termos no convite. A primeira proposta foi com meu nome: “O procurador-geral da República convida”. Mas o pessoal da transmissão pediu para sair em nome do Ministério Público da União, por e-mail. Eu é que expedi esse e-mail.  Mas não recebi convite nenhum. Os convites para chefes dos poderes pediram para que eu fizesse nominalmente. Mandei aos presidentes do Supremo, da Câmara, do Senado, da República, aí sim, um ofício meu, enquanto procurador-geral. Meu mandato terminou domingo, dia 17, até lá eu era procurador-geral. Perguntei se queriam uma transmissão de cargo, mas me informaram que eu não posso transmitir aquilo que eu não tenho mais. Por isso que não fui, porque não fui convidado.

Não seria constrangedor sentar à mesa com pessoas que denunciou?

Não sentaria à mesa. Mas eu estou na minha casa, as pessoas que têm que se sentir constrangidas, não sou eu. Fiz o meu trabalho. Se tivesse sido convidado, iria, com certeza. Outro detalhe: também não tinha lugar reservado para mim no auditório, não. Eu teria que chegar e bater cabeça para achar uma cadeirinha.

Por que a rivalidade com Raquel Dodge chegou a esse ponto?

Não sei. Nunca houve uma rivalidade a esse nível, claro que não.

Substituições de equipe podem comprometer o trabalho em andamento na Lava-Jato?

Em tese, todos estão preparados para esse tipo de trabalho. É claro que as pessoas têm que trabalhar com quem têm afinidade. Isso é normal. Eu me espantei porque havia ofício formal, com convite para que toda a equipe da Lava-Jato continuasse. Existia um ato formal dela. Houve uma conversa com o pessoal da equipe, em que ela disse novamente que todos estavam convidados. Depois, ela começou a desconvidar.

O que houve?

Não sei. No sábado, fiz uma feijoada para a despedida da minha turma. A turma dela ligou para dois colegas meus, o Fernando (Alencar) e o Rodrigo Telles, desconvidando-os. Com relação ao Rodrigo Telles (que auxiliou Janot na investigação contra Agripino Maia), o que disseram é que havia muita resistência ao nome dele, não disseram de quem, e sobre o Fernando, disseram que ele ultrapassava o percentual que o Conselho (Superior do Ministério Público) estabeleceu para o recrutamento de pessoas. Esses foram desconvidados no sábado.

Fora do MP, o senhor foi muito questionado, sobretudo por causa do processo relacionado à JBS. Saiu de uma posição de herói e, de uma hora para outra, passou a ser apontado como vilão...

Existem estratégias de defesa. Quando o fato é chapado, quando o fato é mala voando, são R$ 51 milhões dentro de apartamento, gente carregando mala de dinheiro na rua de São Paulo, gravação dizendo “tem que manter isso, viu?”, há uma dificuldade natural para elaborar defesa técnica nesses questionamentos jurídicos. E uma das estratégias de defesa é tentar desconstruir a figura do acusador. É assim que eu vejo. De repente, passo a ser o vilão da história, o dito vilão da história, porque há necessidade de desconstituir a figura do acusador. O que fizeram comigo vão fazer com outros. Tenha certeza absoluta.

Mas o senhor enfrenta críticas de acusados desde o início. O senador Collor, por exemplo, já soltou impropérios contra o senhor... 

Mas numa proporção muito menor… Ele só xingou minha mãe várias vezes (risos). Mas agora cheguei ao poder real. No núcleo de poder, no centro dessa Orcrim (organização criminosa), e a reação é essa mesmo. Eu já imaginava que isso aconteceria, mas não imaginava que seria nessa proporção. Não imaginava como viria o coice. A orquestração é visível.

Ao se despedir, na sexta-feira, o senhor falou em sofrimento…

É um desgaste danado, você catalisar tudo sozinho… Eu tinha que manter a equipe funcionando até 17 de setembro. Foi tudo muito intenso. Investigações importantes foram chegando maduras nas duas ou três últimas semanas do meu trabalho. Essas investigações dependiam de atos de terceiros também. Para a denúncia da organização criminosa do PMDB da Câmara, tive que aguardar a conclusão do inquérito. O delegado só relatou o inquérito na segunda-feira, um excelente relatório, de mais de 400 páginas, que mostra um retrato da atuação dessa organização criminosa. De um lado, eu tinha que manter a equipe funcionando e tirando deles a pressão para que trabalhassem com eficácia e eficiência. Eu tinha que absorver tudo isso sozinho, não é para criança, não. Não é brinquedo, não. Só pancada. Não é para amador.

Na delação de Joesley, houve questionamentos com relação ao fato de ele revelar crimes tão graves e ir embora de avião particular para os EUA. Como lidou com a revolta que isso suscitou?

Eu tinha uma escolha de Sofia. Ele chega, nos traz uma demonstração, que foi um pequeno take do áudio, que revelava crimes em curso praticados pelo alto escalão da República. O presidente da República, um senador importante que teve 50 milhões de votos na eleição anterior, um deputado federal, a prova fazia menção a um colega meu infiltrado. Eram crimes gravíssimos e em curso. Tomo conhecimento disso, vejo que tem indicativo de prova. Eles disseram: “A gente negocia qualquer outra coisa, menos a imunidade”. A minha escolha de Sofia era: se eu não pego o material que eles tinham, eu não poderia investigar, eu teria que ficar quieto vendo esses crimes acontecerem ou então eu tinha que negociar a imunidade.

O fato de Joesley ir para a cadeia é de certa forma um alívio para o MP depois de tantas críticas? 

Ele foi mais esperto que ele mesmo. A esperteza capturou ele próprio. A gente tem que deixar muito claro: a colaboração premiada é um instituto novo para a gente, já aprendemos muito. Quando a gente faz um acordo desse, é de natureza penal, a gente está negociando com bandido, bandi-dê-ó-dó. O cara, porque é colaborador da Justiça, não deixa de ser bandido. As coisas têm que ser muito claras. A mesa de negociação é um lugar muito duro, um ringue mesmo. O colaborador tem que vir de coração aberto, tem que vir para o lado do Estado. Tem que falar tudo. Quem faz juízo sobre a prática ou não de delito é o MP, não o colaborador, ele tem que entregar tudo. A gente tem muito anexo que não tem nada de palpável, mas a gente recebe e analisa. O juízo nós que fazemos. E o que eles fizeram? Eles esconderam fatos. Trouxeram “A” mas não nos trouxeram “B”. Porque não trouxeram “B”, está contaminado todo o acordo. Só que o fato de ele não trazer o “B” não influencia nem tangencia o “A”. Não contamina. A rescisão me permite continuar usando a prova. Mas dá um gosto amargo, o sujeito não pulou o lado, continuou ao lado da bandidagem.

E as denúncias envolvendo o ex-procurador Marcelo Miller? O fato de ele ter negociado com o grupo JBS quando ainda fazia parte da equipe da PGR compromete a validade das provas?

Existe uma investigação em curso, mas, se ele fez isso, foi sem o nosso conhecimento. E se fez sem o nosso conhecimento, ele não pode contaminar um ato que é nosso. Se ele fez, não está comprovado ainda, vai ter que responder por isso.

O fato de ele ter abdicado de uma carreira como ao MP não despertou dúvidas na sua equipe?

No último um ano e meio, cinco colegas saíram.
Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

É o salário?

É dinheiro. Também é muita responsabilidade, muita restrição. O fato de ele ter saído não suscita nenhuma suspeita. O Marcelo trabalhou forte na colaboração da Odebrecht. Ele já tinha voltado para o Rio de Janeiro havia um ano e continuou na força-tarefa como colaborador, eventualmente era chamado a fazer alguma colaboração aqui. Mas não estava no núcleo.

O senhor se sente traído?

Eu quero ver a conclusão da investigação para fazer algum juízo. O caso do Ângelo (Goulart) está investigado, ali eu me senti traído, com certeza.

O procurador Ângelo Goulart criticou sua forma de atuação, disse que o senhor agia rapidamente para chegar ao presidente Temer…

É engraçado isso, ele não trabalhou comigo. O Ângelo trabalhava no eleitoral, nem no mesmo prédio ficávamos. Quando foi chegando ao fim do mandato, como tinha interesse de permanecer em Brasília, ele perguntou se poderia ser designado para a força-tarefa da Greenfield, da PRDF.

É verdade que o senhor vomitou quatro vezes ao tomar conhecimento desses fatos relacionados ao procurador Ângelo Goulart?

Sim. É muito triste isso de prender um colega. Tem um crime militar que a gente chama de perfídia. Perfídia é o sujeito que é do teu grupo e que vende esse grupo para o inimigo. Ele passa a ajudar o inimigo a te dar tiro. Esse é o sentimento que deu na gente. A situação é muito ruim, sentir que contaminou.

O procurador Ângelo alega que atuou para tentar encabeçar as tratativas da eventual delação. Ele agiu motivado por dinheiro?

Essa linha de defesa ele já adotou no processo administrativo disciplinar aqui dentro. Ele tentou se passar por herói. Como se ele tivesse se oferecido a eles para poder derrubá-los. Como se fosse o mocinho, o super-homem. Mas como faz um trabalho desses de atuação infiltrada sem falar com os russos? Ele faz isso sem falar com os colegas, com ninguém? Não falou com o Anselmo (Lopes, coordenador da Operação Greenfield). Agora vamos ver os fatos. Houve uma reunião em que o Anselmo fez um desenho à mão da estratégia da investigação. Esse papel foi aparecer com um advogado da JBS. A troco do quê? Ele foi pilhado numa ação controlada em que conversa com desenvoltura. Depois, ele tem gravada a conversa com o advogado. Tudo isso ele bolou sem avisar ninguém? É fantasioso. E acertou dinheiro, sim, R$ 50 mil por mês.

Há provas de que ele recebeu dinheiro?

Tem relato do Francisco (de Assis, advogado), tem advogado acertando, dizendo que tinha dinheiro, tem o croquis do planejamento, tem gravação, visitas. A expressão que a gente usa é “batom em certo lugar”.

Ainda citando o que ele diz, o senhor se referia a sua sucessora como a bruxa?

Não. É aquela coisa, como se faz para desconstruir o acusador.

Essa campanha que o senhor menciona para tentar atacar o acusador como foi?

O nível é muito baixo, chegaram à minha família, à minha filha.

Saindo do cargo, acredita que vai diminuir?

Pelo contrário. A notícia que tive é: vai aumentar. A pressão para cima de mim só vai aumentar.

Teme que a CPI da JBS vire instrumento de vingança?

A CPI não é da JBS. O relator já afirmou que o escopo da CPI é investigar os investigadores. O escopo da CPI não são os empréstimos da JBS no BNDES. Ninguém falou sobre isso. Estão falando em convidar também o Ângelo, o Eugênio Aragão.

Em um texto divulgado na internet, o procurador Aragão defendeu Ângelo, e disse que ele apenas atuava com métodos heterodoxos para conseguir acordos de colaboração...

Sabe por quê? Quem trouxe o Ângelo para atuar no eleitoral foi o Dr. Eugênio Aragão.

Como vai se proteger desses ataques que o senhor já prevê?

Primeiro, quero descansar, vou tirar 20 dias, viajar. Depois, vou ver as estratégias. A imprensa tem que ser muito atuante agora. Essa CPI não pode ser a CPI dos investigadores. Essa CPI tem que seguir o escopo dela. Não é a CPI dos empréstimos do BNDES? E querem investigar quem? Eu? Eu não participei de empréstimo nenhum da JBS. O acordo da JBS foi judicial. Foi homologado pelo Supremo e foi reafirmado pelo Supremo. Como o Congresso pode querer desconstituir isso?

Vão tentar usar o Miller contra o senhor na CPI?

Vão tentar usar todo mundo e tudo contra mim… Tudo é possível, vão tentar desconstituir a figura do investigador. Não levei dinheiro do Miller nem autorizei ninguém a receber mala de dinheiro em meu nome. Nem tenho amigo com R$ 51 milhões em apartamento.

Acredita que a população vai aceitar uma atuação como essa da CPI?

O brasileiro é honesto. Espero que a cidadania seja ativa para enxergar esse tipo de manobra. Outra estratégia também é usar a imprensa estrangeira, já começaram a falar lá fora, e a falar forte. Quando começaram as alterações no grupo de trabalho da Lava-Jato, saiu uma notinha com a chamada "It begins" (“Foi dada a largada”, em tradução livre). O título diz tudo.

O que achou do fato de Dodge não ter citado nenhuma vez a Lava-Jato no discurso de posse? Foi pelo fato de a operação ter se tornado a marca do senhor?

A Lava-Jato não pertence ao MP, pertence à sociedade, ao mundo. Não é uma marca minha. Eu dei as condições necessárias para que outros colegas pudessem trabalhar, em Curitiba, no Rio, em São Paulo. A Lava-Jato não pertence mais ao Ministério Público. É um patrimônio da sociedade brasileira. Ela corre o mundo.

A Lava-Jato corre risco real?

Está cedo para avaliar. É preciso aguardar para ver como a coisa evolui. Se houver risco, não acredito que isso contamine nem Curitiba, nem Rio, nem São Paulo, que já têm investigações com pernas próprias.

O senhor foi flagrado conversando com o advogado Pierpaolo Bottini, que representa Joesley, em um bar. Não foi um encontro impróprio, dadas as circunstâncias?

Não era um bar, era uma distribuidora de bebidas. Vou àquele lugar todo sábado. Chego ali, tomo uma cerveja e vou embora para casa. Conheço todo mundo, conheço o dono, o César, desde a época em que ele vendia minhocas, conheço todos os frequentadores. A gente conversa, passa ali meia hora, uma hora. Abriu uma feijoada ali do lado aos sábados que é ótima.

Disseram até que essa reunião era comparável ao encontro de Joesley com Temer no Palácio…

Meio dia, em um lugar público, frequentado por um zilhão de pessoas? A conversa não durou 10 minutos, não falamos de trabalho, de nada disso. Falamos de cerveja. Aconselho passearem por lá, tem tudo quanto é cerveja artesanal.

O advogado Willer Tomaz, também denunciado, recebia em sua casa  figuras importantes, inclusive o procurador-geral de Justiça do DF, Leonardo Bessa. Causa suspeição?

Relacionamento da gente com advogado é uma coisa normal. Dos meus amigos que fiz em Brasília quando cheguei há 33 anos, a maioria é advogado. Todo mundo se conhece. E advogado de bandido não é bandido, a gente tem que ter esse relacionamento.

O senhor teve embates duros também com o ministro Gilmar Mendes. O STF vai enfrentar o tema da suspeição do ministro?

Vão ter que enfrentar, claro. Quando alguém argui suspeição, esse é um termo técnico normal. A arguição de suspeição é para garantia da atividade da magistratura e dos jurisdicionados. O magistrado tem que ser isento. Eles vão enfrentar, sim. O resultado, não sei.

Fazendo uma comparação com a Operação Mãos Limpas, na Itália, o senhor teme pela sua vida?

Temer, não! (risos).

Acredita que o MP estará com o senhor?

Acho que sim, não só o federal, o Ministério Público do Brasil inteiro. O Ministério Público brasileiro hoje está em outro patamar.

Durante sua gestão, onde errou?

Com certeza, erros aconteceram, mas não consigo fazer esse juízo agora. Preciso de um afastamento para poder enxergar.

A Lava-Jato é uma sucessão de delações. Como isso começou?

Tem um momento para mim que foi um divisor de águas. O que deu impulso danado nas colaborações foi a decisão do STF, que disse: condenou em segundo grau, vai para a cadeia. Os caras começaram a fazer conta. A estratégia era empurrar, agora não tem mais jeito. Esse foi, na minha leitura, um dos pontos que gerou essa mudança. Grandes delações também chamaram todas as outras.

O Supremo vai rever alguma delas?

Não acredito que o STF vai recuar. Seria um prejuízo enorme.

A delação do Delcídio, com a prisão de um senador no exercício do mandato, foi decisiva?

Sim. Divisor de águas foi a colaboração do senador. Ele gravou, os fatos eram gravíssimos, e era um senador, líder do governo. Quando fiz o pedido de prisão, sabia que tinha cruzado o rubicão e que tinha queimado a única ponte atrás da tropa, que não tinha mais recuo. Era só para a frente. Foi um momento de muita tensão, era uma novidade e eu não sabia o que aconteceria.

Com a morte de Teori, temeu pelo fim das investigações?

Temi, sim. Eu sou agnóstico, eu creio muito pouco. Com a morte dele, eu passei a crer ainda menos. Eu dizia: não é possível.

Suspeitou de assassinato?

No começo, claro. Mas a investigação foi feita por nós, pelo MPF, em Angra dos Reis, e estamos seguros de que foi acidente mesmo.

Foi o momento mais difícil?

Esse foi um dos mais difíceis, com certeza, foi devastador para todo mundo. Ele era muito firme. Ainda bem que o ministro Fachin também é.

Como avalia a atuação de Moro?

A gente está no meio de um lamaçal, no meio de bandidos, cheiro de podre para todo lado, só tem uma maneira de não se contaminar, a gente tem que ser reto. O Moro é duro, eu fui duro, e tem que ser mesmo.

O que foi essencial na Lava-Jato?

O grupo de Curitiba foi muito importante. O juiz foi muito importante. Uma parte que pouca gente fala, mas que permitiu chegar até agora, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que manteve com firmeza todas as decisões.

O Brasil mudou com a Lava-Jato?

Está mudando. Na minha terra, quando a gente fazia muita traquinagem, apanhava com vara de marmelo, aquela bem flexível. Aquilo na perna dói para caramba. Nós envergamos essa vara e temos que ter cuidado para ela não soltar, senão volta batendo em todo mundo e vai ficar em pé. Estamos nesse ponto de inflexão, a vara foi dobrada, mas não foi quebrada. E essa vara tem que ser quebrada.

Ainda tinha muita flecha?

Sim, tenho ainda algumas ali (aponta para arco e flecha que recebeu de índios).

Mesmo depois do início da Lava-Jato, muitos atos de corrupção prosseguiram. Gim Argello, por exemplo, negociava convocações para a CPI da Petrobras…

Com três anos e meio de Lava-Jato, vimos várias conversas não republicanas, malas para cá, malas para lá. Mas seria mais grave sem a Lava-Jato. A vara está envergada, mas não foi quebrada. Tem que ser quebrada.

O senhor falou de egoístas e escroques ousados. Eles estão em todas as instituições?

Sim, até na minha tem.

Como será julgado pela história?

Quero ser julgado de maneira isenta. Se eu errei, que apontem os erros. Se eu acertei, que mostrem os acertos. Só isso.

Uma das críticas é a forma como o MP consegue as delações, que os acusados falam só para fugir da cadeia. Um dos casos levantados é o do ex-ministro Palocci...

Essa história de que a gente prende para ter colaboração, muita gente falava isso, e a gente só mostrava a estatística: 85% são com pessoas soltas. A pessoa só tem medo de ser presa quando comete crime. É crime e castigo, tem até um livrinho com esse nome. A lei diz que a colaboração tem que ser espontânea, voluntária, se não for assim, não pode ser homologada. A iniciativa tem que ser do colaborador, com advogado. Não posso ter conversa escondida com colaborador. A negociação é dura. Concluído isso, a gente faz o contrato do acordo, o magistrado chama o colaborador, sem a nossa presença, e pergunta se foi instigado, incentivado, obrigado, ameaçado. Existe toda essa preocupação para que o colaborador possa falar. Quando ele fala, não basta imputar algo a alguém, tem que dar o caminho da prova. Diziam que era coisa de X9, de dedo duro. Ele tem que dizer o crime que cometeu, o comparsa dele, como participou desse crime e revelar o caminho da prova. Se imputa falsamente, ele comete crime. E não acabou a colaboração. Ela é homologada e, no fim do processo, o juiz analisa a eficácia dessa colaboração. O colaborador tem que ajudar a acusação na obtenção das provas. Se não fizer isso, ele perde a premiação. Se o colaborador der causa à rescisão, como acontece agora com Batista e Ricardo Saud, ele perde toda a premiação, responde pelos crimes que cometeu e toda a prova que ele deu para a acusação é válida. É uma situação muito delicada a do réu colaborador.

Como veio à tona esse novo áudio de Joesley?

Quando foi feito esse acordo, contrataram um grupo para fazer levantamentos dentro do grupo empresarial para identificar as provas para a orientação da colaboração. E, aos poucos, iriam fazendo os novos anexos e indicação dos fatos criminosos. Pediram 120 dias para fazer isso. No acordo, constaram aqueles anexos que trouxeram no primeiro momento e, no período de 120 dias, trariam complementos. Um pouco antes, pediram a prorrogação por mais 60 dias. A gente concordou com a prorrogação. Com medo de perderem o prazo e ter rescindida a colaboração, eles empurraram tudo para cá. Vieram muitos anexos e muitos áudios. Para agilizar, a gente dividiu tudo entre os colegas. No grupo da Lava-Jato, ficou todo mundo ouvindo os áudios. A Carol (procuradora Ana Carolina Rezende) ficou com um grupo de áudios. Tinha um anexo que envolvia uma pessoa cujo processo está em sigilo, o codinome era Piauí, com quatro áudios. O maldito áudio Piauí 3 não tinha nada a ver com esse anexo. O Piauí 1, 2 e 4 tinham a ver, eram conversas com determinado senador. A Carol, domingo de manhã, manda mensagem no nosso grupo dizendo que tinha um áudio jabuti, contrabando, de quatro horas, falando de Miller, de várias coisas. Viemos para cá, passamos a tarde aqui. Era um jabuti, um anexo de contrabando colocado sem nenhuma remissão de que não tinha nada a ver com Piauí. A PF disse que tinha recuperado 7 áudios, que estão sob sigilo, porque o advogado dos colaboradores disse que boa parte é conversa entre advogado e cliente. E que a perícia da PF teria recuperado mais 11 áudios.

 Joesley tinha apagado e a PF conseguiu resgatar?

Isso. Na leitura que fizemos, isso não poderia ter sido um equívoco, foi uma casca de banana mesmo. O ministro Fachin lacrou os 11 áudios, nem nós conhecemos. Eles, com medo de um dos 11 áudios ser um dos que estão recuperados pela polícia, colocaram um jabuti. Lá na frente, quando estourasse o negócio, diriam que entregaram e nós ficamos calados. É óbvio que foi uma armadilha. E como desarma uma armadilha? Coloca luz sobre ela. Santa Carol! Se ela não fosse tão CDF, poderia ter passado.

Há alguma possibilidade de o desfecho da segunda denúncia contra Temer ser diferente no Congresso?

Acho que não. Mas a solução política não me interessa. Tenho que fazer o meu trabalho. A Câmara não rejeita a denúncia, ela autoriza ou não o processamento.

O senhor virou carrasco dos políticos corruptos?

Cada um tem que fazer o seu trabalho. O corrupto tem que entender que acabou a era de que nada acontece com ele. Grandes empresários, o poder econômico e o poder político, está todo mundo respondendo igualmente, não é mais a justiça dos três pês.

Como vê as acusações de que age com interesses partidários?

Primeiro eu era petista, indicado pela Dilma. Quando viram o meu radar, virei perseguidor de político. Não estou criminalizando a política, estou criminalizando bandido.

Como responde a críticos que dizem que o MP sai menor?

O MP sai gigante, pois é reconhecido fora do Brasil. Aonde você vai, os colegas de fora reconhecem nossa atividade, na França, na Suíça, nos EUA, todos os ministérios públicos do Mercosul reconhecem nossa atividade.

Depois dos 20 dias de descanso, como vai refazer a vida?

Tenho projetos que quero tocar, não quero sair dessa área de combate à corrupção. As pessoas de fora me pedem para não sair dessa área. Nossa atividade virou paradigma. O Brasil deu um passo gigantesco no combate à corrupção. Mas isso, para o bloco, não é suficiente. Se o Brasil continua esse caminho, e acho que vai continuar, pode começar a exportar corrupção. O bloco tem que caminhar de forma harmônica e as pessoas pedem que eu seja uma voz no combate à corrupção. Na PGR, vou atuar na área criminal do STJ.

Na eleição de 2018, como garantir renovação?

A cidadania vem com força para 2018. Ninguém aguenta mais ser enganado dessa forma. Agora, é importante também que a política faça a sua parte. Temos que ter reforma política profunda.

Como fazer isso com um Congresso contaminado?

Vamos imaginar que os novos políticos de 2018 recebam da cidadania uma cobrança muito forte para que haja essa mudança. Não podemos ter senador que teve zero votos, um deputado federal que teve 15 votos, que ninguém sabe quem é.

Com a saída de Dilma, a corrupção ficou mais explícita?

A cada dia que passa, a gente está jogando mais luz sobre a corrupção. É isso.

G1: Chega ao fim mandato de 4 anos de Janot à frente da Procuradoria Geral da República

Raquel Dodge toma posse nesta segunda (18) como procuradora-geral. Sob Janot, Operação Lava Jato abriu no STF 137 investigações, cujos alvos são Michel Temer, 4 ex-presidentes e 93 parlamentares 

Após quatro anos, chega ao fim neste domingo (17) o mandato de Rodrigo Janot à frente da Procuradoria Geral da República (PGR). Nesta segunda-feira (18), toma posse no cargo Raquel Dodge.

Leia também:

A gestão de Janot no comando do Ministério Público Federal foi marcada pela maior investigação já realizada pelo órgão contra a corrupção.

Sob a condução de Janot e uma equipe de 10 investigadores, a Operação Lava Jato levou à abertura de 137 investigações atualmente em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF), cujos alvos são:

  • 1 presidente (Michel Temer);
  • 4 ex-presidentes;
  • 93 parlamentares (63 deputados federais e 30 senadores);
  • 6 ministros do governo Temer;
  • 2 ministros do Tribunal de Contas da União (TCU).

Também são investigadas no Supremo mais de uma centena de pessoas sem o chamado foro privilegiado – como lobistas, doleiros, ex-diretores de estatais e políticos sem mandato envolvidos com as autoridades suspeitas.

Outras dezenas de pessoas, inicialmente investigadas no STF, tiveram os casos remetidos para instâncias inferiores após perda do foro privilegiado.

Fora a Lava Jato (relacionada a desvios de recursos de Petrobras, Eletrobras, Caixa e fundos de pensão, principalmente), o Ministério Público também investigou, sob o comando de Janot, outros esquemas de corrupção.

Destacam-se, por exemplo, as operações Zelotes (sobre compra de decisões no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais da Receita Federal – Carf –, venda de medidas provisórias e compra de caças suecos) e a Ararath (que desvendou a existência de bancos clandestinos destinados à lavagem de dinheiro em Mato Grosso).

Foi no período Janot que se intensificou no Brasil o uso do que é hoje considerada a principal arma de investigação dos chamados "crimes do colarinho branco": a delação premiada.

A cooperação internacional na operação alcançou 48 países com a repatriação de R$ 79 milhões em dinheiro sujo desviado para o exterior.

 Êxitos
Desde o início das investigações, Janot também obteve vitórias no Supremo que lhe possibilitaram aprofundar o trabalho de combate ao crime. Uma das primeiras foi a confirmação, em maio de 2015, pelo plenário do Supremo, do poder do Ministério Público para conduzir investigações.

Embora, na prática, procuradores já apurassem crimes, várias instâncias judiciais anulavam provas por entenderem que só a polícia podia tocar os inquéritos.

Janot também saiu vitorioso no julgamento que validou, em agosto de 2015, a delação premiada do doleiro Alberto Youssef, um dos primeiros a citar políticos no escândalo da Petrobras. Na decisão, o STF rejeitou o argumento de que personalidade "desajustada" do delator coloca em risco a validade do acordo.

Em outubro do mesmo ano, pela primeira vez na história, a PGR conseguiu extraditar um foragido com dupla cidadania. Condenado em 2012 no mensalão, o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolatofugiu para a Itália em novembro de 2013 para escapar da prisão decretada pelo STF.

Outro fato inédito na história recente do país foi a prisão de um parlamentar durante o mandato. Em novembro de 2015, o STF aceitou o pedido de Janot para levar à cadeia o então senador e líder do governo Delcídio do Amaral. Ele foi gravado em conversa tentando evitar a delação premiada do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.

Em 2016, Janot também teve êxito na defesa da possibilidade de decretar a prisão de alguém após condenação pela segunda instância. Desde 2009, o STF só admitia a prisão após esgotados todos os recursos possíveis nas quatro instâncias existentes. A virada no entendimento, disse Janot, foi um "passo decisivo contra a impunidade no Brasil".


Críticas
O maior deslize de Janot, apontado por seus críticos, ocorreu no último mês dele no cargo. A delação da J&F, assinada em maio de 2016 pelos executivos da empresa com o grupo de trabalho da Lava Jato na PGR, passou a ter considerado seu fim incerto na Justiça.

Embora a iniciativa de revisar o acordo tenha partido do próprio procurador-geral, pela suspeita de omissão de crimes pelos executivos da empresa, a colaboração virou objeto de desconfiança maior pela suposta participação do ex-procurador Marcello Miller, ex-auxiliar de Janot na Lava Jato, quando ele ainda integrava a PGR.

A questão ainda será discutida pelo Supremo, mas fora da gestão Janot – caberá à sua sucessora, Raquel Dodge, manter de pé as gravações feitas por Joesley Batista com o presidente Michel Temer e outros políticos citados.

Ainda dentro da novela J&F, a imagem do procurador saiu manchada, na avaliação de críticos a ele, com a divulgação de uma foto na qual ele aparece sentado numa mesa de bar em Brasília com o advogado de Joesley.

O flagrante ocorreu um dia antes da prisão do empresário, pedida pelo próprio Janot. Questionado, ele disse que o encontro ocorreu por acaso e negou ter falado sobre a prisão com o defensor.

Mesmo antes do imbróglio com a J&F, Janot sofreu alguns reveses na Lava Jato. Em abril de 2015, a Segunda Turma do STF tirou da cadeia, de uma só vez, nove executivos de empreiteiras que haviam sido presos preventivamente a pedido de Janot. A maioria considerou prolongados os quase cinco meses em que estavam encarcerados sem qualquer condenação na Justiça.

Revés semelhante ocorreu no início deste ano, quando o STF também mandou soltar o ex-ministro José Dirceu, o ex-tesoureiro do PP João Claudio Genu e o pecuarista José Carlos Bumlai, todos já condenados na Lava Jato.

Também é apontada como derrota de Janot a escolha, pelo presidente Michel Temer, da subprocuradora Raquel Dodge para sucedê-lo na PGR. Janot apoiava Nicolao Dino, que obteve a maioria dos votos na lista de três nomes indicados pela associação de procuradores – Dodge foi a segunda colocada.


Despedida
Apegado à família – é casado e tem uma filha –, torcedor fanático do Atlético-MG, apreciador de cerveja e culinária, Janot espera, enfim, deixar de lado os holofotes e a ira dos políticos.

Após a despedida do comando da PGR, na última sexta (15), ele deve entrar em férias de 30 dias, e depois voltar à PGR como subprocurador-geral da República, cargo que ocupava anteriormente.

Embora tenha cogitado se aposentar, deve permanecer no órgão e, com isso, manter foro privilegiado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) – há o receio de que, devido às dezenas de acusações que fez contra políticos, passe agora a ser alvo de ações.

Os planos de Janot, no entanto, incluem, ainda em 2017, iniciar uma licença de um ano da PGR a que ainda tem direito.

Depois, ao se aposentar e após três anos de quarentena, o projeto é atuar na iniciativa privada, prestando consultoria na área de compliance, nome que se dá ao conjunto de políticas anticorrupção adtoadas pelas empresas.


Folha de S. Paulo: Amplitude da acusação desafia defesa de Temer

Em uma detalhada narrativa de 245 páginas, Janot denuncia Michel Temer, Eliseu Padilha, Geddel Vieira Lima, Moreira Franco, Henrique Eduardo Alves, Eduardo Cunha e Rocha Loures pela prática de crime de organização criminosa transnacional.

ELOÍSA MACHADO e RUBENS GLEZER,
ESPECIAL PARA A FOLHA

Segundo a denúncia, Temer e seus aliados ocupavam postos políticos e negociavam apoio em troca do poder de indicação de nomes para cargos estratégicos em empresas e ministérios.

Se isso não é algo ilícito por si só, o mesmo não se pode dizer do proveito que a organização criminosa tirava da situação. A presença na Petrobras, em Furnas, no Ministério da Integração Nacional, no Ministério da Agricultura, na Caixa Econômica Federal e até na própria Câmara era um meio para o esquema de arrecadação de propinas.

A história é conhecida: empresas que queriam ser contratadas ou ter uma lei em seu benefício repassavam propina a Temer e seus aliados.

O papel dado a Michel Temer na organização criminosa é central; "dava a necessária estabilidade e segurança ao aparato criminoso, figurando ao mesmo tempo como cúpula e alicerce da organização", nas palavras de Janot.

Para corroborar essa narrativa de um longo e vasto esquema criminoso, a denúncia aponta uma série de provas que, ao menos nessa etapa, mostram indícios de materialidade e de autoria dos crimes.
São depoimentos, termos de colaboração premiada, áudios; interceptações telefônicas; mensagens de texto; tudo de famosos personagens do enredo da Lava Jato, como Sérgio Machado, Delcídio do Amaral, Marcelo Odebrecht e Nestor Cerveró. Mas é Lúcio Funaro quem traz os elementos de conexão de vários casos até Temer.

Essa amplitude de indícios impõe um desafio à defesa de Temer, que pediu ao STF a suspensão da denúncia –antes de seu envio à Câmara dos Deputados– até que se resolva sobre a validade das provas na delação de Joesley Batista. Mas essas provas sustentam apenas a denúncia por obstrução à Justiça. Todo o resto segue sem questionamentos.

A denúncia deverá ser remetida em breve para a Câmara dos Deputados e novamente será encaminhada a uma comissão para elaborar um parecer, possivelmente repetindo as negociações do governo para trocas e substituições de membros, na tentativa de obter uma manifestação de rejeição à sua tramitação. O país terá, então, a oportunidade de assistir mais uma vez às votações no plenário da Câmara.

Mas tudo indica que isso se dará em um contexto razoavelmente distinto da votação sobre a primeira denúncia.

Naquela ocasião, se denunciava um episódio de corrupção pontual de aproximadamente R$ 500 mil, enquanto agora se denuncia Temer por ser um dos protagonistas de um esquema criminoso desde 2002, intensificado em 2007 e comandado por ele a partir de 2016, sob a acusação de receber mais de R$ 500 milhões –mil vezes o valor da primeira denúncia–, agravada pelo fato de tentar a obstruir a investigação desses crimes durante o mandato presidencial. A gravidade pública dos fatos é muito maior.

Nesse contexto não será fácil para o governo angariar o apoio de deputados que têm um encontro marcado com o eleitorado em 2018. Mesmo com uma eventual rejeição de mais essa denúncia, é difícil imaginar que o Planalto e o Congresso consigam fazer algo que não apenas trabalhar para sua própria sobrevivência.

A Operação Lava Jato deve prosseguir para os diversos deputados, senadores e ministros já apontados como partícipes no esquema criminoso, dentre os quais os aliados de Temer, isolando-o. Isso sem dizer que o próprio Michel Temer pode vir a ser alvo de mais uma denúncia em inquérito recém-autorizado pelo Supremo Tribunal Federal sobre a venda do decreto dos portos e propinas da Rodrimar.
Já não estamos mais estupefatos com o ineditismo de uma primeira denúncia contra um presidente em exercício; afinal, já estamos acompanhando o oferecimento de uma segunda denúncia e, muito provavelmente, de uma terceira.

Inédito, até mesmo incrível, será ter um presidente da República absolutamente impopular e exposto em um enorme esquema de vandalismo político, sendo capaz de resistir.

* ELOÍSA MACHADO e RUBENS GLEZER são professores e coordenadores do Supremo em Pauta FGV Direito SP

 


Luiz Carlos Azedo: Supremo deu o recado

Cármen Lúcia disse que o Ministério Público continuará o trabalho de combate à corrupção, mesmo após a saída de Janot da PGR

Ao manter o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, à frente das investigações sobre o presidente Michel Temer, neste fim de mandato, o Supremo Tribunal Federal mandou um recado para o mundo político: restaure-se a moralidade. Nove ministros da Corte rejeitaram o pedido de afastamento: Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Cármen Lúcia. Não participaram da decisão os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes.

Em seu voto, a presidente do STF, Cármen Lúcia, disse que o Ministério Público continuará o trabalho de combate à corrupção, mesmo após a saída de Janot da PGR, e que as “instituições são mais importantes que as pessoas”. Não foi uma declaração descontextualizada da troca de guarda na PGR, porque sinaliza o que já se esperava: Raquel Dodge, que substituirá Janot a partir da segunda-feira, não será complacente com os malfeitos apurados na Operação Lava-Jato.

“Há instituições sólidas hoje no Brasil, o Ministério Público é uma delas. O Supremo não permitirá que a mudança de um nome, o afastamento de um nome, altere os rumos”, disse a presidente da Corte. Cármem Lúcia foi explícita quanto ao fato de que todos os processos que se referem à matéria penal não serão interrompidos, apesar das pressões. Esse foi o teor da recente conversa entre a presidente da Corte e a nova procuradora-geral. “O processo penal e a busca de apuração de erros praticados no espaço público, como se tem no espaço privado, não vão parar”, ressaltou.

A expectativa agora é quanto à segunda denúncia contra Michel Temer. O caminho ficou aberto para que isso ocorra nas próximas 48 horas, porque a segunda decisão da Corte, sobre essa possibilidade, foi adiada para a próxima semana, por causa da apreciação do Código Florestal. A sessão foi encerrada por Cármem Lúcia sem que os ministros do STF analisassem o pedido de Temer para impedir Janot de apresentar uma nova denúncia. Outro pedido era para que a Corte examinasse a validade das provas entregues pelos delatores da J&F, que embasam as investigações, mas o relator da Lava-Jato, ministro Luiz Edson Fachin, manifestou-se contra a apreciação da validade das provas no momento.

A sessão do Supremo surpreendeu pelo estilo pessedista (a cúpula do antigo PSD só se reunia quando tudo já estava resolvido). O ministro Gilmar Mendes, crítico implacável da Lava-Jato e desafeto declarado de Janot, permaneceu no seu gabinete na primeira votação. Em nota, disse que “possui posição consolidada a respeito da interpretação restritiva das regras de suspeição e impedimento previstas na legislação brasileira”. Barroso, principal defensor de Janot e da Lava-Jato, não compareceu porque estava num seminário na Universidade de Yale, nos Estados Unidos.

Janot também não compareceu, foi representado pelo vice-procurador-geral da República, Nicolau Dino, que chamou de “absolutamente infundadas” as acusações. Ele foi o mais votado na eleição interna do Ministério Público para o cargo de procurador-geral, mas foi preterido por Temer, que indicou Raquel Dodge. “Nada, absolutamente nada autoriza a conclusão de que haveria inimizade capital entre o procurador e o presidente da República”, afirmou.

Enquanto isso, segue o baile. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva prestou depoimento ontem, em Curitiba, perante o juiz Sérgio Moro, e não foi preso, como temiam os petistas. Continuará respondendo ao processo em liberdade. Lula foi agressivo, mas o magistrado não caiu na armadilha e evitou polêmicas. Uma nova denúncia foi feita por Janot no fim da tarde, desta vez contra o presidente do DEM, senador José Agripino Maia (RN), cujo teor foi mantido em sigilo.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ontem, suspendeu a carteira do ex-procurador Marcelo Miller, por 90 dias. Desde março, Miller é investigado pelos colegas por sua atuação no escritório Trench, Rossi, Watanabe, que defendia a JBS no acordo de leniência. O escritório informou à coluna que não foi responsável pela entrega da gravação da conversa entre Joesley Batista e o executivo Ricardo Saud ao Ministério Público, como publicamos na terça-feira. Quem entregou a gravação foi a defesa na “delação premiada”, o processo criminal.

Seminário
Começa hoje, no Hotel Maksoud Plaza, em São Paulo, o seminário internacional “Desafios políticos de um mundo em intensa transformação”, organizado pela Fundação Astrojildo Pereira (PPS) e o Instituto Teotônio Vilela (PSDB). Entre os palestrantes, Adrian Wooldridge, Stefan Folster e Gianni Barbacetto, além de políticos dos dois partidos, como Fernando Henrique Cardoso, Geraldo Alckmin, Cristovam Buarque, Roberto Freire e José Aníbal. A grande ausência será o prefeito de São Paulo, João Doria, que está em Buenos Aires

 

 


Murillo de Aragão: O inacreditável mora aqui  

O realismo fantástico se incorporou à rotina do país. Gabriel García Márquez e o seu Cem anos de solidão são fichinha perto do que acontece por aqui. Macondo, a cidade fictícia do romance onde aconteciam coisas estranhas, não é nada perto do que acontece em Brasília e na política nacional.

O Brasil deveria ganhar o Nobel de Literatura por transformar ficção em realidade. Nada supera nossa capacidade de transformar fantasia em pesadelo. Alguns fatos que vieram à tona nos últimos dias comprovam nossa condição inusitada: as novas gravações do empresário Joesley Batista, da JBS, e o achado de milhões em um apartamento de Salvador.

Começo pelo segundo fato. Encontraram mais de 51 milhões de reais acondicionados em malas e caixas em um apartamento da capital baiana. O imóvel seria de um amigo de Geddel Vieira Lima (PMDB), ex-ministro da Secretaria de Governo de Michel Temer e hoje sob prisão domiciliar. Em tempo, o amigo já disse na Polícia Federal que o apartamento estava emprestado para Geddel.

Quem guardaria tanto dinheiro em um apartamento vazio? Como se consegue recolher milhões em dinheiro vivo e transitar pelo país? O que justificaria alguém ganhar 51 milhões e esconder em um apartamento? Que logística foi empregada para tirar o dinheiro dos bancos e fazê-lo chegar ao apartamento?

Ora, quando achávamos que a corridinha com a mala dos 500 mil reais era um escândalo, superamos tudo e a todos com a maior apreensão de dinheiro vivo da história do Brasil!!! As malas – supostamente – de Geddel humilham as malas do Mensalão.

Poucas horas antes, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, veio a público expor outro fato inacreditável. A entrega equivocada à Procuradoria, pela defesa da JBS, da gravação de um diálogo impensável entre Joesley Batista e seu executivo Ricardo Saud sobre o conturbado e polêmico acordo de leniência assinado com os donos da empresa. O que já foi revelado é espantosamente sério. E tragicamente hilário quando se ver o volume de besteiras e grosseiras ditas pela dupla.

Caso se aplique a teoria do domínio do fato ao episódio, na versão do ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa, Janot estaria em sérios apuros por conta da participação de seu ex-braço-direito, Marcelo Miller, no episódio. No mínimo, é tudo muito estranho.

Como um acordo de leniência de tamanha relevância é conduzido de forma tão descuidada e desastrada? Por que, nos diálogos gravados, Joesley diz que a Odebrecht moeu o Legislativo e que ele entregaria à PGR o Judiciário e o Executivo, para, na sequência, defender-se candidamente dizendo que não era bem isso que ele queria dizer?

A trama exposta nos diálogos desmoraliza o acordo de leniência, enfraquece Janot, atinge a reputação do Judiciário e revela que houve um brutal açodamento, um grave descuido e muita imperícia na condução da questão. Tudo ao mesmo tempo aqui e agora.

Também é inacreditável a entrega do material sem a conferência de seu conteúdo. Como as gravações foram entregues? Considerando o grau de maldade dos atores envolvidos, teria sido de propósito? O episódio também comprova que não existe segredo de justiça e que as provas vão sendo sucessivamente vazadas sem que se descubra quem anda vazando.

Ao tempo dos dois episódios mencionados, descobriu-se também que o Brasil teria subornado membros do Comitê Olímpico Internacional em esquema que envolve o ex-governador Sérgio Cabral para que o Rio de Janeiro fosse a sede das Olimpíadas. Cabral... que já é acusado de receber mais de 260 milhões de reais em propinas do pessoal dos transportes públicos do Rio!!!

As revelações de que dois próceres do PMDB – Cabral e Geddel – podem ter amealhado milhões em esquemas de corrupção causa nojo e indignação naqueles que lutaram pela redemocratização do país sob as cores do velho MDB. E que foram perseguidos e prejudicados na luta pela democracia. Que fim triste.

Na mesma leva de acontecimentos dos últimos dias, também sobrou para o PT, supostamente o partido da moral e dos bons costumes políticos: os ex-presidentes da República Lula e Dilma Rousseff foram denunciados no Superior Tribunal Federal, com fartura de provas, sob a acusação de liderarem uma organização criminosa. Para piorar, Antonio Palloci afirmou ao juiz Sergio Moro que Lula participou dos esquemas de corrupção da Petrobras!

A corrupção no Brasil é democrática: vai da direita à esquerda sem maiores constrangimentos e atinge políticos de grande, médio e pequeno porte.

Tempos atrás, o ministro do Supremo Luís Roberto Barroso disse que o sistema político brasileiro era indutor da criminalidade. Estava certo. Mas não é apenas isso. O poder do Estado e sua opacidade permitem que muitos daqueles que dirigem os negócios públicos possam se apoderar da máquina pública para fazer negócios de interesse pessoal, subverter as corridas eleitorais e perpetuar esquemas de poder e de corrupção. Tudo sob as barbas de uma elite omissa, interesseira, ideologicamente doente e incompetente.

Em tempo: a palavra Macondo, nome da cidade fictícia de Gabriel García Márquez, vem do dialeto africano Kituba e quer dizer “bananas”. Se somos mais do que Macondo, seremos mesmo uma República das Bananas e com uma elite de bananas? Cartas para a redação.

* Murillo de Aragão é cientista político