Fantasiar com um crime e revelar essa fantasia não são crimes
Às vezes, um charuto é apenas um charuto. A declaração do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot de que quase disparou um tiro de pistola contra o ministro Gilmar Mendes durante sessão do STF é tão maluca e está tão fora da curva que não deve, a meu ver, ser tratada como sintoma de agravamento de uma suposta crise institucional.
O plano homicida de Janot envolve aspectos tão pessoais que não me parece plausível explicá-lo apenas como resultado de exacerbações políticas ou de uma polarização crescente entre o Ministério Público e o Judiciário. Não foi, afinal, uma tese jurídica que pôs o antigo chefe do parquet em rota de colisão com o magistrado, mas uma escalada de intrigas e falatórios que não poupou nem cônjuges e filhos.
Podemos no máximo especular sobre os motivos para a confissão tardia do ex-PGR. E eles vão de um esforço para promover seu livro de memórias até a preparação para disputar um cargo eletivo. O homem que quase matou Gilmar Mendes encontraria um eleitorado cativo. Não podemos nem mesmo descartar a possibilidade de que Janot tenha sido acometido por algum transtorno psiquiátrico, como a síndrome de Korsakoff, hipótese em que o fato narrado pode nem ter ocorrido.
Agora que Janot já teve sua arma apreendida, o que mais me preocupa é a mão pesada e pouco republicana com que o STF age contra todos aqueles que desafiam algum de seus membros, mesmo que dentro dos limites das liberdades constitucionais. Fantasiar com um crime, afinal, não é crime; revelar essa fantasia pode até ser coisa de doido, mas tampouco é um delito.
Quanto às instituições, elas decerto não vivem seu momento mais brilhante. Os abusos e caneladas vêm de todos os lados. Mas, para os que, como eu, pensam que o objetivo primordial das instituições democráticas é impedir que conflitos políticos degenerem em guerra civil, então elas estão dando conta do recado.