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RPD || Sergio Besserman: Censo 2021 – Vamos perder mais dinheiro do que será economizado agora

O governo federal anunciou que o Censo 2021, que estava previsto para 2020, será novamente suspenso; desta vez, por falta de recursos no orçamento deste ano. Não há prazo para um novo levantamento. Os prejuízos para implementação de políticas públicas são incalculáveis, especialmente para a população mais pobre. 

De certo modo, o Brasil já vive sob apagão estatístico há bastante tempo. A Comissão de Estatística da Organização das Nações Unidas recomenda o censo decenal, de preferência, nos anos de final zero. O objetivo é comparar todos os censos entre si. Países que têm registros administrativos ruins, segundo a ONU, devem realizar, como melhor prática estatística, um minicenso entre os dois censos decenais. 

No Brasil, chamávamos de “contagem populacional”, mas o levantamento também fazia outras perguntas. Por razões de economia fiscal, não fazemos esse censo intermediário desde os anos 90. Os registros administrativos brasileiros são ruins. No governo federal, há alguns um pouco melhores, como o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, e dados relacionados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Mas a maior parte é inexistente ou ruim. Nos estados e municípios, a mesma coisa. 

Nós vivemos no século da informação e do conhecimento. Ter dados sólidos sobre a real situação dos brasileiros é importante para a implementação de políticas públicas eficazes. O Brasil é um país dinâmico, muda muito, especialmente desde a última década. Perceba-se que 10 anos já é um tempo bastante longo. Áreas fundamentais, como transporte urbano, saúde, educação, segurança pública, sofrem com o atraso no Censo Demográfico por mais de uma década. Prejudica, inclusive, todas as outras pesquisas, pois diversos institutos do setor público e privado utilizam esses dados. Todas as pesquisas perdem em qualidade em razão da ausência de informação censitária atualizada. 

Outro ponto a se destacar é que a grande maioria dos municípios depende de Estados e do governo federal para fechar as contas. Esta suspensão afeta diretamente a população mais pobre. Para 80% dos municípios do Brasil, a principal fonte de receita é o Fundo de Participação (FPM). O critério utilizado para a distribuição desses recursos é a população. Anualmente, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) faz uma estimativa da população nacional, por Estados e municípios. Com esse longo espaçamento no tempo, aos poucos, o fundo de participação vai deixando de cumprir um dos objetivos, que é justamente combater a desigualdade. As estimativas não conseguem capturar situações de mudanças dinâmicas em diversos municípios. 

Com os dados do censo, teríamos a oportunidade de mapear informações sobre a miséria e a extrema pobreza. Esse, talvez, seja o impacto mais danoso do ponto de vista social. Não teremos as informações e o conhecimento necessário para fazer esse trabalho tão indispensável de reconstrução econômica, social e política do Brasil, que será preciso a sociedade conseguir após 2022. 

Destaco, ainda, que a principal conquista histórica do Censo Demográfico foi a consolidação do IBGE como órgão de Estado. Ele foi uma grande conquista democrática. Atravessou ditaduras, sempre mantendo sua característica de órgão de Estado, sem jamais ter sofrido qualquer tipo de intervenção, e sendo, principalmente, reconhecido quanto ao princípio do sigilo das informações obtidas. 

Entendo que a decisão de adiar o censo sem sequer anunciar, imediatamente, quando ele seria realizado, foi pautada pelo negacionismo do atual governo, seu desprezo pela informação e pelo conhecimento. Vamos perder muito mais dinheiro com esse adiamento do que aquilo o que será economizado. E quem mais vai perder é o povo pobre. 

Muitos países, como Canadá e Estados Unidos, aplicam o Censo a distância – seja pela internet ou mesmo pelos correios. A combinação do censo presencial com melhorias nas informações de registros administrativos e a conexão desses tipos de metodologias remotas deve ser prioridade, e o IBGE está trilhando esse caminho com excelência, como sempre. Afinal, a tecnologia existe e pode muito bem ser integrada com o trabalho dos recenseadores, que serão sempre importantíssimos em um país tão desigual e de proporções continentais como o Brasil. 

*Sergio Besserman é economista, é professor do Departamento de Economia da PUC e coordenador estratégico do Climate Reality Project no Brasil.  Ex-diretor do BNDES,  ex-presidente do IBGE, do Instituto Pereira Passos, e do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (RJ).

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de maio (31ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

Fonte:


Bernardo Mello Franco: Um país na escuridão

O governo alegou falta de verbas e cancelou o Censo de 2021. A pesquisa estava programada para 2020, mas foi adiada por causa da pandemia. Agora arrisca não acontecer nem em 2022, devido a cortes sucessivos no orçamento do IBGE.

A decisão condena o Brasil a um apagão estatístico. Não chega a ser uma surpresa. Os burocratas do bolsonarismo sempre desprezaram fatos e dados confiáveis. Preferem acreditar nas suas próprias versões.

No segundo mês de governo, o ministro Paulo Guedes reclamou que o questionário do Censo seria muito longo. “Se perguntar demais, você vai acabar descobrindo coisas que nem queria saber”, declarou. A frase espantou técnicos que o ouviam pela primeira vez. Era só um sinal do que estava por vir.

A pretexto de economizar, Guedes ordenou a redução do levantamento previsto para o ano seguinte. Ao justificar o corte, disse que o Censo fazia 360 perguntas. Na verdade, a última pesquisa básica fez 49. O ministro insistiu na tese. “Custa muito caro e tem muita coisa que não é tão importante”, decretou.

A ordem para mutilar o questionário abriu uma crise no IBGE. Técnicos avisaram que a medida comprometeria a qualidade do Censo. A presidente Susana Cordeiro Guerra não quis saber. Acatou a ordem do chefe e demitiu dois diretores que contestavam o corte.

No mês passado, foi a vez de Susana pedir o boné. Estava contrariada com a aprovação do Orçamento sem as verbas necessárias para organizar o Censo. Ela sabia que a pesquisa seria cancelada, mas não quis reconhecer o fiasco. Preferiu atribuir a saída a “motivos pessoais”.

Os ataques ao IBGE começaram logo após a eleição de Jair Bolsonaro. Em novembro de 2018, o capitão afirmou que os dados sobre o desemprego eram “uma farsa”. Cinco meses depois, disse que o índice só servia para “enganar a população”.

O negacionismo também atingiu outros órgãos federais. Quando o desmatamento da Amazônia começou a disparar, o presidente acusou o Inpe de divulgar “números mentirosos”. Seu diretor, o cientista Ricardo Galvão, foi demitido e chamado de “mau brasileiro”.

Na pandemia, o Ministério da Saúde comandou uma operação para maquiar os dados de mortos pela Covid. Os veículos de comunicação tiveram que montar um consórcio para apurar a real dimensão da tragédia.

Como alertaram oito ex-presidentes do IBGE, o cancelamento do Censo põe o Brasil num pequeno clube de países há mais de 11 anos sem uma pesquisa nacional. Nos casos de Líbia, Afeganistão e Haiti, o problema é consequência de guerras e terremotos. No Brasil, a causa é o desgoverno.

O apagão estatístico vai comprometer a formulação e a execução de políticas públicas. Causará prejuízos à saúde, à educação, ao transporte e à moradia. Deixará o país sem informações essenciais para planejar sua reconstrução pós-pandemia.

Para Bolsonaro, o cancelamento da pesquisa pode ter uma utilidade. Os dados jogariam luz sobre o tamanho da destruição promovida nos últimos anos. Sem conhecê-los, o eleitor terá que ir às urnas na escuridão.


Cida Bento: Tiro no IBGE atinge a população

Esvaziamento do Censo inviabilizas políticas públicas de combate às desigualdades

Finalmente eles resolveram acabar com as desigualdades na sociedade brasileira. Como??? Esvaziando o Censo do IBGE, que traz os dados sobre a população e que permite conhecer as desigualdades, possibilitando a elaboração de políticas públicas. Esse processo conta agora com a cumplicidade do Parlamento.

Se, há alguns anos, um de nossos desafios era como manter o dado cor/raça no Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), para poder entender e interferir na situação da população negra no mundo do trabalho, e se em 2020 muito esforço foi despendido para manter e assegurar o preenchimento do dado cor/raça nos cadastros sobre a Covid-19, mais recentemente a mobilização vem sendo contra o esvaziamento do Censo do IBGE, o que favorecerá o ocultamento de dados sobre a população brasileira, acabando por inviabilizar as políticas públicas de combate às desigualdades.1 8

No Caged, algumas mudanças ocorreram, como destaca Thais Carrança, na BBC Brasil, chamando a atenção para o fato de que, no auge do desemprego, o Brasil enfrenta falhas nas estatísticas do mercado de trabalho que confundem e desorientam. Os dados sobre cor/raça na pandemia igualmente continuam com baixa taxa de preenchimento.

Diante do Censo do IBGE, inúmeras organizações brasileiras têm explicitado publicamente seus posicionamentos contrários a esse esvaziamento, e essa mobilização precisa continuar viva.

Agência Alma Preta faz um destaque em reportagem de dezembro de 2020, a partir de posicionamento da Assibge, associação nacional que representa os servidores do IBGE, destacando que: “A questão de fundo, nesse caso, é a orientação do governo de não criar políticas públicas e programas para combater a desigualdade no Brasil, sobretudo para a população negra”.PUBLICIDADE

Assim é que o corte de 90% da verba do orçamento federal foi aprovado pelo Congresso em março de 2021, tornando impossível a realização do Censo.

Ou seja, o Congresso Nacional torna-se cúmplice desse ataque às políticas públicas de combate às desigualdades. Temos que reconhecer que a crise sanitária tem tornado visível o imenso desconforto que vinha sendo nutrido por alguns segmentos da sociedade brasileira nas últimas duas décadas, diante da implementação de políticas públicas de combate às desigualdades, particularmente as políticas no campo da equidade racial e de gênero.

Assim, deram um tiro no IBGE, mas atingiram em cheio as populações mais fragilizadas quanto ao exercício de direitos sociais. Dificultaram as condições para o diagnóstico que possibilitam a concepção de políticas públicas e privadas de toda ordem, em particular aquelas que promovem equidade.

Foram as estatísticas de sexo, cor/raça produzidas pelo IBGE que revelaram, por exemplo, que, durante a pandemia, a população negra foi a mais afetada pelo desemprego, a que mais foi a óbito pela Covid-19, a que tem menor percentual de vacinados, a que menos pode cumprir o distanciamento porque é majoritária nos serviços essenciais das cidades.

Ao revelar em âmbito municipal quantos são, onde moram e em que condições vivem brasileiros e brasileiras, o Censo é fundamental para subsidiar as mais diversas políticas públicas do país. As informações sobre a população definem o repasse de verbas entre esferas governamentais, por meio dos fundos de participação dos estados e municípios e dos fundos que destinam recursos à educação e à saúde.

Vale salientar que, no cenário da atual crise sanitária, o Censo pode oferecer informações valiosas para contribuir na estratégia de vacinação dos municípios e nas políticas de assistência social para atender à população mais vulnerável. E isso agora é inadiável.

*Cida Bento é diretora-executiva do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), é doutora em psicologia pela USP.


Cristiano Romero: Todos sabemos por que o Brasil não dá certo

Trata-se de questão ética: como ser feliz num país racista

Muitos brasileiros fazem a seguinte pergunta diante do espelho: "Por que o Brasil não dá certo?". Geralmente, quem faz a indagação não tem muito do que reclamar. Sua vida é melhor aqui, mais fácil, mais farta, com maior acesso ao que o país oferece de melhor a seus cidadãos, do que seria se ele vivesse em outra economia de renda média ou mesmo numa nação rica, ainda que sendo proporcionalmente detentor de renda equivalente. A péssima distribuição de renda explica parte dessa história.

Evidentemente, aqui, todos, pobres e ricos, reclamam da extrema violência que ceifa anualmente a vida de cerca de 60 mil pessoas - em 2018 (último dado disponível), foram 57.956, mas, como há algo de podre no reino das estatísticas dos Estados, visto que nos anos recentes houve aumento exponencial de mortes violentas sem causa determinada, o número de mortos está subestimado.

O contingente de pessoas que sai de casa num determinado dia para morrer parece uma espécie de maldição estatística, uma vez que, com poucas variações, se repete ano a ano. Maldição? Praga? Predestinação diabólica de um povo condenado à miséria e ao sofrimento? Não creia nisso. Não há nada intangível nas estatísticas da violência no país chamado Brasil.

Os dados oficiais da violência mostram que 75,7% dos brasileiros assassinados há dois anos eram negros - entre as mulheres, o percentual é 68%, informa o Atlas da Violência 2020, elaborado pelo Ipea com base nas ocorrências registradas pelas secretarias estaduais de segurança pública em 2018. Mais da metade (29.064) eram jovens com idade entre 15 a 29 anos.

Em 2018, uma mulher foi assassinada neste país a cada duas horas, somando 4.519 vítimas. Olhemos mais de perto os números e num período maior de tempo, para tentar achar uma pista que aponte alguma tendência desta terrível mazela nacional: entre 2008 e 2018, enquanto a taxa de homicídios de mulheres não negras caiu 11,7%, a taxa de mulheres negras assassinadas aumentou 12,4%.

O resumo da violência neste imenso território é o seguinte: os homicídios vitimizam, principalmente, homens (91,8% dos casos), jovens (53,5%), negros (75,7% dos casos), pessoas de baixa escolaridade (74,3% dos homens vitimados possuem apenas sete anos de estudo) e solteiros (80,4% do total de homens assassinados). O principal instrumento de agressão é a arma de fogo, usada em 77,1% dos casos de morte de homens e em 53,7%, no caso de mulheres.

Convenhamos: os números são de uma racionalidade espantosa, é desnecessário desenhar: a sociedade brasileira assiste, indiferente, a um verdadeiro genocídio de jovens, em sua maioria absoluta, negros e pobres, o que também se aplica às mulheres negras. Será que é difícil saber qual é a verdadeira monstruosidade que explica esta vilania que nos caracteriza como sociedade e que, em vez de diminuir, só tem aumentado?

Como o tema não é novo neste espaço, um leitor escreveu para dizer que, nesta guerra civil interminável, morrem mais negros porque estes são a maioria entre os pobres. Trata-se da tese de que quase 42 mil negros foram assassinados neste canto do mundo em 2018 não porque eram negros, mas porque eram pobres. Trata-se de uma falsa questão.

Na música "Haiti", Caetano Velloso e Gilberto Gil escrevem o seguinte, a respeito do massacre do Carandiru, ocorrido no dia 2 de outubro de 1992, quando 111 presidiários foram mortos e 37 ficaram feridos após ação da polícia - como não se tratava de um presídio, a maioria dos mortos ainda não havia sido julgada ou tido a sua sentença definida pela Justiça:

" (...) Cento e onze presos indefesos

Mas presos são quase todos pretos

Ou quase pretos

Ou quase brancos, quase pretos de tão pobres

E pobres são como podres

E todos sabem como se tratam os pretos (...)"

O poema afiado como navalha de barbeiro nos lembra que, nestes tristes trópicos, é tão ruim ser negro que, se você é pobre, muito pobre, é "quase preto".

Senhores, 56% das pessoas que habitam a quarta maior extensão de terra contínua do planeta se declararam pardos ou negros no último censo demográfico conduzido pelo IBGE. A maioria de nós, portanto, é negra. Nosso problema, acima de qualquer outro, é o racismo secular, estrutural, vicejado pela minoria branca, remediada, rica e mais educada, contra a maioria.

O Brasil não dá certo por essa razão. Como poderia suceder? A escravidão nos acompanha desde a chegada dos europeus. Quando a abolimos por meio de uma lei, quase 400 anos depois, não a abolimos de fato porque o mundo quase acabou - os barões do café exigiram compensação financeira do Estado pela perda de "propriedade", "demitiram" os negros, derrubaram a monarquia, implantaram uma República condominial (sem povo e com rodízio no comando entre dois dos três Estados mais ricos), forçaram o governo a importar mão de obra do Japão e de nações europeias para substituir a mão de obra escrava, impediram os negros de ter acesso a escolas...

Por que ainda há entre nós quem seja contrário a políticas de reparação à população negra, posta em desvantagem por séculos na história deste país? Nossa sociedade não é racista, ela é o próprio racismo. Este faz parte da paisagem nacional tanto quanto o samba, o futebol (onde, aliás, manifestações racistas são crescentes), o carnaval, mas, enquanto esses símbolos são projetados como parte de nossa identidade cultural, a discriminação aos negros é negada de forma vergonhosa e institucional.

Não é mais possível (nunca foi) olhar a realidade política, econômica, social, cultural, sem as lentes que corrijam a pior das miopias: a de que o racismo é apenas mais um problema a ser enfrentado, uma obrigação cidadã, uma determinação constitucional. Nada disso. Não é mais possível admirar nada neste país de 210 milhões de habitantes sem pensar, a cada segundo, que vivemos numa sociedade profundamente escravagista, onde a maioria é discriminada pela minoria. Trata-se de uma questão ética: como viver, como aceitar viver numa sociedade assim?


Alon Feuerwerker: Caged x PNAD

Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o Brasil criou em outubro 395 mil vagas a mais de emprego formal do que eliminou. Um recorde absoluto para um mês na série histórica que vem desde 1992 (leia).

Mas segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), o desemprego já aflige 14,6% dos brasileiros. É o resultado do 3º trimestre de 2020. Uma alta de 1,3 ponto percentual sobre o trimestre anterior. Também é a maior taxa da série histórica com a metodologia atual, iniciada em 2012 (leia).

O governo bate bumbo com o primeiro número, e naturalmente a oposição cuida de divulgar o segundo. Mas quem está certo, afinal? Provavelmente ambos.

A retomada dos empregos em carteira parece robusta, e há alguma possibilidade de 2020 acabar zerado na criação versus destruição de empregos formais. Mesmo que o saldo final seja algo negativo, se o número for pequeno será uma conquista e tanto em ano de Covid-19 descontrolada por aqui.

Mas o desemprego também cresce, porque tem mais gente procurando emprego e o mercado não absorve. É uma consequência da metodologia.

O fato é que a economia parece retomar. A dúvida é se, e quanto, ela vai resistir no pós- pandemia ao fim do auxílio emergencial e das demais medidas de emergência.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Míriam Leitão: Retrato amplo do desemprego

O desemprego cresceu, o mercado de trabalho ficou muito menor, a desigualdade se aprofundou. Tudo nessa soma de distopias que vivemos vem em camadas. É preciso levantá-las para entender as várias dimensões do nosso mal. Houve criação de vagas e o governo até comemorou, mas isso é uma parte pequena de uma história muito mais ampla. O IBGE divulgou ontem que a taxa de desocupação entre julho e setembro ficou em 14,6%, a maior da série. E que há menos 11,3 milhões de pessoas trabalhando do que há um ano.

Há muitas desigualdades, como sempre. Só que pioraram. Na Bahia, o desemprego é de 20%, em Santa Catarina é de 6,6%. Se você é homem, sua taxa é de 12,8%, se for mulher, é 16,8%. Se é branco, seu índice de desemprego é de 11,8%, pardo, 16,5%, e se for uma pessoa preta é de 19%. As nossas desigualdades são regionais, de gênero e raciais. Sempre existiram, mas quando a conta de alguma crise chega ela bate mais em quem tem menos e aumenta as distâncias sociais.

O problema adicional do desemprego nesta pandemia é que ele é mal medido. Não por erro do IBGE, mas por dificuldade mesmo de ver o que se passa. As lentes não captam a realidade. A estatística registra quem procurou emprego e quem não procurou. Se não procurou, você está desempregado, mas não aparece na foto. Muita gente tem adiado essa procura porque acha que o momento não é favorável, com o vírus solto por aí. Se melhorar, se a pandemia ceder, se houver segurança, a pessoa vai procurar. E aí entrará na estatística.

De cara, 5,9 milhões de pessoas não procuram, nem pensam em procurar mais porque acham que não encontrarão. São os que estão em desalento. Em um ano, 1,2 milhão de pessoas entraram no universo dos desalentados. Mas quem for de Alagoas convive com o fato de que 21,6% da população em idade de trabalhar está desalentada. No Maranhão, 20%. Em Brasília, apenas 1,3%.

O que o governo comemorou esta semana foi o Caged, que é um pedaço dessa história toda. A criação de empregos formais em outubro teve um saldo positivo de 394.989 vagas. É bastante para contexto tão difícil, mas não a prova de recuperação em V como exultou o Ministério da Economia. Ademais, a metodologia dessa conta mudou. O governo passou a obrigar os empresários a reportarem também as contratações temporárias. A série foi quebrada, não dá para comparar com o passado.

O futuro no mercado de trabalho é absolutamente incerto, porque pouco se sabe do cenário econômico. Se esse aumento dos casos de infecção e morte por Covid-19 continuar, a recuperação não se manterá. Está sendo difícil garantir neste quarto trimestre o ritmo do terceiro. Sem certeza do que vai acontecer nos próximos meses, os empresários não contratam.

Uma segunda onda nos pegará tão desprevenido quanto a primeira, porque o Ministério da Economia está negando o problema pela segunda vez. Em março, o ministro Paulo Guedes achava que com R$ 5 bilhões ele acabava com o vírus. Era negação. Agora de novo tem dito que não acontecerá o que pode já estar acontecendo.

Economistas trabalham com cenários e formuladores de políticas públicas preparam-se exatamente para as mudanças de conjuntura. O improviso custou caro da primeira vez. Gastou-se mais do que o necessário com o auxílio emergencial e com muito menos foco do que era preciso.

Esta é a aflição imediata. Há uma devastação no mercado de trabalho, o Ministério da Economia comemora dados parciais como se eles fossem o fim da crise. Ela pode se agravar. O negacionismo vai fazer novas vítimas. Na saúde e na economia. Há, além disso, uma desorganização mais ampla e profunda no mercado de trabalho para o qual será preciso mais inteligência, e menos ideologia, para encontrar a saída.

A taxa de desemprego entre jovens de 18 a 24 anos é mais que o dobro da taxa geral: é 31,4%. Excluindo tanta gente jovem, a economia não se renova.
A crise no mercado de trabalho não nasceu ontem, mas se agravou na pandemia. O coronavírus chegou com sua força destruidora num mercado com dificuldade crônica de abrir oportunidades para jovens, incluir pobres e negros, tratar homens e mulheres da mesma forma, reter os talentos maduros e reduzir as injustiças regionais. Não há soluções fáceis, mas certamente elas ficaram mais difíceis no encurralado ano de 2020.


Rogério Furquim Werneck: Em câmera lenta

Presidente já não esconde entusiasmo com expansão do gasto público

A divulgação, pelo IBGE, dos dados mais recentes de evolução do nível de atividade impôs um choque de realidade que nos ajuda a perceber, com a devida nitidez, as reais proporções da crise que o país enfrenta.

O que agora se sabe é que o PIB já tinha sofrido queda de 2,5% no primeiro trimestre deste ano, quando os desdobramentos econômicos da pandemia mal começavam a se fazer sentir. E que, no segundo trimestre, sofreu contração adicional de nada menos que 9,7%.

Já extenuado por longa e profunda recessão, com queda de 8% no PIB, entre 2014 e 2016, e por três anos de crescimento medíocre, entre 2017 e 2019, o país se vê, agora, às voltas com nova e vertiginosa queda do nível de atividade. O que se estima é que, mesmo que o movimento recessivo seja atenuado no segundo semestre, como se espera, o recuo do PIB, em 2020, possa ser da ordem de 5%.

Constatação tão desalentadora dá um fecho melancólico ao período de 120 anos para os quais se tem dados minimamente aceitáveis sobre a evolução do PIB real no Brasil. E, por isso mesmo, ganha realce se percebida de uma perspectiva de longo prazo.

Uma periodização muito simples, que meramente decomponha essas 12 décadas em três períodos de 40 anos, já se revela altamente elucidativa. A taxa anual média de crescimento do PIB foi de cerca de 4%, entre 1901 e 1940. E de mais de 7%, entre 1941 e 1980. Mas de não mais que 2%, entre 1981 e 2020. Salta aos olhos que, nas últimas quatro décadas, o dinamismo da economia foi perdido. Simplesmente desapareceu.

Os dados dos últimos dez anos são especialmente desanimadores. Se a recessão de 2020 for, de fato, da ordem de 5%, a taxa anual média de crescimento real do PIB, no período 2011-2020, ficará próxima de zero. Ou seja, a economia voltará a ter este ano o PIB que tinha em 2010. E, tendo em conta o crescimento demográfico, o PIB por habitante de 2020 deverá ser mais de 8% menor que o de 2010. Uma boa medida das proporções trágicas da perda de dinamismo da economia na última década.

Ao contemplar as razões para tamanho fiasco, não há como deixar de lembrar que a conta do descarrilamento da economia, na esteira do descalabro fiscal do governo Dilma Rousseff, continua em aberto. A estratégia de superação da crise de confiança, causada por descontrole tão escancarado das contas públicas, baseou-se na assunção de um compromisso, inscrito na Constituição, de estrito respeito à rígida limitação à expansão do gasto público.

A presunção era que, só assim, seria possível dar credibilidade ao argumento de que o esforço requerido de mudança do regime fiscal não precisaria ser feito de imediato. Que poderia ser viabilizado de forma paulatina, desde que houvesse persistência no avanço das reformas fiscais que se faziam necessárias.

Mas a verdade é que, passados 20 meses do governo Bolsonaro, o compromisso com a preservação do teto de gastos vem sendo rapidamente erodido. O presidente já não esconde seu entusiasmo com as possibilidades eleitorais da expansão do gasto público. Vem dando claro alento às ideias da ala desenvolvimentista do governo. E não disfarça seu fascínio com a possibilidade de turbinar o Bolsa Família e transformá-lo num novo programa — Renda Brasil —, que possa substituir com sucesso o auxílio emergencial, quando for suspenso, no final do ano.

Por enquanto, o governo vem tentando dissimular as divergências. Diante do impasse, na disputa entre o Ministério da Economia e o Planalto, vem se refugiando na indefinição. Adia recorrentemente a apresentação de propostas de reforma prometidas ou opta, como no caso da reforma administrativa, por uma proposta desdentada, que, ao poupar os atuais servidores, deixa de ter impacto sobre as contas públicas no horizonte relevante.

Mas não há como alimentar ilusões. A batalha mais importante que vem sendo silenciosamente travada em Brasília é a que se dá em torno da preservação do teto de gastos. E o que se teme é o que o Ministério da Economia esteja sendo derrotado aos poucos. Em câmera lenta.


Folha de S. Paulo: Home office é novo indicador de desigualdade econômica no Brasil

Segundo o IBGE, sistema concentra trabalhadores formais qualificados em regiões mais prósperas

Diego Garcia, Folha de S. Paulo

O trabalho remoto, também conhecido pelo termo em inglês home office, ganhou escala no Brasil, de forma forçada, como alternativa para deter o contágio na pandemia da Covid-19.

Passados quase seis meses desde a sua disseminação entre as empresas, os dados consolidados desse sistema de trabalho constituem uma espécie de novo indicador das desigualdades econômicas do país.

Em julho, dos 8,4 milhões de trabalhadores remotos do Brasil, praticamente a metade, 4,9 milhões, estava no Sudeste, região que concentra profissionais mais qualificados e a geração de PIB (Produto Interno Bruto). Apenas 252 mil estavam no Norte, fatia mais pobre do país.

Os números estão na Pnad Covid-19 do IBGE (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, dedicada a medir os efeitos econômicos da Covid-19).

Quando se compara a proporção de trabalhadores em home office com a população ocupada em cada região, a disparidade fica mais evidente.[ x ]

Cerca de 10% de toda a população ocupada no Brasil estava nesse sistema em julho.

A fração, porém, é maior no Sudeste, onde 13% da população ocupada estava no trabalho remoto, e bem menor no Norte, onde a apenas 4% trabalhavam em casa diante de um computador.

A parcela também é mais alta na região Sul, onde quase 9% estavam no teletrabalho, e menor no Nordeste, que tinha 7,8% da população ocupada em home office.

Detalhe: a região Sul tem uma população ocupada menor (13,5 milhões) do que o Nordeste (17,9 milhões).
Chama a atenção o dado do Centro-Oeste. A força da economia local é a agricultura, que pressupõe uma maior demanda por atividades presenciais, mas, ainda assim, 9% da população ocupada estava em teletrabalho.

A capacidade de geração de riqueza e renda média, porém, colocam o Centro Oeste mais próximo do Sudeste e do Sul do que do Norte e Nordeste.

Na avaliação do professor João Luiz Maurity Saboia, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), os dados do IBGE retratam o que se intui: o trabalho remoto é um benefício adicional para os mais qualificados, especialmente para a parcela que tem curso superior completo.

A análise dos dados do IBGE sob a ótica do nível de instrução confirma essa percepção.

Entre os que estão no trabalho remoto, 6,1 milhões, quase 73% do total, concluíram o ensino superior completo ou uma pós-graduação, detalha o levantamento do IBGE.

Em contrapartida, apenas 70 mil dos trabalhadores que estão no sistema não completaram nem o fundamental.

“O home office não é para qualquer um, é para determinadas ocupações e setores”, afirma Saboia.

O pesquisador Daniel Duque, do FGV-Ibre (Insituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), reforça que pesa também a qualidade do acesso à internet. O fato de o Sudeste ter uma infraestrutura de rede mais ampla e conexões mais ágeis favorecem o teletrabalho na região.

“No Sudeste, a internet chega a um número maior de pessoas e há mais predisposição para se trabalhar em casa, pois isso reduz o tempo perdido no deslocamento, por exemplo”, diz.

Ele destaca ainda que essa região também concentra empresas mais sofisticadas e tem um número maior de trabalhadores qualificados do que o Norte e Nordeste.

Os especialistas ainda argumentam que o home office é uma boa régua para medir as distinções entre trabalho formal e informal no Brasil.

De acordo com o IBGE, os informais representavam 15% —ou 1,3 milhão de trabalhadores— do universo de funcionários em casa. No mercado, porém, constituíam quase 40% da população ocupada no segundo trimestre.

A leitura do economista Rodolpho Tobler, também do FGV-Ibre, é que a questão da informalidade talvez explique porque há tão poucos em teletrabalho na região Norte. Segundo ele, o emprego no Norte é mais informal, com ocupações mais difíceis de serem exercidas no trabalho remoto.

“As pessoas não conseguem trabalhar em casa —é uma realidade nessa região”, afirma.

A Pnad Contínua divulgados nesta sexta (28) trazia que 57,9% da população ocupada no Norte está na informalidade, com destaque para os estados do Pará (56,4%) e Amazonas (55,0%).

No Sudeste, esse número é bem inferior (31,5%). São Paulo tem uma parcela de informais ainda menor (28,6%).

Na avaliação de João Luiz Maurity Saboia há outra questão: a natureza do trabalho informal no Brasil, onde ainda prevalecem atividades com baixo uso de tecnologia, não adequadas ao home office.

“Normalmente, são prestadores de serviços na agricultura, nas atividades doméstica e familiar ou ambulantes no comércio de rua. Você precisa estar no local para desenvolver essas atividades”, afirma.

O home office também foi uma espécie de escudo de proteção contra o desemprego para os mais qualificados.

Durante a pandemia, houve a destruição das ocupações de baixa renda, mais precárias e informais. “Na perda de ocupação, os mais afetados foram os trabalhadores informais, que são aqueles com menores rendimentos”, diz a analista do IBGE Adriana Beringuy.

Do outro lado, os mais qualificados foram trabalhar em casa —com destaque, novamente, no Sudeste.

Diretores e gerentes de empresas, que constituem apenas 3,5% de toda a população ocupada do Brasil, representam 8% em trabalho de home office. No Norte e Nordeste, a distribuição da população ocupada em cargos de diretores e gerentes (1,8% e 2,5%, respectivamente) é bem menor que a vista no Sudeste (3,9%) e Sul (4,3%).

Como o emprego durante a pandemia foi preservado nos patamares mais altos da pirâmide de trabalho, ocorreu uma distorção peculiar: a média salarial nacional chegou a R$ 2,5 mil, a maior da história já registrada pelo IBGE.

Outra vez o Sudeste ficou numa posição melhor. A média salarial em São Paulo é R$ 3.167, parecida com a do Rio de Janeiro, que fica na casa de R$ 3.162. Trata-se de uma realidade bem diferente da vivida no Norte. No Tocantins, por exemplo, o rendimento fica em R$ 1.972.

Étore Sánchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, argumenta que as diferenças entre as regiões podem ser explicadas pela distinção das profissões mais disponíveis em cada localidade.

“A principal diferença é em função do tipo de trabalho prestado. Em alguns locais prevalecem trabalhos mais manuais, como colheita, ou atividades industriais não mecanizadas, de difícil execução de maneira remota”, diz Étore, se referindo à região Norte.

“Já São Paulo concentra a prestação de serviços, principalmente administrativos, por isso tem essa distinção em relação à formalidade, ao trabalho remoto e ao rendimento médio”, afirma.

Os profissionais dedicados a áreas ligadas a ciências ou afazeres intelectuais são 13,5% dos brasileiros ocupados, mas chegaram a representar 50% dos trabalhadores em home office na pandemia.

Essa parcela dos trabalhadores se sentiu confortável no teletrabalho. Em julho, a FIA (Fundação Instituto de Administração) e a FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade), ambas ligadas à USP (Universidade de São Paulo), fizeram uma pesquisa para medir a satisfação e o desempenho na migração para o home office entre trabalhadores da alta gestão de empresas e instituições, como executivos, técnicos de nível superior, professores e pesquisadores.

O professor André Fischer, coordenador do Programa de Gestão de Pessoas da FIA, disse que a pesquisa foi feita principalmente no Sudeste. “Serviços financeiros, educacionais e de consultoria estão muito centrados em São Paulo, ou Rio”, afirma o professor.

O resultado: 76% demonstraram uma percepção positiva sobre a suas condições de teletrabalho na pandemia.

Fischer afirma que ainda não é possível ter certeza que a satisfação vai permanecer após a pandemia e o fim do isolamento social, mas acredita que o trabalho remoto se provou como viável para o público mais qualificado.

“Muitas das barreiras cognitivas que existiam, como a resistência para atuar fora da empresa por acreditar que iria causar algum tipo de dificuldade, foram superadas. Ficou demonstrado que é possível exercer algum tipo de gestão sem estar necessariamente do lado do funcionário”, disse.


El País: 716.000 empresas fecharam as portas desde o início da pandemia, diz IBGE

Cifra representa mais da metade dos negócios que estavam com atividades suspensas em função do novo coronavírus. Praticamente todas são de pequeno porte, segmento que teve pouca ajuda do Governo

Desde que a pandemia do novo coronavírus chegou ao Brasil, 716.000 empresas fecharam as portas, de acordo com a Pesquisa Pulso Empresa: Impacto da Covid-19 nas Empresas, realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e publicada na quinta-feira (16/07). A cifra corresponde a mais da metade de 1,3 milhão de empresas que estavam com atividades suspensas ou encerradas definitivamente na primeira quinzena de junho, devido à crise sanitária. Do total de negócios fechados temporária ou definitivamente, quatro em cada 10 (um total de 522.000 firmas) afirmaram ao IBGE que a situação deveu-se à pandemia.

O levantamento mostra que o novo coronavírus teve um impacto negativo em todos os setores econômicos, mas afetou especialmente o comércio (39,4%) e serviços (37%), principalmente no caso das pequenas empresas. 99,8% dos negócios que não voltarão a abrir as portas depois da crise da covid-19 são de pequeno porte. De acordo com o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), a média de empresas que fecham a cada da ano é de 10%, o que corresponde a cerca de 600.000 negócios —número menor do que as mais de 700.000 empresas que fecharam até a metade de junho—.

“Os dados sinalizam que a covid-19 impactou mais fortemente segmentos que, para a realização de suas atividades, não podem prescindir do contato pessoal, tem baixa produtividade e são intensivos em trabalho, como os serviços prestados às famílias, onde se incluem atividades como as de bares e restaurantes, e hospedagem; além do setor de construção”, explicou Alessandro Pinheiro, Coordenador de Pesquisas Estruturais e Especiais em Empresas do IBGE.

As 2,7 milhões de empresas que continuaram abertas também sentem as consequências da crise econômica agravada pela pandemia: 70% delas relataram diminuição de vendas ou serviços desde que a covid-19 chegou ao país, e 948.800 firmas tiveram que demitir trabalhadores durante esse período. Além disso, apenas 12,7% das empresas tiveram acesso ao crédito emergencial do Governo destinado ao pagamento de salários. Somente 13,6% dos negócios relataram que a pandemia trouxe oportunidades e que teve um efeito positivo sobre a empresa.

Desemprego

desemprego também segue em alta durante a pandemia no Brasil. Dados divulgados pela PNAD Covid-19 (versão da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua realizada com apoio do Ministério da Saúde) mostram que a taxa de desocupação chegou a 13,1% na última semana de junho, afetando 12,4 milhões de pessoas. Essa é a maior taxa de desemprego registrada desde maio, informa o IBGE, e resulta da queda de 84 milhões para 82,5 milhões (-1,5 milhão) de pessoas ocupadas no intervalo de uma semana.

“Em relação à primeira semana de maio, o movimento também é de queda na população ocupada, aumento da desocupada e consequentemente aumento da taxa de desocupação. A população desocupada e em busca de ocupação aumentou 26%, em relação à primeira semana de maio”, disse a coordenadora da pesquisa, Maria Lúcia Vieira.

No início de maio, eram 16,6 milhões as pessoas ocupadas que estavam temporariamente afastadas do trabalho. No final de junho, esse contingente era de 10,3 milhões. Já a taxa de trabalhadores na informalidade (empregados do setor privado sem carteira, trabalhadores domésticos sem carteira e os trabalhadores por conta própria que não contribuem para o INSS) passou de 34,5% em junho, atingindo 28,5 milhões de pessoas. No início de maio, eram 29,9 milhões, o que pode indicar o retorno ao trabalho de um grupo de pessoas com a flexibilidade da quarentena.


Vinicius Torres Freire: Salário não cresce faz um ano e ainda pode pegar coronavírus

Rendimento médio do trabalho está na mesma desde o início de 2019, diz IBGE

O comentarismo econômico não gosta de falar de salários. Preocupa-se com o assunto quando os trabalhadores passam a custar cada vez mais caro em tempos de inflação, por exemplo. Faz sentido, mas a preocupação é enviesada, diga-se, com eufemismo irônico. Quando o salário fica na lona, o pessoal faz cara de paisagem ou até festinha.

Quase não se ouviu por aí que o salário médio no Brasil não cresceu nada, de um ano para cá, mostram os dados de janeiro do IBGE: zero. ZERO.

A estagnação do salário médio tem acontecido com frequência desde que a economia pegou outra gripe, no primeiro trimestre do ano passado. Tem sido tão frequente quanto ouvir empresário, executivo, “analista” ou um bajulador qualquer deste governo dizendo que “é melhor emprego precário do que emprego nenhum” e variantes.

Sim, há “boas notícias”, assim como é boa notícia ficar vivo e inteiro depois de um atropelamento ou de uma outra zika.

A população ocupada (com algum emprego) cresce sem parar desde julho de 2017, é fato. Assim, a massa (soma) de todos os rendimentos também cresce, embora em ritmo lento, em tendência de baixa desde 2018.

Pela primeira vez desde 2014, a carteira assinada lidera a criação de postos de trabalho, embora a participação do trabalho formal no total de empregos ainda esteja abaixo do que era em 2015. A conta de formalização inclui assalariados com carteira e servidores públicos, além de trabalhadores por conta própria e empregadores que tenham CNPJ.

Mas o salário, ó. O salário anual médio vem crescendo cada vez menos desde março de 2019, tendendo a zero.

Rendimentos que crescem de pouco a nada em empregos mais precários não tendem a animar muito o consumo, do que depende essa tentativa de recuperação que dá chabu desde 2017. No mais, a economia apenas não rasteja no chão por causa do aumento do crédito.

Não é só a renda do trabalho que rateia. O benefício médio do INSS (aposentadorias, acidentes, assistenciais etc.) está na mesma desde 2017. Não é uma sugestão de que os benefícios previdenciários devam ser reajustados, mas uma observação de que o povo não tem muito mais o que gastar. A massa dos benefícios do INSS é relevante: equivale a um quarto da massa de salários.

Enfim, essa era a situação do mercado de trabalho antes da gripe, por assim dizer, antes da epidemia do novo coronavírus e do novo acesso de bolsonarite, que causa desarranjo ou nó nas tripas da política.

A Covid-19 vai talhar o crescimento do mundo ao menos no primeiro trimestre, com algum impacto sobre o Brasil, ainda difícil dizer o tamanho. Há bancão prevendo o equivalente a recessão na economia mundial neste primeiro semestre.

O Congresso coloca compressas frias no surto de bolsonarite, até porque a liderança do parlamentarismo branco também tem o que perder com um mergulho na crise político-econômica. Apesar da profunda irritação de Rodrigo Maia, tenta-se fazer um arranjo “segurem seus radicais que seguramos os nossos”, como se dizia na ditadura.

Jair Bolsonaro deve ir à mesa de negociação, tangido pelo seu entorno militar menos imoderado. Quem sabe esse arranjo até desanime a manifestação da extrema direita, que quer a cabeça de Maia, pelo menos, ou trancar o Congresso.

O recente e longo surto de bolsonarite deste verão, afora tantas inoperâncias do governo, já deixou sequelas, porém, pioradas pelo coronavírus. Os salários mal vão conseguir sair da cama depois da gripe.


Bernardo Mello Franco: Corte no Censo pode afetar saúde e educação

É grave que Bolsonaro ataque o IBGE por causa dos dados de desemprego. Mas os cortes no Censo são mais preocupantes para o país

O presidente Jair Bolsonaro já deixou clara a sua intenção de intervir no IBGE. Antes da posse, ele disse que pretendia mudar a pesquisa sobre desemprego. “Isso daí é uma farsa”, disparou. No mês passado, voltou a criticar o instituto. Disse que o indicador parecia feito “para enganar a população”.

É grave que o presidente desmereça um órgão de estatísticas porque os números não casam com a propaganda oficial. Mas as declarações impróprias já viraram rotina neste governo, e são menos relevantes que a crise instalada no instituto.

Ontem a presidente do IBGE, Susana Cordeiro Guerra, demitiu dois técnicos envolvidos no Censo 2020. Ela exonerou os diretores de pesquisas, Cláudio Crespo, e de estatísticas, José Santana Beviláqua.

Os dois integravam um grupo de técnicos preocupados com o corte de verbas para o Censo. A tesoura foi determinada pelo ministro Paulo Guedes, a quem Susana deve o cargo. Ao demitir os subordinados, ela passou a mensagem de que não admite contestação.

Guedes argumenta que o governo precisa economizar, o que é incontestável. Ao mesmo tempo, revela desconhecimento sobre a importância da pesquisa e as consequências de um corte malfeito.

O ministro tem reclamado do tamanho do questionário e, em entrevista recente, disse que o Censo faz 360 perguntas. Na verdade, a última pesquisa básica fez apenas 49 perguntas. A detalhada, aplicada em 11% dos domicílios, fez 119.

Uma redução mal calculada pode causar prejuízo de uma década no planejamento de políticas públicas. O médico Dráuzio Varela já alertou para os riscos à saúde. A pesquisa orienta a fabricação de vacinas, a construção de postos de saúde e a compra de equipamentos. O mesmo vale para a educação.

A presidente do IBGE não informa o que quer fazer e reage mal aos questionamentos. Na sexta-feira, ela negou o bloqueio de 87% das verbas para a preparação de pesquisas este ano. O que ela chamou de “fake news” podia ser consultado ontem no Siop, sistema de execução orçamentária do governo.


Míriam Leitão: O IBGE sob novo ataque governista

O presidente ataca o IBGE, revela falta de informação básica sobre desemprego, mas o pior risco que o país corre é no Censo

O presidente Jair Bolsonaro revela mais do que ignorância quando critica o IBGE. É comum governantes não gostarem dos dados negativos, o que os diferencia é que os de mente autoritária querem desmoralizar o órgão que apura a estatística indesejada. Bolsonaro poderia afirmar que não é culpado pelo enorme desemprego do Brasil e que herdou o problema, afinal está no cargo há pouco mais de um trimestre. Em vez de dizer como enfrentará esse desafio, ele prefere brigar com o termômetro e ofender a inteligência alheia.

Em novembro, ele definiu como “farsa” o índice do desemprego. Agora, voltou à carga contra o instituto e, em entrevista à Rede Record, disse que os indicadores são feitos para “enganar a população”.

— O que acontece? Como é feita hoje em dia a taxa? Leva-se em conta só quem está procurando emprego. Quem não procura não é tido como desempregado — disse ele.

Se o presidente tivesse lido um pouco sobre o assunto saberia que os dois dados já são divulgados. O IBGE pergunta se a pessoa está procurando emprego. Se sim, ela entra na estatística dos desocupados, que deu 12,4%, ou 13,1 milhões de brasileiros, no trimestre encerrado em fevereiro. Se a pessoa gostaria de trabalhar, mas desistiu de procurar emprego, ela entra no índice dos desalentados, que registrou 4,9 milhões de pessoas. O IBGE divulga um terceiro dado que engloba tudo, chamado de subutilização da força de trabalho. Nele, entram os desempregados, os desalentados e os que estão subocupados. São ao todo 27,9 milhões de pessoas. O instituto brasileiro segue as melhores práticas internacionais.

Além de mostrar que desconhece o básico sobre as estatísticas do principal problema econômico e social do país, Bolsonaro diz mais uma coisa sem noção:

— Eu acho que é fácil você ter a metodologia precisa no tocante à taxa de desemprego, é você ver os dados bancários e os dados junto à Secretaria do Trabalho de quantos empregos você perde e gera por mês. É muito simples.

Ir aos bancos para saber quantos são os desempregados é uma ideia que não dá para qualificar mantendo a elegância. Sobre ir à Secretaria do Trabalho, esse dado já existe. É o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados). Mede apenas o mercado de trabalho formal. As empresas formais informam ao antigo Ministério do Trabalho os trabalhadores com carteira que contrataram e demitiram. O dado é importante, mas parcial, porque o Brasil tem 37 milhões de trabalhadores informais.

Qual é o objetivo do presidente ao atacar o instituto oficial de estatísticas, que fornece ao país um sem-número de indicadores, em todas as áreas, há mais de 80 anos? Essa sempre foi a tendência de governantes autoritários. Foi o que os Kirchner fizeram com o Indec porque não gostavam da informação de que a inflação estava subindo mês a mês. A intervenção no instituto argentino chegou ao ponto de o governo exigir saber quais eram os locais de coleta da informação.

Pesquisar desemprego é difícil, mas o IBGE tem aperfeiçoado sua metodologia. Hoje ele divulga todo mês o desemprego numa média móvel trimestral. Os estudos para implantar a Pnad Contínua começaram em 2006, mas ela só começou, de forma experimental, em outubro de 2011, no primeiro ano do governo Dilma. As primeiras divulgações ocorreram em 2014, ano de eleição. Na época, houve reclamações de dirigentes petistas, porque a taxa de desemprego medida pela Pnad estava maior do que a do antigo índice, a PME (Pesquisa Mensal de Emprego), usado pelo IBGE desde os anos 80 e que captava oscilações no mercado de trabalho em seis regiões metropolitanas. A Pnad é uma pesquisa muito mais abrangente. Coleta dados em cerca de 210 mil domicílios em 3.500 municípios em todo o país. Na época, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) pediu ao Ministério do Planejamento informações sobre a pesquisa, o que levantou suspeitas de uma possível interferência do governo no indicador. O IBGE tem sabido resistir às tentativas de intervenção.

Há outros temores. O pior perigo agora é que o governo imponha ao IBGE um Censo resumido, como foi sugerido pelo ministro Paulo Guedes recentemente.

O Censo é a nave-mãe das estatísticas. Dele o país depende para saber, por exemplo, por que a reforma da Previdência é necessária ou como distribuir os recursos do Fundo de Participação dos Municípios. Se errar no Censo, o Brasil terá um prejuízo que vai durar dez anos.