henrique brandão

RPD || Henrique Brandão: Nelson Rodrigues - O mundo pelo buraco da fechadura

Jornalista, contista, romancista e considerado por muitos críticos como o maior dramaturgo brasileiro do século XX, Nelson Rodrigues continua um verdadeiro gigante 40 anos após a sua morte

Há quarenta anos, em dezembro de 1980, morria Nelson Rodrigues. Os jovens talvez não se deem conta da dimensão de seu talento. Foi um gigante.  

Nelson atuou em várias frentes. Sua obra teatral é monumental: deixou 17 peças, algumas delas marco do teatro brasileiro, como Vestido de Noiva, de 1943. É considerado por muitos críticos o maior dramaturgo brasileiro do século XX.  

Autointitulava-se um eterno menino. A abordagem que fazia das relações humanas passava pelo filtro do garoto que observa o mundo de um lugar especial. “Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico”.

Antes de mais nada, Nelson Rodrigues era um jornalista. Tudo o que produziu teve no jornalismo sua gênese, até mesmo as peças teatrais. Passou a vida nas redações. O pai, Mario, foi dono de A Manhã – onde Nelson começou a carreira, aos 13 anos – e depois, de A Crítica. Daí não parou mais. Trabalhou em vários veículos da imprensa carioca. Entre os anos de 1950/60, chegou a escrever três colunas diárias em diferentes jornais.  

“Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico”
Nelson Rodrigues

Rui Castro, autor de biografia considerada definitiva (Anjo Pornográfico – A vida de Nelson Rodrigues), estima que, em 55 anos de jornalismo, “é provável que nenhum outro escritor brasileiro tenha produzido tanto”. Os números são eloquentes: além das 17 peças, reencenadas várias vezes, escreveu um romance (O Casamento) e oito folhetins, alguns assinados com pseudônimo (Suzana Flag e Myrna), bem como milhares de crônicas, reunidas em diversos livros – tudo produzido nas redações de jornais.  

As adaptações cinematográficas das peças atraiu cineastas de diversos perfis: Leon Hirszman (A Falecida, 1965); Arnaldo Jabor (Toda Nudez Será Castigada, 1973 e O Casamento, 1975); Neville de Almeida (A Dama do Lotação, 1978 e Os Sete Gatinhos, 1980); Bruno Barreto (O Beijo no Asfalto, 1980), entre outros. A mais recente estreou há pouco no circuito cinematográfico, em plena pandemia: uma adaptação de Boca de Ouro, dirigida por Daniel Filho.

Até quem não gosta de futebol se delicia com suas crônicas esportivas. Antológicas, não perderam a atualidade. E por que não, passado tanto tempo? Porque Nelson Rodrigues não se referia a minúcias dos jogos. Ele captava a essência da partida em momentos mágicos, o embate futebolístico como espetáculo único, com seus personagens próprios – um acontecimento que se renovava a cada disputa, mesmo que elas se repetissem todas as tardes de domingo no Estádio Mario Filho (gostava de citar o nome do irmão, falecido antes dele e que dá nome ao Maracanã, por quem Nelson tinha adoração). Inventou, por exemplo, o Sobrenatural de Almeida, “entidade” capaz de modificar bruscamente alguma situação durante uma partida de futebol. Adorava o Fla x Flu: com suas crônicas, ajudou a criar a mística em torno deste clássico do futebol carioca.

Antes do golpe de 1964, Nelson não metia a colher na política. A partir de 1968, contudo, começou a implicar com quem fazia oposição aos militares. Revelou-se anticomunista ferrenho, apesar de ter convivido com jornalistas de credo diferente, como Antônio Callado, a quem chamava de “doce radical”. Dom Helder Câmara e Alceu Amoroso Lima, da linha progressista da Igreja Católica, foram alguns de seus alvos preferidos. Outros, os jovens religiosos católicos que, em trajes civis, participavam das passeatas em oposição à ditadura, rotulados de “padres de passeata” e “freiras de minissaia”. Chamado de reacionário, aceitou a pecha de bom grado, pois adorava uma polêmica. O Reacionário (1977), aliás, é o título de um de seus livros de crônicas. Nos últimos anos de vida, acabou revendo posições e passou a defender a anistia, após a prisão e a tortura do filho Nelsinho pelos militares.  

Suas peças são um primor de denúncia da hipocrisia reinante. Imoral, sem vergonha, tarado, lascivo, pornográfico, são epítetos com os quais, a cada estreia de uma peça, Nelson Rodrigues foi brindado pelos setores defensores da “moral e dos bons costumes” da sociedade carioca – provavelmente proferidos por uma “grã-fina de narinas de cadáver”, uma das criações geniais do cronista implacável.  

Além de dramaturgo, jornalista, contista, romancista e cronista, Nelson Rodrigues era um frasista de mão cheia. Talvez o maior da língua portuguesa. Suas tiradas caíram no gosto do povo. Continuam atualíssimas, sínteses do que há de melhor e pior na alma humana.

Uma breve amostra de suas frases, retiradas do livro organizado por Rui Castro: Flor de Obessão – As 1000 melhores frases de Nelson Rodrigues.

“Dinheiro compra tudo, até amor verdadeiro”

“Toda a unanimidade é burra”  

“Invejo a burrice, porque eterna”  

“No Brasil, quem não é canalha na véspera é canalha no dia seguinte”

“A única nudez realmente comprometedora é a da mulher sem quadris”

“Ou a mulher é fria ou morde. Sem dentada não há amor possível”

“O marido não deve ser o último a saber. O marido não deve saber nunca”

“Todo tímido é candidato a um crime sexual”

“Sem sorte não se chupa nem um chicabon”

“A pior forma de solidão é a companhia de um paulista”

“O FlaxFlu começou 40 minutos antes do nada. E, então, as multidões despertaram”

“No Maracanã, vaia-se até um minuto de silêncio”

“O videoteipe é burro”

“Brasília é outro país, quase outro idioma”

“Não há, no mundo, elites mais alienadas do que as nossas”

“De pé, ó vítimas da fome. Mas aprendi que a fome não deixa ninguém de pé, nunca”

“A fome é o mais antigo dos hábitos humanos”


Qual o segredo de série dinamarquesa que atrai brasileiros? Henrique Brandão explica

Em artigo publicado na Política Democrática Online de novembro, jornalista analisa Borgen e cita diferenças dos dois países

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Borgen (Castelo) é uma série televisiva escandinava que tem feito sucesso no mundo inteiro não tem detetives, nem mafiosos e tampouco navegadores vikings como tema, mas tem conquistado os brasileiros. A análise é do jornalista Henrique Brandão, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de novembro, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Todos os conteúdos podem ser acessados, gratuitamente, no site da entidade.

Clique aqui e acesse a revista Política Democrática Online de novembro!

“Mas qual é o segredo da série entre os brasileiros?”, questiona o Brandão, para, em seguida, explicar. Antes, porém, o jornalista lembra que a série é um drama político contemporâneo, que mostra os jogos de interesses que se desenvolvem na política dinamarquesa. Chama-se. O nome vem da forma como se referem ao Palácio de Christianborg, local que abriga as três esferas do poder dinamarquês.

“A série foi exibida na Dinamarca entre 2010 e 2013, o que deu nova dimensão ao folhetim foi o fato de a Netflix tê-la comprado e incluído as três temporadas (10 episódios cada) na programação. O êxito foi tanto que a gigante do streaming pensa em nova leva de episódios”, afirma o autor.

Na avaliação de Brandão, a série atrai os brasileiros porque, segundo ele, mostra com naturalidade a forma como a política é encarada na Dinamarca. “Ocupar altos cargos na administração pública ou nas esferas de base da estrutura partidária não é encarado como algo proveitoso, do qual se deve tirar vantagens, mas como parte da vida coletiva”, acentua.

Por isso, de acordo com o autor do artigo publicado na revista Política Democrática Online, brasileiros veem na série a futura primeira-ministra indo de bicicleta para o Parlamento, assim como vários de seus pares, e surpreendem com o fato de como a liturgia inerente ao cargo soa pouco pomposa por lá. 

“Para além da indiscutível qualidade artística, é na comparação entre as realidades dos dois países que a série se impôs por aqui”, diz o jornalista. “A diferença entre as sociedades – a nossa comparada com a deles – é enorme”, acrescenta. Para se ter uma ideia, ele lembra, em 2011, a Dinamarca foi considerada, segundo o índice de Gini, o país com o menor grau de desigualdade social do mundo.

“Em tempos de enfrentamentos toscos e baixarias vis, acompanhar a trajetória de Birgitte Nyborg é um bálsamo. A série acabou atraindo desde comunistas convictos até o mais empertigado dos liberais. Um feito e tanto”, avalia.

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RPD || Henrique Brandão: Borgen - No reino da Dinamarca, a política vira sucesso na TV

Uma das melhores séries políticas em cartaz atualmente nas redes de streaming mostra os intestinos da política na Dinamarca, um dos países mais desenvolvidos e civilizados da Terra

A série televisiva escandinava que tem feito sucesso no mundo inteiro não tem detetives, nem mafiosos e tampouco navegadores vikings como tema. É um drama político contemporâneo, que mostra os jogos de interesses que se desenvolvem na política dinamarquesa. Chama-se Borgen (Castelo). O nome vem da forma como se referem ao Palácio de Christianborg, local que abriga as três esferas do poder dinamarquês.

A série foi exibida na Dinamarca entre 2010 e 2013. O que deu nova dimensão ao folhetim foi o fato de a Netflix tê-la comprado e incluído as três temporadas (10 episódios cada) na programação. O êxito foi tanto que a gigante do streaming pensa em nova leva de episódios.

No Brasil, Borgen faz muito sucesso. Mas qual é o segredo da série entre os brasileiros?

Creio que uma das chaves para a resposta está na naturalidade com que a política é encarada na Dinamarca. Ocupar altos cargos na administração pública ou nas esferas de base da estrutura partidária não é encarado como algo proveitoso, do qual se deve tirar vantagens, mas como parte da vida coletiva.  

Por isso, quando nós, brasileiros, vemos na série a futura primeira-ministra indo de bicicleta para o Parlamento, assim como vários de seus pares, nos surpreendemos como a liturgia inerente ao cargo soa pouco pomposa por lá.  

Ao chegar em casa, a primeira-ministra vai para a cozinha preparar o jantar. Tarefa que é dividida com o marido. Os afazeres domésticos são compartilhados por todos, pais e filhos. Convenhamos, seria difícil algo semelhante acontecer em Brasília. Para servir o sofisticado café da manhã preferido do Presidente, pão com leite condensado, vários criados ficam à mercê de Sua Excelência.

Não é apenas essa diferença gritante de costumes que faz o sucesso da série. Ela tem ótimo roteiro, diálogos inteligentes e belas atuações, principalmente do elenco feminino. Sidse Babett Knudsen interpreta a primeira-ministra, Birgitte Nyborg, líder dos Moderados. Sua atuação passa credibilidade à personagem, uma mulher decidida na política, mas que na vida afetiva tem suas fragilidades. Sidse tem o apoio luxuoso de Birgitte Hjort Sorensen, que faz o papel de Katrine Fonsmark, uma jovem e sexy jornalista de TV, batalhadora e ambiciosa, que acaba virando sua assessora de comunicação. Benedikte Hansen também brilha como uma veterana e alcoólatra jornalista da mesma emissora. O peso do elenco feminino não é à toa: como a trama espelha a sociedade dinamarquesa, a presença das mulheres na história é expressiva.

A Dinamarca é uma monarquia constitucional, com sistema parlamentarista de governo. As negociações entre as forças políticas que possibilitam a montagem de maiorias parlamentares são intensas, nos mostra a série. É dessa forma que a primeira-ministra assume o poder. E da mesma maneira também o perde. Existem barganhas, chantagens, alianças frágeis, traições. No entanto, as crises de gabinete são encaradas como normais – a série deixa bem claro que raposa política é um animal universal.  

Outro aspecto retratado é o peso enorme da mídia no dia a dia da política. O assessor de imprensa tem mais importância que muitos dos ministros. E os veículos – jornais, TV, sites –, dependendo dos interesses em jogo, não se furtam a dar a notícia conforme lhes convêm.  

Para além da indiscutível qualidade artística, é na comparação entre as realidades dos dois países que a série se impôs por aqui. A diferença entre as sociedades – a nossa comparada com a deles – é enorme. Para se ter uma ideia, em 2011 a Dinamarca foi considerada, segundo o índice de Gini, o país com o menor grau de desigualdade social do mundo. As marcas do Welfare State – saúde, bem-estar, assistência social e educação universal – são indeléveis. Além disso, em 2008 o país foi classificado como o menos corrupto do mundo pelo Índice de Percepção de Corrupção.

Em tempos de enfrentamentos toscos e baixarias vis, acompanhar a trajetória de Birgitte Nyborg é um bálsamo. A série acabou atraindo desde comunistas convictos até o mais empertigado dos liberais. Um feito e tanto.

Nossa realidade política não tem nada da civilidade imanente de Borgen. Está mais para os golpes abaixo da cintura desferidos por Francis Underwood, o personagem vivido com maestria por Kevin Spacey em House of Cards. Qualquer semelhança entre ele e o sinistro capitão que habita o Palácio da Alvorada talvez não seja mera coincidência. Está mais para retrato falado.

* Henrique Brandão é jornalista. 


Henrique Brandão faz homenagem aos 90 anos do poeta Ferreira Gullar

Em artigo na revista Política Democrática Online de outubro, jornalista destaca perfil do que chama de ‘homem de hábito simples’

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

No mês de setembro deste ano, o poeta Ferreira Gullar completaria 90 anos. Não conseguiu receber as devidas homenagens. Faleceu em dezembro de 2016, dois meses depois de completar 86 anos, como lembra o jornalista Henrique Brandão. Em artigo na revista Política Democrática Online de outubro, ele lembra que o poeta, cujo nome de batismo era José Ribamar Ferreira, “era um homem de hábito simples”.

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A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza todos os conteúdos, gratuitamente, em seu site. “Magro, com a cabeleira escorrida ao longo do rosto, o nariz adunco e as mãos expressivas – que gesticulavam sem parar enquanto falava – não passava despercebido onde quer que estivesse”, escreve Brandão sobre Gullar.

Além de poeta, Gullar foi jornalista, crítico de arte, ensaísta, artista plástico, cronista e dramaturgo. Participou ativamente do Concretismo e do Neoconcretismo, movimentos importantes no cenário da cultura brasileira, nos anos 1950. “Gullar entrou tarde na política. Já rompido com o Neoconcretismo, participava do Centro Popular de Cultura (CPC), ligado à União Nacional dos Estudantes (UNE), quando ocorreu o golpe de 1964”, lembra Brandão.

“Eu me filiei ao PCB [Partido Comunista Brasileiro] no dia do golpe de 64. Eu queria participar da resistência a um regime que se impunha ao país pela força”. Após o fechamento da UNE (União Nacional dos Estudantes), Gullar e seus companheiros fundaram o grupo Opinião, que, segundo Brandão, teve grande repercussão com suas peças e shows musicais.

Após o AI-5, em 1968, o regime militar apertou o cerco. “Sobrou para todo mundo que se opunha à ditadura, até mesmo para os comunistas ligados ao PCB, que não defendiam a luta armada. A essa altura, Gullar fazia parte do Comitê Cultural do PCB”, escreve o autor do artigo na Política Democrática Online.

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‘Dívida da Cinemateca Brasileira chega a R$ 14 milhões’, diz Henrique Brandão

Em artigo publicado na revista Política Democrática Online, jornalista lamenta descaso do governo com uma das maiores instituições do audiovisual do mundo

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não repassou verba alguma este ano para a Cinemateca Brasileira. “A dívida chega a R$ 14 milhões”, alerta o jornalista Henrique Brandão, com base em dados da a Associação Roquette Pinto, mantenedora do espaço desde 2018. Em artigo publicado na revista Política Democrática Online de setembro, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília, ele lembra que a unidade é responsável pela preservação do audiovisual brasileiro.

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Todos os conteúdos da publicação podem ser acessados, gratuitamente, no site da FAP. Segundo Brandão, os sinais do estrangulamento financeiro já vinham do ano passado. “Dos R$ 13 milhões previstos no orçamento, o governo só repassou R$ 7 milhões. Este mês, a Associação Roquete Pinto jogou a toalha: entregou as chaves ao governo federal e demitiu os 41 funcionários do corpo técnico. A bola agora está com a Secretária Especial de Cultura. Sinal de que o que está ruim pode piorar”, observa.

Fundada em 1946 e instalada em São Paulo, a Cinemateca Brasileira tem o maior acervo de imagem em movimento da América Latina, além de ser considerada uma das maiores instituições do gênero do mundo. Abriga cerca de 250 mil rolos de filmes e mais de um milhão de documentos, entre roteiros, fotografias, cartazes, recortes de imprensa, e arquivos pessoais, como o de Glauber Rocha (1939-1971).

Além do valioso acervo, conforme observa Brandão no artigo da revista Política Democrática Online, sua sede, situada no Antigo Matadouro Municipal de São Paulo, na Vila Clementino, tem duas modernas salas de exibição e uma área externa para projeção de filmes. 

“Neste governo, o nome da Cinemateca tem sido citado em vão”, lamenta o jornalista. “O presidente ofereceu um cargo inexistente de chefia como consolo para a saída de Regina Duarte que, por sua vez, achou legal assumir ‘um museu do cinema’”, ironiza ele, para destacar que a cinemateca tem muitas funções importantes, menos a de museu.

Quem assim a enxerga confunde preservar com embalsamar, de acordo com Brandão. “Pensamento conservador. Há muito que os principais museus do mundo – como o Louvre – têm feito, com sucesso, esforço considerável para sacudir a poeira de seus salões”, diz ele, para continuar: “Uma das funções mais importantes de uma Cinemateca, em todo mundo, é formar plateias.  Em suas salas de cinema acontecem workshops, lançamentos de filmes, exibição de clássicos fora de catálogos. Muitas vezes é a oportunidade para crianças de escolas de comunidades terem seu primeiro contato com um filme em tela grande”.

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RPD || Henrique Brandão: A Cinemateca Brasileira corre perigo

Com o maior acervo documental em audiovisual da América Latina, a instituição passa pela maior crise de seu período recente. Nas mãos do governo Bolsonaro, ainda não recebeu nenhum repasse de recursos do Governo Federal em 2020

Desde a eleição do sinistro capitão, a Cultura está sob ataque cerrado. Alguns episódios ligados à pasta poderiam até soar como paródias, não tivessem sidos levados a sério por quem estava no comando do setor. Regina Duarte, ex-namoradinha do Brasil, ficou meses paquerando o cargo que, por fim, assumiu. Mas o casamento durou pouco. Para constrangimento geral, ao apagar das luzes de seu breve reinado, deu entrevista em que minimizou as torturas praticadas na ditadura. Seu antecessor, Roberto Alvim, não ficou atrás: em vídeo, imitou Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Hitler, com direito a trilha sonora de Richard Wagner.

Seria cômico se não fosse trágico para o País. Como todo governo com viés autoritário, o atual pega pesado com a Cultura, onde vê inimigos por toda parte. A ordem é cercar, sufocar, exterminar. O comandante em chefe deu o primeiro passo assim que assumiu: rebaixou o ministério a uma secretaria, subordinando ao Turismo toda a área cultural. Não tivesse sido suficiente, deixa morrer, por inanição, setores importantes de atividades vitais, como o audiovisual.

Um dos exemplos mais dramáticos é o da Cinemateca Brasileira: embora esteja instalada na capital paulista, em uma estrutura da Prefeitura de São Paulo, todo o acervo e os recursos para sua manutenção estão sob a responsabilidade do Governo Federal. Segundo a Associação Roquette Pinto, mantenedora do espaço desde 2018, o governo Bolsonaro não repassou verba alguma este ano. A dívida chega a R$ 14 milhões. Os sinais do estrangulamento financeiro já vinham do ano passado: dos R$ 13 milhões previstos no orçamento, o Governo só repassou R$ 7 milhões. Este mês, a Associação Roquete Pinto jogou a toalha: entregou as chaves ao Governo Federal e demitiu os 41 funcionários do corpo técnico. A bola agora está com a Secretaria Especial de Cultura. Sinal de que o que está ruim pode piorar.

Fundada em 1946, a Cinemateca Brasileira é responsável pela preservação do audiovisual brasileiro. Considerado o maior acervo de imagem em movimento da América Latina e uma das maiores instituições do gênero do mundo, abriga cerca de 250 mil rolos de filmes e mais de um milhão de documentos, entre roteiros, fotografias, cartazes, recortes de imprensa, e arquivos pessoais, como o de Glauber Rocha (1939-1971). Além do valioso acervo, sua sede, situada no antigo Matadouro Municipal de São Paulo, na Vila Clementino, tem duas modernas salas de exibição e uma área externa para projeção de filmes.

Neste governo, o nome da Cinemateca tem sido citado em vão. O presidente ofereceu um cargo inexistente de chefia como consolo para a saída de Regina Duarte que, por sua vez, achou legal assumir “um museu do cinema”. A Cinemateca tem muitas funções importantes, menos a de museu. Quem assim a enxerga confunde preservar com embalsamar. Pensamento conservador. Há muito que os principais museus do mundo – como o Louvre – têm feito, com sucesso, esforço considerável para sacudir a poeira de seus salões.

Uma das funções mais importantes de uma cinemateca, em todo mundo, é formar plateias. Em suas salas de cinema acontecem workshops, lançamentos de filmes, exibição de clássicos fora de catálogo. Muitas vezes, é a oportunidade para crianças de escolas de comunidades terem seu primeiro contato com um filme em tela grande.

Várias gerações de cineastas e amantes do cinema devem sua formação às cinematecas. Para mim, são inesquecíveis as sessões que frequentei na Cinemateca do MAM/RJ à época do lendário Cosme Alves Neto (1937-1996). No auge do regime militar, Cosme trocava as latas de filmes, a fim de evitar a apreensão de fitas censuradas pela ditadura.

Quem olha a memória como um retrato imóvel na parede não percebe que ela é algo vivo, que abarca passado, presente e futuro, em um movimento único. O filme de ontem do inesquecível Carlitos (1889-1977), a montagem revolucionária de Eisenstein (1898-1948) ou as vidas secas dos retirantes de Nelson Pereira dos Santos (1898-2018) têm uma nova leitura no olhar do jovem de hoje.

O deliberado descaso do Governo Federal com este patrimônio inestimável do povo brasileiro é inaceitável. No local existem materiais que exigem condições especiais de conservação, como os filmes de nitrato, que, se não estiverem em ambiente adequadamente climatizado, podem entrar em autocombustão.

Infelizmente, a Cinemateca corre o sério perigo de arder em chamas. Seu fechamento, além do risco de incêndio, tem consequências amazônicas para a Cultura do país.

*Henrique Brandão é jornalista, escritor e amante de cinema


‘Humberto Mauro é o mais nacionalista de todos os cineastas’, diz Henrique Brandão

Em artigo publicado na revista Política Democrática Online de agosto, jornalista analisa importância de cineasta

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Pioneiro do cinema, Humberto Mauro é considerado o mais nacionalista de todos os cineastas brasileiros, na avaliação do jornalista Henrique Brandão, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de agosto. “Humberto foi o primeiro a registrar o Brasil profundo de maneira sincera e realizou 11 longas-metragens e 357 curtas e médias”, diz o autor.  A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Todas as edições dela podem ser acessadas, gratuitamente, no site da entidade.

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“As novas gerações interessadas em cinema talvez não tenham ouvido falar de Humberto Mauro”, diz Brandão. “Não sei se suas obras são estudadas nas faculdades. Se o são, ótimo, pois o cineasta tem lugar de destaque na história do cinema brasileiro, não só pelo legado, mas também, principalmente, pela sua maneira original de filmar”, observa o autor.

Humberto Mauro (1897-1983) é um dos pioneiros do cinema brasileiro. Tem vasta obra. Trabalhou no Ince (Instituto Nacional do Cinema Educativo), órgão subordinado ao MEC (Ministério da Educação), a convite do antropólogo Edgard Roquette-Pinto. “Infelizmente, parte desse imenso acervo se perdeu por problemas de conservação, mas é possível ter acesso a 80 deles, que estão espalhados entre o acervo da Cinemateca Brasileira e o CTAV (Centro Técnico Audiovisual da Funarte)”, escreve Brandão.

O jornalista conta que seu primeiro contato com filmes de Humberto Mauro ocorreu com o curta “A Velha a Fiar” (1967), pequena obra-prima de realização, cheia de humor e brasilidade. “Dos longas, só conheço fragmentos, dos quais destaco trechos de ‘O Descobrimento do Brasil’ (1937), com trilha sonora de Villa-Lobos”, afirma.

Brandão diz que continua difícil ver os filmes de Humberto Mauro. Como parte da comemoração dos 65 anos da Cinemateca do MAM (Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro), o jornalista assistiu aos filmes do cineasta na plataforma Vimeo (programação completa em www.vimeo.com/mamrio) ao documentário “Humberto Mauro”.

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RPD | Henrique Brandão: Humberto Mauro - “Cinema é cachoeira”

Pioneiro do cinema, Humberto Mauro é considerado o mais nacionalista de todos os cineastas brasileiros. Primeiro a registrar o Brasil profundo de maneira sincera, ele realizou 11 longas-metragens e 357 curtas e médias

As novas gerações interessadas em cinema talvez não tenham ouvido falar de Humberto Mauro. Não sei se suas obras são estudadas nas faculdades. Se o são, ótimo, pois o cineasta tem lugar de destaque na história do cinema brasileiro, não só pelo legado, mas também, principalmente, pela sua maneira original de filmar.

Humberto Mauro (1897-1983) é um dos pioneiros do cinema brasileiro. Tem vasta obra. São 11 longas-metragens e 357 curtas e médias, estes últimos realizados a partir de 1936, quando foi trabalhar no Instituto Nacional do Cinema Educativo (INCE), órgão subordinado ao MEC, a convite do antropólogo Edgard Roquette-Pinto. Infelizmente, parte desse imenso acervo se perdeu por problemas de conservação, mas é possível ter acesso a 80 deles, que estão espalhados entre o acervo da Cinemateca Brasileira e o CTAV – Centro Técnico Audiovisual da Funarte.

Na minha geração, não era fácil ter acesso aos filmes de Humberto Mauro. Meu primeiro contato com seus filmes foi com o curta “A Velha a Fiar” (1967), pequena obra-prima de realização, cheia de humor e brasilidade. Dos longas, só conheço fragmentos, dos quais destaco trechos de “O Descobrimento do Brasil” (1937), com trilha sonora de Villa-Lobos.

Nos dias atuais, continua difícil ver os filmes de Humberto Mauro. Portanto, foi com curiosidade e interesse que, como parte da comemoração dos 65 anos da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM), assisti na plataforma Vimeo (programação completa em www.vimeo.com/mamrio) ao documentário “Humberto Mauro”.

"Paulo Emílio Salles Gomes (1916-1977), crítico e fundador da Cinemateca Brasileira, ensaísta de sólida reputação, analisou as primeiras obras de Humberto Mauro em sua tese de doutorado, mais tarde publicada em livro: “Humberto Mauro, Cataguazes e Cinearte” (1974, Editora Perspectiva), hoje um clássico da historiografia do cinema brasileiro"

O longa-metragem é dirigido por seu sobrinho-neto, André di Mauro. O fio condutor do filme são algumas entrevistas dadas pelo cineasta durante a vida. Nelas, Humberto Mauro fala de assuntos importantes relacionados à sua obra. Sobre a natureza: “A gente tem que surpreender a natureza. Eu não filmo uma cachoeira assim de cara, não. Me escondo atrás de uma bananeira para ela não saber que está sendo filmada. Senão, a água começa a cair diferente”.

Quando o assunto é a visão estética: “A roda d’água, por exemplo, é de uma fotogenia extraordinária. Aquele rodar lento, os musgos, a água batendo contra o sol. Agora, troca por um motor a turbina e vê a porcaria que fica. O progresso é antifotogênico”.

Surpreendente também era a sua visão sobre a realização dos filmes: “Eu nunca estudei cinema. O Michelangelo dizia que a escultura já estava pronta dentro do bloco de pedra, era só você ir com o martelo. Eu costumo dizer que o filme já está dentro da máquina, é só focalizar e apertar o botão que ele sai.”

Quem assiste ao documentário percebe a construção de um olhar próprio, com uma noção de país muito peculiar. Humberto Mauro foi o primeiro cineasta a registrar o Brasil profundo de maneira sincera. É generoso com o país de sua época, predominantemente rural. O olhar é de quem está integrado à paisagem. A câmera parece um elemento natural, os enquadramentos não interferem na natureza. Fosse hoje, os ecologistas construiriam um monumento em sua homenagem.

A importância de Humberto Mauro foi reconhecida posteriormente. Paulo Emílio Salles Gomes (1916-1977), crítico e fundador da Cinemateca Brasileira, ensaísta de sólida reputação com papel decisivo na formação dos cineastas que participaram do Cinema Novo, analisou as primeiras obras de Humberto Mauro em sua tese de doutorado, mais tarde publicada em livro: “Humberto Mauro, Cataguazes e Cinearte” (1974, Editora Perspectiva), hoje um clássico da historiografia do cinema brasileiro.

"Além de talentoso cineasta, Humberto Mauro também era estudioso do tupi-guarani. Já aposentado das câmeras, colaborou com alguns cineastas do Cinema Novo. Foi o autor dos diálogos em tupi-guarani de “Como era Gostoso o meu Francês”, de Nelson Pereira dos Santos (1971) e de “Anchieta, José do Brasil”, de Paulo César Sarraceni (1978)"

Além de talentoso cineasta, Humberto Mauro também era estudioso do tupi-guarani. Já aposentado das câmeras, colaborou com alguns cineastas do Cinema Novo. Foi o autor dos diálogos em tupi-guarani de “Como era Gostoso o meu Francês”, de Nelson Pereira dos Santos (1971) e de “Anchieta, José do Brasil”, de Paulo César Sarraceni (1978).

O crítico e cineasta Alex Viany, que contou com a parceria de Humberto Mauro no argumento e roteiro de “A Noiva da Cidade” (1979), em entrevista no documentário deixa claro a admiração pelo velho pioneiro: “Você é o homem que plantou as raízes do cinema brasileiro. Seu cinema é uma coisa muito viva”.

Talvez o que melhor defina o jeito de filmar e a visão de mundo de Humberto Mauro seja a frase-síntese que deixou para a posteridade: “Cinema é cachoeira”.

*Henrique Brandão é jornalista e fundador do bloco “Simpatia é Quase Amor”.


Henrique Brandão: Os anos de 1960, nos EUA, pela lente do Harlem

Fui dormir tarde sábado. O motivo: resolvi “maratonar” a série “Godfather of Harlem”, em exibição na Fox Premium. Ontem, a Patricia Kogut ocupou o espaço de sua coluna para falar justamente dela. A série está disponível no Now, no canal da Fox Premium, e tem dez capítulos.

Não foi por acaso que a crítica de TV de O Globo dedicou generoso espaço à série. “Godfather of Harlem” (em tradução livre, “O Padrinho do Harlem”, mas, após o filme de Francis Ford Copolla, “The Godfather”, talvez seja mais apropriado traduzi-la para “O Poderoso Chefão do Harlem”), é uma série que vale cada minuto na frente da telinha (a partir de agora tem spoiler).

“Godfather of Harlem” conta a história de Bumpy Johnson que, em 1963, após sair da prisão, volta a Nova York e a seu bairro, Harlem, onde era o rei das ruas. O cenário que encontra, no entanto, é outro bem diferente de onze anos atrás. Na sua ausência, a máfia italiana invadiu seus domínios. A heroína, droga que se disseminou no período, agora dominava as ruas. Para manter seus negócios, Johnson terá que lutar contra os antigos aliados italianos.

A série é baseada em fatos reais. Bumpy Johnson (1905-1968) existiu e muitos dos personagens da série também. É o caso, por exemplo, de Malcolm X (1925-1965), seu jovem colega de crimes nas ruas do bairro. Ao sair da prisão, Bumpy encontra o amigo já convertido ao islamismo e um destacado prócer do movimento negro, agora preocupado com o trabalho social junto aos drogados e empenhado na luta pelos direitos civis. A relação entre eles é contraditória, mas fraternal, e perpassa toda a série.

Como todo bom filme de “gangster”, o conflito na disputa por espaços no submundo do crime, que envolve tráfico, apostas e prostituição é o elemento principal da trama. Não tem mocinho. Bumpy, apesar de paternalista com os parceiros e moradores, quando necessário é brutal, assim como seus rivais. A diferença é que ele está em seu habitat natural, o Harlem, bairro ao norte de Manhattan, majoritariamente habitado por negros. Viveu, desde sempre, a desigualdade social, o racismo e a violência. Diante do cenário, conseguiu sobreviver e se impor, adotando o método dos adversários.

O contexto dos anos de 1960, com a explosão do movimento dos direitos civis, é o pano de fundo da trama. Além de Malcolm X, outros personagens reais são importantes na história, como Adam Clayton Power Jr. (1908-1972), um pastor batista que foi o primeiro descendente afro-americano a ser eleito para a Câmara Federal em NY (de 1945 a 1971, pelo Partido Democrata).

Além dos personagens baseados em pessoas reais, o uso do noticiário transmitido pela TV, aparelho que era relativamente recente nos lares e bares dos EUA naquele período, é um recurso que situa, a todo momento, a narrativa dentro do tempo histórico.

Está tudo lá. Até Cassius Clay (1942-2016), o jovem boxeador em luta pelo cinturão dos pesos-pesados que, por conta de sua conversão ao islamismo, mudaria depois o nome para Mohamed Ali. Suas conversas com Malcolm X são definidoras de sua trajetória e a interferência de Bumpy Johnson, blindando-o das pressões da máfia italiana, fundamental para garantir o título. Está lá também o teatro Apolo, ícone do Harlem, palco de shows de figuras importantes da música negra norte-americana daquele momento, como James Brown.

É interessante observar as nuances das posições políticas dos envolvidos na luta pelos direitos civis em relação à Marcha sobre Washington por Trabalho e Liberdade, gigantesca manifestação que tomou conta da capital norte-americana em 28 de agosto de 1963. Cada qual com seus motivos, tanto Malcolm X como Adam Clayton têm ressalvas ao papel de liderança exercido por Martin Luther King (um dos organizadores da Marcha, John Brown, à época um jovem de 25 anos, acabou de falecer no EUA, vítima de câncer, aos 80 anos).

A série assume explicitamente a tese de que a máfia é a responsável pelo assassinato de John Kennedy. Ao ver a cena pela TV do assassinado de Lee Oswald, executado dentro de uma delegacia, na frente de jornalistas e de vários policiais, que nada fazem para impedir o crime, Bumpy Johnson comenta que é evidente a participação da polícia, infiltrada até a alma pela máfia, na queima do arquivo.

Na sequência, Bumpy Johnson explica aos comparsas a ligação da máfia com os Kennedy, que começa pelo pai do presidente eleito, que enriqueceu como contrabandista. O pivô do rompimento da aliança entre os Kennedy e a máfia, que apoiou John na eleição, foi a atuação de seu irmão Bobby no cargo de Procurador Geral dos EUA (este depois também seria assassinado pela “Cosa Nostra” em plena campanha eleitoral para presidente).

Fora o imbricamento com os fatos reais, que acrescenta verossimilhança à narrativa, salta aos olhos o evidente capricho da produção, com uma reconstituição de época primorosa.

O elenco é cheio de feras. A começar por Forest Whitaker, no papel de Bumpy, como sempre dando show. Giancarlo Esposito dá vivacidade ao deputado Adam Clayton e Nigél Tatch, brilha na pele do Malcolm X (a semelhança física é impressionante). Vicente D’Onofrio se destaca na composição de um mafioso italiano rude e violento (Vicent Gigante). Paul Sorvino encarna o chefe da “Cosa Nostra”, Frank Costello. Chamam atenção também a bela Ifenesh Hadera, como Mayme Johnson, esposa de Bumpy, e Antoinette Crowe-Legacy, a filha do mandachuva do Harlem viciada em heroína.

Patricia Kogut indica duas outras séries para quem estiver interessado em saber mais daquela época efervescente dos EUA: “Bob Kennedy president” e “Quem matou Malcolm X”. Este último, seis episódios que desvendam os meandros da política do movimento negro islamita norte-americano, com todas as suas idiossincrasias. Elas realmente acrescentam informações relevantes. Juntaria a esta lista o último filme de Spike Lee.

O fim dos dez capítulos deixa claro que haverá uma continuação. A primeira temporada acaba com o presidente Kennedy assassinado e Malcolm X sendo punido pela organização muçulmana à qual pertence, Nação do Islã. No entanto, nos EUA dos anos de 1960, muita coisa ainda viria a acontecer, principalmente em se tratando do movimento pelos direitos civis. Se for tão boa quanto a temporada de estreia, a continuação, promete.

Não perca!!!


RPD || Henrique Brandão: Aldir, nunca haverá outro igual

Nos versos de Aldir Blanc havia um sentimento vitalista de malícia, ironia, crítica social e de imagens brilhantes. Vítima da Covid-19, ele deixa mais de cem canções gravadas e uma música inédita

O que dizer de Aldir Blanc em um momento de profunda tristeza como esse? O bardo da Muda, na expressão de seu amigo Eduardo Goldemberg, merece todas as homenagens e elogios do mundo, pelo grande poeta, letrista e cronista que foi. Como compositor, é dos maiores que a MPB já teve. Um monstro, gênio da palavra.

Todos nós somos “reféns” de Aldir. Quem nunca sambou um samba seu? Quem nunca dançou, com a ponta torturante de um band-aid no calcanhar e embalado por uísque com guaraná, um bolero dele? O cara não era profeta, longe disso. No entanto, quem há de discordar que seus versos em “Querelas do Brasil”, música do distante ano de 1978, em parceria com Maurício Tapajós, haveriam de soar tão atuais quando dizem que “O Brazil não merece o Brasil / O Brazil,tá matando o Brasil”?

Aldir morreu de Covid-19, mas sua saúde, assim como a do país que ele tanto amava, foi sendo solapada pela tristeza galopante, com a velocidade de uma brigada de cavalaria, na descrença de que um horizonte mais generoso ainda fosse possível. O país preconizado por atual presidente psicopata, com sua perspectiva cada vez mais autoritária, está muito aquém do Brasil tão amado e cantado pelo poeta.

O Aldir mais conhecido de todos é o letrista de sucessos maravilhosos, tanto na parceria com João Bosco como com músicos do talento de Guinga, Moacyr Luz e Cristóvão Bastos, entre outros, responsável por sucessos que qualquer um assobia fácil pelas ruas, entoa nas mesas dos bares ou ouve com frequência nas rodas de samba. É aquela música que o cidadão comum conhece, canta inteira, mas, muitas vezes, nem sabe quem é o autor. Isso é privilégio de poucos, reservado somente aos maiores, escolhidos a dedo pelo que o destino lhe reservou. Coisa de Caymmi, Luiz Gonzaga, Noel, Vinícius...

Mas tem um outro Aldir, menos conhecido do público, que é tão talentoso quanto o letrista. É o cronista. Sua verve foi exercida, inicialmente, no Pasquim, semanário de humor de saudosa memória, onde jornalistas e colaboradores do quilate de Jaguar, Millôr, Ziraldo, Sergio Cabral, Ivan Lessa e Sergio Augusto esculachavam a ditadura. A colaboração profícua rendeu seu primeiro livro, Rua dos Artistas e Arredores, reunião das crônicas publicadas no tabloide. A primeira edição é de 1978.

A Rua dos Artistas, com este belo nome, fica em Vila Isabel. Aldir morou nela quando garoto, na casa dos avós. Fez daquele microcosmo do subúrbio carioca, a partir de suas lembranças e de sua perspicaz imaginação, crônicas que dialogam com o mundo, esteja você no Rio, Pequim ou Budapeste. Relendo-as, é impossível conter o riso. Os dramas, casos, personagens e apelidos de cada um, que vivem na fictícia, porém muito real, comunidade “vilaisabetana”, misturam grosseria, poesia e generosidade, na proporção exata que só Aldir sabia dosar. Como cronista, assim como letrista, também foi dos grandes, no nível de João do Rio, Lima Barreto, Sergio Porto.

Além do livro, as crônicas geraram um filhote. Foi do nome de um dos personagens de Aldir, o Esmeraldo “Simpatia é Quase Amor”, que, em 1994, leitor de seu livro, sugeri a um grupo de amigos o nome para um bloco de carnaval que pretendíamos fundar. Aldir acabou virando o patrono do bloco. Como era de seu feitio, sempre se esquivou das nossas inúmeras tentativas de homenageá-lo. Participou de alguns desfiles, sempre discretamente. Chegava sem avisar e ia para o meio da bateria tocar seu tamborim. Quando o descobríamos já era tarde, o bloco estava na rua.

Desde então, há 36 carnavais que, sob a benção de Aldir, o “Simpatia” desfila pela orla de Ipanema. Por ocasião do aniversário de 15 anos, gravamos um CD com todos os sambas cantados em nossos cortejos. Dessa vez, fruto de sua benevolência, quem prestou homenagem ao bloco foi o Aldir, ao gravar um depoimento que abre o CD. Diz ele: “O bloco da minha mocidade foi o ‘Bafo da Onça’, de saudosa memória, do Catumbi, Estácio e adjacências. Mas nem mesmo o ‘Bafo’, com suas rainhas e princesas de polução noturna, me deu emoção tão forte como o ‘Simpatia é Quase Amor’. Criei em livro o ‘Simpatia’ para proteger a identidade de um primo do subúrbio (...). É bonito ver um primo da Zona Norte virar bloco na Zona Sul. Com este gesto simpático, saiu ganhando São Sebastião do Rio de Janeiro. No ‘Simpatia’, onde minhas filhas saíram pequenas, hoje, 15 anos depois, desfilam meus netos”. Esse depoimento enche a todos nós, fundadores e foliões do bloco, de imenso orgulho.

Segue em paz, Aldir.

 * Henrique Brandão é jornalista e fundador do bloco “Simpatia é Quase Amor”.

 Aforismas do gênio Aldir (alguns do Rua dos Artista e Arredores, Mórula, 2016).

“Se você está pensando que o tijucano é um estado de espírito, aqui ó! O tijucano é um estado de sítio”

“Alto funcionário da Polícia Federal lembra a seus subordinados em Brasília: o piso é a prova de fogo, o preso, não”

‘Na inauguração do novo Distrito Policial, coube ao delegado dar o pontapé inicial”

“No Hipódromo da Gávea, um garanhão traçou uma égua, depois de uma... informação de cocheira”

“No Jardim Zoológico, o avestruz concretista, depois de uma bimbada, suspira: Pô, Ema...”

“Eu nunca marco derrota do meu time na Loteria. Me sinto um traidor”

“O amor tanto se mete a edredon, que acaba velha colcha de retalhos”

“Querido diário, hoje foi um dia incrível. Nem te conto”


Henrique Brandão: 1917 - O plano-sequência como protagonista

É difícil falar hoje em dia de cinema, dado que o grande thriller atual no Brasil é a postura irresponsável do presidente na condução da quarentena – quase um filme de terror – e, também, a sua conduta política, cada vez mais radical e estreita, sempre em direção à direita, deixando a nu suas reais intenções políticas e os interesses pessoais por trás dos movimentos que faz. Muitos fãs que apostaram neste roteiro macabro já se decepcionaram e pedem a devolução dos ingressos, alguns até com manifestação de apupos pelas janelas de suas casas. Outros, que nunca gostaram do canastrão escalado para o papel principal e tampouco dos atores coadjuvantes, seguem torcendo o nariz para esta chanchada que deixaria os geniais Oscarito e Grande Otelo envergonhados, tal a tacanhice das ideias expostas. Os próximos dias serão de grande suspense.

O que estamos assistindo não é um filme, mas uma sucessão de episódios cujo desdobramentos são ainda imprevisíveis na vida real. Já na telinha nossa de cada dia a que estamos sujeitos por conta da pandemia, é possível assistir filmes – e séries – melhores do que a conjuntura nos tem reservado.

Uma boa dica que estreou esta semana no Now é “1917”, filme que concorreu ao Oscar de 2020. Indicado em 10 categorias, acabou levando três estatuetas, sendo a mais importante delas a de fotografia – realmente exuberante – conferida a Roger Deakins, um veterano de indicações.

O filme tem um tênue fio condutor, apesar de ter concorrido à categoria de roteiro original. Dois soldados na Primeira Guerra Mundial (1914-18), recebem ordens de um general para entregar uma carta a um coronel que se encontra no front, avisando que aborte um ataque aos alemães, pois o aparente silêncio dos germânicos trata-se na verdade de uma emboscada.

A Primeira Guerra teve enormes baixas: 17 milhões de pessoas morreram no conflito. Os soldados muitas vezes passavam meses entrincheirados, em condições insalubres, e avançavam muito pouco em suas posições. É neste cenário que começa a, digamos assim, “corrida de obstáculos” dos jovens combatentes por entre as trincheiras da Tríplice Entente no norte da França.

Assim como os protagonistas de posse da carta saem em disparada serpenteando os tuneis repletos de soldados, a câmera que os acompanha na ação também não para: registra as imagens como se ela em si fosse um terceiro mensageiro, enfrentando lado a lado as peripécias e surpresas que a dupla encontra pelo caminho. Este é o grande diferencial do filme, realizado como um único plano sequência, mas também seu calcanhar de Aquiles. A “mise-em-scène” é excelente: centenas de figurantes são estrategicamente posicionados por onde a câmera passa, numa encenação naturalista de poucos diálogos e muita ação que mobiliza uma estrutura enorme para que tudo aconteça conforme a história avança. Deste ponto de vista, irrepreensível.

Nos dias de hoje não precisa ter frequentado escola de comunicação para saber que cinema é imagem em movimento. Todo mundo sabe, mesmo que não formule teoricamente, já que nosso código de mensagens é cada vez mais audiovisual. Cinema é linguagem.

No início do cinema não era a câmera que se movimentava, mas o personagem. Buster Keaton, com suas alucinadas correrias e Chaplin, na figura de Carlitos, o adorável vagabundo que vive fugindo da polícia, sempre derrapando ao dobrar uma esquina, são exemplos clássicos.

O desenvolvimento tecnológico permitiu trilhos que evitavam a trepidação durante os movimentos e câmeras mais leves possíveis de serem carregadas e que dispensavam o uso do tripé. O cinema ganhou mais dinâmica: os “travellings” e a câmera na mão passaram a fazer parte da linguagem. Mais recentemente, o trilho foi ficando para trás com o advento do “steadicam”, um estabilizador de câmera inventado em 1974, em que o fotógrafo entra dentro de uma estrutura de contrapesos que estabiliza a imagem. Hoje, tudo ficou mais leve e portátil.

O primeiro filme comercial a usar o “steadicam” como linguagem creio que foi ‘O Iluminado”, de Stanley Kubrick, baseado em obra de Setphen King, com seus “travellings” aterrorizantes pelos enormes corredores de um gigantesco hotel vazio no inverno, enquanto o personagem de Jack Nicholson enlouquece.

Planos-sequências são algo comum no cinema. São vários os exemplos. Talvez o mais famoso seja o de abertura de “A Marca da Maldade” (1958), de Orson Welles, uma obra-prima. Hitchcock filmou “Festim Diabólico” sem cortes, em planos-sequências até onde os chassis dos negativos permitiam. Filmou em ambiente fechado, o que facilita o ensaio dos atores.

A novidade de “1917” é realizar um filme inteiro quase que em locação ao ar livre, com centenas de figurantes. Algumas sequências ocorrem somente entre os dois soldados, ou nos tuneis das trincheiras ou em uma fazenda francesa. É uma façanha. E retrata muito bem, com direção de arte impecável, as condições terríveis da “guerra de posição”, como ficou conhecida a tática empregada do avanço lento e progressivo das posições estratégicas na Primeira Guerra.

O problema pela ousadia do uso do plano-sequência do início ao fim do filme é que ele, por privilegiar o meio ambiente em que a ação se desenvolve, acaba por distanciar o espectador da emoção do personagem. Ele sobrevive a tiros, bombas, granadas, explosões, cadáveres em profusão, corpos em putrefação, incêndios, ratos famintos, amigos mortos, civis em condições degradantes, sodados mutilados. Apesar do cenário tétrico que a Primeira Guerra engendrou, a sensação de dever cumprido ao final do filme, quando o personagem consegue afinal descansar, se sobrepõe aos horrores da carnificina que vivenciou. Seu esgotamento psicológico é imenso, mas tem pouco espaço. Sua “corrida de obstáculos” terminou.

Tecnicamente o filme é incontestável. A direção das cenas que envolvem centenas de pessoas, sua coordenação de movimentos, merece aplausos. Só por isso o filme merece ser visto. Uma aula de como o cinema avança impulsionado pelos avanços tecnológicos, superando marcos referencias e permitindo o desenvolvimento da linguagem.

Recomendo.


Henrique Brandão: Grupo Especial de 2020 se destaca pela qualidade dos desfiles no Sambódromo

Independente de qual escola vencer o desfile do Grupo Especial de 2020 - cada um com sua preferida, que nem sempre é a que o júri escolhe -, salta aos olhos a qualidade dos enredos apresentados e, consequentemente, dos sambas cantados na avenida.

Uma mudança significativa em relação ate poucos anos atrás , quando muitas sambas, por conta dos temas que deveriam descrever, eram meros sambas de “exaltação”, na pior acepção que o termo pode ter, com quase descrições burocráticas das sinopses negociadas com eventuais patrocinadores.

O que se viu e ouviu no Sambódromo neste carnaval foram enredos criativos e, uma boa parte, autorreferentes. Mangueira, Tuiuti, Ilha e Tijuca usaram as comunidades de origem para contar suas histórias. Outras, falaram de personalidades com forte identificação com as localidades de onde surgiram as escolas, como Joãozinho da Gomeia ( Grande Rio) e Elza Soares (Mocidade). O Salgueiro exaltou o primeiro palhaço negro do Brasil. Os indígenas que habitavam o Rio antes da chegada dos portugueses foram cantados pela Portela. As Ganhadeiras de Itapuã, negras de ganho que compravam suas alforrias em Salvador, foi tema da Viradouro.

A criatividade destes enredos se refletiu nos sambas, com uma safra de alto nível.

Enfim, mesmo lutando contra a má vontade do poder público - principalmente do prefeito-bispo que demoniza o carnaval - as escolas saíram de suas zonas de conforto e foram buscar em suas raízes a chave para renovarem seus desfiles. Há muito não via um carnaval tão bom na Sapucaí.

A renovação que está acontecendo nas escolas, com o surgimento de uma nova geração de competentes carnavalescos antenados aos anseios da sociedade, infelizmente não é acompanhado pela forma como acontece hoje o acesso ao Sambódromo. Se as escolas se voltaram para suas histórias, valorizando sua gente , o público que frequenta hoje a Passarela do Samba está longe dessa identificação. Ao contrário, ano a ano os espaços se elitizam, os preços se tornam mais caros, e, pasmem, os cada vez mais comuns mega-camarotes têm entre suas atrações shows de vários gêneros musicais e DJs internacionais, com espaço menor para o samba em seu território de excelência.

É por isso que muitos sambas excelentes, como o da Mangueira este ano, o mais cantado dentre todos nos ensaios do pré-carnaval, têm uma recepção “fria”, abaixo do que merecia o lindo hino mangueirense. Se verificarmos a origem social da plateia, não é surpreendente que muitos não tenham cantado com a devida intensidade que o samba merece.

Se as escolas estão sabendo mudar -porque disto depende a sua própria sobrevivência- é importante que percebam também que o aceso ao Sambódromo precisa mudar. Como é um espaço público, cabe não somente às escolas, mas também à sociedade, pressionar o pode público no sentido de democratizar o ingresso para os desfiles. O espetáculo, e a sociedade, só têm a ganhar.

Henrique Brandão, fundador do bloco Simpatia é quase amor.