governo

Luiz Carlos Azedo: O espírito das leis

Foi um momento de inflexão na “judicialização” da política brasileira. O STF saiu da queda de braço entre Marco Aurélio e Renan menor do que entrou

“Dos três poderes acima mencionados, o judiciário é quase nada”, escreveu Montesquieu no Espírito das Leis, ao tratar da clássica divisão de poderes com o Executivo e o Legislativo, que perseguia um objetivo claro: a estabilidade dos governos. Segundo ele, a chave para alcançar esse objetivo era a moderação. A salomônica e “patriótica” decisão de ontem do Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu manter o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) na presidência do Senado, mas impedido de substituir Michel Temer como presidente da República, foi pautada pela moderação, para garantir a estabilidade política do país.

Todos os ministros concordaram que Renan está proibido de substituir Temer. Mas votaram para mantê-lo no cargo os ministros Celso de Mello, Teori Zavascki, Dias Toffoli, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e a presidente do tribunal, Cármen Lúcia. Acompanharam o relator Marco Aurélio Mello, autor da polêmica liminar que determinara o afastamento de Renan, os ministros Edson Fachin e Rosa Weber. Gilmar Mendes, em viagem ao exterior, e Luís Roberto Barroso, que se declarou impedido de julgar, não participaram da sessão. O primeiro havia criticado duramente a decisão de Marco Aurélio; o segundo, era a favor.

Foi um gesto de humildade dos ministros evitar o agravamento da crise entre o Congresso e o Judiciário, uma vez que a Mesa do Senado havia decidido não cumprir a liminar de Marco Aurélio e Renan, num gesto condenado pelos mesmos juízes que o mantiveram no cargo. Celso de Mello, que é o ministro com mais tempo de STF, foi o primeiro a votar pela permanência de Renan. Quando isso acontece, ou seja, o decano inicia a votação, geralmente há um acordo de maioria, anterior à realização da sessão.

Celso de Mello criticou Renan por não aceitar o afastamento provisório na segunda-feira, mas também questionou a liminar de Marco Aurélio, “medida extraordinária” em meio à “gravíssima crise que atinge e assola o nosso país”. A decisão parece um samba do crioulo doido, diria Stanislaw Ponte Preta (o genial Sérgio Porto, que hoje seria chamado de homofóbico, machista e racista), mas visou restabelecer a harmonia e o equilíbrio entre os poderes.

A propósito, a harmonia entre os poderes é tão importante para a democracia como para um bom desfile na Marques de Sapucaí. Certa vez, numa reunião da Caprichosos de Pilares, o veterano carnavalesco Luís Fernando Reis resumiu o quesito em duas palavras: bom senso. Na magia do samba, harmonia significa sintonia entre o puxador do samba e os figurantes, para a escola não “atravessar” o canto; e entre a bateria e a cadência do desfile, para as alas não se dispersarem. E na política?

É mais complicado. O Supremo julgou a situação de Renan após o ministro Marco Aurélio Mello ter determinado em decisão liminar (provisória), na segunda-feira, seu afastamento do cargo e ser duramente criticado por políticos e pelo ministro Gilmar Mendes. Com apoio da Mesa Diretora do Senado, Renan recusou a ordem judicial e ficou à espera de decisão final do Supremo. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, queria que o STF mantivesse a decisão. Marco Aurélio, no julgamento, chegou a dizer que não afastar Renan seria um “deboche institucional’ e a atitude de Renan de não aceitar uma ordem judicial, “intolerável, grotesca”.

Constrangimento
O voto de Celso de Mello, porém, foi mesmo salomônico: “Os agentes públicos que detêm as titularidades funcionais que os habilitam constitucionalmente a substituir o chefe do Poder Executivo da União, em caráter eventual, caso tornados réus criminais perante esta Corte, não ficarão afastados dos cargos de direção que exercem na Câmara, no Senado ou no Supremo Tribunal Federal. Na realidade, apenas sofrerão interdição para exercício do ofício eventual e temporário de presidente da República”. Renan Calheiros trucou e levou.

A nota que divulgou após a decisão foi um gesto de falsa humildade. As declarações da presidente do Supremo, Cármem Lúcia, ao final do julgamento, revelam constrangimento criado por Renan, que pôs uma saia justa no Supremo: “Ordem judicial há de ser cumprida. E há de ser cumprida para que a gente tenha a ordem jurídica prevalecendo e não o voluntarismo de quem quer que seja. Ordem judicial pode ser discutida, é discutida, há recursos – e no Brasil, excesso de recursos – para que isso possa acontecer.”

A decisão de ontem foi um momento de inflexão na chamada “judicialização” da política brasileira. O federalista Alexander Hamilton (1755-1804), um dos pais da Constituição norte-americana, a propósito da citação de Montesquieu que abre a coluna, dizia que “o judiciário é, sem comparação, o mais fraco dos três poderes; que nunca poderá enfrentar com êxito qualquer um dos outros dois; e que deve tomar todas as precauções possíveis para defender-se dos ataques deles”. O STF saiu dessa queda de braço entre Marco Aurélio e Renan muito menor do que entrou.

https://youtu.be/wEFGhplMd80


Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br


Luiz Carlos Azedo: Vastas emoções e pensamentos imperfeitos

Quem já estava achando que a Lava-Jato havia ultrapassado os limites, que se prepare: o strike vem agora

Tomo emprestado o título da coluna do livro de Rubem Fonseca sobre um cineasta sem nome, escolhido para fazer um filme inspirado no romance A Cavalaria Vermelha, de Isaac Bábel. O personagem vai se degradando ao longo da narrativa e se aproximando cada vez mais de uma moral marginalizada, até atingi-la por completo. É uma história completamente tresloucada, na qual se misturam cinema e literatura, sonho e realidade. Para mostrar a decadência moral do protagonista/narrador, o escritor utilizou todos os seus dotes de ensaísta, contista, romancista e roteirista. Ex-comissário de polícia e ex-professor de psicologia da Fundação Getulio Vargas, Rubem Fonseca bem que poderia escrever um romance sobre o impeachment da presidente Dilma Rousseff e a Operação Lava-Jato.

Ontem, o Ministério Público Federal anunciou o acordo de delação premiada de Marcelo Odebrecht, que se encontra preso, e mais 78 executivos da empresa. Fala-se em cerca de 200 políticos denunciados, dos quais seriam 20 governadores. “Passarinho que come pedra sabe o fiofó que tem”, diz o ditado popular. Há um clima de desespero no Congresso, uma vez que tal fato pode aniquilar a elite política do país. É uma espécie de efeito Orloff, no qual os políticos com mandato imaginam o próprio destino a partir dos colegas que estão presos porque perderam o foro privilegiado: José Dirceu, Antônio Palocci, Delcídio do Amaral, Eduardo Cunha e Sérgio Cabral, todos foram muito poderosos e são dignos de um romance de Rubem Fonseca.

Cada político reage de uma maneira, não existe um padrão de “gerenciamento de crise” para a Lava-Jato. O maior especialista no assunto, o jornalista Mario Rosa, foi um dos que viram a carreira desmoronar porque alguns de seus melhores clientes foram levados de roldão pelo escândalo e ele próprio se viu diante da necessidade de dar explicações sobre seu trabalho com eles. Agora, conta os bastidores dos escândalos que gerenciou num boletim eletrônico. O que será que se passa na cabeça dos políticos citados na delação? Embora seus nomes não tenham sido divulgados, sabem o que fizeram nos verões passados. Onde termina o caixa dois eleitoral e começa a lavagem de dinheiro e o enriquecimento ilícito?

Nos bastidores de Brasília, alguns atores já não conseguem esconder a depressão com essa situação. Diante da decadência moral, não estão apenas mergulhados, estão em crise pessoal, a ponto de preocupar os amigos. Por uma dessas coisas que só acontecem no Brasil, até agora, ninguém morreu. Não houve assassinatos de investigadores, promotores e juízes como na Itália. Não houve até agora nenhuma queima de arquivo, ninguém tentou o suicídio. “Isso é coisa da antiga, não existe mais isso”, ironiza um velho criminalista. Quem já estava achando que a Lava-Jato havia ultrapassado os limites, que se prepare: o strike vem agora.

Anistia geral

Como reagirão os políticos diante de tudo isso? Os mais enrascados articulam uma anistia ao caixa dois eleitoral de carona nas 10 medidas de combate à corrupção propostas pelo Ministério Público. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva partiu para o ataque frontal contra o juiz federal Sérgio Moro. Como seu prestígio eleitoral é cadente, faz uma campanha internacional com relativo sucesso, mas não a ponto de as autoridades da Suíça e dos Estados Unidos deixarem de subsidiar os procuradores brasileiros com a rota da grana desviada da Petrobras e das obras públicas.

O outro a encarar a situação é o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que pretende votar em regime de urgência o seu projeto de nova lei de abuso de autoridade. “Nenhum agente de Estado, de nenhum poder, está autorizado a usar suas atribuições legais para ofender, humilhar, agredir quem quer que seja”, argumenta. Renan quer revogar a legislação sobre abuso de autoridade em vigor, que é de 1965, e cria uma nova lei, com penas mais rígidas. A resposta veio do Supremo Tribunal Federal (STF), cuja presidente, ministra Cármem Lúcia, pautou o julgamento de Renan para a semana que vem. O presidente do Senado é acusado de receber dinheiro de empreiteira para pagar a pensão da filha fora do casamento.


Fonte: correiobraziliense.com.br


Estados podem receber cerca de R$ 5 bilhões em ajuda do governo

O presidente Michel Temer se reúne com os governadores amanhã para discutir soluções que ajudem os estados a fechar as contas deste ano. O Palácio do Planalto avalia uma série de possibilidades, dentre as quais antecipar ainda em 2016 uma parte dos recursos que o governo espera arrecadar com a reabertura do programa de repatriação em 2017. Integrantes do governo falam em cerca de R$ 5 bilhões.

Essa não é a solução preferida da equipe econômica, mas os técnicos admitem que as saídas são limitadas. O Ministério da Fazenda defende que estados em maior dificuldade, como o Rio, usem estatais para captar recursos no mercado financeiro. O ministro Henrique Meirelles já afirmou que o Rio Previdência, uma estatal não dependente, poderia fazer uma emissão dando como garantias direitos de royalties.

DISPUTA NO SUPREMO

O problema é que uma operação dessa natureza leva tempo para ser estruturada, e os estados precisam de dinheiro com urgência. O Banco do Brasil (BB) está montando a operação de captação do Rio Previdência. Segundo integrantes do mercado financeiro, isso pode levar seis meses. Assim, para compensar essa demora, os recursos da repatriação de 2017 entrariam logo no caixa dos governadores.

Além disso, a equipe econômica poderá desistir de disputas com os estados no Supremo Tribunal Federal (STF) por causa dos recursos arrecadados com a repatriação de 2016. No programa deste ano, que resultou em receitas de R$ 46,8 bilhões, a União só concordou em partilhar o valor arrecadado com o Imposto de Renda (IR), cerca de R$ 23,4 bilhões. A outra metade, que equivale a multa paga pelos contribuintes que legalizaram ativos do exterior, não foi dividida.

Por isso, os estados recorreram ao STF pedindo para ter acesso à multa e vários já conseguiram liminar favorável. A União está sendo obrigada a depositar o valor em juízo até que o mérito seja julgado. Vencer essa briga no Supremo, no entanto, não resolve o drama dos governadores, pois o valor é pequeno para o tamanho do problema. O Rio, por exemplo, deve receber cerca de R$ 150 milhões, mas tem um rombo superior a R$ 10 bilhões em 2016.

Os recursos da repatriação são partilhados com base nas regras do Fundo de Participação dos Estados (FPE), o que torna a divisão desigual. Estados do Sul e Sudeste têm uma participação menor em relação aos de Norte e Nordeste. Dessa forma, mesmo que os estados ganhem no STF, é preciso uma saída adicional.

A equipe econômica avalia o tema enquanto elabora o relatório bimestral de receita e despesas, que sai esta semana. Embora tenha conseguido uma folga com a repatriação, a margem do governo é pequena para ajudar os governos regionais por causa das necessidades orçamentárias.

SOCORRO PODE DEMORAR

Segundo fontes do mercado financeiro, a operação de socorro ao Rio que a Fazenda costura com o BB pode demorar até junho de 2017 para chegar nas mãos do estado. Além disso, o custo será alto, muito acima dos 6,45% ao ano, taxa cobrada pelos investidores na última captação de recursos no exterior, lastreada em royalties do petróleo. A avaliação é que a situação do Rio piorou e, portanto, o risco para o investidor é mais elevado.

Segundo interlocutores, só será possível contar com receitas a partir de 2021, pois os recursos a serem obtidos até lá já foram comprometidos em operação similar há dois anos. A duração da garantia, prazo em que Rio abrirá mão da arrecadação com royalties, também está em discussão e pode ficar entre 2022 e 2036 ou 2030. O BB deve fechar nesta semana um estudo sobre essas questões.

— A estruturação da operação é demorada, e a situação do Rio se agravou, pois o pacote de medidas de ajuste está praticamente suspenso. A liberação de recursos da repatriação ajuda — disse um interlocutor próximo ao governador Luiz Fernando Pezão.

Pezão vai participar do encontro de governadores na terça e deve se reunir com o presidente em separado. Também terá audiência com Meirelles. Mas os estados terão que ajustar suas contas e fazer as reformas necessárias.

O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, defende que o governo crie linhas de crédito especiais, desde que os estados adotem plano de ajuste fiscal, com cumprimento de metas para liberação dos recursos.


Fonte: gilvanmelo.blogspot.com.br


Luiz Carlos Azedo: O grande operador

O discurso em defesa da Petrobras serviu para a montagem do esquema de propina e financiamento de campanhas eleitorais

O juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, aceitou ontem a denúncia feita pelo Ministério Público Federal contra o ex-ministro Antônio Palocci e outras 14 pessoas, por crimes de corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia é um “case” de como funcionava o esquema de propina da Petrobras e da escala de desvio de recursos públicos para financiamento do PT e enriquecimento dos envolvidos. Foram pagos, segundo o MPF, R$ 252,5 milhões em propinas em 21 contratos de afretamento de sondas para exploração do pré-sal, por meio da Sete Brasil. A propina foi fixada em 0,9% sobre o valor total dos contratos: R$ 28 bilhões. Seis sondas foram negociadas com o Estaleiro Enseada do Paraguaçu, da Odebrecht.

Tal operação não seria possível se a Lei de Licitações não tivesse sido escanteada pelo “regime especial” criado para a contratação de obras e serviços pela Petrobras, a pretexto de dar agilidade à empresa nos seus investimentos e operações comerciais. Também não seria possível se não houvesse uma lei para favorecer a formação de empresas nacionais de tecnologia, estabelecendo a obrigatoriedade de componentes nacionais. E não ocorreria se o governo não tivesse financiado, a juros camaradas, a criação de estaleiros para salvar a indústria naval. Muito menos se não houvesse uma lei que obrigasse a Petrobras a ter 30% de participação na exploração do petróleo da camada pré-sal.

Ou seja, o discurso em defesa da Petrobras e da tecnologia nacional, de salvação da indústria naval e de estímulo aos “campeões nacionais” serviu para a montagem do grande esquema de desvio de recursos públicos e financiamento de campanhas eleitorais que quebrou a Petrobras e levou de roldão a economia do país. Naturalmente, pagando um pedágio altíssimo para seus operadores: “Conforme planilha apreendida durante a operação, identificou-se que entre 2008 e o final de 2013 foram pagos mais de R$ 128 milhões ao PT e seus agentes, incluindo Palocci. Remanesceu, ainda, em outubro de 2013, um saldo de propina de R$ 70 milhões, valores estes que eram destinados também ao ex-ministro para que ele os gerisse no interesse do Partido dos Trabalhadores”, afirma a denúncia.

A lista dos envolvidos não tem pé de chinelo: Antonio Palocci, Branislav Kontic, Marcelo Odebrecht, Fernando Migliaccio da Silva, Hilberto Mascarenhas Alves da Silva Filho, Luiz Eduardo da Rocha, Olivio Rodrigues Junior, Marcelo Rodrigues, Rogério Santos de Araújo, Monica Moura, João Santana, João Vaccari Neto, João Ferraz, Eduardo Musa e Renato Duque. Na época em que o escândalo da Sete Brasil estourou, a presidente Dilma Rousseff moveu mundos e fundos para tentar salvar a empresa, mas o rombo era grande demais.

Campanha eleitoral
Foi de um contrato da Sete Brasil que saíram as nove transferências feitas por Zwi Skornick, de US$ 500 mil cada uma, para contas mantidas no exterior em nome da offshore Shellbill, descobertas pela Lava-Jato, que levaram à prisão do casal de marqueteiros de Lula e Dilma: “Tanto João quanto Mônica tinham pleno conhecimento de que tais recursos haviam sido auferidos pelo Partido dos Trabalhadores em decorrência de crimes praticados contra a Petrobras”, diz a denúncia. “A utilização de tão refinada técnica de lavagem de dinheiro revelou claramente a consciência de ambas as partes de que os US$ 4,5 milhões eram produto de crime anterior e que, exatamente por isso, não poderiam ser repassados à campanha eleitoral da forma legalmente estabelecida.”

A casa começou a cair quando Pedro Barusco, ex-presidente da Sete Brasil, em delação premiada, entregou à Lava-Jato US$ 96 milhões que estavam escondidos em contas secretas ligadas a offshores. Foi um espanto na Petrobras, onde o montante passou a ser considerado pelos técnicos e executivos da empresa uma unidade de valor na hora de discutir projetos e orçamentos: “um barusco, dois baruscos…” Na verdade, o dinheiro não era só dele, era uma espécie de caixa 2 do esquema cujo principal operador seria Palocci.

O ex-ministro da Fazenda entrou na alça de mira dos investigadores da Lava-Jato quando o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, que acaba de se livrar da tornozeleira eletrônica, disse que, em 2010, o doleiro Alberto Yousseff lhe pediu R$ 2 milhões da cota de propinas do PP para a campanha presidencial da ex-presidente Dilma Rousseff. O pedido teria sido feito por encomenda de Palocci.


Fonte:

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-grande-operador/


Luiz Carlos Azedo: PSDB e PMDB levam a melhor

Um aspecto importante foram as dificuldades dos prefeitos candidatos à reeleição, como Luciano Rezende(PPS), em razão da crise econômica

O segundo turno das eleições municipais confirmou uma tendência de fortalecimento da base do governo nas eleições. Isoladamente, o PSDB foi o grande vitorioso do segundo turno, com a reeleição dos prefeitos Arthur Virgílio Neto, em Manaus (AM); Zenaldo Coutinho, em Belém (PA); Rui Palmeira, em Maceió (AL); e a eleição dos tucanos Marchezan Júnior, em Porto Alegre (RS), e Dr. Hildon, em Porto Velho (RO). Ainda nas capitais, o PMDB venceu em Goiânia (GO), com Iris Rezende; Florianópolis(SC), com Gean Loureiro; e Cuiabá (MT), com Emanoel Pinheiro.

Os dois partidos se enfrentaram em Porto Alegre, Cuiabá e Maceió, mas foi chumbo trocado. Nas demais capitais, houve pulverização partidária: Rafael Grega (PMN) venceu em Curitiba (PR); Alexandre Kalil (PHS) em Belo Horizonte (MG); Luciano Rezende (PPS) em Vitória; Marquinhos Trad (PSD) em Campo Grande; Edvaldo Nogueira (PCdoB) em Aracaju (SE); Geraldo Julio (PSB) em Recife (PE); Roberto Cláudio (PDT) em Fortaleza (CE); Edvaldo Holanda Júnior (PDT) em São Luiz (MA); e Clécio Veras (Rede) em Macapá (AP).

Nesse cenário, destaca-se a derrota de João Leite (PSDB) em Belo Horizonte, que enfraquece a posição do presidente do PSDB, Aécio Neves, embora o desempenho tucano nas capitais tenha sido tão espetacular no segundo turno quanto no primeiro. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, colheu vitórias importantes no ABC, com Paulo Serra em Santo André, contra Carlos Grana (PT); Orlando Morando em São Bernardo do Campo, contra Alex Manente (PPS); e em Ribeirão Preto, com Duarte Nogueira, que derrotou Ricardo Silva (PDT). Ou seja, o resultado acirrará a disputa interna pela candidatura do PSDB à sucessão de Michel Temer em 2018.

O PMDB foi a segunda força nas capitais e demais grandes cidades, mas nenhum nome desponta como alternativa para 2018. A derrota dupla de Eduardo Paes, que apoiou Marcelo Freixo (PSol) no segundo turno, tirou-o definitivamente do jogo; a eleição de Iris Rezende em Goiânia não resolve o problema da legenda. A única alternativa seria a reeleição de Temer, o que hoje é uma tese que implodiria a base do governo.

Outra variável importante são as vitórias do PDT em Fortaleza e São Luiz, que fortalecem a candidatura de Ciro Gomes e apontam para uma possível aliança da legenda com o PCdoB, que venceu em Aracaju. São cabeças de ponte para uma candidatura com apoio no Norte e Nordeste, que pode ser uma alternativa para o PT, caso se inviabilize a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que amarga a sua maior derrota eleitoral. Pela primeira vez, o PT não elegeu prefeito na região do ABC, seu reduto histórico. Lula ficou tão deprimido que sequer compareceu às urnas em São Bernardo, mesmo podendo votar nulo. PSDB e PPS disputaram o segundo turno na cidade.

Um balanço da eleição nos 57 municípios onde houve o segundo turno confirma a pulverização partidária: PSDB (14), PMDB (9), PPS (5), PSB (4), PDT (3), PR (3), PV (3), DEM (2), PRB (2), PSD (2), PTB (2), Rede (2), PCdoB (1), PHS (1), PMN (1), PTN (1), SD (1). Esse resultado está na contramão da reforma política que está sendo discutida no Congresso, que pretende restringir o número de partidos. O PMDB se aliou ao PT para controlar a comissão especial da reforma política na Câmara, que é presidida por Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA) e tem como relator o deputado Vicente Cândido (PT). Esse resultado deve aumentar a dificuldade para aprovação da reforma.

Ajuste fiscal
Um aspecto importante foram as dificuldades dos prefeitos candidatos à reeleição, como Luciano Rezende (PPS), em razão da crise econômica. Ficaram pelo caminho, por exemplo, no primeiro turno, Fernando Haddad (PT), em São Paulo, e Gustavo Fruet (PDT), em Curitiba. Todos que chegaram ao segundo turno, nas capitais, mesmo com dificuldades, conseguiram se reeleger. O impacto dessas dificuldades no debate eleitoral resultou na apresentação de propostas mais realistas. Na verdade, a crise financeira dos municípios se agravou e vai se complicar ainda mais com a aprovação do teto dos gastos públicos.

As cidades com mais de 200 mil eleitores são as que têm mais dinamismo econômico, num universo de 5.568 municípios, cuja maioria vive dos repasses federais. O Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF), calculado com base em dados de 2015 de 4.688 prefeituras, mostra que 87,4% delas estavam em situação entre difícil e crítica. Só 12,1% se encontravam em boas condições, sendo 0,5% cidades que apresentam uma situação fiscal robusta. Se os eleitos começarem a gestão fazendo o dever de casa, darão uma grande contribuição ao ajuste fiscal. Mesmo assim, as prefeituras sempre investiram mais e melhor na qualidade de vida das cidades do que os estados e a União.


Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br


Luiz Carlos Azedo: A democracia relativa

O PT foi apeado do poder porque não respeitou as regras do Estado de direito democrático. A responsabilidade fiscal faz parte dessas regras

Na época do regime militar, o projeto de institucionalização do autoritarismo no Brasil era uma espécie de “mexicanização” do país, na qual o “dedazo” do Partido Revolucionário Institucional (PRI) seria substituído por um presidente civil, a ser ungido no Congresso pela antiga Arena, depois de indicado pelos militares. Dizia-se que o Brasil tinha uma “democracia relativa” e que a abertura política do governo do general Ernesto Geisel poderia resultar na passagem do poder para um presidente civil. O grande artífice desse projeto era o político piauiense Petrônio Portela, presidente do Senado. A estratégia começou a fazer água com o resultado das eleições de 1974, quando o MDB, o único partido de oposição, teve uma vitória espetacular nas urnas. Com mão de ferro, Geisel indicou outro general como sucessor: João Batista Figueiredo.

Portella, que aspirava à Presidência, porém, não desistiu da abertura política. No novo governo, foi ministro da Justiça e negociou com a oposição, cada vez mais forte nas ruas e nas urnas, a Lei de Anistia e a volta do pluripartidarismo. Era o candidato natural do PDS (a antiga Arena havia mudado de sigla) à sucessão de Figueiredo, mas teve um infarto e morreu em 1980. O candidato do PDS foi Paulo Maluf, que impôs seu nome aos militares. Porém, foi derrotado no colégio eleitoral pelo governador mineiro Tancredo Neves (PMDB), lançado logo após a derrota das Diretas Já, cuja campanha fora liderada por Ulysses Guimarães. Tancredo morreu antes de tomar posse, e quem assumiu a Presidência foi o vice, José Sarney, oriundo do PDS, que convocou a Assembleia Nacional Constituinte da qual resulta a atual Constituição. Essa história é bem contada na série A Ditadura, de Elio Gaspari, cujo quinto volume, A Ditadura Acabada (Intrínseca), foi lançado neste ano.

Do golpe de 1964 à Constituinte, houve dois grandes debates na esquerda brasileira. O primeiro, quanto à natureza do regime: seria fascista ou bonapartista? Os que o consideravam fascista defendiam uma ampla aliança em defesa da redemocratização do país. Para quem o julgava bonapartista, a tática era organizar uma frente popular contra o regime, cuja derrubada deveria se confundir com a revolução socialista. Os primeiros defendiam a participação nas eleições e o apoio ao MDB; os segundos pregavam o voto nulo. A questão da luta armada, que dividiu a esquerda, decorria mais da avaliação de que João Goulart só foi deposto porque não houve resistência armada ao golpe, ao contrário do que aconteceu na renúncia do presidente Jânio Quadros.

Essas divergências foram sendo progressivamente ultrapassadas pelo processo político real. Refletiam um choque de concepções cujo eixo é a maneira de encarar a democracia e seus valores. Para alguns, a “democracia burguesa” é uma mera contingência, na qual se deve utilizar as liberdades e direitos para chegar ao poder e implantar um regime socialista. Uma vez no governo, a tarefa seria direcionar a intervenção do Estado para consolidar sua hegemonia política e promover transformações anticapitalistas. Para outros, não: a democracia é um valor universal e toda e qualquer reforma econômica e social deve respeitar seus pressupostos.

Regras do jogo

Essa discussão está de volta, num contexto completamente diferente, ou seja, sem “guerra fria” e ditadura. Foi “exumada” nos governos Lula e Dilma, a partir da simbiose entre o nosso “capitalismo de laços” e o projeto de “capitalismo de Estado” nacional desenvolvimentista, pela via do neopopulismo. Essa experiência derivou para um misto de transformismo político e degeneração moral do PT e suas principais lideranças. Com o impeachment de Dilma Rousseff, o fracasso tornou inevitável um ajuste de contas entre as forças que davam sustentação ao projeto. Mas esse debate está sufocado pela narrativa do “golpe parlamentar”, a tentativa de caracterizar a Operação Lava-Jato como a “fascistização” do país e a defesa do lulismo como falacioso “Estado de bem-estar social”. É uma tentativa, com sinal trocado, de caracterizar o Estado de direito brasileiro como uma “democracia relativa”.

O resultado das eleições municipais é uma resposta da sociedade a esse engodo. O PT foi apeado do poder porque não respeitou as regras do Estado de direito democrático. A responsabilidade fiscal faz parte dessas regras, assim como o combate à corrupção e aos meios ilícitos para chegar e se manter no poder. O apoio popular à Operação Lava-Jato sinaliza na mesma direção para outros atores políticos. É nesse contexto que a discussão sobre o teto dos gastos públicos ganha nova dimensão. A necessidade de submeter as despesas primárias da União a um teto determinado pelos gastos do ano anterior corrigidos pela inflação ergue um muro contra a ineficiência, o populismo, o clientelismo e o patrimonialismo; ao aparelhamento do Estado pelas corporações e oligarquias. É um bom debate sobre a escolha de prioridades, o velho conflito distributivo e a relação entre o Estado e a sociedade —- de acordo com as regras do jogo democrático.


Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/azedo


Mario Vargas Llosa: A paz possível

A vitória do ‘não’ no plebiscito da Colômbia não significa que se tenha de voltar à guerra, mas que é necessário buscar um novo acordo

Um tanto mareados pelos fastos da espetacular mobilização com que se festejou a assinatura do Acordo de Paz entre o Governo colombiano e as FARC, os partidários do sim tivemos uma maiúscula surpresa quando, desmentindo todas as pesquisas, o nãose impôs no plebiscito. O mais desconcertante daquela consulta não foram os poucos milhares de votos que derrotaram os que estavam a favor, mas os quase 63% de eleitores que se abstiveram de ir votar.

Convém fazer um esforço e julgar aquele resultado com a cabeça fria. É evidente que não há nem pode haver três quartas partes da Colômbia em favor dessa guerra que, há mais de meio século, causa estragos no país, com os milhares de mortos e feridos, os sequestrados e chantageados, o terrorismo, o obstáculo que significam para a vida econômica as vastas regiões paralisadas pelas ações armadas, a insegurança reinante e a letal aliança da guerrilha e o narcotráfico, fonte abundante de corrupção institucional e social. O voto negativo e a abstenção não implicam uma rejeição à paz; manifestam ceticismo profundo diante da natureza do acordo firmado, no qual, com razão ou sem ela, uma grande maioria dos colombianos vê as FARC como a grande vencedora da negociação e beneficiária de concessões que lhes parecem desmedidas e injustas.

Não tem sentido discutir se esta opinião sobre o tratado de paz é justa ou injusta, porque os defensores de qualquer alternativa jamais se colocarão de acordo a respeito. Em uma democracia uma maioria pode acertar ou se enganar, e o veredito de uma consulta eleitoral, se é legítimo, tem de ser respeitado, gostemos ou desgostemos. Nisso reside a própria essência da cultura democrática.

Isto significa que a guerra deve inevitavelmente regressar à Colômbia? Em absoluto. As reações tanto do Governo como das próprias FARC indicam que nem um nem outro pensam assim. De sua parte, os próprios líderes dos partidos que promoveram o não —os ex-presidentes Uribe e Pastrana— insistem em que sua oposição ao acordo não era à paz, mas a uma paz injusta, à qual atribuíam concessões excessivas à guerrilha, sobretudo no concernente à impunidade para os autores de delitos de sangue e dos “crimes contra a humanidade”, assim como os privilégios que as FARC obteriam em sua mutação de movimento subversivo para força política legal. Isto significa que resta sempre uma oportunidade para a paz. Basta que prevaleça em ambas as partes certo espírito pragmático e uma pitada de boa vontade.

Para mim, em meio à inquietação que o resultado do plebiscito me produziu, me levantou um pouco o ânimo –mais ainda que as palavras alentadoras com que Timochenko comentou o resultado da votação– ver os chefes guerrilheiros, em Havana, com suas impecáveis guayaberas, seus charutos entre os dedos e, talvez, os copos de rum ao alcance da mão, acompanhando com expectativa a contagem dos votos. Não era o espetáculo de combatentes nostálgicos da dura e sacrificada vida das montanhas e da intempérie, mas a de um grupo de homens envelhecidos e cansados, talvez conscientes no fundo de seus corações (embora nunca o reconheceriam) de que aquilo que representam já está fora do tempo e da história, condenado irremediavelmente a desaparecer. Se não fosse assim, não teria havido Acordo de Paz. E pode voltar a haver, com a condição de que as partes tirem as conclusões adequadas da consulta democrática que acaba de ocorrer.

A primeira delas é que a popularidade das FARC, que em alguns momentos do meio século transcorrido chegou a ser alta, caiu vertiginosamente, e que uma clara maioria do povo colombiano não acredita mais no que fazem nem no que dizem. E que sua aspiração máxima é que não só deixem as montanhas e a selva como também a vida política. Isso significa que os antigos guerrilheiros precisarão fazer muitos esforços e ter uma dedicação real à atividade política pacífica para recuperar um papel importante na Colômbia do futuro.

Os partidários do não, ganhadores do plebiscito, não devem deixar-se ofuscar pela vitória e têm que demonstrar com fatos que, efetivamente, querem a paz. Uma paz melhor que a que o Acordo de Paz propunha, mas a paz, não de novo a guerra. Isso implica negociar, fazer e conseguir concessões do adversário, algo perfeitamente realista, sob a condição de que não confundam o triunfo do não com FARC derrotadas às quais se pode humilhar e impor toda classe de exigências.

Será difícil chegar a esse novo acordo, mas não é impossível. Não ainda. Foi conseguido na América Central e na Irlanda do Norte, onde aqueles que se matavam com ferocidade sem igual há poucos anos hoje coexistem e, a duras penas, se aclimatam à democracia. O importante é estar consciente de que a velha ideia-força, que nos anos sessenta e setenta mobilizou tantos jovens, de que a justiça social está nos fuzis e nas pistolas é agora letra definitivamente morta. Aqueles que morreram fascinados por essa ilusão messiânica não contribuíram nem um pingo para diminuir a pobreza e as desigualdades e só serviram de pretexto para que se entronizassem atrozes ditaduras militares, morressem milhares de inocentes e se retardasse ainda mais a luta contra o subdesenvolvimento. Na América Latina tem renascido, em meio desse sabá de revoluções e contrarrevoluções, a ideia de que, no final das contas, a democracia é o único sistema que traz progresso de verdade, interrompe a violência e cria condições de coexistência pacífica que permitam ir dando solução aos problemas. É menos vistoso e espetacular do que queriam os impacientes justiceiros, mas, julgando com os pés bem assentados sobre a terra, quais são os modelos revolucionários bem-sucedidos? A trágica e letárgica Cuba, da qual milhões de cubanos continuam tentando escapar, custe o que lhes custar? A destroçada Venezuela, que morre literalmente de fome, sem medicamentos, sem trabalho, sem luz, sem esperanças, sequestrada por um pequeno bando de demagogos e narcotraficantes?

Os partidários do não que agitavam o espectro de uma Colômbia que poderia tornar-se “castrochavista” se o sim vencesse sabiam muito bem que isso não era verdade. Se em algum momento “o socialismo do século XXI” exerceu alguma influência na América Latina, isso já ficou muito para trás, e, dado o estado calamitoso ao qual levou a Venezuela, o chavismo se transformou, sim, no exemplo luminoso do que não se deve fazer se se quer viver com paz e liberdade, e progredir.

A Colômbia continuou sendo uma democracia no pouco mais de meio século que a guerrilha durou, e isso já é um mérito extraordinário. Um esforço a mais, de todos, para que a paz seja possível.


Fonte:


Luiz Carlos Azedo: Cunha e a Lei de Dostoiévski

O ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) foi preso preventivamente ontem, por ordem do juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, a pedido do Ministério Público Federal, que temia a sua fuga para o exterior por ter passaporte italiano. Sua prisão teve grande repercussão no Congresso, embora fosse esperada desde a sua cassação.
Os procuradores usaram os mesmos argumentos utilizados junto ao ministro-relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Teori Zavascki, para afastá-lo do comando da Casa, o que foi decidido ‘excepcionalmente’ pelo Supremo. Agora, afirmaram que o político “ainda mantém influência sobre seus correligionários, tendo participado de indicações de cargos políticos do governo Temer”.
Segundo eles, Cunha “não poupou esforços para embaraçar as investigações” e seu poder “não diminuiu após ter deixado a Câmara”. Há um certo exagero na afirmação, mas não há dúvida de que Cunha continua tendo certa influência, embora menor do que aquela que tinha antes. Pesou também na decisão de Moro a acusação feita pelos procuradores de que Cunha teria indicado aliados para cargos estratégicos no governo. Na petição encaminhada ao juiz federal de Curitiba (PR) Sérgio Moro, citaram, como exemplo, a nomeação de Maurício Quintela para o Ministério dos Transportes. Segundo a denúncia, o parlamentar ainda tentou indicar um apadrinhado para cargo estratégico na Receita Federal.

Moro, porém, negou a apreensão dos carros de luxo de Cunha e de seus familiares – Porsche Cayenne(2013), Porsche Cayenne (2006/2006), Land Rover Freelander (2007/2008), Hyundai Tucson (2008/2009), Volkswagen Tiguan (2010/2011), Volkswagen Passat Variant (2003/2004), Ford Edge (2013) e Ford Fusion (2013) –, mas bloqueou a transferência dos veículos. Também negou nova busca e apreensão na casa do ex-presidente da Câmara, porque essa operação já havia sido feita por ordem do STF. Moro não viu necessidade de nova busca.
A prisão provocou uma espécie de barata-voa na Câmara, onde os aliados de Cunha já se articulam para fazer o sucessor de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na Presidência da Casa. Na eleição passada, foram derrotados porque o parlamentar carioca se articulou com a antiga oposição e com o PT. Além disso, os ex-aliados que votaram pela cassação de Cunha temem que o parlamentar, uma vez preso por tempo indeterminado, acabe recorrendo à delação premiada, como fez o ex-líder do governo Dilma no Senado, Delcídio do Amaral (ex-PT-MS).

Cunha destacou-se no parlamento como hábil negociador de projetos de natureza econômica e financeira, fazendo a interlocução entre grandes empresas, parlamentares e o próprio governo para aprová-los. Sua prisão se deu em razão da Operação Lava-Jato, mas seu envolvimento no caso é apenas a ponta de um iceberg. O mandato de quem recebeu dinheiro de Cunha para campanha pode subir no telhado.
Apesar da tensão no Palácio do Planalto, o presidente Michel Temer está blindado constitucionalmente: não pode ser investigado por fatos anteriores ao mandato, mesmo que Cunha faça alguma acusação contra ele. Mas a prisão do ex-presidente da Câmara serve também de aviso para o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), cujo afastamento do cargo e prisão já foram pedidos três vezes pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Todos foram negados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por falta de razões juridicamente robustas. Renan não cometeu os mesmos erros de Cunha, não aceitou um confronto aberto com o MPF. Articula nos bastidores do Congresso uma lei contra o abuso de autoridade e uma anistia para quem praticou “caixa dois eleitoral”. Porém, responde a meia-dúzia de processos no STF e deve deixar o comando do Senado em fevereiro, para assumir a liderança do PMDB. O novo cargo é poderoso, mas não na relação entre os poderes. Renan virou uma espécie de bola da vez entre os políticos investigados pela Lava-Jato.

Sabe o que fez

Durante o fim de semana, militantes petistas espalharam nas redes sociais o boato de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seria preso por Moro e chegaram a fazer uma vigília na porta do prédio onde o petista mora, em São Bernado do Campo. A prisão de Cunha funcionou como uma espécie de anticlímax para a mobilização, esvaziando o discurso de que o foco do magistrado era o PT. Lula chegou a escrever um artigo denunciando as investigações como perseguição política, com o objetivo de inviabilizar sua candidatura presidencial. Também deflagrou uma campanha internacional.
Pesquisa CNT/MDA divulgada ontem pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) mostra Lula com 11,4% de intenções de voto na resposta espontânea e, na forma induzida, de 24,8% a 27,6 %. Nas simulações de segundo turno, porém, perderia para Aécio Neves (PSDB-MG (37,1% a 33,8%) e para Marina Silva (35,8% a 33,2%). Mas venceria do presidente Michel Temer (37,3% a 28,5%). O discurso no qual Lula se vitimiza na Lava-Jato, porém, não cola. É aí que entra a lei de Fiódor Dostoiévski, autor de Crime e Castigo, o clássico russo da Literatura Universal. Lula se comporta como um Raskólnikov ao ter tanta certeza de que será preso antes mesmo de ser julgado.


Fonte: correiobraziliense.com.br


Fim da era PT e perspectiva de reformas fiscais melhoram estimativas para a economia

Otimista, mercado melhora estimativas para economia no ano que vem

Perspectiva de reformas elevam projeções à alta de 1,3% e queda de juro

MARCELLO CORRÊA – O Globo

A perspectiva de reformas econômicas no Brasil fez surgir uma maré de otimismo entre analistas de mercado. Desde abril — quando foi aberto o processo de impeachment de Dilma Rousseff — as projeções para o crescimento do PIB em 2017 têm sido revisadas para cima constantemente. Passaram de alta de 0,3%, naquele mês, para expansão de 1,3%, segundo relatórios do boletim Focus. Até agora, boa parte desse movimento foi impulsionado pela esperança de que o governo de Michel Temer tem mais capacidade de aprovar medidas de ajuste fiscal do que o de Dilma.

Nesta semana, essa aposta em um futuro melhor será testada: o Comitê de Política Monetária (Copom) decidirá se começa, já a partir deste mês, um aguardado processo de corte de juros, ligado diretamente à expectativa de equilíbrio das contas públicas e que ganhou um impulso extra, após o corte de preços de combustíveis anunciado pela Petrobras na sexta-feira. O início do alívio monetário é considerado por analistas o gatilho para um ciclo virtuoso na economia. Financiamentos menos salgados facilitariam a vida de investidores e empresários que, no fim das contas, voltarão a contratar. Hoje, o Brasil tem cerca de 12 milhões de desempregados e a indústria, primeiro setor a sentir mais fortemente os efeitos da crise, ainda patina.

INFLAÇÃO AINDA É OBSTÁCULO

É com base nessa previsão de reversão de tendências que as estimativas estão se baseando. Luis Otavio Leal, economistachefe do banco ABC Brasil, é um dos que espera retomada forte no ano que vem. Ele espera crescimento de 1,5% em 2017 e, para a reunião do Copom, estima um corte de, no mínimo, 0,25 ponto percentual e não descarta uma redução mais profunda, de 0,5 ponto percentual. A taxa Selic está em 14,25% ao ano desde julho de 2015. — Começou a ter uma expectativa de que se o impeachment fosse efetivamente votado, o novo governo já entraria legitimado por essa quantidade de votos — explicou Leal. Em relatório divulgado na última semana, antes da votação da PEC dos gastos, o Itaú Unibanco projeta crescimento econômico de 2% em 2017 e retração de 3,2% neste ano.

O banco destaca o peso da perspectiva de reformas para o cenário favorável. Cita o início da votação das reformas fiscais, o possível corte dos juros (estimado pelo banco em 0,25 ponto) e a inflação que deve dar sinais mais claros de desaceleração. O documento também põe na conta os dados negativos da indústria, cuja produção encolheu 3,8% em agosto. Para o Itaú, os números devem ser revertidos e já há sinais de recuperação constante: “(…) os fundamentos seguem sugerindo que a produção deve aumentar à frente”, afirma o banco, citando a queda nos estoques e a expectativa de elevação.

Para a economista Silvia Matos, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas, os dados mostram que a expectativa de crescimento ainda não está ancorada em melhora efetiva da atividade econômica. A pesquisadora está na ponta mais pessimista das projeções, e prevê só 0,6% de alta do PIB em 2017. Ela calcula que, para que seja alcançado um expansão de 1,6% no ano que vem, como estima o governo, seria necessário que o país crescesse, em média, 0,8% por trimestre.

O cenário é considerado improvável pela economista, que espera altas de 0,3% a 0,4% no primeiro semestre, e avanços maiores na segunda metade do ano: — O grande obstáculo que a gente ainda não transpôs é a inflação. A gente já começa com projeções de 5,8% de administrados para o ano que vem, e temos riscos de governos começarem a aumentar imposto. Apesar de perspectiva de melhora, a conta não fecha no fiscal. Não dá para descartar alta de impostos, inclusive em governos estaduais.

“NÃO ESTAMOS A SALVO DE RECAÍDA”

Para Alberto Ramos, do Goldman Sachs, é clara a tendência otimista do mercado, inclusive de investidores estrangeiros, e a aprovação da PEC intensifica isso. Mas não significa que os problemas acabaram. Ele espera um queda de juros de 0,25 ponto Enquanto isso, se as incertezas se dissipam no curto prazo, um fantasma ainda preocupa os estrangeiros, destacam economistas em contato com investidores internacionais: as eleições de 2018. — Há uma janela de oportunidade para aprovar essas medidas no Congresso, que termina no fim de 2017. Em 2018, o Congresso estará distraído e ocupado com outras coisas. Hoje não conhecemos o mapa político de 2018. A gente não sabe o que vem por aí — afirma Ramos.

Ele lembra ainda que há risco de frustração de expectativas: — Se essa esperança não se concretizar, tudo que poderia ser ganho, pode claramente reverter. Não significa exatamente que volta a contrair a um ritmo acelerado. Mas se o mercado perder a esperança, 2017 pode ser outro ano de estagnação. Não é o que se espera, mas é um risco. Essa expectativa é condicionada a que se avance na agenda fiscal. Por isso, é perigoso se o mercado desenvolver algum sentido de complacência. Não estamos a salvo de uma recaída, e acho que o governo está ciente disso.


Fonte: pps.org.br


Freire diz que aumento da aprovação do governo Temer representa reconhecimento no combate da crise

O presidente nacional do PPS, deputado Roberto Freire (SP), afirmou que o apoio da sociedade ao governo de Michel Temer começa a aumentar ao comentar pesquisa da Ipsos, divulgada nesta quinta-feira (13), que indica crescimento da aprovação da nova gestão. De acordo com o levantamento, o índice de aprovação subiu nove pontos atingido 30% enquanto que a reprovação caiu 8 pontos percentuais.

“As pesquisas de avaliação do governo Temer começam a demonstrar aquilo que era esperado pelas forças que apoiaram o impeachment de Dilma. Não poderia, como num passe de mágica, termos um governo com índices altíssimos de aprovação da sociedade brasileira. Começa a ficar evidente aquilo que a própria experiência histórica havia demonstrado no governo Itamar. Um governo que surge de um impeachment traz uma carga de responsabilidade tão grande que necessariamente tem aspectos positivos. Isso está se evidenciando”, disse

Freire lembrou ainda que o eleitorado deu um claro recado nas urnas ao eleger candidatos que apoiaram o impeachment da ex-presidente.

“Um governo que está enfrentando, com muita determinação, a questão da crise econômica. Além disso, demonstrou ter capacidade de superar a crise política no relacionamento entre o Executivo e o Legislativo. Isso Temer faz com maestria, até mesmo pela sua larga experiência como parlamentar e, em algumas oportunidades, como presidente da Câmara dos Deputados. A partir desta boa articulação política, ele iniciou o enfrentamento da crise econômica. Um outro elemento positivo foi a demonstração do eleitorado que deu ampla vitória às forças favoráveis ao impeachment e a fragorosa derrota daqueles que defendiam o governo do PT”, destacou.

O parlamentar apontou que a nova gestão tem apresentado medidas para combater o desmantelo nas contas públicas deixado pelo governo Dilma e citou a aprovação da PEC que estabelece limites dos gastos no orçamento que, na sua avaliação, representa o primeiro grande passo no combate da crise.

“O crescimento do índice de confiança tende a aumentar no momento que começa a surgir pontos positivos na própria superação da crise econômica. Já existem dados positivos relacionados ao aumento do índice de confiança de investidores e consumidores. Há indicadores que apontam para uma efetiva confiança de que vamos enfrentar e superar a crise econômica. Não será uma tarefa fácil e nem será resolvida a curto e médio prazo. Vai demorar um pouco, mas já demos início a esse processo”, defendeu.

A pesquisa

A pesquisa Ipsos apontou que a aprovação de Michel Temer subiu nove pontos percentuais em setembro e fechou o mês em 30%. Já a desaprovação do novo governo registrou queda de 8 pontos e ficou em 60%.

Além disso, o levantamento mostrou o nível de favorabilidade de reformas propostas pelo novo governo. Quatro em cada dez entrevistados (41%) se disseram a favor de que haja mudanças no sistema previdenciário e 43% se mostraram favoráveis a alterações trabalhistas. As outras possibilidades de mudanças foram reforma política (56% a favor), reforma da educação (52% a favor), em programas sociais (46%) e reforma tributária (41%).

A pesquisa foi realizada entre 6 e 16 de setembro em 72 cidades brasileiras com 1.200 entrevistas presenciais. A margem de erro da pesquisa é de três pontos percentuais.


Fonte: pps.org.br


Luiz Carlos Azedo: Entre a cruz e a espada

O Rio de Janeiro marcha para um cenário de muita confusão política, em meio à recessão e ã crise fiscal

O segundo turno das eleições no Rio de Janeiro merece uma reflexão mais profunda sobre seus significados na política nacional. O embate entre o senador Marcelo Crivella (PRB) e o deputado estadual Marcelo Freixo (PSol) sinaliza uma disputa na qual os grandes protagonistas da política nacional — PMDB, PSDB e PT — estão fora do jogo. Entram em cena, de um lado, o dogmatismo de natureza religiosa, representado pelo pastor da Igreja Universal do Reino de Deus; de outro, o dogmatismo ideológico de esquerda, representado pelo PSol.

Depois da derrota acachapante do PT em todo o território nacional, a do prefeito Eduardo Paes (PMDB) — cujo candidato à sucessão, deputado Pedro Paulo (PMDB), ficou de fora do segundo turno, mesmo com o sucesso das Olimpíadas — antecipa um cenário que pode se repetir na política nacional em 2018. Um eventual colapso do governo Temer levaria de roldão não somente o PMDB, mas também o PSDB. Esse risco não decorre apenas da situação da economia, mas em razão do desgaste que ambos os partidos podem sofrer com a Operação Lava-Jato, vide o desastre eleitoral petista.

Em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) promoveu uma ruptura com as lideranças políticas tradicionais, inclusive do seu próprio partido, com a candidatura bem-sucedida do empresário João Doria. No Rio de Janeiro, o que se observa é a aparente exaustão do PMDB, partido que deu as cartas na política do estado desde 2006. Ocorre que seus adversários tradicionais, o PT, o DEM, o PSDB e o PDT, também têm lideranças desgastadas ou incipientes. Sem alternativas ao centro, o eleitorado foi polarizado por duas candidaturas dogmáticas, uma de direita e outra de esquerda; os candidatos de centro-esquerda, centro e centro-direita acabaram descartados pelos eleitores.

Evangélicos

A presença de lideranças evangélicas na política não é nova e chegou ao protagonismo no Congresso após a eleição do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à Presidência da Câmara, da qual foi afastado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sendo, posteriormente, cassado pelos próprios colegas, em razão de seu envolvimento no escândalo da Petrobras. As características do senador Crivella, porém, são diferentes, do ponto de vista das condutas pessoal e política. Crivella não se tornou evangélico para ocupar espaço numa fatia do eleitorado. É representante orgânico de uma poderosa facção religiosa. Sua candidatura ultrapassa os limites da busca de simples representação parlamentar para representar um ambicioso projeto de poder político.

Sem preconceitos, essa projeção de Crivella é decorrência da presença das igrejas evangélicas e pentecostais nas comunidades pobres de todo o país, em particular no Rio de Janeiro, onde exercem um papel crescente na organização da vida comunitária e preservação dos costumes e da estrutura familiar tradicionais. Não é pouca coisa, diante do cenário de violência e degradação social que predomina nessas comunidades, a maioria desassistida pelo Estado e controlada por milícias e traficantes. Crivella, porém, não tem o perfil do fanático religioso, embora seja o mais orgânico dos representantes de sua igreja. Para se eleger, fará um discurso laico e buscará alianças ao centro.

Socialistas

Freixo representa os setores radicalizados da classe média carioca, principalmente dos servidores públicos e funcionários de empresas estatais. Seu partido, o PSol, é formado por lideranças de esquerda que romperam com o Partido dos Trabalhadores depois do escândalo do mensalão, com um discurso socialista radical impregnado de dogmatismo marxista. Sua projeção política não decorre só do ardor dos militantes de sua campanha, mas da forte atuação parlamentar em defesa dos direitos humanos, das minorias e contra a violência urbana.

Os votos tradicionais da esquerda carioca, pautada pelo velho nacionalismo e por uma visão estatizante, concentrados do Grajaú ao Leblon, porém, não são suficientes para Freixo vencer o pleito. É necessário que ele amplie alianças em direção ao centro, aproveitando o fato de que o PMDB, o PSDB e o DEM foram batidos no primeiro turno. Essa foi a oportunidade que faltou aos candidatos de esquerda que maior projeção conquistaram em pleitos anteriores, Denise Frossard (PPS) e Fernando Gabeira (PV). Ocorre que os militantes do PSol não aceitam essa inflexão política, confundindo o que seria o “aggiornamento” da candidatura com o “transformismo” petista que tanto criticam.
O Rio de Janeiro marcha para um cenário de muita confusão política. Imaginem uma cidade cujo hino é uma marchinha de carnaval governada por um prefeito guardião da família e dos seus costumes, diante de uma oposição aguerrida, que reunirá movimentos sociais, intelectuais e artistas, ou um prefeito radical, contra os principais meios de comunicação e a favor da estatização dos serviços públicos, em meio à recessão e uma crise fiscal sem precedentes no estado. Ou seja, o Rio está entre a cruz e a espada.


Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br


Ives Gandra da Silva Martins: Parlamentarismo, um sistema bem-sucedido

Com exceção dos Estados Unidos, o presidencialismo nas Américas tem sido um permanente fracasso. Todos os países que o adotaram tiveram golpes de Estado, revoluções e períodos de uma frágil democracia.

Se analisarmos, depois da 2.a Guerra Mundial os principais países sul-americanos foram agitados por rupturas institucionais e regimes de exceção. Assim, Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Bolívia, Peru, Venezuela, Cuba, etc., passaram por rupturas democráticas e pela implantação de regimes de força.

O Brasil, que viveu 42 anos no sistema parlamentar monárquico, desde 1889 jamais teve um período tão longo de estabilidade. De 1889 a 1930, foram 41 anos interrompidos pela ditadura Vargas (de 1930 a 1945). O período de 1946 a 1964 (18 anos) terminou com a revolução de 31 de março. A redemocratização de 1985 deu início a um período de 31 anos, com dois impeachments presidenciais e alta instabilidade. Os governos dos presidentes Lula e Dilma Rousseff levaram o País à crise econômica sem precedentes em sua História, com queda assustadora do PIB, 11,5 milhões de desempregados, retorno da inflação e fantástico nível de corrupção.

Decididamente, o presidencialismo não é um bom sistema, pois confunde o chefe de Estado com o chefe de governo e este, quando eleito, se sente dono do poder, transformando-o, o mais das vezes, numa ditadura a prazo certo.

Presidi entre 1962 e 1964, na cidade de São Paulo, o extinto Partido Libertador, o único partido autenticamente parlamentarista entre os 13 existentes até o Ato Institucional n.° 2. Declarava Raul Pilla, seu presidente nacional, ser o parlamentarismo o sistema de governo da “responsabilidade a prazo incerto”, pois, eleito um chefe de governo irresponsável, por voto de desconfiança é alijado do poder, sem traumas. O presidencialismo, ao contrário, considerava Pilla, é o sistema “da irresponsabilidade a prazo certo”, pois, eleito um presidente incompetente ou corrupto, só pelo traumático processo do impeachment é possível afastá-lo.

Vejamos, por exemplo, o Brasil atual. Desde 2014 os sinais de fracasso do modelo econômico adotado eram evidentes, mas só houve consenso em iniciar o processo de impeachment em meados de 2016.

Arend Lijphart, professor da Universidade Yale, publicou um livro, em 1984, intitulado Democracies: Patterns of Majoritarian & Consensus Government in Twenty-one Countries. Examinou o sistema dos 21 principais países do mundo onde não houvera ruptura institucional depois de 2.a Guerra Mundial e encontrou 20 hospedando o parlamentarismo e só os Estados Unidos presidencialista.

Historicamente, os dois sistemas têm origem na Inglaterra, o parlamentar (1688/89), e nos Estados Unidos, o presidencial (1776/87). A própria influência inglesa nas 13 colônias levou os norte-americanos a adotar um sistema presidencial quase parlamentar, pois lá o Congresso tem participação decisiva nas políticas governamentais.

O grande diferencial entre parlamentarismo e presidencialismo reside na responsabilidade. No parlamentarismo, o mau desempenho é motivo de afastamento do primeiro-ministro, eleito sem prazo certo para governar. A própria separação entre chefe de Estado e chefe de governo cria um poder ultrapartidário capaz de intervir nas crises, seja para avalizar novos governos escolhidos pelo Parlamento, seja para dissolver o Parlamento quando este se mostre também irresponsável, a fim de consultar o povo se aquele Parlamento continua a merecer a confiança do eleitor.

O simples fato de o chefe de governo ter de prestar contas ao Parlamento e os parlamentares poderem voltar mais cedo para casa impõe a seus governos a responsabilidade, característica dominante no sistema parlamentarista.

Por outro lado, a separação da chefia de governo da chefia de Estado – algo que, no presidencialismo, se confunde na mesma pessoa – facilita a adoção de outros atributos próprios do sistema parlamentar, como o da burocracia profissionalizada. Este jornal publicou em 3/1/2015 que, enquanto o governo parlamentar alemão tinha 600 funcionários não concursados para tais funções, a presidente Dilma Rousseff tinha 113 mil.

Eleito um governo, este escolherá entre os servidores públicos que estão no topo da carreira os que mais se afinam com a maneira de ser do novo governo. Gozam os presidentes dos Bancos Centrais de autonomia maior, quando não de independência. Por essa razão, nas quedas de Gabinete os servidores administram o País até a escolha de um novo governo, sem a economia ser afetada.

Acrescente-se que a maioria dos países parlamentares adota o voto distrital puro ou misto, o que facilita o controle do eleitor sobre o político eleito.

Os modelos parlamentaristas são diversos, com maior ou menor atuação do chefe de Estado. Alguns até exercem funções de governo, como nos modelos francês e português, por exemplo, mas a regra é não exercê-las.

Também os partidos políticos se fortalecem no parlamentarismo, enquanto no presidencialismo se esfacelam, à luz da maior força do presidente. Quando se diz que o Brasil não pode ter o parlamentarismo porque não tem partidos políticos, respondo que o Brasil não tem partidos políticos porque não tem o parlamentarismo. Cláusula de barreira é fundamental para evitar legendas de aluguel, algo que, no Brasil, é um dos maiores males do presidencialismo.

Creio que chegou o momento de repensar o modelo político brasileiro e adotar o sistema parlamentar, que sempre deu certo no mundo, substituindo o adotado pelo Brasil, cujo fracasso é fantasticamente constante na sua História. (O Estado de S. Paulo – 14/09/2016)

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS É PROFESSOR EMÉRITO DAS UNIVERSIDADES MACKENZIE, UNIP, UNIFIEO E UNIFMU, DO CIEE/”O ESTADO DE S. PAULO”, DA ECEME, DA ESG E DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL-13 REGIÃO


Fonte: pps.org.br