governo bolsonaro

Zeina Latif: Ainda somos os mesmos

Há uma renovação no Brasil, mas muito mais fruto das circunstâncias

O futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, tem conseguido atrair profissionais respeitados para o time econômico, o que não surpreende. Esse tem sido o destaque positivo nas sinalizações do novo governo. No entanto, o passado ensina que é necessário engajamento e compromisso do presidente da República com a agenda econômica para se avançar em reformas. O ministro não pode ficar falando sozinho. Os sinais dados por Jair Bolsonaro, por ora, são insuficientes.

Muitos alegam que tudo será mais fácil com o Congresso renovado e a popularidade elevada de Bolsonaro (a pesquisa da XP indica 57% de aprovação do presidente eleito). No entanto, nem o Congresso renovou tanto assim (segundo cálculo de Bruno Carazza, quando se leva em conta os novos congressistas que já eram políticos, a renovação foi de 22,8%, e não de quase 50%), nem a popularidade elevada é garantida ao longo do tempo.

Políticos experientes avaliam que a lua de mel no Congresso não dura mais de seis meses. É necessário, pois, aproveitar essa janela para avançar rapidamente com uma boa reforma da Previdência, o que fortaleceria o capital político de Bolsonaro, abrindo espaço para mais reformas adiante.

Antes de culpar o Congresso por nossas mazelas, é importante lembrar a responsabilidade da sociedade. Um exemplo recente é a não reeleição de políticos engajados nas reformas estruturais de Temer, como a regra do teto, a reforma trabalhista e a nova taxa de juros do BNDES, todas medidas na direção certa. Os eleitores puniram quem trabalhou direito.

Além disso, apesar dos novos ventos favoráveis a políticas de cunho liberal, sua implementação enfrenta resistências. Afinal, quem não gosta de uma proteção, uma regra tributária especial, um subsídio? Isso sem contar a natural resistência dos servidores públicos a mudanças de regras e a independência dos Poderes na gestão dos seus orçamentos. O liberalismo é bom, desde que seja para os outros. Tudo isso reverbera no Congresso.

As negociações políticas não serão fáceis. A usual aglutinação de poder em torno do presidente eleito parece mais discreta do que o usual. No Congresso, a esquerda não encolheu na última eleição, e o diálogo com ela poderá ser ainda mais difícil. Afinal, a campanha eleitoral agressiva cobra seu preço. O centro, este sim encolheu, sendo justamente o grupo com o qual o diálogo seria mais construtivo. E a direita que emergiu é mais direita nos costumes do que liberal na economia.

Diante dessas questões, a boa vontade do próximo Congresso dependerá, em boa medida, do envolvimento e do compromisso do futuro presidente com a agenda de reformas, assumindo o custo político envolvido. É importante que Bolsonaro utilize seu talento na comunicação nessa empreitada, ao mesmo tempo que dialoga com o Congresso.

Há limites ao estilo de Bolsonaro de delegar, que se reflete na montagem do ministério – com exceção da indicação de Sergio Moro para a Justiça. Na política, pouco pode ser delegado. A responsabilidade de defender as reformas precisa ser do presidente e de seu partido, e não apenas do ministro da Economia. No caso de o presidente eleito se esquivar e o PSL negar as reformas impopulares, os demais partidos e bancadas vão lavar as mãos. Foi assim no segundo mandato de Dilma. E daqui para frente, não haverá o partido da governabilidade para ajudar a aprovar as reformas.

Quanto aos militares que participarão do próximo governo, talvez eles se tornem o elemento moderador. Os militares precisarão contribuir para o avanço da reforma da Previdência, incluindo as discussões para a mudança de regras de aposentadoria das polícias, algo essencial ao ajuste fiscal dos Estados. Ajudaria se eles próprios propusessem reformas em suas regras. Ora, se Bolsonaro, que conta com o apoio das polícias e de militares, não conseguir avançar nessa agenda, quem conseguiria?

Há uma renovação no Brasil, mas muito mais fruto das circunstâncias. Nós não mudamos tanto assim.

*Zeina Latif é economista-chefe da XP Investimentos


Luiz Carlos Azedo: Surpresa na área social

“As indicações de Osmar Terra e Álvaro Antônio seguem a lógica da articulação de uma base de governo corporativista no Congresso, porém, reforçam os vínculos com parlamentares do PMDB e do PSL”

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, surpreendeu ao escolher o deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS) para a área social de seu governo, quebrando outra vez o compromisso de campanha de não incluir na administração ex-integrantes do atual governo, no qual o parlamentar foi ministro de Desenvolvimento Social. Médico com mestrado em Neurociência, Terra foi prefeito de Santa Rosa (1993-1996) e secretário de Saúde do Rio Grande do Sul. Fez parte do grupo de parlamentares que articulou o impeachment de Dilma Rousseff e, na equipe de Michel Temer, ficou responsável por combater fraudes no programa Bolsa Família e rever pensões por invalidez e auxílios-doença pagos pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS).

A pasta da Cidadania era pleiteada pelo senador Magno Malta (PR-ES), líder evangélico, que chegou a ser convidado para ser vice de Bolsonaro, preferiu permanecer no Senado, mas não conseguiu se reeleger. Apoiado pelos parlamentares que atuam na área social, a indicação de Osmar Terra relativiza a influência religiosa na área social do governo Bolsonaro. Um fator decisivo para a indicação foi o programa Criança Feliz, de atenção à primeira infância, no qual assistentes sociais auxiliam as famílias a estimular de maneira correta o desenvolvimento emocional e cognitivo dos filhos. Crianças bem cuidadas e estimuladas na primeira infância, que vai da gestação aos seis anos de idade, com base nos fundamentos da neurociência, chegam à escola com maior capacidade de aprendizado e são menos violentas.

Terra também fez um pente fino no Bolsa Família, que identificou milhares de pessoas com renda superior ao exigido pela legislação para receber o benefício. Na mesma linha, desenvolveu um projeto de saída do programa, chamado Progredir, com capacitação profissional e estimulo ao empreendedorismo. Segundo o futuro ministro, o objetivo do programa é dar condições para que as famílias conquistem autonomia e não precisem mais do complemento de renda. Terra anunciou, porém, que o próximo governo cumprirá a proposta de campanha de Bolsonaro de pagar 13º salário no Bolsa Família. “O presidente pediu isso, e vai ser cumprido. Com esse ajuste que se fez, de saírem aqueles que não precisavam do programa, é mais fácil conseguir o recurso do 13º”, disse.

Mais dois ministros foram anunciados ontem: o deputado Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), o mais votado de Minas, será o futuro titular do Turismo. É ligado à bancada evangélica. Já foi filiado a PRP, MDB, PR e, neste ano, migrou para o PSL, partido de Bolsonaro. O atual secretário-executivo do Ministério da Integração Nacional, Gustavo Henrique Rigodanzo Canuto, funcionário de carreira do Ministério do Planejamento, foi indicado para a nova pasta do Desenvolvimento Regional. É um técnico sem filiação partidária, que terá sob seu comando as atribuições dos antigos ministérios das Cidades e da Integração Nacional.

As indicações de Osmar Terra e Álvaro Antônio seguem a lógica da articulação de uma base de governo corporativista no Congresso. De qualquer maneira, porém, reforçam os vínculos do atual governo com parlamentares do PMDB e do PSL, que andam insatisfeitos com o tratamento que vêm recebendo de Onyx Lorenzoni, o futuro chefe da Casa Civil.

Não há clima
Bolsonaro confirmou ontem que recomendou ao futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que não fosse realizada no Brasil a Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP 25, marcada para o próximo ano. Em razão disso, o Itamaraty renunciou à postulação de sediar o encontro, evitando maiores desgastes. A Conferência do Clima da ONU discute mudanças climáticas no mundo e como as nações podem trabalhar para reduzir a emissão dos gases do efeito estufa, que provocam a elevação da temperatura no planeta. Bolsonaro pretende promover uma guinada na política ambiental do país: “Não pode uma política ambiental atrapalhar o desenvolvimento do Brasil. Hoje, a economia está quase dando certo por causa do agronegócio, e eles estão sufocados por questões ambientais”, disse, em entrevista coletiva.

Hoje, Bolsonaro deve se encontrar com o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, John Bolton, no Rio de Janeiro. O presidente eleito declarou que o Brasil aprofundará “relações com o mundo todo”, mas ressaltou a intenção de estreitar as relações com o presidente norte-americano, Donald Trump: “Coisa rara eleger um presidente da República que não é inimigo dos Estados Unidos, que se chama Jair Bolsonaro”, declarou.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-surpresa-na-area-social/


Política Democrática: “Bolsonaro significa o novo”, diz Paulo Baía

Em artigo da edição de novembro da revista Política Democrática online, sociólogo afirma que presidente eleito estabeleceu “relação de intimidade” com o público

Por Cleomar Almeida

O sociólogo e cientista político Paulo Baía diz que “Bolsonaro significa efetivamente o novo mesmo que seja rejeitado pela vanguarda do pensamento encontrada nas universidades, partidos políticos e centros culturais”. De acordo com ele, durante a campanha, o então “candidato esteve presente junto às multidões a partir do check-in dentro de casa. Em contato permanente com sua imensa rede de seguidores, formadores de opinião”.

O assunto é abordado no artigo “Bolsonaro – uma epifania em rede”, publicado na edição de novembro da revista Política Democrática online, produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), vinculada ao Partido Popular Socialista (PPS). Na avaliação do sociólogo, a estratégia do então candidato, durante a campanha eleitoral, sustentou-se em uma “fortaleza de marketing, pois estabeleceu uma relação de intimidade”. “Transformou-se no centro das atenções, mesmo na mais significativa manifestação pró-oposições como #elenão. Foi um movimento capturado pela campanha bolsonarista e ressignificado, devolvendo-o como mais um marketing a seu favor mesmo que por vias indiretas”, diz o autor, em um trecho.

» Acesse aqui a edição de novembro da revista Política Democrática online

Paulo Baía afirma que houve a supervalorização de Lula e do PT, Geraldo Alckmin e sua imensa estrutura partidária, do tempo de televisão e rádio no período de propaganda eleitoral e, sobretudo, do custo das campanhas num novo modelo de financiamento que privilegiou as oligarquias partidárias e sua imaginada capacidade de perpetuação. “Todos os indícios pró-Bolsonaro foram descartados, sua visão de mundo extremamente conservadora e religiosa em relação aos costumes e a pauta de enfrentamento ao identitarismo”, afirma ele, em outro trecho.

“Aquilo que o sistema político e demais partidos recriminavam ou zombavam em Bolsonaro era exatamente o que o fortalecia junto à maioria da população. Acusar Bolsonaro de ser um risco à democracia foi uma contradição, pois a percepção da maioria da população era o oposto, ou seja, quem representava ameaça era o PT”, destaca o analista político.

De acordo com Paulo Baía, a arrogância acadêmica e a prepotência intelectual desconsideraram, conforme ele diz, “o sentimento da maioria da população classificado como tosco, vulgar, desqualificado e moralmente inferior, não percebendo que a população havia criado suas próprias redes de debate em suas relações intermediadas pelas diversas plataformas digitais”. O autor observa que “estamos imersos em novos tempos em que a epifania individual é coletivizada pelas redes de afetos digitalizadas. O modelo de democracia representativa está em cheque e formas de participação direta estão-se sobrepondo às intermediações políticas e sociais”.

O sociólogo destaca que as pessoas “estão entrando numa nova fase do Humanismo, sendo transformado por uma radicalidade do individualismo expressada em múltiplas plataformas. É um ser humano hiperconectado”. “Fernando Haddad e os demais apostaram nas relações sociais clássicas do mundo capitalista do século XX. Ignoraram na prática a realidade neocientífica já vivida desde os anos 1990 com a expansão da internet e da telefonia móvel, experimentados nas manifestações de 2013 em diante”, acentua ele.

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Política Democrática: Eleição de Bolsonaro põe fim a um ciclo, diz presidente nacional do PPS

Em artigo da edição de novembro da revista Política Democrática online, Roberto Freire diz que já foi definida a mudança de nome do partido político

Por Cleomar Almeida

O presidente nacional do Partido Popular Socialista (PPS), Roberto Freire, avalia que a eleição de Bolsonaro para a Presidência da República de 2019 a 2022 pode ser visto como “o encerramento de um ciclo político iniciado a partir da Nova República (1985)”. Esse período é posterior ao do regime militar no Brasil (1964-1985). A análise dele está publicada no artigo “Contemporâneos do futuro”, que integra a edição de novembro da revista Política Democrática online, produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), vinculada ao PPS.

Roberto Freire analisa que, ao longo dos 30 anos de democracia no Brasil, houve, em sua maioria, “governos com claro viés progressista”, os quais, na avaliação dele, poderiam ser classificados como de centro-esquerda no aspecto político-ideológico. “Como ficou evidenciado depois do impeachment do presidente Collor de Melo, com a assunção de Itamar Franco, seu vice, que implementou uma série de reformas, começando pela mais importante, o Plano Real, que estancou o crônico processo de inflação que então vivíamos, abrindo as portas para um processo sustentado de desenvolvimento econômico”, diz ele, em um trecho.

» Acesse aqui a edição de novembro da revista Política Democrática online

Em seu artigo, o presidente do PPS observa que o PT chegou ao poder com Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), depois de dois mandatos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), do PSDB, no período em que, conforme ressalta, o país viu a estabilidade econômica se solidificar. Roberto Freire lembra que o líder petista ocupou o Palácio do Planalto por oito anos e foi sucedido por Dilma Rousseff (2011-2016), reeleita para um segundo mandato em 2014. Ela foi afastada, na opinião do presidente do PPS, de forma “democrática e constitucionalmente, por meio de um processo de impeachment em 2016”.

Para o presidente do PPS, a “desastrosa experiência lulopetista” provocou o desmantelo da corrupção desenfreada e o enxovalhamento moral das esquerdas, o que, de acordo com ele, acabou atingindo todo o campo progressista, inclusive as correntes não alinhadas ao PT. Por isso, conforme avalia, “uma parcela amplamente majoritária da sociedade brasileira desta vez optou por escolher Bolsonaro, um candidato nitidamente de direita, para governar o país pelos próximos quatro anos”.

O presidente eleito não é apenas “um conservador ou até mesmo um nacionalista reacionário, mas um líder político que até se tornou conhecido mundialmente por algumas declarações frontalmente contrárias aos direitos das minorias, às liberdades individuais, às instituições republicanas e à própria democracia”, como lembra Roberto Freire em um trecho de seu artigo.

Mais adiante, o autor lembra que o PPS realizou, em março deste ano, em São Paulo, seu XIX Congresso Nacional, com a participação de militantes de todo o Brasil. No encontro, conforme registra ele, “foram debatidos temas como as alterações no mercado de trabalho, as reformas, a luta pelos direitos das minorias, as novas formas de relações pessoais e profissionais, o papel da esquerda democrática em um cenário de profundas mudanças econômicas, políticas, sociais e nos costumes, entre outros assuntos”.

Roberto Freire ressalta, entre outros pontos, que o PPS também vai realizar, na segunda quinzena de janeiro de 2019, “um Congresso Extraordinário buscando a recomposição do campo democrático e a construção de novo instrumento de organização das demandas da cidadania”. O intuito, segundo ele, é incorporar, de forma mais ampla, tais movimentos, forças políticas e personalidades da sociedade civil comprometidas com a democracia, a liberdade e as instituições, para a gestação de um novo partido. “Já foi definida, inclusive, a mudança de nome do atual Partido Popular Socialista (PPS), um novo Manifesto e Programa, bem como em sua estrutura organizacional, exatamente para que estejamos verdadeiramente conectados com os reais anseios dos brasileiros e com essa nova sociedade que emerge”.

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Política Democrática: “Faz sentido um superministério da Economia?”, questiona Luiz Paulo Velozzo

Ex-diretor do DIC do governo Fernando Collor, Luiz Paulo Vellozo Lucas diz que o mais importante “é a qualidade da equipe encarregada de implementar” uma nova política

Por Cleomar Almeida

“Afinal faz sentido um só superministério da Economia?”. A pergunta é do ex-deputado federal pelo PSDB-ES Luiz Paulo Vellozo Lucas, que também é ex-engenheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e ex-diretor do Departamento de Indústria e Comércio do governo Fernando Collor de Mello. Em artigo publicado na edição de novembro da revista Política Democrática online, ele ressalta que mais importante que a política que será executada é a qualidade da equipe encarregada de implementá-la.

No artigo Lições do DIC na era Collor, Luiz Paulo lembra que foi convidado pelo presidente Fernando Collor de Mello para dirigir o Departamento da Indústria e do Comércio (DIC) do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento. “Fiquei exatos dois anos como diretor, sendo ministros, primeiro Zélia Cardoso de Mello e, depois, Marcílio Marques Moreira. Pedi demissão um mês antes da instalação da CPI que levou ao impeachment de Collor, para integrar a equipe do governador capixaba Albuíno Azeredo. Itamar Franco recriou o Ministério da Indústria e do Comércio, transformado-o em Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio (MDIC)”.

» Acesse a edição de novembro da revista Política Democrática online

A extinção do MDIC anunciada pelo presidente eleito Jair Bolsonaro, como observa Luiz Paulo, traz ao debate a avaliação da experiência do DIC no governo Collor, iniciado em 15 de março de 1990, como observa o analista político. Ele ressalta que o bloqueio da liquidez das pessoas físicas e das empresas, a troca da moeda e o congelamento de preços compõem o pacote de medidas de impacto voltadas para a saída da hiperinflação. “Outro conjunto de iniciativas legais extingue a quase totalidade dos instrumentos de intervenção governamental, incentivos fiscais e controles administrativos, criados pela politica desenvolvimentista de substituição de importações que prevaleceu em todo o pós-guerra. Cria, também, o CADE e o sistema de defesa da concorrência”, afirma ele.

De acordo com Luiz Paulo, alguns programas de incentivos fiscais extintos, como o Befiex (mais de 2 mil contratos), possuíam contratos ativos e, segundo ele, o DIC tinha a missão de administrá-los. “O DIC não se limitou a cuidar do espólio da substituição de importações”, acentua, para acrescentar: “A equipe, formada principalmente por técnicos de carreira do BNDES e Petrobras, liderou dentro do governo a formulação da Politica Industrial e de Comércio Exterior (PICE), lançada em junho de 1990, além de secretariar as Câmaras Setoriais, que foram instrumento fundamental na interlocução politica e harmonização dos vários órgãos de governo entre si e de negociação com o setor produtivo naquele ambiente de grande turbulência e de profundas mudanças”.

Na opinião do ex-deputado do PSDB, os governos do PT representaram enorme retrocesso na superação dos paradigmas da substituição de importações e do intervencionismo estatal do velho nacional desenvolvimentismo e, por isso, conforme ressalta, existe semelhança entre o momento atual e aquele vivido no início do governo Collor. “São ambos momentos de reorientação e reestruturação. Mais importante do que manter ou extinguir o MDIC é a política que será executada e a qualidade da equipe encarregada de implementá-la. Quase sempre o organograma é inocente nos fracassos e, tampouco, é heróis nos sucessos, mas a unificação do comando da economia num único ministério me parece ser um bom sinal no atual momento”, ressalta ele.

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Rubens Barbosa: Nacionalismo, patriotismo e interesse nacional

Vivemos momento de grande complexidade e incerteza no cenário internacional

As comemorações pelo centenário do fim da Guerra de 1914-18, em Paris, reforçaram minha convicção de que estamos vivendo tempos estranhos e um momento de grande complexidade e incerteza no cenário internacional, com consequências para todos os países.

Foi curioso ver pequenos detalhes protocolares desencadearem reações políticas, como no caso da Sérvia, que se sentiu insultada pela baixa posição que seu presidente ocupou em relação ao Kosovo, colocado mais próximo ao presidente francês pelo cerimonial. Afinal, foi em Sarajevo que tudo começou. Notei a ausência do Brasil, convidado pela primeira vez para um encontro dessa magnitude, que seria uma oportunidade para mostrar que nosso país existe, tem presidente e foi parte das duas guerras (quando estava como embaixador em Londres, participei com o presidente FHC das celebrações do Dia da Vitória da 2.ª Grande Guerra, a de 1939-45, com o Brasil sendo convidado pela primeira vez).

Todos puderam assistir à deliciosa coreografia do poder entre Putin e Trump, que chegaram em limusines cercadas de seguranças, enquanto os outros 82 chefes de Estado e de governo saíram juntos do Palácio Élysée em ônibus especiais. Os líderes norte-americano e russo esperaram, escondidos, que todos tomassem assento para assumirem seus lugares ao lado do presidente Macron. Putin, mais esperto, esperou para chegar por último...

O presidente Macron, em discurso na solenidade, em vez de saudar a presença dos líderes mundiais, de ressaltar a paz e a superação da guerra fria entre EUA e Rússia, resolveu chamar a atenção para as ameaças atuais que põem a estabilidade internacional de novo em perigo, põem em risco a democracia e dividem os países ocidentais. Observou que os pilares que sustentam os regimes democráticos são mais importantes que a unidade transatlântica e nesse contexto mencionou que o patriotismo é mais importante que o nacionalismo. Essa afirmação tinha endereço direto não só aos grupos de direita radical na França, como, de maneira pouco sutil, era uma crítica direta aos que dizem colocar os interesses de seus países em primeiro lugar e a consequência disso para os outros pouco importa. Ao qualificar o nacionalismo como traição ao patriotismo, exagerou, porque o termo na França é associado à extrema direita, enquanto em outros países a expressão se renova e tem conotação valorizada, como, por exemplo, na Irlanda e no Canadá.

A tensão estava criada. Não era a primeira vez que Macron, depois de ter sido um amigo muito próximo, divergia publicamente do presidente dos EUA. As boas relações pessoais se deterioraram diante das decisões de Washington de abandonar o Acordo de Paris sobre clima e pelo término do programa nuclear com o Irã. E também por estimular o protecionismo (ameaça de guerra comercial com a China), criticar o multilateralismo e tornar difícil a solução de dois Estados para o conflito Israel-palestinos.

Não foi surpresa a reação de Trump ao anfitrião, mas sim sua rapidez e virulência. Na tarde do dia 11, Macron organizou o Fórum da Paz, com o objetivo de defender o multilateralismo, um dos pilares da nova ordem internacional depois de 1945 com o surgimento da ONU e do Gatt/OMC, que os EUA ajudaram poderosamente a criar e agora procuram solapar. Todos os chefes de Estado compareceram, com exceção de Trump, que preferiu visitar sozinho cemitério militar americano na França. Além disso, desde a véspera havia iniciado uma troca de tuítes virulentos com Macron, trazendo a público a crescente rivalidade entre os dois líderes num momento de aumento das tensões transatlânticas. Apoio de Trump aos movimentos populistas-nacionalistas na Europa, despesas militares na Otan, criação de exército europeu, proposto por Macron-Merkel, e até ameaça velada à exportação de vinhos franceses para os EUA entraram na inusitada altercação presidencial. Ficou evidenciado o divórcio entre Trump e a Europa, em especial com as instituições supranacionais e multilaterais.

Cabem alguns comentários sobre o que se falou durante a cerimônia de Paris. A crítica de Macron ao nacionalismo está associada à direita populista de Marine le Pen, que, sob o pretexto de defender a nação, defende posições radicais contra o movimento de unidade europeia. Por outro lado, Trump não está preocupado com a unidade da Europa (agora ameaçada com a saída da Grã-Bretanha), mas sim com a China, e não quer continuar com os altos gastos militares na Otan. Por outro lado, talvez Macron não soubesse, mas a palavra patriotismo é pouco usada nos EUA, talvez por motivos históricos, além de ter ali um sentido algo pejorativo. Ao elogiar o patriotismo – com significado positivo nos países de língua latina –, Macron fez Trump se lembrar de frase atribuída a Samuel Johnson, “o patriotismo é o ultimo refúgio do canalha”. A oposição às instituições supranacionais e multilaterais representam um viés característico da superpotência norte-americana, agora exacerbado por Trump.

Qualquer semelhança disso tudo com alguns aspectos da discussão hoje no Brasil, em especial depois da eleição e da escolha do futuro ministro do exterior, não é mera coincidência.

A cerimônia parisiense mostra igualmente como é perigoso para qualquer país, nos tempos incertos que vivemos, declarar alinhamentos e afinidades definitivas com base em laços pessoais. Como aprendi nos meus primeiros anos no Itamaraty, os países (e os líderes) não têm amigos, têm interesses. O realismo e o pragmatismo na ação diplomática e comercial deverão prevalecer sobre vagos anseios conceituais, como o antiglobalismo e a defesa do Ocidente, de inspiração trumpista, bem assim sobre atitudes ideológicas em relação a China.

O interesse nacional, acima de países, grupos ou partidos, é a prioridade da política externa.

*Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)


O Globo: Chanceler de Bolsonaro diz que combaterá adesão da diplomacia a 'pautas abortistas' e 'anticristãs'

Em artigo para jornal, Ernesto Araújo defende nomeação de 'quem entende de ideologia' para extirpar marxismo e seus 'disfarces' no Itamaraty

RIO — Anunciado como ministro das Relações Exteriores do próximo governo, Ernesto Araújo descreve, em artigo publicado na segunda-feira no jornal "Gazeta do Povo", de Curitiba, como pretende levar adiante a missão de "libertar o Itamaraty" que lhe foi confiada pelo presidente eleito Jair Bolsonaro. Aráujo afirma que pautará sua atuação pelo combate a políticas que, no próprio Ministério das Relações Exteriores, compactuam com o "alarmismo climático", as "pautas abortistas e anticristãs em foros multilaterais" e a "destruição da identidade dos povos por meio da imigração ilimitada".

Segundo o futuro chanceler, a meta é extipar das relações internacionais brasileiras a "ideologia do PT", que segundo ele nada mais é do que o "marxismo cultural", aquele que busca controlar não mais os meios de produção material, mas de produção intelectual na imprensa e na academia. "Quando me posiciono, por exemplo, contra a ideologia de gênero, contra o materialismo, contra o cerceamento da liberdade de pensar e falar, você me chama de maluco. Mas se isso não é o marxismo, com estes e outros de seus muitos desdobramentos, então qual é a ideologia que você quer extirpar da política externa?"

No início do texto, Araújo aponta que parte da imprensa e dos colegas diplomatas esperava ver Bolsonaro escolher um chanceler "que saísse pelo mundo pedindo desculpas". "Um Ministro das Relações Envergonhadas", ironizou. Essa pessoa seria responsável por "frear o ímpeto de regeneração nacional" e garantir aos pares que nada mudaria no posicionamento global do país.

Contra esse ideia, o futuro chanceler defende uma política externa que traduza a "sagrada voz do povo", entendida como a voz do presidente eleito. Essa voz, segundo Araújo, deve ser autêntica e não "dublada no idioma da ONU", "pois no idioma da ONU é impossível traduzir palavras como amor, fé e patriotismo".

"Isso é um gigantesco equívoco. Em uma democracia, a vontade do povo deve penetrar em todas as políticas. Mas as pessoas daquele sistema midiático-burocrático, que gostam tanto de falar em democracia, não sabem disso. Perguntam-se, assustadas: 'O que vão pensar de mim os funcionários da ONU, o que vai dizer de mim o 'New York Times', o que vai dizer 'The Guardian', 'Le Monde?'", escreveu o embaixador.

No artigo da "Gazeta do Povo", Araújo indica que, quando fala em povo brasileiro, fala da parcela da população que se identifica com as propostas e a ideologia bolsonarista — embora, em seu blog, Metapolítica 17, o futuro chanceler já tenha dito que quem tem ideologia são os outros, já que ele só tem "ideias". Segundo ele, o Itamaraty deve se preocupar com o que esse povo pensa e se relacionar com "o sofrimento, a paixão e a fibra dessas pessoas".

"Alguns jornalistas estão escandalizados, alguns colegas diplomatas estão revoltados. Revoltados por quê? Porque pela primeira vez terão de olhar o seu próprio povo na cara e escutar a sua voz?", arrematou.

O futuro ministro defende que o país precisa de "alguém que entenda de ideologia" para acabar com ela no Itamaraty, ao conhecer suas "causas, manifestações, estratégias e disfarces"."Vencida na economia, a ideologia marxista, nas últimas décadas, penetrou inscidiosamente na cultura e no comportamento, nas relações internacionais, na família e em toda parte", afirma.

Além das propostas de controle do aquecimento climático, de descriminalização do aborto e das que chama genericamente de "anticristãs", Ernesto Araújo inclui entre as pautas a combater dentro do Itamaraty "o terceiro-mundismo automático e outros arranjos falsamente hegemônicos", a "transferência brutal de poder econômico em favor de países não democráticos e marxistas" (supostamente uma referência à China) e "a suavização do tratamento dado à ditadura venezuelana".

Nelson Ernesto Araújo foi confirmado para o cargo ministerial em 14 de novembro. Até então, era diretor do Departamento de Estados Unidos, Canadá e Assuntos Interamericanos e nunca havia chefiado uma missão no exterior. O "brilhante intelectual", como classificou o presidente eleito, se aproximou do bolsonarismo por meio do guru da direita Olavo de Carvalho, radicado nos Estados Unidos. Carvalho elogiou um artigo de Araújo publicado no ano passado na revista do centro de estudos do Itamaraty, intitulado "Trump e o Ocidente". No texto, o embaixador diz que o ocupante da Casa Branca assumiu a missão de resgatar a civilização ocidental, sua fé cristã e suas tradições nacionais forjadas "pela cruz e pela espada" do "marxismo cultural globalista", cujo marco inicial seria a Revolução Francesa, anterior a Karl Marx.


Ricardo Noblat: Por que não te calas, general!

Para atiçar os radicais

A essa altura, no limiar de um governo de ultradireita comandando por um capitão cercado por fardas da reserva e eleito com grande apoio dos quartéis, a quem pode interessar a ordem dada pelo Comandante do Exército, o general Eduardo Villas Boas, para que seus subordinados façam uma reanálise da Intentona Comunista que aconteceu há 83 anos?

Porque é disso que se trata. O Exército já estudou à exaustão o movimento deflagrado pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) em 1935 para depor o presidente Getúlio Vargas que chegara ao poder cinco anos antes por meio de uma revolução, e que logo em seguida se transformaria em ditador, assim governando até 1945. A Intentona é uma página virada da história. Os culpados foram punidos.

A ditadura militar de 1964, que durou 21 anos, é outra página virada, com a diferença de que os culpados por ela jamais foram punidos. Pelo contrário: beneficiaram-se de uma anistia para os chamados crimes de sangue. Os que à ditadura a se opuseram, esses foram presos, cassados, torturados e até mortos. Muitos acabaram proibidos de trabalhar. Outros escaparam para o exílio.

Villas Boas está a 40 dias de deixar o posto. Seu substituto já foi escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro. A desculpa que ofereceu para justificar seu ato bizarro foi o de evitar o derramamento de “sangue verde e amarelo” em “nome de uma ideologia diversionista”. Ideologia, por sinal, sepultada no berço onde nasceu, e que na China deu lugar a um capitalismo de Estado.

De onde o comunismo ainda pode se espraiar? Da Coreia do Norte? De Cuba que clama por uma reaproximação com os Estados Unidos? Da Venezuela bolivariana quebrada? O ato de Villas Boas, se não esconde outros objetivos, só servirá para acirrar o ânimo dos que enxergam fantasmas onde eles não existem, uma parcela tresloucada dos eleitores de Bolsonaro que defendem um Estado autoritário.


Angela Bittencourt: Bolsonaro ganha um "presentão" do TCU

38 órgãos com 'alta' exposição a fraude gerem R$ 216 bilhões

Recessão, desemprego, desequilíbrio fiscal, serviços públicos deficientes, percepção de alto grau de corrupção e falta de confiança no Estado tornaram-se características de um Brasil que não traz orgulho para ninguém e têm consequências: favorecem desperdício, mau uso do dinheiro público, ineficiência do Estado, distorção na alocação de recursos, entraves econômicos, políticos e sociais, corroem a credibilidade das instituições e ainda estimulam o desprezo do cidadão pela lei.

Foi com esse retrato do Brasil que o presidente eleito Jair Bolsonaro saiu da visita ao Tribunal de Contas da União (TCU), na terça-feira passada. Com o retrato, Bolsonaro recebeu do presidente da Corte Raimundo Carreiro e ministros um "presentão" para quem dá início a uma nova gestão: o mapeamento do grau de exposição à fraude e corrupção a que o governo está exposto.

O mapeamento é resultado de uma auditoria operacional coordenada pela Secretaria de Relações Institucionais de Controle no Combate à Fraude e Corrupção (Seccor), órgão do TCU, em 287 instituições do Poder Executivo Federal com o objetivo de avaliar se os controles internos de prevenção e detecção a esses problemas estão compatíveis com o Poder Econômico e o Poder de Regulação desses órgãos e propor melhorias.

A relatora do processo dessa auditoria é a ministra Ana Arraes, futura vice-presidente do TCU, que passará ao comando do ministro José Múcio Monteiro. Ambos serão empossados em 1º de janeiro de 2019, quando Jair Bolsonaro receberá a faixa presidencial.

Além dos 287 órgãos federais, foram auditadas pelo TCU seis instituições selecionadas pela "variedade de situações a serem estudadas": Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), Agência Nacional de Mineração (ANM), Banco do Brasil (BB), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Ministério da Saúde (MS) e Ministério do Trabalho (MTb) e também Casa Civil e Comissão de Ética Pública da Presidência da República (CEP). Ana Arraes lembra que alguns dos controles de prevenção e detecção de fraudes e corrupção estão sob a responsabilidade da Casa Civil.

O mapa composto pelos órgãos do Executivo avaliados pelo TCU mostra que, de modo geral, as estatais possuem controles mais proporcionais ao valor gerido por elas que as demais instituições analisadas. "Essa maturidade na avaliação pode ser explicada, em primeira hipótese, pela maior aproximação dessas instituições do mercado privado, que acabam por impulsionar a adoção de melhores controles de forma a aumentar a sua lucratividade. Adicionalmente, alguns dos controles implantados são oriundos de exigências legais específicas para essas instituições", diz o relatório.

O mapa mostra também que 38 instituições com alto Poder Econômico possuem fragilidades nos controles "alta e muito alta". Portanto, elas têm elevada exposição ao risco de fraude e corrupção. Juntas, essas 38 instituições gerem um orçamento anual de mais de R$ 216 bilhões.

O mapa referenciado pelo Poder de Regulação mostra que sete das instituições com maior poder regulatório apresentaram fragilidades de controle "alta e muito alta", o que também as coloca em uma situação de elevada exposição a riscos de fraude e corrupção. Dentre as sete, três registraram "alta" exposição devido ao seu Poder Econômico.

Segundo Ana Arraes, a "indicação de dirigentes" é um dos critérios de controle que podem contrapor os riscos de fraude e corrupção advindos tanto do Poder Econômico quanto do Poder de Regulação. "A escolha de dirigentes comprometidos com padrões de ética e integridade é medida indispensável para o sucesso de medidas de combate à fraude e corrupção", diz a ministra.

A Lei das Estatais avançou em controles na escolha de seus administradores quando especificou critérios mínimos a serem observados na designação, como reputação ilibada e ausência de conflito de interesses. Entretanto, critérios mínimos não foram estabelecidos para as demais instituições do Executivo, diz a ministra. Ela lembra que a Casa Civil estabeleceu sistema específico para controlar a indicação de pessoas para cargos e funções comissionadas sujeitas ao seu crivo, o que "inegavelmente" melhorou a tramitação desses pedidos. "Contudo, sem critérios objetivos para serem aferidos, a decisão tende a não guardar uniformidade e coerência", diz.

Cruzamento de dados realizado pela auditoria revelou que entre agosto de 2017 e julho de 2018 foram verificadas mais de 554 restrições em ocupantes de cargos ou funções comissionadas. Os cadastros podem conter falsos positivos, mas chamou a atenção do TCU de que muitas vezes os servidores ocupam cargos nas mesmas instituições que aplicaram as penas cadastradas. "Mostra-se necessário e urgente que o Poder Executivo regulamente o art. 5º da Lei 13.346/2016, o qual determina que o Poder Executivo Federal defina os critérios, perfil profissional, bem como procedimentos gerais para a ocupação de cargos e funções comissionadas", alerta o TCU.

A Designação de Dirigentes é um dos cinco temas considerados pelo TCU ao estabelecer controles capazes de inibir as práticas de fraude e corrupção. Os demais temas são: Gestão de Riscos e Controles Internos; Gestão da Ética e Programa de Integridade; Auditoria Interna; e Transparência e Accountability.

Outra falha apontada pela auditoria é a gestão da ética e do programa de integridade que ainda se encontram em fases iniciais. Dos 102 órgãos com maior Poder Econômico e Poder de Regulação, 70% declararam que não estão implementadas medidas de monitoramento da gestão da ética. Já o programa de integridade apresentou novamente situação polarizada ente as estatais e as demais instituições do Executivo com alto Poder Econômico. Dentre as estatais, cerca de 61% delas apresentaram informações de que se encontram em estágio aprimorado na implantação do programa. Para as demais instituições pertencentes ao Orçamento Geral da União (OGU), 69% indicaram que se encontram em estágio inexpressivo de implantação.


Cida Damasco: Família vende (quase) tudo

Privatização ganha força. BB, Caixa, Eletrobrás e Petrobrás estão na mira

Não há quem duvide do papel das concessões e privatizações na política econômica do futuro governo. O compromisso com o liberalismo e a necessidade de ajuste fiscal a curtíssimo prazo tornam sua importância mais do que estratégica. Vital é o adjetivo apropriado. O perfil da equipe econômica, completada na semana passada, prova que o chefe Bolsonaro e seu superministro Paulo Guedes, até agora com carta branca, pretendem dobrar a aposta na privatização. Dois polos de poder cuidarão dessa tarefa: uma secretaria específica para desmobilização e desinvestimento sob o guarda-chuva de Guedes, que será entregue ao empresário Salim Mattar, dono da Localiza, e uma estrutura subordinada diretamente à Presidência, para tratar das concessões de infraestrutura.

É verdade que as previsões sobre desestatização divulgadas durante a campanha pecam pelo exagero, segundo economistas dos mais variados matizes. Primeiro, Guedes falou em se desfazer de todas as estatais – no total, são 144, sob controle direto e indireto da União –, depois Bolsonaro falou em sair de 100 delas e, já na boca das eleições, ambos cacifaram uma previsão de receita de R$ 2 trilhões com venda de participações nas empresas, de ativos e renovação de concessões.
Mas, mesmo considerando que a realidade vai derrubar alguns desses “sonhos”, está claro que levar adiante um programa parrudo de privatizações é indispensável para um governo que precisa reduzir o endividamento e, pelo menos num horizonte próximo, não tem como abater os gastos significativamente.

Nesta semana, uma iniciativa ainda da gestão Temer deve criar condições para que Bolsonaro, já na chegada ao Planalto, inicie uma ofensiva desestatizante. Está marcada para quinta-feira a divulgação dos editais de licitação de 12 aeroportos, quatro portos e uma ferrovia, que permitirão a realização de leilões já no primeiro trimestre – um pacote de concessões que deve resultar numa arrecadação de R$ 1,5 bilhão e investimentos de R$ 6,4 bilhões.

Mas, se a decisão de limpar a carteira de empresas pertencentes ao Estado é ponto pacífico, ainda há dúvidas sobre o destino de estatais que são ícones do patrimônio nacional. O que vai acontecer exatamente com a Petrobrás, com a Eletrobrás e com o Banco do Brasil? Muitos observadores ficam arrepiados só de ouvir falar na possibilidade de o Estado brasileiro abrir mão desses ativos. Mas, aos poucos, começam a ser estabelecidos alguns parâmetros para o “emagrecimento” dessas empresas, que buscam conciliar os desejos dos liberais com os limites dos nacionalistas, especialmente nas alas militares.

O BB e a Caixa deverão pôr à venda alguns “pedaços” relativos a atividades laterais das instituições, como já deixaram claro seus novos presidentes, Rubem Novaes e Pedro Guimarães – o mercado dá como certa, por exemplo, a oferta da área de seguros do BB. Segundo antecipou Novaes, essa venda em “pedaços” seria via mercado de capitais. A Eletrobrás, cuja inclusão na lista de privatizações do governo Temer foi objeto de grande debate, também deve seguir a linha de privatização parcial, com a preservação da área de geração de energia em poder do Estado.

Quanto à Petrobrás, o caso mais emblemático entre os emblemáticos, tudo indica que ficará concentrada na atividade de exploração e o foco será o pré-sal. A julgar pelas declarações do vice Mourão e do próprio Bolsonaro, a porta está aberta para a venda da distribuição de combustíveis e do refino – na primeira, a participação da Petrobrás no mercado já está abaixo de um quarto, embora, na segunda chegue à marca de 90%. Nos últimos dias, inclusive, a movimentação das ações da Petrobrás nas bolsas já reflete claramente essas indicações de reestruturação.

Mais uma vez, acertadas as diferenças entre as turmas que se abrigam no governo Bolsonaro, as discussões sobre privatização vão acabar no Congresso. E, quando se trata de estatais de setores estratégicos, pode-se imaginar o quanto essas discussões tendem a esquentar e, por isso mesmo, se alongar. Guardadas as devidas proporções, foi o que aconteceu na gestão Temer. Afinal de contas, é no Congresso que interesses de regiões e corporações se manifestam – seja por meio de partidos ou de bancadas. Um teste decisivo para a chamada “vontade política” do novo governo.


Cristovam Buarque: Oposição à oposição

O novo governo ainda não tomou posse, e os derrotados tentam se aglutinar para ganhar a próxima eleição, em 2022. Não percebem que, mais do que Bolsonaro vencer a eleição de 2018, a população brasileira disse “não” aos que agora defendem unidade dos derrotados. Querem ganhar o próximo pleito com a mesma postura que apresentaram, com o mesmo discurso e a mesma falta de sintonia com o futuro.

O povo disse não a essas siglas que tentam se aglutinar sem fazer autocrítica, sem entender onde erraram, sem formular alternativas. Parecem acreditar que foi o povo quem errou, escolhendo outro candidato, e propor uma nova chance aos eleitores para acertarem em 2022. Dizem que o único errado é o PT, do qual agora se afastam depois de terem bajulado Lula ao longo de anos. Esquecem que, no primeiro turno, o PT teve mais votos que todos os candidatos das siglas que agora se dizem da esquerda não petista. E insistem na esquerda em nada diferente do que o eleitor repudiou em outubro. Não percebem o apego do povo ao país e seus símbolos, continuam falando para as comparações, de empresários e de trabalhadores, cujas reivindicações asfixiam as finanças públicas. Não entenderam o esgotamento gerencial e fiscal do Estado, nem assumem compromissos com responsabilidade fiscal e estabilidade monetária.

Se quiserem fazer oposição pelo bem do Brasil, esses partidos e líderes precisam começar a fazer oposição a si próprios: entender onde estão errando há décadas, formular uma proposta para o futuro do Brasil, definir como dar coesão e rumo ao país e a sua sociedade, dividida socialmente e improdutiva economicamente. Dizer em que esse caminho é antagônico ao do PT e ao do Bolsonaro e, por isso, oposição aos dois.

A primeira autocrítica seria à política do compadrio de siglas com propósito eleitoreiro, como tentaram durante os dois meses que antecederam o pleito e tentam agora olhando 2022. A segunda é entender que perderam sintonia com os rumos da história; perceber as revoluções que ocorreram no mundo: a globalização e as amarras que provocam na economia nacional; a informática, a robotização e o desemprego estrutural consequente; os limites ecológicos ao crescimento; o aburguesamento dos movimentos sindicais e a miopia e oportunismo dos movimentos sociais; a importância da educação de qualidade igual para todos como o vetor do progresso econômico e social. A terceira é perceber que não se constrói justiça social sobre economia ineficiente; por isso, é preciso respeitar os limites orçamentários, despolitizar regras da economia, zelar pela estabilidade monetária, reconhecer o papel do livre-comércio e a necessidade de reformas que desamarrem o Brasil. Concentrar os propósitos revolucionários na garantia de escola com qualidade igual para todos: os filhos dos trabalhadores na mesma escola que os filhos dos patrões.

Uma oposição consequente deve começar pela autocrítica de seus erros, reconhecendo não ter oferecido uma alternativa progressista e sintonizada com o espírito de nossos tempos. Cada democrata-progressista deve fazer oposição ao que Bolsonaro representar de retrocesso, mas isso não basta: é preciso avançar dizendo que rumo pode oferecer para um Brasil eficiente, justo, sustentável, livre.

Antes de fazer oposição aos vitoriosos, a “exquerda” nostálgica que tenta se aglutinar precisa fazer frente a seu próprio passado derrotado, não apenas por Bolsonaro, mas pela história. Sem isso, chegará em 2022 outra vez sem propostas para o futuro ou dizendo que seu projeto é apenas ser contra o novo governo e o PT ao qual serviram até ontem.


El País: Bolsonaro se oferece a Trump como aliado-chave e relança cúpula conservadora latina

Alinhamento com Washington é guinada histórica e começa a se desenhar nesta semana, com visita ao Rio de assessor para a Segurança Nacional da Casa Branca

Por Afonso Benites, do El País

Jair Bolsonaro pretende colocar o Brasil em um alinhamento firme com os Estados Unidos de Donald Trump, uma guinada sem precedentes na história recente das relações bilaterais. Um graduado membro da equipe de transição do presidente eleito, que tem acesso direto ao futuro ministro das Relações Exteriores, o trumpista e antiglobalista Ernesto Araújo, descreve a ambição: há a intenção de se apresentar como o principal aliado de Washington na América do Sul e servir, inclusive, de intermediador entre os países os vizinhos e a Casa Branca.

A aproximação, já sinalizada em trocas amistosas nas redes e telefonemas, tem seu primeiro encontro de peso nesta semana. Na quinta-feira, John Bolton, assessor da Casa Branca para a política externa e de segurança nacional, chega ao Rio de Janeiro para encontrar com Bolsonaro, dias depois de elogiar as afinidades de pensamento entre o mandatário eleito brasileiro e Trump.

Bolton faz uma breve parada no Rio a caminho da reunião do G20, na Argentina, no dia 30 –a equipe de transição ainda analisa se é viável e positivo enviar o futuro ministro Araújo para o encontro das principais forças globais. Ao menos outras três autoridades internacionais de peso que participarão do encontro em Buenos Aires também pediram reunião com Bolsonaro, mas ele, que prefere não sair do país ainda por motivos de saúde, alegou falta de tempo na sua agenda para não recebê-los. Quer se resguardar e mostrar para os norte-americanos que a preferência, agora e no Governo, sempre será deles.

O desejo por uma relação tão íntima com os Estados Unidos pode ser uma tradição na Colômbia, o país que mais recebe ajuda militar norte-americana na região, ou ter referências na Argentina, que nos anos 90 falava de uma "relação carnal" com Washington. Mas, para o Brasil, a segunda maior economia do hemisfério ocidental, com choque de interesses em matéria de comércio e indústria com a potência do norte, a guinada representa toda uma revolução. Não há nada do estilo desde o início da ditadura militar (1964-1985). Por mais que tenha tentado uma aproximação nos últimos dois anos, o frágil Governo Michel Temer jamais chegou nem perto de conseguir tamanha atenção da Casa Branca e marcou diferenças ao, por exemplo, rejeitar a ideia de qualquer intervenção militar na Venezuela.

Já de olho em tantas mudanças, os países vizinhos se apressam em ter o primeiro contato com Bolsonaro e sua equipe, num cenário em que não faltam ruídos. Há dúvidas se o núcleo mais "trumpista" em torno do futuro chanceler e do filho de Bolsonaro, Eduardo, terá a maior preponderância ante vozes que se apresentam como mais moderadas e até críticas da retórica do eleito, como o vice Hamilton Mourão. Já estiveram em reuniões com a equipe de transição embaixadores do Chile e do Paraguai, além de representantes do Uruguai, Colômbia, Equador, Argentina e Peru. "Só Bolívia e Venezuela não demonstraram interesse em aproximação, até o momento", afirma um membro do futuro governo. A lista dos interessados não causa surpresas. Exclui a Bolívia do esquerdista Evo Morales que, há 12 anos no poder, tem que agir com cautela por causa dos enormes interesses em jogo: o Brasil é o principal destino de exportação de gás boliviano. O outro é o Governo de Nicolás Maduro, em plena deriva autoritária.

O filho como interlocutor internacional

No desenho dessa interlocução externa, chama atenção o papel que Eduardo Bolsonaro chama para si. Além de ter convencido o pai a se converter ao liberalismo econômico com Paulo Guedes, foi o deputado federal mais votado da história do Brasil que começou a buscar contato com militantes e lideranças conservadoras nos costumes e liberais na economia pelo mundo mesmo antes da escolha do novo chanceler. Foi Eduardo quem fez os primeiros contatos com aliados e representantes do presidente americano, Donald Trump. Em agosto, esteve com Steve Bannon, um radical de direita, ex-assistente de Trump e líder do The Movement, grupo que promove populismo de direita e nacionalismo econômico pelo mundo.

Eduardo Bolsonaro 17

@BolsonaroSP

🇧🇷BRASIL🤝PARAGUAI🇵🇾

Recebendo a visita de Félix Ugarte, filho do Presidente do Paraguai @MaritoAbdo . A cooperação na fronteira certamente será um norte nessa relação internacional.

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Eduardo também negociou uma viagem a Washington para se encontrar com o vice-presidente Mike Pence e com o secretário de Estado, Mike Pompeo. Não obteve êxito e justificou que teria de ficar no Brasil para ajudar na transição governamental. E, como o presidente eleito ainda não pode se ausentar do país por conta de sua saúde -- ele precisará passar por uma nova cirurgia para se recuperar da facada que levou em setembro -- o filho espera fazer essa viagem até o fim do ano.

Em contrapartida, recebeu uma sinalização de que John Bolton estava disposto a se reunir com seu pai. O próximo fato que o o grupo sonha em comemorar é a presença de Trump na posse de Bolsonaro, em 1º de janeiro. Na equipe de transição dizem haver indicações positivas para a participação do norte-americano no evento – o que seria inédito. Um mandatário que teria confirmado presença é o ultradireitista Viktor Orbán, o xenófobo primeiro ministro da Hungria. Nesta semana, em uma ligação telefônica, ele disse a Bolsonaro que pretende "ser um grande parceiro do Brasil".

Cúpula conservadora das Américas

Antes mesmo da posse, o primeiro teste para saber o tamanho da influência que a gestão Bolsonaro na região será em dia 8 de dezembro. Nessa data, ocorrerá a Cúpula Conservadora das Américas, na cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná, promovida pelos Bolsonaro - a primeira chamada do evento, em julho, acabou cancelada. Entre os seus participantes estão um filósofo cubano exilado nos Estados Unidos, um senador paraguaio que foi sequestrado pela facção criminosa Exército do Povo Paraguaio, um militar colombiano que comandou a luta contra as Forçar Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Está ainda na lista o ex-candidato presidencial de extrema direita no Chile, José Antonio Kast, que surpreendeu ao ficar em quarto lugar na eleição deste ano. “O Brasil sempre teve influência na região. Talvez tenha algum reflexo nos outros países agora também”, ponderou o cientista político Ricardo Caldas, professor da Universidade de Brasília.

Tudo ainda está na zona de testes, para os especialistas. Enquanto Bolsonaro tenta imitar Trump em ao menos duas frentes - diminuir a influência econômica da China e intensificar o relacionamento com Israel, ao transferir a embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém - ainda pairam dúvidas sobre a execução das medidas até o fim. O mesmo vale para as sinalizações de que a gestão brasileira poderia enfraquecer o Mercosul e se retirar de alguns dos acordos internacionais. Leonardo Barreto, da consultoria Factual, acredita que o futuro governo irá se deparar com algumas barreiras como a impossibilidade de se desvencilhar da China ou do Mercosul, a dificuldade em manter relações com países árabes caso privilegie sempre Israel. “Sozinho o Brasil não se senta em muitas mesas”, alerta. Os primeiros meses de 2019 mostrarão a diferença do discurso para a prática.