Getúlio Vargas

Antonio Fausto: Getúlio Vargas e o Centro Democrático

Em 130 anos de República, o segundo governo Vargas (1951/1954) foi o primeiro, politicamente, do Centro Democrático. Foi candidato em 1950 pelo PTB, por ele fundado, contra os postulantes do conservadorismo, um deles cristianizado pelo próprio partido, o bom e velho PSD.

O PTB de então congregava políticos progressistas como Roberto Silveira, Leonel Brizola, Almino Affonso e tantos outros que, ao lado de forças centristas, viabilizaram o novo governo eleito, após cinco anos de conservadorismo, arrocho salarial e repressão ao movimento sindical e associativo dos trabalhadores.

O presidente Getulio Vargas faz, então, um bom governo, corrige o salário mínimo, adota pela primeira vez no País o planejamento indicativo, via uma assessoria econômica, onde figuravam técnicos de destaque como Jesus Soares Pereira e Ignácio Rangel.

É fundada a Petrobrás, o BNDES, o Banco do Nordeste do Brasil e criados grupos de trabalho embrionários das futuras Sudene e Sudam, como forma de enfrentamento dos desequilíbrios regionais.

Deposto pelo golpismo civil-militar, a serviço de interesses estrangeiros e oligárquicos nacionais, o presidente Vargas inaugurou, historicamente, um ciclo de governança do Centro Democrático, durante 14 anos, que se encerra com a deposição, pelas mesmas forças golpistas e antinacionais, do presidente João Goulart.

Após vinte anos de regime militar, o Centro Democrático ressurge na eleição de Tancredo Neves, pelo Colégio Eleitoral da ditadura, um feito político de grande valor histórico, que não se efetivou pela morte do presidente, e o exercício efetivo do Poder pelo então vice, José Sarney, cujo governo teve o mérito do encaminhamento da transição, da convocação da Constituinte, mas que termina hegemonizado pelo Centrão congressual e ideológico.

O último governo do Centro Democrático foi do presidente Fernando Henrique Cardoso, em dois mandatos, ganhos no primeiro turno, com o mérito da completude da transição democrática e, com o Plano Real, o enfrentamento da hiperinflação e outras mazelas da economia.

A depender do resultado do segundo turno das eleições municipais em curso, esboça-se, para 2022, o retorno ao Poder Central do Centro Democrático, que se tem mostrado o arranjo político-institucional mais condizente com a governabilidade, o progresso social e a democracia. A ver.

*Antonio Fausto, economista


Luiz Carlos Azedo: Acidentes e suicídios

A campanha eleitoral começa sem nenhuma notícia trágica, apenas uma carta-manifesto do ex-presidente Lula, que está preso em Curitiba, e o registro de sua candidatura, que será impugnada

Agosto costuma ser um mês agourento na política brasileira, os políticos são os mais supersticiosos quanto a isso. O caso mais emblemático é o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, tema obrigatório dos vestibulares. O romance Agosto (Nova Fronteira), de Rubens Fonseca, narra a crise que provocou seu gesto extremo. O catalisador foi o atentado da Rua Toneleros, contra o jornalista Carlos Lacerda (que foi ferido na perna), no qual o major Rubens Vaz, da Aeronáutica, que o acompanhava, morreu. Lacerda era o maior opositor do governo. A partir do episódio, toda a oposição se uniu contra Vargas, de comunistas a udenistas, responsabilizando-o pelo atentado.

A Aeronáutica resolveu fazer uma investigação paralela à da polícia e conseguiu descobrir e prender o atirador, Alcino, o motorista do carro, Climério, subchefe da segurança do Palácio do Catete. Por meio deles, chegou-se ao mandante do crime, Gregório Fortunato, o Anjo Negro, chefe da guarda pessoal de Getúlio Vargas. Aeronáutica, Marinha e Exército, imprensa e opinião pública passaram a exigir a renúncia de Vargas. Acuado e sem apoio, o presidente da República apelou para o suicídio, e em carta-testamento escreveu que saía da vida para entrar na história. Deixou o legado de suas realizações e um manifesto nacionalista, que ainda hoje norteia boa parte da esquerda brasileira.

Outro episódio emblemático foi a renúncia de Jânio Quadros, gesto teatral e enigmático, cuja melhor narrativa é do jornalista Carlos Castelo Branco, o melhor colunista político que Brasília já conheceu. Jânio assumiu o mandato em janeiro de 1961, depois de eleição consagradora, mas não completou sete meses na Presidência. No dia 25 de agosto do mesmo ano, renunciou ao mandato, com uma surpreendente carta-denúncia contra as “forças ocultas”. Foi um suicídio político, que o levou ao ostracismo e ao exílio, embora tenha sido eleito prefeito de São Paulo em 1986, derrotando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

No seu brevíssimo governo, Jânio bateu de frente com os Estados Unidos, ao defender a autodeterminação dos povos, condenar as intervenções estrangeiras, o envolvimento norte-americano no episódio da Baía dos Porcos e o isolamento de Cuba. Restabeleceu relações com a antiga União Soviética e a China, e condecorou o líder comunista Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul. Essas atitudes abalaram as relações de Jânio com os aliados, principalmente com a UDN. Na véspera da renúncia, que o Congresso aceitou de pronto, Lacerda chamou Jânio de golpista, em cadeia de rádio e tevê. Somente em 1992, Jânio admitiu que a renúncia foi um blefe, que acabou levado a sério por adversários e antigos aliados.

Desastres

Já a morte de Juscelino Kubitschek, o criador de Brasília, se inscreve na categoria dos desastres. Em 22 de agosto de 1976, o ex-presidente viajava de São Paulo para o Rio de Janeiro no banco de trás de seu Opala, quando sofreu o acidente fatal. O motorista Geraldo Ribeiro, que trabalhava com JK havia 30 anos, também morreu. Segundo a perícia, o automóvel seguia pela rodovia Presidente Dutra, na altura do quilômetro 165, próximo à cidade de Resende, quando foi atingido por um ônibus. Desgovernado, o veículo cruzou o canteiro de segurança em alta velocidade e se chocou contra uma carreta na contramão, sendo arrastado por 30 metros. Apesar da censura oficial do regime militar, que proibiu menção ao fato de que JK tivera os direitos políticos cassados pelo governo militar, e também qualquer alusão aos anos de seu mandato presidencial (1956-1961), sua morte comoveu o país. Em Brasília, 20 mil pessoas foram ao enterro de JK, cujo memorial é uma atração turística da capital federal.

Na segunda-feira, completaram-se quatro anos de outro desastre: a morte do ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, num desastre aéreo, em plena campanha para a Presidência da República. Uma missa reuniu parentes e amigos no Recife. A queda do avião ocorreu por volta das 10h do dia 13 de agosto, em Santos. O avião havia decolado do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, com destino ao Aeroporto de Guarujá, também no litoral. Além de Campos, outras seis pessoas estavam na aeronave: Alexandre Severo Silva, fotógrafo; Carlos Augusto Leal Filho (Percol), assessor; Geraldo Magela Barbosa da Cunha, piloto; Marcos Martins, piloto; Pedro Valadares Neto e Marcelo de Oliveira Lyra. Recentemente, a Aeronáutica concluiu que uma falha mecânica ou colisão com ave pode ter causado o acidente.

A campanha eleitoral para presidente da República começa hoje sem nenhuma notícia trágica, apenas uma carta-manifesto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está preso em Curitiba, e o registro teatral de sua candidatura pela cúpula do PT, mesmo sabendo que o ex-presidente está inelegível pela Lei da Ficha Limpa. A candidatura de Lula a presidente da República é um blefe, pois será impugnada. Se a manobra para transferir votos para a chapa Haddad-Manoela não der certo, será um suicídio político.

 


Luiz Carlos Azedo: Salvadores da pátria

O sebastianismo é uma herança tão forte quanto o velho patrimonialismo das oligarquias brasileiras. Até caminham de mãos dadas, embora aparentemente se contraponham

A face mais popular do iberismo no Brasil é o sebastianismo, um mito messiânico originário do desaparecimento do D. Sebastião na batalha de Alcácer-Quibir, no Marrocos, a 4 de agosto de 1578. Menino ainda, assumiu o trono; o rei de Portugal morreu aos  24 anos e não deixou herdeiros. Em consequência, a primeira nação da Europa ocidental, que vinha de um exitoso ciclo de expansão marítima, mergulhou num período de frustração e desgoverno, sendo anexada pela Espanha em 1580. À época, o episódio personificou o mito do Encoberto, muito conhecido entre os cristãos-novos, por causa das profecias de Gonçalo Antônio Bandarra, um sapateiro de Trancoso, cujas trovas incomodavam a Inquisição:

“Augurai, gentes vindouras, / Que o Rei que daqui há-de-ir, / Vos há-de tornar a vir/ Passadas trinta tesouras. / Dará fruto em tudo santo, /Ninguém ousará negá-lo;/ O choro será regalo/ E será gostoso o pranto.”

Em sua defesa, Bandarra sustentou, perante os inquisidores, que havia se inspirado na Bíblia, ao ler os livros de Daniel, Isaías, Jeremias e Esdras, que profetizavam a vinda de um rei que traria, finalmente, a paz e a justiça aos povos da terra. Esse foi o ponto de partida para criação do mito, que mais tarde seria acalentado nas obras de Camões, do padre Antônio Vieira e até mesmo de Fernando Pessoa, que invoca o velho sebastianismo para mexer com os brios dos portugueses, diante da decadência em que se encontrava o seu país na primeira metade do século passado, desencantado com a República e a humilhação perante a Inglaterra.

Essa profecia de regresso de um salvador da pátria acabou tendo forte influência no Brasil, sobretudo no Nordeste. Ariano Suassuna, em seu Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, reconfigura o mito: “Guardai, Padre, esta espada, porque um dia hei de valer dela com os Mouros, metendo o Reino pela África adentro Dom Sebastião I — ou Dom Sebastião, O desejado — Rei de Portugal, do Brasil e do Sertão”. Descreve o sangrento movimento messiânico do qual participaram os antepassados do personagem-narrador, Pedro Dinis Quaderna, por volta de 1830, na cidade de São José do Belmonte (PE). Depois de sonhar com dom Sebastião, o sertanejo João Antônio dos Santos fundou um movimento messiânico que culminou na morte de 80 pessoas. Em maior escala, o messianismo ressurgiria no Brasil com o místico Antônio Conselheiro, líder dos jagunços de Canudos, no interior da Bahia.

Alguns líderes políticos, de certa forma, encarnaram o sebastianismo ou desejaram fazê-lo. É o caso do líder tenentista Luís Carlos Prestes, que se tornou um mito político depois de percorrer cerca 25 mil quilômetros, em 11 estados, durante dois anos, com sua coluna que chegou a ter 1.200 rebeldes. Cerca de 200 homens cobriram todo o percurso até se dispersarem, uma parte na Bolívia, outra no Paraguai. A adesão de Prestes ao comunismo, porém, reposicionou e limitou sua liderança, que acabou suplantada pelo governador gaúcho Getúlio Vargas, líder da Revolução de 1930, que governou o país por meio de uma ditadura, até 1945.

Espaço vazio

A legislação trabalhista e o salário-mínimo mantiveram inabalado o prestígio de Vargas após 15 anos de ditadura, possibilitando sua volta ao poder em 1950 pelo voto, embora o legado dele fosse além dessa fronteira, em razão da reforma do Estado e do seu papel na industrialização do país. Desde então, amalgamado ao populismo, o messianismo no Brasil tornou-se um fenômeno muito mais político do que místico-religioso, que sobrevive apenas nas festas populares, como nas Cavalhadas.

É nesse leito que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva manteve sua base eleitoral, depois de governar o país por oito anos, com programas compensatórios como o Bolsa Família, que facilitam a construção da imagem de suposto “pai dos pobres”, ainda que sua estratégia de desenvolvimento tenha fracassado e levado o país ao desastre econômico no governo Dilma. Nem de longe se compara ao legado de Vargas.

Do ponto de vista da política, o sebastianismo é uma herança tão forte quanto o velho patrimonialismo das oligarquias brasileiras. Até caminham de mãos dadas, embora aparentemente se contraponham. As alianças de Lula no Nordeste são um bom exemplo disso. No Brasil meridional, porém, o fenômeno não tem a mesma intensidade. O divórcio entre a política e a sociedade está gerando um outro tipo de liderança, de viés conservador e autoritário, que preenche o espaço vazio, no caso, a candidatura do deputado Jair Bolsonaro (PSC), mas que também se apresenta como “salvador da pátria”.

Os demais candidatos a presidente da República, embora com uma trajetória política mais orgânica e institucional, enfrentam dificuldades para se colocar como real alternativa de poder. O divórcio entre o Estado e a sociedade e a desmoralização dos partidos em razão do envolvimento de seus líderes com a crise ética fazem com que, no âmbito da sociedade civil, muitos procurem um novo São Sebastião fora do mundo da política. A rigor, nada impede que isso ocorra, mas ninguém vai resolver os problemas do país com reza ou num passe de mágica


Luiz Carlos Azedo: Quem perdeu?

O governo e a oposição, o Congresso e os partidos políticos, talvez boa parte dos governos estaduais, caíram no descrédito popular

A geração de políticos formada na Segunda República (1945-1964) foi derrotada pela radicalização que a Guerra Fria fomentou numa sucessão de crises antecedentes ao golpe militar de 1964, que depôs o presidente João Goulart. As principais ocorreram em 1954 (suicídio de Getúlio Vargas), 1956 (posse de Juscelino Kubitschek) e 1961(renúncia de Jânio Quadros). Sucumbiram no processo quase todos os protagonistas, com exceção de Leonel Brizola, o incendiário, que após a anistia elegeu-se governador do Rio de Janeiro, em 1982, e Tancredo Neves, o bombeiro, que elegeu-se presidente em 1985, mas não chegou a tomar posse. José Sarney, o vice que assumiu a Presidência da República, e Ulysses Guimarães, o grande líder da oposição que presidiu a Constituinte eleita em 1986, eram políticos coadjuvantes no pré-64.

Do legado da geração de políticos que emergiu do regime militar, quase tudo foi volatilizado pela crise atual. Individualmente, é difícil reconhecer o próprio fracasso, mas, diante das revelações da Operação Lava-Jato e do buraco em que nos metemos, fica evidente o fracasso de uma geração. O governo e a oposição, o Congresso e os partidos políticos, talvez boa parte dos governos estaduais, caíram no descrédito popular. Como negar esse fracasso a 13 milhões de desempregados, outros tantos que vivem da economia informal, aos milhões de jovens sem perspectiva de emprego futuro — boa parte já fora da escola. Pela primeira vez na história, uma geração entregará o país em condições piores do que o recebeu.

Não é à toa a situação de esgarçamento social existente, que favorece a radicalização política. A Guerra Fria já não existe, mas o clima é de guerra quente por causa da crise na Síria. O país perdeu o consenso em torno de algumas ideias que balizaram a transição à democracia. Durante a Constituinte, havia grandes consensos em relação à política externa, ao modelo industrial, ao acesso universal à saúde e à educação, à legislação trabalhista, ao regime tributário, ao sistema partidário, ao sistema eleitoral, às questões agrária e indígena etc.

As posições extremas em relação a tudo isso estavam isoladas.Trinta anos depois, não há mais consenso sobre nada. O nosso Estado de direito democrático sustenta-se no que está escrito na Constituição de 1988 e não no amplo entendimento sobre a realidade social, para onde e como o país deve caminhar. Os indicadores de violência são um fator perturbador de que a convivência social é muito frágil, basta tirar a polícia da rua — ou dos estádios — para emergir a barbárie.

Quando se ouve a voz da maioria dos políticos, a sensação é de que estão repetindo os mesmos discursos há 30 anos. O que predomina no debate político são visões ideológicas, incapazes de abrir caminhos para o enfrentamento da crise atual, porque refletem de forma distorcida as reais contradições da sociedade. Ou, simplesmente, são carapaças políticas nas quais se escondem, sem acreditar nas próprias palavras. É impossível construir novos consensos quando não há diálogo e abertura para dar vazão ao novo.

O que fazer?

Um dos efeitos colaterais da reeleição de presidentes, governadores e prefeitos foi empurrar a fila para trás. Quando se compara nossas lideranças com as de outras nações — basta assistir aos telejornais —, é flagrante a diferença de gerações. Não se formou ainda uma nova geração de líderes. Nossos principais políticos são os mesmos desde a Constituinte, com raras exceções. E não foram capaze até agora de construir novos consensos em torno de ideias básicas que promovam o crescimento, combatam os privilégios, reduzam as desigualdades, enfrentem seculares iniquidades sociais, como o analfabetismo, a falta de moradia e a discriminação racial.

Essa dificuldade é maior porque muitas das ideias da nossa elite política estão sendo atropeladas pela revolução tecnológica e a economia do conhecimento. O mais dramático nesse aspecto é que a nova geração de políticos está numa gestação de risco, muitos dos quais já condenados às ideias anacrônicas. Assim como ficamos de fora das três revoluções industriais, fomos excluídos da quarta. O lugar cativo do Brasil na nova divisão internacional do trabalho é exportar alimentos in natura e granulados de minério. Se quisermos realmente ser mais do que isso, utilizando o potencial que temos, o país terá que se reinventar sob vários aspectos, a começar pelo Estado. É aí que está instalado o maior conflito.

O Estado no Brasil é anterior à nação. Foi o guardião da escravatura até 1888. A partir de 1930, transformou-se na alavanca da industrialização. A forma mais rápida e lucrativa de reprodução e concentração de capital no Brasil é a transferência de renda do Estado para o setor privado, desde sempre. Sua reforma pressupõe a reinvenção do capitalismo no país. Esse talvez seja o grande busílis do novo consenso a ser construído. Já existe uma opinião pública majoritariamente engajada na ideia de que os grandes interesses privados precisam ser apartados dos mecanismos de decisão do Estado, mas como traduzir isso na política? Sem os políticos e o Congresso, é impossível.

Luiz Carlos Azedo é jornalista


Fonte: http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-quem-perdeu/