gabinete do ódio

Bernardo Mello Franco: Tropa de trapalhões

Em duas semanas, o Planalto já acumula ao menos sete vexames na CPI da Covid. A série começou quando o UOL publicou uma planilha da Casa Civil com 23 acusações contra o governo. A lista foi redigida para ajudar os bolsonaristas. Ao vazar, virou arma para a oposição.

Na semana passada, O GLOBO revelou que requerimentos assinados por senadores governistas foram produzidos em computadores da Presidência. Os registros eletrônicos mostram que os parlamentares atuaram como laranjas do capitão.

Nesta terça, o ex-ministro Henrique Mandetta expôs mais uma lambança. O ministro Fábio Faria enviou para o celular dele, por engano, uma pergunta que seria feita pelos aliados de Bolsonaro.

No dia seguinte, os governistas protagonizaram outro papelão: tentaram impedir as representantes da bancada feminina de falar. Os senadores Ciro Nogueira e Marcos Rogério se esforçaram para calar as colegas no grito. Foram desautorizados até por Soraya Thronicke, uma bolsonarista de carteirinha.

O general Eduardo Pazuello ainda não deu as caras, mas já acumula dois vexames na CPI. Na terça, apresentou uma desculpa esfarrapada para adiar seu depoimento. Disse que teve contato com dois coronéis contaminados, embora não tenha se prestado a fazer um teste de Covid-19.

Ontem o drible se transformou em escárnio. Enquanto dizia estar isolado no hotel de trânsito do Exército, o general fujão recebeu a visita do ministro Onyx Lorenzoni.

O sucessor de Pazuello protagonizou a sétima trapalhada governista. Num depoimento arrastado, Marcelo Queiroga deixou dezenas de perguntas sem resposta. A cada enrolação, evidenciava o medo de dizer algo que desagradasse o chefe.

“O senhor é médico, fez o juramento de Hipócrates, mas não consegue responder àquilo que eu pergunto”, protestou o senador Otto Alencar. Queiroga continuou a embromar e voltou para casa com o apelido de ministro Rolando Lero.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/bernardo-mello-franco/post/tropa-de-trapalhoes.html


Beatriz Della Costa: A sociedade civil tem que pautar a política

Umas semanas atrás fui entrevistada por uma jornalista que me perguntou assim: “Como mudar a situação do Brasil?”. Minha primeira reação foi partir para o óbvio: lockdown, vacina e auxílio emergencial. “Mas o que podemos fazer hoje para transformar esse cenário amanhã?”, ela insistiu. Fiquei aflita, pois não tenho a resposta. O que pude dizer foi que não há solução imediata, que a ideia do impeachment se esvai a cada dia e que já está bem claro que somos triplamente reféns: do vírus, do Governo negacionista e de políticos fisiologistas.

A conversa me deixou reflexiva. Primeiro pela essência da pergunta em si, que enfatiza o quanto estamos todos ansiosos para sair do buraco. Depois, pela constatação da inexistência de uma saída rápida. O bolsonarismo está por aí desde antes de 2018 e, de uma forma ou de outra, vai persistir para além de 2022 ou 2026. Ele representa um pensamento com o qual 30% da população de certa maneira se identifica. Então, querer mudar o futuro é, primeiro, ser capaz de olhar para este presente e entendê-lo a partir das heranças do passado, boas ou ruins. Precisamos lembrar que o bolsonarismo apenas vocaliza o comportamento de um país que se desenvolveu a partir do autoritarismo, da escravidão, da violência, do extrativismo.

E o que a gente sente é que ninguém, seja no governo ou na oposição, está preocupado em fazer isso, em delinear um projeto de país. Os partidos e os políticos, os tais fisiologistas de que falei, estão ali travando uma disputa de cabo de guerra que nada tem a ver com você ou comigo. De onde, então, pode vir a esperança? A que podemos nos apegar?

Sou cética no que diz respeito a uma oposição que, sem propostas, busca a união pela via do “anti”, mas confesso que aquele primeiro discurso de Lula depois de seu retorno ao jogo político, em março, me fisgou. Vi ali uma chance de enfim fugirmos destes tempos com sabor de 1964. A questão que fica é: para que futuro Luiz Inácio nos levaria? Chegaríamos finalmente à terceira década do século XXI? Ou iríamos para o futuro de 2010, numa continuidade direta de seu segundo mandato? Seja como for, a escolha entre 1964 e 2010 não é nada difícil.

Não tenho dúvidas, entretanto, de que a única maneira de entrarmos de vez no século XXI é nos livrando por completo da ideia de salvadores da pátria. Não existe mágica, não existem personificações puras do bem e da mudança. Qualquer pessoa que se proponha a botar o país nos eixos, a nos reinserir numa linha do tempo próxima à realidade, deve governar pelo diálogo com os mais diferentes grupos da população. Lula talvez esteja dando umas dicas de que está disposto a fazer isso (anda falando de imprensa livre, segurança, relações internacionais, pandemia e de vez em quando até de meio ambiente), mas já conhecemos suas limitações: além de representar um grupo político com visões enraizadas no fim do século XX, também é, de certa forma, parte do problema que vivemos.

No meio disso tudo, a sociedade civil tem a grande missão de começar a pautar a política de maneira menos centralizada e dependente. Precisamos disseminar o diálogo construtivo entre o poder público e, também, entre a população. Desde já, as organizações precisam ouvir brasileiros de todos os tipos, brasileiros que pensam de muitas maneiras, brasileiros que votam em pessoas diferentes. Isso vai decifrar insatisfações e, o mais importante, desvendar os pontos de convergência que podem fomentar um projeto de país e repavimentar a estrada para um Brasil justo e humano. Poucos países têm uma sociedade civil tão sólida, é hora de usarmos isso a nosso favor.

Sei que estamos resolvendo emergência atrás de emergência. Quando o encanamento se rompe e tudo fica debaixo d’água, vamos pensar em chamar um bombeiro hidráulico ou na reforma da casa? É possível lidar com a urgência e ao mesmo tempo se dedicar à construção de um futuro? Só há uma resposta: tem que ser. Estamos diante do grande desafio desta geração, a reconstrução do nosso tecido social. E chegou o momento de enfrentarmos nossos medos e as sombras do nosso passado, estabelecermos conversas, praticarmos a tolerância e sairmos Brasil adentro para construir nossos sonhos para o século XXI.

Beatriz Della Costa é cientista social, cofundadora e diretora do Instituto Update, organização da sociedade civil sem fins lucrativos que lançou em 2020 o projeto Eleitas: Mulheres na Política (www.eleitas.org.br), que mapeou mais de 600 mulheres e entrevistou mais de 100 para mostrar como elas vêm transformando a política, a sociedade e a democracia na América Latina.

Fonte:

El País

https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-05-05/a-sociedade-civil-tem-que-pautar-a-politica.html


Alon Feuerwerker: O atraente bidenismo

A política econômica do governo Joe Biden vem atraindo certo entusiasmo nas correntes políticas da oposição, pela esquerda, ao governo Jair Bolsonaro. É compreensível. Após muitos anos de difusão do chamado Consenso de Washington, eis que na capital do mesmo nome surge uma administração a propor, entre outras coisas, emitir moeda, reforçar o papel do investimento estatal e taxar quem tem mais, para distribuir a quem tem menos.

A mudança ali, com as ondas de influência irradiadas mundo afora, soma-se vetorialmente por aqui a uma certa frustração com a colheita das políticas aplicadas desde pelo menos a Ponte para o Futuro de Michel Temer. Na sequência veio a dupla Bolsonaro-Paulo Guedes. É razoável admitir que existe alguma continuidade nas orientações definidas para a economia pelos governos que mandam no Planalto desde a ruptura de 2016.

Claro que a análise objetiva exige levar em conta as circunstâncias. Cada um de nós é ele mesmo e suas circunstâncias. Uma foi o governo Temer ter entrado em modo de sobrevivência por razões da área policial, e depois a pandemia da Covid-19 pegou pela proa a administração Bolsonaro. Mas aí enveredamos pelo terreno das explicações e justificativas. E na política, a exemplo de outras esferas da vida, quem começa a se explicar e justificar já está perdendo.

Os ventos bidenistas e a crônica pasmaceira econômica acenderam no Brasil o desejo de uma guinada. Mas qual a viabilidade dela? Que candidato com chances vai pegar a estrada em 2022 dizendo que irá fazer dívida pública pesada para ampliar o investimento estatal e prometendo tomar o dinheiro dos “ricos” (que no Brasil, na prática, incluem uma gorda fatia da classe média) para redistribuir renda pela mão do Estado?

Políticas econômicas precisam ter, antes de tudo, viabilidade política. Há sim teóricos respeitáveis que garantem: fazer dívida em moeda nacional não produz inflação. Mas qual presidente vai arriscar, no sempre instável cenário institucional brasileiro, colocar todas as fichas numa teoria contraintuitiva? Se der errado, seus autores no máximo farão autocrítica. Já o político provavelmente terá ido para o cadafalso, talvez metafórico.

Há uma diferença importante entre o Brasil e os Estados Unidos. Eles podem legalmente imprimir dólares sem lastro e nós podemos imprimir reais sem lastro, mas não parece que as consequências venham a ser as mesmas. Isso e outros fatores devem impelir os candidatos competitivos a buscar soluções mais convencionais. Uma em especial: a atração maciça de capitais externos para fazer subir a taxa de investimento privado.

Eis por que no próximo governo, pois entramos na etapa conclusiva deste, talvez um ministério de importância renovada será o das Relações Exteriores. E quem sabe não deveríamos voltar nossos olhos também para o Oriente, em vez de apenas para o Norte? É pouco razoável imaginar que a economia brasileira vai se erguer puxando os próprios cabelos para cima. Ou colocando todas as fichas de política exterior numa única casa.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

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Publicado na revista Veja de 28 de abril de 2021, edição nº 2.737

 

 

Fonte:

 

Análise Política
http://www.alon.jor.br/2021/05/o-atraente-bidenismo.html

 

Veja
https://veja.abril.com.br/blog/alon-feuerwerker/o-atraente-bidenismo/


Eliane Cantanhêde: Gabinete das trevas

A estrela da CPI da Covid nesta semana é a cloroquina, mas a da semana que vem será a vacina. O governo Jair Bolsonaro não sai bem nem numa nem na outra e todas as perguntas giram em torno de um mesmo eixo: o grave negacionismo científico do próprio presidente da República diante da cloroquina, da máscara, do distanciamento, da vacina. De toda a pandemia, enfim.

A cronologia da CPI corresponde e expõe às câmeras, para o Brasil inteiro, a própria realidade do governo. Luiz Henrique Mandetta foi demitido do Ministério da Saúde por defender teses e protocolos científicos e da OMSNelson Teich foi colocado lá para ficar quieto, não atrapalhar, mas se rebelou quando percebeu a roubada. E o jeito foi meter um general da ativa do Exército, Eduardo Pazuello, para fazer o papel de bobo, obedecendo a tudo que seu mestre mandasse.

Por trás dessa cronologia, há o que Mandetta revelou já no primeiro dia de depoimentos: quem manda na pandemia não é o Ministério da Saúde, logo, nem Mandetta, nem Teich, nem Pazuello, mas, sim, o presidente, com um gabinete das sombras, ou das trevas. Não consta que Bolsonaro seja médico, cientista ou saiba a diferença entre vírus e bactéria. E não se sabe quem são e qual é a formação e a expertise em saúde, particularmente em saúde pública, dos tais integrantes do gabinete misterioso.

É dali, porém, que saem decisões estapafúrdias que dizem respeito à vida de todos os brasileiros e foram rechaçadas por Mandetta e Teich, mas assumidas alegremente por Pazuello e pela cúpula do governo. Não fosse assim, o que levaria um outro general, este da reserva, mas de quatro-estrelas, a ter de se vacinar escondido? E por que demorar um ano inteiro para lançar uma simples campanha para orientar os cidadãos para o uso de máscara, álcool em gel, distanciamento, vacina?

A grande dúvida, porém, é quanto ao quarto ministro em plena pandemia: o que defende, faz e pretende, e qual o grau de autonomia do médico Marcelo Queiroga em relação ao “doutor” Bolsonaro e ao gabinete das trevas? Como ele entrou e saiu da CPI sem citar uma única vez a palavra “cloroquina”, nem para aprovar, nem para condenar, as duas perguntas ficaram sem resposta conclusiva.

Foi aflitivo assistir ao depoimento. Queiroga fez um esforço gigantesco para se equilibrar entre suas crenças e a condição de ministro de Bolsonaro, tentando resumir tudo a um mantra: “A solução está na vacinação”. Não deixou, porém, de admitir, transversalmente, ou nas entrelinhas, que também é a favor das máscaras e do isolamento social e contra a cloroquina. Ou seja: não acusou Bolsonaro, mas disse, sem dizer, que defende exatamente o oposto do presidente, seu chefe.

Um exemplo da saia-justa foi quando, sem ter o que responder à pergunta sobre a orientação do Ministério da Saúde para “tratamento precoce”, que não tem respaldo científico em lugar nenhum do mundo, ele frisou que, “na minha gestão”, não houve orientação nem distribuição de cloroquina. Leia-se: se havia e não há mais é porque… ele é contra.

Enquanto a CPI expõe os absurdos de Bolsonaro, ele tenta distrair a plateia. Umas sacadas são só de mau gosto, como rir do cabelo “black power” de um seguidor: “Tô vendo uma barata aqui!”. Outras vão além, como chamar os contrários à cloroquina de “canalhas” ou voltar a atacar a China gratuitamente numa hora dessas. Os efeitos não são contra a pessoa de Jair Bolsonaro, mas contra o interesse nacional e a vida dos brasileiros.

Por falar em vida, lá está o Brasil mais uma vez de forma desoladora na mídia internacional, com a chacina no Rio, onde um tiroteio entre polícia e bandidos deixou 25 mortos. É essa a imagem do “novo Brasil”, esse Brasil do gabinete das trevas.

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,gabinete-das-trevas,70003706947


Foto: Beto Barata\PR

Bela Megale: 'Gabinete do Ódio' da Presidência será alvo de convocação da CPI da Covid

Funcionários do Palácio do Planalto que integram o chamado “gabinete do ódio” serão alvos de um pedido de convocação da CPI da Covid, instaurada nesta terça-feira no Senado. O PT vai solicitar a convocação dos assessores da presidência da República Tércio Arnaud Tomaz, José Matheus Salles Gomes e Mateus Matos Diniz. O trio bolsonarista é apontado como responsável por ataques a adversários do presidente nas redes sociais.

Uma das frentes articuladas pela oposição mira o uso de redes sociais para disseminar fake news que boicotam medidas sanitárias, como uso de máscara, além de ataques a autoridades que decretaram medidas de isolamento social, como governadores e prefeitos. Para isso, os senadores trabalham em um pedido de compartilhamento de dados da CPMI das fake news com a investigação da Covid.

A ideia é saber se houve dinheiro público e até de privado de apoiadores do presidente na disseminação de ataques e notícias falsas relacionadas à pandemia. A avaliação da oposição é que, ao unir a negligência do governo federal sobre a pandemia e o uso de fake news, Bolsonaro terá que lidar com os temas mais espinhosos de sua gestão.

– Se o presidente da CPI da Covid requisitar algum material, não há problema nenhum. O que for pedido sobre fake news relacionadas às vacinas, Covid-19, estamos dispostos a compartilhar – disse o senador Angelo Coronel (PSD-BA), presidente da CPMI das fake news.

Os senadores também pretendem explorar investimentos do governo federal em campanhas como “O Brasil não pode parar”, que pregava contra o isolamento social e acabou proibida pela Justiça, a ações de marketing com influenciadores digitais defendendo o tratamento precoce, ou seja, o uso de remédios sem eficácia para tratar a Covid-19.


Folha de S. Paulo: PF reforça ligação de 'gabinete do ódio' do Planalto com investigados por atos antidemocráticos

Polícia Federal tenta esclarecer se dinheiro arrecadado por canais bolsonaristas foi repassado a terceiros

Marcelo Rocha, da Folha de S. Paulo

A Polícia Federal colheu mais informações que reforçam a ligação de assessores especiais do chamado “gabinete do ódio” da Presidência com youtubers bolsonaristas suspeitos de estimular os ataques antidemocráticos contra autoridades do STF (Supremo Tribunal Federal) e do Congresso.

Responsáveis por canais de YouTube que apoiam o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) foram ouvidos pela PF no inquéritos dos atos antidemocráticos nos últimos meses e, de acordo com as informações em poder dos investigadores, o cerco se fecha em torno de auxiliares diretos do chefe do Executivo. A apuração ainda está em andamento.

Em uma das linhas de apuração, a PF tenta esclarecer se dinheiro arrecadado com a monetização de canais bolsonaristas foi repassado a terceiros, “que possam ser os reais proprietários”, diz um trecho do inquérito, que tem cerca de 1.250 páginas, a que a Folha teve acesso.

Não há, por ora, elementos que reforcem essa suspeita. Dois investigados já foram questionados sobre essa questão e negaram. Os ganhos relatados pelos próprios investigados superam os R$ 100 mil mensais, segundo informação divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo e confirmada pela reportagem.

O "gabinete do ódio" é o responsável por parte da estratégia digital bolsonarista. A existência do grupo foi revelada pela Folha em setembro de 2019. O bunker ideológico está instalado numa sala no terceiro andar do Palácio do Planalto, a poucos passos do gabinete da Presidência.

Folha também mostrou que são cinco os assessores diretos do presidente investigados por suspeita de envolvimento com perfis de apoio a Bolsonaro nas redes sociais que estimularam os atos antidemocráticos no primeiro semestre deste ano.[ x ]

São eles Tércio Tomaz Arnaud, José Matheus Sales Gomes, Mateus Matos Diniz, apontados como integrantes do “gabinete do ódio”, além de Max Guilherme Machado de Moura, ex-policial do Bope do Rio de Janeiro, atualmente assessor especial no gabinete pessoal do presidente, e do tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro.

Em depoimento à PF, de acordo com o inquérito, Anderson Rossi, do canal Foco do Brasil, disse que recebeu de Tércio, por meio do WhatsApp, vídeos do presidente.

Rossi disse à PF que conseguiu o contato de Tércio na internet, nos números telefônicos oficiais disponibilizados pela Presidência. Afirmou ainda que se apresentou ao assessor especial como proprietário do canal Foco do Brasil.

“Que em contato com Tércio ofereceu seu apoio para enviar vídeos do canal Foco do Brasil sobre o presidente Jair Bolsonaro”, diz um trecho do depoimento. De acordo com ele, o canal no YouTube chega a receber cerca de R$ 140 mil mensais em monetização.

O Foco do Brasil, segundo Rossi, tem um escritório virtual em Brasília e se cadastrou na assessoria de imprensa do Palácio do Planalto. Ele disse ainda que mantém uma equipe de repórter cinematográfico e câmera para “pegar algumas imagens do presidente Jair Bolsonaro” nos palácios do Planalto e da Alvorada.

Cleitomar Basso, que presta serviços para o Foco do Brasil, disse à PF que não recebe vídeos do presidente Bolsonaro por meio de Tércio, mas de Rossi.

Em outro trecho, quando questionado sobre as imagens que são apresentadas pelo jornal do Foco do Brasil, ele disse que elas são disponibilizadas publicamente pela Agência Brasil, empresa de comunicação do governo federal, e pelo próprio presidente, entre outras fontes jornalísticas e personalidades públicas.

Ajudante de ordens do presidente, o tenente coronel Mauro César Barbosa Cid afirmou que já manteve contato com Allan dos Santos, do canal Terça Livre, por meio do WhatsApp. Disse que Allan solicitava participação do presidente em seu canal e “informações de bastidores que pudessem ser utilizadas no canal Terça Livre”.

Tércio, por sua vez, disse que participou de grupo de WhatsApp administrado por Allan dos Santos. “O declarante foi inserido por Allan, pois ele queria montar um grupo que pudesse se reunir na casa de Allan, semanalmente, para discutir temas relacionados ao governo federal com pessoas que estão dentro do governo”, narrou.

O assessor especial disse que “nunca participou desses eventos e que se manteve no grupo como forma de se informar de temas de interesse”.

Em nota, a Secom (Secretaria Especial de Comunicação) negou que a secretaria ou integrantes do Palácio do Planalto contribuíram com conteúdos antidemocráticos.

"Não há apoio do governo e nenhum centavo sequer destinado a qualquer blog ou canal digital, diferentemente de outras gestões que patrocinaram com verbas públicas sites e blogs de esquerda", afrmou no comunicado.

"Fazer correlação com vídeos e conteúdos disponíveis publicamente na rede, em blogs de terceiros, é mero exercício de ficção, querendo impor a esse governo relação com atos antidemocráticos."

A Secom afirmou ainda que "não há gabinete do ódio" e que "não há um centavo de dinheiro público em sites antidemocráticos".

A secretaria disse que o governo está prestando todos os esclarecimentos às autoridades e confia que a Justiça prevalecerá.

"Temos convicção que todos os fatos serão esclarecidos em nome da mesma democracia que tanto nos acusam de desrespeitá-la. A verdade vencerá."​


Merval Pereira: Relações perigosas

Como o ‘gabinete do ódio’ atuou durante os primeiros meses de governo, eventuais crimes estarão ligados ao presidente

Os assessores de Bolsonaro membros do chamado “gabinete do ódio” no Palácio do Planalto, principalmente Tercio Arnaud Tomaz, assessor-especial, são a partir de agora os principais obstáculos para a permanência dele à frente do governo, superando a ameaça que Queiroz representa.

Prevalecia entre os assessores jurídicos do Planalto a tese de que Bolsonaro não corria perigo de impeachment devido às apurações da rachadinha, mesmo que seu nome aparecesse diretamente ligado à prática, porque os fatos aconteceram antes de ele assumir a presidência da República, e o presidente não pode ser julgado pelo que ocorreu antes de seu mandato.

Como, no entanto, o chamado “gabinete do ódio” atuou durante os primeiros meses de governo, os eventuais crimes cometidos estarão diretamente ligados ao próprio presidente. Por outro lado, os processos que correm no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estão relacionados à interferência das redes sociais, especialmente do WhatsApp, na campanha presidencial e invasões de sites contra Bolsonaro.

A relação de Tercio Arnaud Tomaz com o presidente Bolsonaro vem de pelo menos 2015, muito antes de o projeto presidencial ter tomado corpo. Ele foi, aliás, o criador de memes que viralizaram na internet, na página "Bolsonaro Opressor”, criada em 2015, depois aperfeiçoada para “Opressor 2.0”, que publicava críticas violentas contra adversários do presidente, e Bolsonaro usando aqueles óculos de memes quando dava alguma declaração considerada bombástica, ou respondia a uma acusação de modo peremptório.

Foi Tercio Arnaud também quem popularizou o apelido de “Mito” para Bolsonaro, que naturalmente adorou. O presidente certa vez disse que esse apelido surgiu quando estava na caserna, e achavam que suas pernas eram finas “como palmito”. Não se sabe se ele contou essa história para Tercio, ou se a inventou para não parecer presunçoso.

O fato é que Tercio o admirava tanto que chorou ao telefone pela primeira vez, quando foi convidado para trabalhar com Bolsonaro em Brasília como assessor parlamentar do então deputado federal. No começo de 2018, já em plena campanha presidencial, foi transferido para o Rio, com direito a casa e emprego.

Foi viver em um pequeno apartamento de Bolsonaro na Barra da Tijuca, próximo ao condomínio onde morava. Não era lá grande coisa, dormia num colchão no chão do apartamento sem mobílias. Mas vivia para cima e para baixo com “o capitão”.

O emprego foi de assessor do vereador Carlos Bolsonaro, também muito ligado às redes sociais. Carlos, aliás, ontem, postou uma mensagem enigmática no twitter dizendo que “ninguém é insubstituível”, e que pretende encontrar novos caminhos. Não se sabe exatamente o quis dizer, apenas que o baque da ação do Facebook foi grande.

A proximidade de Tercio Arnaud com Bolsonaro é tamanha que não foram poucas as vezes em que ele dormiu no Palácio da Alvorada, trabalhando com o presidente a estratégia de redes sociais. O sucesso de sua página “Bolsonaro News” levou a que tivesse também uma página no Instagram.

O Laboratório Forense Digital do Atlantic Council, que fez a investigação para o Facebook, aponta Tercio como administrador da página de Instagram @bolsonaronewsss. Essas ligações perigosas entre os dois provavelmente levarão a que os inquéritos em progresso tanto no Supremo Tribunal Federal (STF) quanto no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sejam alimentados com as informações do Facebook.

Ambos os inquéritos têm como escopo as fake news e a influência delas na campanha presidencial não seria uma inovação. Basta que os relatores, ministro Alexandre de Moraes no STF e Og Fernandes no TSE requeiram a anexação. É possível também que algum parlamentar, ou partido político, peça anexação do resultado da investigação do Facebook, mas a decisão será sempre dos relatores.


Merval Pereira: Gabinete do ódio

A decisão do Facebook confirmou que ações ilegais são cometidas dentro do Palácio do Planalto

O “gabinete do ódio”, que durante anos foi dado por bolsonaristas como uma fake news, materializou-se ontem, como nomes e datas, na ação internacional do Facebook que tirou do ar uma rede composta por 88 contas, páginas e grupos que atuavam em conjunto no Facebook e também no Instagram, empresas do mesmo grupo, todos com ligações com o presidente Bolsonaro, seus filhos, e políticos aliados.

A decisão do Facebook confirmou que ações ilegais são cometidas dentro do Palácio do Planalto, com um grupo de assessores pagos para disseminar notícias falsas. Um dos objetivos do Facebook é tentar mudar a imagem da companhia, percebida por parte de anunciantes importantes e da sociedade internacional como veículo conivente com a difusão de mentiras e campanhas de ódio.

Vários dos implicados, nominados pela investigação do Digital Forensic Research Lab, são assessores especiais do presidente Jair Bolsonaro e têm gabinete perto do presidente. Outros são assessores, ou ligados a Carlos e Flavio Bolsonaro.

A confirmação da atuação do grupo, que já era reconhecida nos meios políticos e está sendo investigado pela CPI das Fake News na Câmara e por um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre mensagens antidemocráticas e ameaças a ministros da Corte, pode ter desdobramentos em outro inquérito, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

As informações colhidas pela CPI e pelo Supremo podem ser compartilhadas no TSE num dos inquéritos contra a chapa Bolsonaro-Mourão, que apura o impulsionamento de mensagens falsas pelo WhattsApp durante a campanha eleitoral. Como o WhattsApp é também do grupo dirigido por Mark Zuckerberg, é provável que essa varredura também seja feita para banir do aplicativo de mensagens as contas falsas, os robôs e os impulsionamentos em massa, proibidos tanto pela legislação eleitoral brasileira quanto pelas normas do aplicativo.

Contas da presidente do PT, Gleisi Hoffman, no WhattsApp, usadas para distribuir mensagens políticas em massa, foram desativadas pelo WhatsApp justamente porque ela utilizava impulsionamentos ilegais para essa atividade política. Ela contratou com o dinheiro partidário uma empresa especializada em impulsionamentos em massa pelo WhattsApp, mas não foi acusada de disseminar fake news.

A investigação encomendada pelo Facebook revelou que esse grupo de bolsonaristas foi formado em 2018, o que leva a crer que atuaram durante a campanha presidencial. O inquérito das fake news do Supremo, cujo relator é o ministro Alexandre de Moraes, pediu a quebra de sigilo bancário e telefônico de diversos investigados a partir de 2018, justamente para abranger o período da campanha eleitoral.

O cruzamento dessas informações provavelmente dará indicações da atuação desse grupo que ficou conhecido como componentes do “gabinete do ódio”, e pode comprovar que a campanha bolsonarista utilizou os novos meios de comunicação para difundir notícias falsas contra seus adversários.

Além de ter utilizado impulsionamentos de mensagens através de artifícios como robôs ou contas-fantasmas para burlar a fiscalização. O avanço das investigações, tanto internamente quanto no exterior, levou a protestos de seguidores de Bolsonaro, e o deputado federal Otoni de Paula, a propósito da prisão do blogueiro Oswaldo Eustáquio, chamou o ministro do Supremo de “esgoto do STF” e “canalha”, entre outras ofensas.

Reações como essas, espalhadas pelas redes sociais, apenas confirmam a índole desses seguidores de Bolsonaro que estão sob investigação. O cerco está se fechando em diversas instâncias, e os grupos que espalham fake news pelos novos meios estão sob escrutínio dos órgãos de fiscalização.

O caráter odiento da política bolsonarista está sendo contido pelas instituições brasileiras e pela exigência internacional de uma democracia responsável e ética. Assim como os anunciantes do Facebook, os investidores internacionais também pressionam os países a seguirem uma política humanista em relação às minorias, como os indígenas, e ao meio-ambiente. No mundo pós-pandemia, talvez uma possível derrota de Donald Trump nos Estados Unidos reduza o espaço para os radicalismos.


Ricardo Noblat: Escândalo bate à porta de Bolsonaro e pode virar mais uma crise

Na mira, o gabinete do ódio

Em reforço à ideia de que ninguém mais do que Jair Bolsonaro é capaz de produzir provas contra ele mesmo, o Facebook removeu rede de contas de fake news ligadas a gabinetes dele e dos filhos e também ao PSL, partido pelo qual o presidente se elegeu.

Para não apontar as contas como fábricas de notícias falsas que é o que são, o Facebook preferiu referir-se a elas como “redes de comportamento inautêntico coordenado”. Mais elegante, por suposto, mas nem assim menos incriminador.

O que fez o Facebook em nome do combate a perfis fakes com ataques à oposição e à mídia reforça a legitimidade do inquérito conduzido no Supremo Tribunal Federal pelo ministro Alexandre de Moraes que investiga a mesma coisa há mais de um ano.

A rede agora desativada tinha 35 contas, 14 páginas e um grupo no Facebook, e 38 contas no Instagram. E era seguida por quase dois milhões de pessoas. Por trás da rede, o Facebook identificou funcionários dos gabinetes de Flávio, Eduardo e Jair Bolsonaro.

Um desses funcionários se chama Tércio Arnauld Tomaz, atual assessor especial do presidente da República. Com ele trabalham José Matheus Sales Gomes e Mateus Matos Diniz. O trio opera sob o comando do vereador Carlos Bolsonaro, o Zero Dois.

O gabinete do trio, onde despacha Carlos quando está em Brasília, fica no terceiro andar do Palácio do Planalto, ao lado do gabinete de Bolsonaro. É conhecido como “o gabinete do ódio”. É dali que partem ordens que orientam os bolsonaristas nas redes sociais.

O que o Facebook tornou público, o ministro Alexandre de Moraes já sabia há muito tempo. E sabe muito mais. Tão cedo o inquérito que ele comanda chegará ao fim – primeiro por cautela, segundo porque quer ir fundo na questão, terceiro porque não tem pressa.

No momento, o escândalo estacionou à porta de entrada do gabinete do presidente. Quando invadi-la, se tornará mais uma crise entre tantas que este governo já enfrentou, mas com o agravante de envolver diretamente Bolsonaro e seus filhos.

É por isso, mas não só, que Bolsonaro baixou o facho e manda sinais de paz para os ministros do Supremo. Se antes acusava Alexandre de estar a serviço do governador João Doria (PSDB-SP), agora o adula por meio de emissários e o brinda com telefonemas.

Para Bolsonaro, o mar não é de almirante nem o céu de brigadeiro. Além do coronavírus que o ameaça, ele terá de depor em breve como investigado sobre sua tentativa de intervir na Polícia Federal. E ainda tem Flávio, Queiroz, Wassef, e sabe-se mais o quê…