Folha de S. Paulo: PF reforça ligação de ‘gabinete do ódio’ do Planalto com investigados por atos antidemocráticos

Polícia Federal tenta esclarecer se dinheiro arrecadado por canais bolsonaristas foi repassado a terceiros.
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Polícia Federal tenta esclarecer se dinheiro arrecadado por canais bolsonaristas foi repassado a terceiros

Marcelo Rocha, da Folha de S. Paulo

A Polícia Federal colheu mais informações que reforçam a ligação de assessores especiais do chamado “gabinete do ódio” da Presidência com youtubers bolsonaristas suspeitos de estimular os ataques antidemocráticos contra autoridades do STF (Supremo Tribunal Federal) e do Congresso.

Responsáveis por canais de YouTube que apoiam o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) foram ouvidos pela PF no inquéritos dos atos antidemocráticos nos últimos meses e, de acordo com as informações em poder dos investigadores, o cerco se fecha em torno de auxiliares diretos do chefe do Executivo. A apuração ainda está em andamento.

Em uma das linhas de apuração, a PF tenta esclarecer se dinheiro arrecadado com a monetização de canais bolsonaristas foi repassado a terceiros, “que possam ser os reais proprietários”, diz um trecho do inquérito, que tem cerca de 1.250 páginas, a que a Folha teve acesso.

Não há, por ora, elementos que reforcem essa suspeita. Dois investigados já foram questionados sobre essa questão e negaram. Os ganhos relatados pelos próprios investigados superam os R$ 100 mil mensais, segundo informação divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo e confirmada pela reportagem.

O “gabinete do ódio” é o responsável por parte da estratégia digital bolsonarista. A existência do grupo foi revelada pela Folha em setembro de 2019. O bunker ideológico está instalado numa sala no terceiro andar do Palácio do Planalto, a poucos passos do gabinete da Presidência.

Folha também mostrou que são cinco os assessores diretos do presidente investigados por suspeita de envolvimento com perfis de apoio a Bolsonaro nas redes sociais que estimularam os atos antidemocráticos no primeiro semestre deste ano.[ x ]

São eles Tércio Tomaz Arnaud, José Matheus Sales Gomes, Mateus Matos Diniz, apontados como integrantes do “gabinete do ódio”, além de Max Guilherme Machado de Moura, ex-policial do Bope do Rio de Janeiro, atualmente assessor especial no gabinete pessoal do presidente, e do tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro.

Em depoimento à PF, de acordo com o inquérito, Anderson Rossi, do canal Foco do Brasil, disse que recebeu de Tércio, por meio do WhatsApp, vídeos do presidente.

Rossi disse à PF que conseguiu o contato de Tércio na internet, nos números telefônicos oficiais disponibilizados pela Presidência. Afirmou ainda que se apresentou ao assessor especial como proprietário do canal Foco do Brasil.

“Que em contato com Tércio ofereceu seu apoio para enviar vídeos do canal Foco do Brasil sobre o presidente Jair Bolsonaro”, diz um trecho do depoimento. De acordo com ele, o canal no YouTube chega a receber cerca de R$ 140 mil mensais em monetização.

O Foco do Brasil, segundo Rossi, tem um escritório virtual em Brasília e se cadastrou na assessoria de imprensa do Palácio do Planalto. Ele disse ainda que mantém uma equipe de repórter cinematográfico e câmera para “pegar algumas imagens do presidente Jair Bolsonaro” nos palácios do Planalto e da Alvorada.

Cleitomar Basso, que presta serviços para o Foco do Brasil, disse à PF que não recebe vídeos do presidente Bolsonaro por meio de Tércio, mas de Rossi.

Em outro trecho, quando questionado sobre as imagens que são apresentadas pelo jornal do Foco do Brasil, ele disse que elas são disponibilizadas publicamente pela Agência Brasil, empresa de comunicação do governo federal, e pelo próprio presidente, entre outras fontes jornalísticas e personalidades públicas.

Ajudante de ordens do presidente, o tenente coronel Mauro César Barbosa Cid afirmou que já manteve contato com Allan dos Santos, do canal Terça Livre, por meio do WhatsApp. Disse que Allan solicitava participação do presidente em seu canal e “informações de bastidores que pudessem ser utilizadas no canal Terça Livre”.

Tércio, por sua vez, disse que participou de grupo de WhatsApp administrado por Allan dos Santos. “O declarante foi inserido por Allan, pois ele queria montar um grupo que pudesse se reunir na casa de Allan, semanalmente, para discutir temas relacionados ao governo federal com pessoas que estão dentro do governo”, narrou.

O assessor especial disse que “nunca participou desses eventos e que se manteve no grupo como forma de se informar de temas de interesse”.

Em nota, a Secom (Secretaria Especial de Comunicação) negou que a secretaria ou integrantes do Palácio do Planalto contribuíram com conteúdos antidemocráticos.

“Não há apoio do governo e nenhum centavo sequer destinado a qualquer blog ou canal digital, diferentemente de outras gestões que patrocinaram com verbas públicas sites e blogs de esquerda”, afrmou no comunicado.

“Fazer correlação com vídeos e conteúdos disponíveis publicamente na rede, em blogs de terceiros, é mero exercício de ficção, querendo impor a esse governo relação com atos antidemocráticos.”

A Secom afirmou ainda que “não há gabinete do ódio” e que “não há um centavo de dinheiro público em sites antidemocráticos”.

A secretaria disse que o governo está prestando todos os esclarecimentos às autoridades e confia que a Justiça prevalecerá.

“Temos convicção que todos os fatos serão esclarecidos em nome da mesma democracia que tanto nos acusam de desrespeitá-la. A verdade vencerá.”​

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