futuro

Sérgio C. Buarque: A pandemia vai mudar o mundo?

Não, a pandemia não vai mudar o mundo. A pandemia vai acelerar algumas tendências, como as tecnologias digitais, que vinham provocando uma grande transformação econômica e social. A pandemia e o isolamento social já intensificaram o uso das ferramentas digitais para o trabalho remoto (home office), as reuniões virtuais e a multiplicação de lives. Esta tendência anterior à pandemia deve se consolidar no futuro porque, independente da pandemia, representa um enorme ganho de produtividade e uma excepcional abrangência e escala na comunicação.

Mas muitas especulações sobre o futuro do mundo e do Brasil no pós-pandemia tendem a transformar o transtório em permanente, sobrevalorizando as condições presentes, e a confundir os desejos com as possibilidades reais de mudança. Além daqueles que atribuem à pandemia as mudanças que já estavam em curso, com algumas tendências completamente independentes do impacto do virus.

O impacto transitório que a pandemia está tendo na globalização, fechando as fronteiras e cortando o fluxo mundial de pessoas e mercadorias, dificilmente persistirá no futuro. O nível de integração global das cadeias produtivas, os enormes ganhos de eficiência de todas as economias nacionais e, mais ainda, a aceleração das inovações e difusão das tecnologias de comunicação, que deve dar um salto de qualidade com 5G, vão retomar o processo mundial de integração econômica e comercial. É muito provável, em todo caso, que seja negociada e introduzida alguma regulação nova nas relações comerciais (principalmente nos serviços), mas nada indica na direção de um retrocesso permanente na globalização depois da pandemia, quando a vacina seja aplicada em larga escala. A direção do ritmo da globalização vai depender muito mais das eleições presidenciais nos Estados Unidos e sua influência na balança de poder global, que do efeito transitório da pandemia.

Muitas das especulações sobre o futuro destacam, com maior ou menor ênfase, que após a pandemia vamos ter maior solidariedade e cooperação internacional, mais preocupação com o meio ambiente e, mesmo, uma mudança no consumismo, um “consumo de forma mais ponderada e menos capitalista vão continuar presentes” (Jaqueline Bifano). Nada disto foi visível durante a pandemia. Ao contrário, fora sinais isolados de solidareidade, predomina um enorme egoismo, a disputa nacional pelos medicamentos e equipamentos de saúde, verdadeira pirataria, e a queda do consumo foi consequência do fechamento do comércio, tanto que foi acompanhado de uma explosão nas compras on-line. Especulações como essas são expressão de desejo ou podem constituir uma orientação para mobilização política em favor de um novo modelo de desenvolvimento.

Estão certas as previsões para a pós-pandemia que ressaltam a propagação do trabalho remoto e das reuniões remotas, da educação à distância, da telemedicina, do comércio eletrônico e da logística e transporte com veículos inteligentes (drones). Mas, como já referido, a pandemia apenas acelerou a utilização, até mesmo a descoberta, destas maravilhosas ferramentas de trabalho e comunicação.

Parece evidente que, excetuando esta aceleração das tecnologias de informação e comunicação, o futuro pós-pandemia vai depender mesmo de decisões políticas que, por seu turno, devem resultar da disputa de poder na sociedade. Neste sentido, a pandemia pode contribuir para alguma mudança pelo que desnudou das vulnerabilidades (já amplamente conhecidas), como a precariedade do sistema de saúde, as desigualdades nacionais e sociais, a concentração em alguns países de elos estratégicos das cadeias globais, os desequilibrios no processo de globalização, a beleza das cidades sem poluição nas emblemáticas imagens da China antes e durante a pandemia e, no caso do Brasil, a vergonhosa carência de saneamento básico.

A grande incerteza é política: até que ponto a denúncia das vulnerabilidades e a provocação do debate sobre as evidências negativas dos nossos problemas vão se traduzir em decisões políticas que reorientam as estratégias de desenvolvimento em escala global e nacional? A evolução futura do mundo vai depender do desempenho de Trump nas eleições. A pandemia tem tido efeito no ambiente político dos Estados Unidos, mas não devemos agradecer ao Covid-19 pela eventual derrota de Trump, que será influenciada mesmo pela ignorância e arrogância política dele no enfrentamento da pandemia. Será um caso histórico do benefício geral da imbecilidade de um governante.


Luciano Huck: Inaceitável

Nenhum país avança com tanta gente em favelas

Não consigo pensar em nenhum país que seja realmente admirado e tido como referência em qualquer área do desenvolvimento humano que ainda tenha parte significativa de sua população vivendo em favelas.

Mas o que se vê por aqui não é aceitável. Enquanto a humanidade se vê a caminho de extrair minério no espaço, de se deslocar em carros autônomos, de interagir com inteligência artificial, vivendo sua quarta revolução industrial, por aqui não vemos nenhum sinal, rumo ou projeto para solucionar esse que é um dos mais evidentes e escancarados retratos da injustiça social do nosso país.

A materialização do abismo social que nos divide é capaz de colocar no mesmo CEP a miséria e o luxo em cidades partidas como o Rio de Janeiro, consegue proezas como fazer a expectativa de vida oscilar mais de uma década nas poucas quadras que separam o Arpoador do Pavão Pavãozinho.

Por mais pujantes que sejam a cultura produzida nas comunidades, o intenso comércio, a vida colorida e sorridente, os bailes, a energia empreendedora, os costumes que transbordam do morro para o asfalto, definitivamente não é justo.

Não podemos aceitar que nenhum brasileiro ainda viva em condições tão adversas; das escadas intermináveis enfrentadas todos os dias por senhoras carregadas de sacolas aos valões, passando pelas paredes que emendam com paredes, vielas sinuosas, esgoto a céu aberto, balas perdidas, ausência do Estado e todas as mazelas que a total falta de planejamento urbano e uma ocupação caótica podem trazer.

E, por favor, que ninguém apareça com a velha “solução mágica”: a ideia de gastar bilhões do erário com construções de qualidade e arquitetura questionáveis, a quilômetros de distância dos centros urbanos, cercadas por nada e serviço nenhum, e muitas vezes nem sequer atendidas pelo transporte coletivo.

Muito pelo contrário.

Temos que nos organizar, dialogar, trocar ideias, tabular iniciativas, curar as melhores soluções mundo afora; Colômbia, Chile, Cingapura para citar alguns. Não é possível que seja um problema sem solução. Não dá para conviver com a ideia de que atravessaremos mais um século achando que as favelas fazem parte da paisagem e ignorando a (falta de) qualidade de vida de quem as habita.

Como membros da sociedade civil podemos contribuir com a geração de ideias e propor soluções, mas a transformação exponencial só será possível com políticas públicas e programas de governo modernos e disruptivos. Se não for assim, tudo será paliativo.

Gosto das provocações do arquiteto e urbanista Washington Fajardo: onde mora o pobre? Como vivem ele e sua família? Onde morarão seus filhos?

Se isso me for perguntado, com alguma facilidade consigo elaborar respostas pertinentes para as duas primeiras interrogações.

Não nasci nem vivi em favelas. Mas nos últimos 20 anos me relaciono de maneira bastante próxima com muitas comunidades, principalmente do Rio de Janeiro, cidade onde escolhi viver desde a virada do século.

Para qualquer um que viva o dia a dia da cidade, o morro e o asfalto se confundem no Rio. Mas tive a sorte de ter um trabalho que me levou um pouco mais fundo nessa relação entre as duas faces da cidade. E, felizmente, segue levando a histórias emolduradas por diversas comunidades no Rio e no Brasil.

Desde que pisei pela primeira vez nesses recortes da cidade, guiado nos primeiros passos por meu amigo José Junior, fundador e líder do Afroreggae, que o vai e vem, morro acima morro abaixo, nunca mais saiu da minha vida e das minhas áreas de interesse.

A mesma curiosidade que me levou ao Afroreggae me levou à Cufa, ao Gerando Falcões, à Voz da Comunidade, aos Caçadores de Bons Exemplos, à Casa Amarela, entre tantas outras iniciativas heroicas que tentam trazer alguma dignidade aos morros e periferias.

Mas conhecer e viver um pouco mais de perto o dia a dia das comunidades não foi suficiente para me capacitar a responder a pergunta seguinte: onde morarão seus filhos? Eis a questão...

Aceitar a perpetuação da injustiça é, para dizer pouco, irresponsável e cruel. Estamos cientes de que o país precisa de reformas estruturais e de que o Estado precisa de uma reforma completa.

Mas isso não pode produzir uma cortina de fumaça para nossos problemas sociais.

Como um cidadão que se esforça para deixar a zona de conforto, a mistura de tudo isso me mobiliza mais e mais a dar alguma contribuição real e concreta na busca de soluções possíveis e viáveis para esse nó social.

O Movimento Agora, do qual faço parte, vem articulando neste sentido, cruzando e tabulando o que existe de melhor no universo acadêmico, na ciência, no urbanismo e em políticas públicas que se mostraram eficazes mundo a fora.

O Brasil do futuro, que nunca chegou, passa por repensar nossas cidades. E repensar nossas cidades passa por saber empregar nossos melhores recursos para encontrar soluções possíveis para as favelas.


Luiz Carlos Azedo: O passado e o futuro

Os elos entre o passado e o presente no Brasil são cheios de surpresas e singularidades. Vejamos, por exemplo, o caso do populismo. As forças que resistiram ao regime militar somente tiveram êxito porque recusaram a centralidade do Estado e buscaram reforçar e organizar a autonomia da sociedade civil na luta pelo restabelecimento da democracia. Feita a transição, porém, mesmo após a Constituinte, o patrimonialismo, o clientelismo e o fisiologismo, que sobreviveram a duas modernizações autocráticas, continuaram firmes e fortes e o velho populismo renasceu das cinzas depois do fim da “guerra fria”.

Tanto um quanto outro, porém, entraram em crise com a globalização e as novas relações do Brasil com o mundo em transformação, que cobram uma mudança nas relações entre o Estado e a sociedade. Um novo ciclo está se fechando, mas o novo ainda não se abriu, seja por causa desses laços com o passado, seja em razão de que a nova agenda do país não foi construída. Por onde passa essa agenda? Em primeiro lugar, pela transnacionalização das nossas cadeias produtivas e integração competitiva à economia mundial; em segundo, por um novo pacto entre o Estado, o mercado e a sociedade, no qual a modernização não se dê à custa de mais exclusão e desigualdades regionais; terceiro, pela renovação política e fortalecimento da nossa democracia representativa, o que não é uma tarefa fácil diante das mudanças em curso e da emergência das redes sociais e a crise ética dos partidos.

Esse novo cenário faz com que os sinais sejam trocados. Forças que desempenharam um papel democrático e transformador, com as mudanças em curso, ao se oporem a elas, não no sentido da sua forma específica apenas, mas ao rumo geral, acabam se colocando no papel de elementos reacionários e conservadores, num contexto delicado da vida nacional, em que estamos saindo com êxito de uma das mais graves recessões da nossa história, graças a um governo eficiente do ponto de vista da economia e das relações com o Congresso, mas que opera mais uma modernização sem ser moderno e não goza de popularidade por causa da crise ética.

É neste contexto que vamos às eleições de 2018. Por circunstâncias muito singulares, a coalizão que aprovou o impeachment da presidente Dilma Rousseff, formada por forças que participavam do antigo governo e da oposição, não consegue se reproduzir como uma alternativa unificada de poder. É curto o prazo que lhes resta para isso. As alternativas postas com mais vigor para a sucessão do governo Michel Temer representam uma recidiva de tendências populistas de direita e de esquerda, um anacronismo em relação não ao futuro próximo, mas ao próprio presente. Tanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quanto o deputado Jair Bolsonaro (que está de saída do PSC para o Patriotas) defendem modelos que se baseiam no fortalecimento do capitalismo de Estado e em velhas teses nacional-desenvolvimentistas. Ambos desdenham da democracia representativa, da liberdade de imprensa e da autonomia da sociedade civil.

Diferenças históricas

Por que será, então, que propostas mais comprometidas com a democracia e as mudanças que o país exige não conseguem se apresentar novo processo como alternativa de poder, ainda? Por dois motivos. Um é a crise do PSDB, que somente agora vê uma luz no fim do túnel, com a eleição do governador Geraldo Alckmin à presidência da legenda, mas que não conseguiu ainda se impor ao conjunto das forças que apoiaram ao impeachment como alternativa real de poder. De certa forma, muito mais do que unir um partido fragilizado pelo envolvimento de alguns de seus líderes mais expressivos na Operação Lava-Jato, com forte repercussão eleitoral em alguns estados, falta ao virtual candidato do PSDB à Presidência da República um projeto político de modernização do país que combata as desigualdades e a exclusão e seja capaz de empolgar a sociedade.

O segundo motivo é o governo de transição. Não somente devido ao enorme desgaste causado pelo envolvimento de alguns dos seus principais ministros na Operação Lava-Jato, mas por causa das divergências entre Temer e seus aliados e os tucanos paulistas, que acabam de desembarcar do governo. Por mais cordiais e cavalheirescas que sejam as relações entre o presidente e o governador paulista, essas divergências são de natureza histórica: em princípio, o PSDB nasceu para negar o PMDB. Mas também não é isso que impede a aliança. É a vontade de Temer e seus aliados de terem seu próprio candidato em 2018, de preferência o próprio, bafejado pelo sucesso de suas reformas, quiçá a da Previdência, por indicadores econômicos como as menores taxas de inflação e de juros em décadas.


Roberto Freire: Memórias do impeachment e um olhar sobre o futuro

Há um ano, em 31 de agosto de 2016, com 61 votos favoráveis e apenas 20 contrários, o Senado Federal sacramentava o impeachment de Dilma Rousseff e colocava um ponto final no período de mais de 13 anos de desmantelo do lulopetismo, que tanto infelicitou o Brasil.

Quatro meses depois de a Câmara dos Deputados autorizar a abertura do processo contra a então presidente da República em decorrência dos crimes de responsabilidade por ela cometidos em uma desastrosa gestão, o que levou ao seu afastamento do cargo e à posse de Michel Temer, o país pôde finalmente virar uma das páginas mais tristes de sua história e seguir adiante.

Desde então, apesar de todos os problemas e percalços pelo caminho, não há dúvidas de que avançamos e o país retornou aos trilhos.

O segundo impeachment da história de nossa República começou a ser construído a partir de um encontro que tive com o jurista Hélio Bicudo e a advogada Janaína Paschoal, em São Paulo, ainda quando a cassação de Dilma era considerada improvável por muitos.

A esses importantes nomes do Direito brasileiro, se somou outro notável jurista, Miguel Reale Júnior, e os três foram os grandes responsáveis por viabilizar o pedido de impedimento da presidente e dar sustentação jurídica à peça, que chegou à Câmara com toda a densidade e o embasamento necessários para prosperar.

Em meio a dezenas de outras representações, aquela era certamente uma das mais robustas, detalhadas e bem formuladas – tecnicamente irrepreensível, tanto que foi a escolhida para tramitar na Casa.

Desde o início do processo, o PPS assumiu um papel de protagonista e talvez tenha sido o primeiro dos partidos que faziam oposição ao governo do PT a se manifestar favoravelmente ao impeachment, enquanto algumas forças políticas ainda titubeavam. Aliás, a queda de Dilma começou a se tornar realidade nas ruas, com as maiores mobilizações populares da história da democracia brasileira, que tomaram o Brasil entre 2015 e 2016.

Apenas em um segundo momento, quando o clamor pelo impeachment se tornou irrefreável, o Congresso Nacional assumiu sua posição institucional e cumpriu o papel de levar a questão adiante, atendendo aos anseios da imensa maioria da população.

Ao fim e ao cabo, é forçoso reconhecer que a troca de um presidente nunca é uma medida simples e, invariavelmente, deixa traumas e causa um enorme desgaste a todos. Este é um dos maiores problemas do presidencialismo.

Quando um governo perde a sustentação política ou mesmo descumpre a lei de tal forma que isso enseje a abertura de um processo de impeachment, como foi o caso, o que se tem é um processo demorado, tortuoso, que praticamente paralisa o país até o seu desfecho.

No parlamentarismo, sistema de governo que entendemos ser o ideal também para o Brasil, quanto mais aguda é a crise, mais radical é a solução – que se dá sem traumas institucionais e de forma muito mais célere.

Um ano depois do impeachment, o governo de transição pode apresentar à sociedade uma série de medidas que levaram o Brasil a um outro patamar, no rumo certo para superar a maior crise econômica de nossa história e o perverso legado deixado pelo lulopetismo, com mais de 14 milhões de desempregados.

Foram aprovadas a PEC do Teto dos Gastos Públicos, a MP do setor elétrico, o projeto que desobriga a Petrobras a participar de todos os consórcios de exploração do pré-sal, a Lei de Governança das Estatais, a liberação de saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a MP que reformula o Ensino Médio, apenas para citar algumas delas.

Para alcançar tamanho êxito, o governo de transição conta com a sustentação das forças políticas responsáveis pelo impeachment e que se mantêm praticamente na totalidade apoiando a agenda das reformas. Inclusive o PPS, mesmo que o partido tenha decidido se afastar do governo desde o momento em que entreguei o cargo de ministro da Cultura – quando do confuso e obscuro episódio envolvendo a delação dos irmãos Wesley e Joesley Batista à Procuradoria-Geral da República –, mas deixando clara a nossa posição favorável à transição e às reformas.

Durante este ano, em uma quadra tumultuada da vida nacional, outro dado que merece ser ressaltado é a inequívoca força das nossas instituições e o avanço do combate à corrupção e às malfeitorias reveladas pela Operação Lava Jato.

O Ministério Público Federal, a Polícia Federal, o Poder Judiciário e os órgãos de fiscalização e controle estão em pleno funcionamento e com total independência para realizar seu trabalho, com acompanhamento cada vez mais assíduo por parte da própria sociedade. Não tenho dúvidas de que sairemos melhores da crise.

Já faz um ano que Dilma, Lula e o PT se tornaram página virada da história e ficaram para trás, embora continuem ensaiando narrativas e discursos vazios como se tivessem condições de retornar ao poder quando bem entendessem.

Apesar das dificuldades, a inflação despencou e hoje é a menor em décadas, a economia dá sinais de recuperação e reformas importantes foram aprovadas ou estão em andamento no Congresso. A responsabilidade pela transição existe e continuará, e ela é a maior segurança de que completaremos a travessia até 2018 e construiremos um país melhor.

 


Cristovam Buarque: A tristeza de Felipe, a paralisia do Artur e a minha vergonha

Uma amiga falou que até recentemente seu neto Felipe, de seis anos, gostava de assistir às notícias nos telejornais e perguntar sobre elas. Há pouco tempo, disse que perdeu o interesse porque ficava triste com o que via. A simplicidade dessa criança é um exemplo eloquente do mal que estamos fazendo na formação do Brasil.

Que sociedade está surgindo em uma realidade que assusta crianças de seis anos de idade, como se elas estivessem no meio de uma guerra?

O que sentem nossas crianças ao assistirem a tiroteios, ao saberem das mortes de pessoas, inclusive de menores de idade, que estavam na trajetória de balas perdidas que invadem escolas, cruzam ruas, chegam nas salas e até mesmo na barriga de uma mãe grávida ferindo o bebê de nome Artur, antes dele nascer, condenando-o talvez à morte ou a sobreviver paraplégico desde o nascimento?

O que sentem ao ver, dia após dia, canos de esgoto descarregando dinheiro de propinas roubadas, que se não tivessem sido desviadas teriam evitado a tragédia a que assistimos?

Aos seis anos, Felipe ainda não percebe essa lógica maldita, mas os adolescentes já conseguem entender o significado das palavras e as correlações entre elas. Certamente não ficam apenas tristes, devem cair no desencanto ou pior ainda, no desprezo aos políticos que deveriam ser seus líderes.

Pior é saber que os tristes, ao verem o espetáculo na televisão, fazem parte de uma casta privilegiada. Milhões não apenas assistem, estão dentro do inferno da ausência de paz, no risco das balas, do desemprego, da falta de escolas, cultura e perspectiva.

Dividido, sem coesão nem rumo, o Brasil naufraga e leva com ele nossas crianças que, sem barcas, não conseguem atravessar o “mediterrâneo invisível” que as levaria ao futuro: a escola em paz e com carinho. Cada dia o país demonstra odiá-las, porque despreza o futuro delas e de toda nação brasileira.

Síria, Iraque, Afeganistão e outros países têm gerações perdidas pela guerra que deixa suas crianças e adolescentes sem escolas, assistindo aos adultos na incansável tarefa de destruírem suas pátrias. O Brasil é maior, tem mais recursos, é mais tolerante com suas maldades, mas estamos trabalhando fortemente para seguirmos nesta direção: saindo da crise para a decadência e desta para a desagregação.

O desencanto dos adolescentes e jovens, a tristeza do Felipe e a paralisia de Artur são gritos para aqueles que, apesar da eloquência, não chegam aos ouvidos aos quais são dirigidos, pedindo apenas duas coisas: um tempo de coesão, sem corrupção na política, com compaixão social, e um rumo histórico com sentimento nacional.

Nosso maior problema é a surdez de sentimentos, esta forma maior de corrupção na política.

E, surdamente, sem ouvir os gritos, pomos a culpa na realidade, como se a política não fosse para modificá-la. Por isso minha vergonha por sentir a impotência diante da tragédia construída pela vontade egoísta ou a omissão incompetente, vergonha diante de Felipe e Artur, aos quais peço desculpas.

 


Roberto Freire: A ‘herança maldita’ e o futuro

O tamanho do desafio que se coloca diante do atual governo – recuperar o Brasil e fazê-lo superar a mais grave crise econômica de sua história – é diretamente proporcional ao legado perverso deixado pelo lulopetismo após 13 anos de desmantelo e irresponsabilidade na condução do país. Em 2003, quando assumiu a Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva atacou injustamente o seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, ao apontar a suposta “herança maldita” que recebia da gestão anterior. Pois a história provou que os responsáveis pela derrocada brasileira, especialmente no campo econômico, foram Lula, Dilma e o PT, e por onde se queira analisar não faltam dados para comprovar tamanho desastre.

Como se não bastassem os 14 milhões de desempregados que hoje retratam a penosa realidade brasileira, é necessário enfrentar uma outra faceta do problema que ameaça, inclusive, o futuro do país. Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade (Iets), publicada no último domingo (4) pelo jornal “O Globo”, o índice de desemprego entre os jovens de 14 a 24 anos já é de 30%, o que corresponde a quase 10% do total de brasileiros sem ocupação profissional, de acordo com o IBGE. Em números absolutos, o percentual representa nada menos que 1,265 milhão de jovens e adolescentes em capacidade de trabalho.

O levantamento, cuja responsável é a economista e pesquisadora Sonia Rocha, apontou ainda que a pobreza entre crianças e adolescentes de até 14 anos aumentou de 25,8% para 29% em apenas um ano, de 2014 a 2015. A situação é ainda mais preocupante quando se observa o grupo de pessoas entre 15 e 19 anos, que registrou um crescimento no percentual de pobres de 17,9% para 22,3% no mesmo período.

Outro relatório que escancara o quanto os governos do PT foram danosos ao Brasil foi publicado pelo prestigiado International Institute for Management Development (IMD), uma das mais respeitadas escolas de administração do mundo, em parceria com a Fundação Dom Cabral. De acordo com o World Competitiveness Yearbook, publicado desde 1989, o país perdeu 23 posições no ranking de competitividade mundial desde 2010 – quando Dilma foi eleita presidente –, despencando da 38ª para a 61ª posição em uma lista com 63 nações. Para que se tenha dimensão do estrago, o verdadeiro tsunami da incompetência lulopetista nos deixou à frente apenas de dois países: Venezuela e Mongólia.

A “pátria educadora”, slogan criado pelo marqueteiro oficial do PT durante o segundo governo Dilma, amarga a vexatória 62ª e penúltima colocação no ranking quando o critério é a qualidade da educação – embora o país seja o oitavo colocado em gastos públicos com ensino. Trata-se de mais um indicativo claro de que, se os governos lulopetistas deixaram algum legado ao Brasil, este foi altamente negativo sob todos os aspectos. Tudo isso só mostra o quão necessário foi o impeachment da ex-presidente, consumado em absoluto respeito à ordem democrática e constitucional e com amplo apoio da sociedade brasileira.

É importante lembrar que, apesar de ter contribuído decisivamente para levar o país ao atoleiro, Dilma não é a única responsável por tal descalabro. A irresponsabilidade teve origem ainda no governo Lula, que não soube aproveitar um momento de forte expansão da economia mundial e fez uma opção profundamente equivocada ao incentivar o consumo desenfreado, o que gerou um endividamento recorde das famílias. O PT não pensou em um projeto nacional de desenvolvimento; apenas pôs em prática um projeto de poder. O resultado, ao fim e ao cabo, é a maior crise econômica de nossa história – para não citarmos os infindáveis escândalos de corrupção e o saque aos cofres públicos.

A árdua tarefa de reerguer o Brasil e reconduzir o país aos trilhos do crescimento, a cargo do governo de transição, deve ser compartilhada por todos os que temos espírito público, responsabilidade e compromisso com o futuro. Independentemente do recrudescimento da grave crise política e moral que o país enfrenta neste momento, é preciso reunir forças em torno das reformas em tramitação no Congresso Nacional, propostas modernizadoras que nos levarão a um novo patamar de desenvolvimento. Superar a verdadeira herança maldita deixada por Lula e Dilma não é fácil, mas estamos no caminho certo e temos a obrigação de avançar.

* Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS

 


Fonte: http://noblat.oglobo.globo.com/artigos/noticia/2017/06/heranca-maldita-e-o-futuro.html

Fonte: http://www.diariodopoder.com.br/artigo.php?i=54628679732


Cristovam Buarque: Aliança pelo futuro

Desde a autonomia política, o Distrito Federal tem se dividido nas eleições entre forças vermelhas e forças azuis. Essa disputa não está satisfazendo. A população está descontente com os eleitos e seus resultados. Eles exigem uma disputa não mais entre azuis e vermelhos, mas entre o passado e o futuro, independentemente da tradição dos partidos do passado.

A primeira condição do futuro é entender o DF como parte do Brasil. Não há mais espaço para tomarmos nossa unidade da federação com direito a desperdícios, enquanto os outros estados sofrem com a escassez de recursos. O resto do Brasil não vai aceitar o financiamento de estádio de futebol quase inútil ao custo de R$ 2 bilhões, com a venda de terrenos que nos foram dados para garantir nosso futuro. Também não aceita mais que o Fundo Constitucional nos remunere com salários muito acima da média nacional, sem justificativa plausível e retorno que justifique. Daqui para frente, a nação brasileira exigirá que o DF use sua autonomia com responsabilidade.

O amanhã vai exigir eficiência em todos os gastos. A disputa política não deve ser entre quem propõe gastar mais e, sim, quem permite gastar melhor, fazendo mais com menos custos. Isso exigirá menos corporativismo e mais sentimento coletivo de amor e responsabilidade com a cidade, seu povo e seu futuro. É possível que o poder das corporações ainda prevaleça e, na próxima eleição, a população ainda vote olhando para o passado por um espelho político retrovisor. Nesse caso, chegaremos em 2022 ainda mais comprometidos, endividados, descrentes e desacreditados, a tal ponto que podemos levar o DF a perder nossa autonomia política.

A austeridade, a eficiência e o compromisso público serão condições fundamentais para o que está por vir. Precisamos sair do velho debate entre os privatistas e os estatizantes, colocando no lugar a publicização dos serviços sob responsabilidade do governo: servir aos interesses do público, sua população de hoje e sua população futura. As propostas devem representar e defender os interesses do cidadão nas ruas, dos doentes nos hospitais, das crianças nas escolas, dos passageiros nos ônibus e no metrô. A gestão deve visar o bem comum, não de construtores, sindicatos ou políticos. Mais importante do que ser estatal ou privado, o fundamental será ser eficiente e justo. Esse debate não deve ser feito com base nos velhos preconceitos vermelhos ou azuis, privatistas ou estatizantes. Nossos candidatos para o futuro não devem cair no reacionarismo concentrador, nem no populismo destruidor.

O futuro exige a gestão pela prevenção dos problemas e não pelas promessas em corrigir aqueles criados pela omissão de administrações anteriores. O DF já foi exemplo dessas alternativas de boa gestão como saneamento condicional, saúde em casa, paz no trânsito, poupança escola, bolsa escola e tantos outros exemplos de políticas públicas que evitam que os problemas apareçam. Daqui para frente, o mundo inteiro viverá na austeridade e deverá, cada vez mais, conduzir o futuro com uma gestão preventiva, no lugar de corretora: cuidar para reduzir a necessidade de leitos, oferecer medidas preventivas no lugar de prisões e, graças à educação, evitar acidentes de trânsito por regras apropriadas.

Muito mais do que as velhas promessas genéricas, o futuro vai demandar soluções simples para problemas do cotidiano. A população quer saber como sua quadra terá mais segurança e não qual será a política de segurança; quer suas escolas limpas, bem cuidadas, com aulas, seus filhos bem atendidos e com bom aproveitamento, deixando para os professores as decisões sobre os métodos teóricos da pedagogia que serão usados. Enfim, quer soluções diretas.

Este será o debate do tempo que está por vir, para que possamos construir uma aliança, que exigirá sair da velha tradição de acordos eleitorais entre vermelhos e azuis. A aliança não deve ser mais entre siglas para beneficiar os eleitos, mas entre aqueles que se comprometerem a construir o futuro a serviço da população e de Brasília. Mais importante do que saber de que lado partidário estava o candidato no passado, a aliança para 2018 deve ser de que lado do futuro os candidatos prometem e têm credibilidade para se apresentar. Em qualquer das siglas existentes há pessoas comprometidas com o futuro e em qualquer delas há pessoas viciadas no passado. No lugar delas, que nos deixaram na situação atual nada satisfatória, precisamos de uma aliança esperançosa pelo futuro.


Fonte: www.cristovam.org.br


otimista

Cacá Diegues: O futuro do futuro

Desde adolescente, sempre ouvi dizer que o Brasil era o país do futuro, uma expressão criada pelo austríaco Stefan Zweig, um escritor judeu que, fugindo da perseguição nazista, veio viver por aqui. Ele se suicidou em fevereiro de 1942, às vésperas do carnaval, em Petrópolis. Pela mesma época, o poeta Paul Claudel, então diplomata francês no Brasil, glosando a ideia de Zweig, afirmou que éramos o país do futuro e o seríamos para sempre. O que Claudel queria dizer é que o brasileiro gostava mesmo era da expectativa do futuro, mesmo que ele não lhe chegasse nunca. A esperança era suficiente.

Hoje, vivemos uma atmosfera mítica oposta. Pelo menos para os que têm o poder de influenciar a opinião pública, o Brasil não presta para nada e não tem futuro algum. Somos um país definitivamente fracassado, condenado à rabeira da civilização contemporânea, incapazes de tudo. Nossos jornais e redes sociais são feitos desse pessimismo, onde o país é quase sempre identificado com o que há de pior nele, seja na economia, na administração pública, nos costumes, nos espetáculos, no futebol, onde for. Só é profundamente brasileiro aquilo que for profundamente ruim.

Chega. Não quero mais viver esse flagelo da autoestima, essa satisfação com a autocomiseração, esse sossego da morte em vida. Não quero mais rir de mim mesmo, como quem ri de um monstro grotesco imobilizado pela incompetência, piada do resto do mundo. Não é justo que seja assim, não o merecemos. É preciso voltar a crer que o futuro tem futuro, mesmo que ainda esteja longe de agora. E quem o constrói somos nós mesmos. Não podemos fazer do mito de nossa insuperável impotência a confortável explicação para nosso fracasso pessoal.

Não confundamos esse projeto com a ideia da harmonia universal dos infernos. O senador Renan Calheiros, em seu discurso de despedida da presidência do Senado, declarou que “depois das turbulências, é hora de um pouso suave para o Brasil”. Assim como o deputado Rodrigo Maia, ao assumir a presidência da Câmara, declarou que “a harmonia é a palavra-chave que sintetiza um dos pilares da democracia brasileira”. Nem uma coisa, nem outra. O “pouso suave” do senador e a “harmonia” a que se refere o deputado são justamente duas fantasias que convidam à inação.

A vida, como a política, é o contrário disso — é da crise que o progresso humano se alimenta, é da contradição que se organiza a síntese que construirá o bem-estar do futuro. O que nos falta não é “pouso suave” ou “harmonia”, mas o respeito à opinião do outro que não pensa como nós, o direito que o outro tem de existir. É esse o verdadeiro pilar de qualquer democracia.

No quadro famoso intitulado “Redenção de Caim”, pintado por Modesto Brocos no século XIX, uma negra idosa eleva as mãos aos céus, agradecendo a Deus o neto claro que sua filha mestiça acaba de ter com um branco pobre, todos presentes na tela. Segundo o cineasta e escritor João Carlos Rodrigues, “trata-se de uma ilustração muito bem-sucedida de uma teoria então vigente, segundo a qual os negros brasileiros desapareceriam em algumas décadas, esmaecidos pela miscigenação”. Essa teoria do embranquecimento, defendida até por políticos e pensadores progressistas de então, recusava a origem da civilização brasileira, inventando um destino que não tinha nada a ver conosco, nem com a realidade à nossa volta.

Somos sempre vítimas desses “salvacionismos” inventados que nos desviam de nós mesmos e que nos fazem, além de observadores injustos de nossa própria vida, perder tempo e confiança na tentativa de construção de um futuro impossível. Já invejamos a civilização europeia ocidental e, depois, a contemporaneidade anglo-saxã da América do Norte. Esses projetos acabam por nos produzir um “fatalismo narcisista”, como o nomeou Contardo Calligaris. O que é tão desejado e ao mesmo tempo tão inviável acaba por não merecer que façamos qualquer esforço em outra direção alternativa. Merece apenas a autopredação moral e material que nossa frustração está acostumada a praticar.

Em busca ansiosa por amigos através das poucas palavras permitidas pelo smartphone, vivemos hoje a nostalgia de uma modernidade cheia de esperança, substituída pelo cinismo da pós-modernidade que se ri desse passado. Nossas distopias são hoje formadas pelas ruínas dessa modernidade perdida. Nosso futuro estará comprometido se não nos conhecermos e não nos aceitarmos como somos e, a partir disso, construirmos uma civilização democrática e original, mais fraterna e mais generosa, em que temos o direito de acreditar.

Enquanto isso, o carnaval se aproxima inevitável... Viva a mulata!


* Cacá Diegues é cineasta

Roberto Freire: A hora da eleição municipal

Com o impeachment de Dilma Rousseff e a cassação do mandato de Eduardo Cunha, o Brasil segue caminhando em uma marcha da sensatez que vem pautando a política nacional nos últimos meses. É certo que o país será melhor sem uma presidente da República que cometeu crimes de responsabilidade ou um presidente da Câmara que mentiu em depoimento a uma comissão parlamentar de inquérito, além de ter se envolvido em uma série de esquemas de corrupção revelados pela Operação Lava Jato. Mas é preciso ter a consciência de que só evitaremos novas Dilmas e Cunhas se elegermos representantes sérios, competentes e comprometidos com a causa pública no próximo pleito.

Às vésperas de mais uma eleição municipal, programada para o dia 2 de outubro, os brasileiros se voltam para aquele que é o momento mais importante e que definirá os destinos das cidades – e do país – pelos próximos quatro anos. À primeira vista, alguns podem até imaginar que Dilma e Cunha fazem parte de uma realidade distante e que pouco tem a ver com o voto local. Entretanto, talvez tenha sido justamente por relegar o momento eleitoral a segundo plano que hoje a sociedade brasileira assiste, incrédula, a uma profusão de irregularidades e escândalos como os que marcaram os 13 anos de governos lulopetistas. O Brasil só mudará se essa mudança começar nas cidades, com a eleição de prefeitos e vereadores dignos do nosso voto e da nossa confiança.

As eleições de outubro tem uma dimensão e uma importância ainda maiores nesta quadra delicada pela qual passa o país. O poder local é fundamental e deve ser fortalecido. Afinal, não vivemos nos Estados ou na União, mas nos bairros, nos municípios, nas cidades, e é nelas que devemos exercer, primordialmente, nossos direitos e deveres como cidadãos. Entre eles, está o compromisso do voto – e o objetivo comum a todos deve ser escolher os melhores representantes para os Executivos e Legislativos municipais.

Em meio à maior recessão da história brasileira, gerada pela incompetência e irresponsabilidade de Lula e Dilma na condução da economia, não será fácil para o Brasil se recuperar da crise e retomar o caminho do desenvolvimento. O governo de transição do presidente Michel Temer tem uma árdua tarefa junto ao Congresso Nacional para a aprovação de reformas inadiáveis e medidas necessárias do ajuste fiscal, mas é preponderante que encontre no comando das Prefeituras das cidades brasileiras administradores igualmente capazes e responsáveis para levar adiante essa tarefa de reconstrução nacional. Seja nos pequenos, médios ou grandes municípios, a atuação de gestores públicos conscientes do momento enfrentado pelo país será determinante para superarmos a terrível herança deixada pelo PT.

Apesar de terem sido importantes para o Brasil e mostrado a força de nossas instituições democráticas, tanto o impeachment de Dilma quanto a cassação de Cunha foram medidas extremas que tiveram de ser tomadas para punir quem cometeu ilegalidades – mas, evidentemente, não podem ser motivo de júbilo ou comemoração por quem quer que seja. O ideal é que vivêssemos em um país no qual presidentes da Câmara ou da República se comportassem de forma digna no exercício do cargo e concluíssem seus mandatos normalmente. Se, por um lado, a cassação de ambos demonstra o vigor da democracia brasileira, por outro também escancara o quanto ainda estamos distantes do país que queremos construir.

A jornada é longa, o caminho é tortuoso, mas o processo é inevitável. Não há outra possibilidade de desenvolvimento para o Brasil além do voto consciente e da fiscalização permanente dos representantes que elegemos. As eleições municipais que se aproximam podem significar o primeiro capítulo de uma nova página que os brasileiros começarão a escrever. O tamanho do nosso compromisso e a responsabilidade com a qual exerceremos nosso direito inalienável ao voto serão proporcionais às chances de transformarmos as cidades e o país. O futuro começa na urna. (Diário do Poder – 15/09/2016)

Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS


Fonte: pps.org.br


Cristovam Buarque: Calamidade histórica

Inundações, terremotos, deslizamentos, filas de desempregados são calamidades visíveis que assustam; mas, felizmente, duram pouco tempo. Mas há calamidades invisíveis cujos efeitos só são percebidos quando já não há mais tempo para corrigi-las: são calamidades históricas. Nesta semana foi divulgado o estado de nossa educação de base no ano de 2015, conforme avaliada pelo Índice de Desenvolvimento da Educação de Base (Ideb).

A catástrofe não é visível de imediato, mas indica uma tragédia anunciada e duradoura por décadas. A falência do sistema educacional impede preparar nossas crianças para que elas enfrentem o próprio futuro e para que participem da construção do futuro do país. Há décadas podese perceber as consequências deste descaso. Mas, ao não ser visível, não tem sensibilizado o Brasil a dar o necessário cuidado à educação de base.

Os resultados do Ideb mostram estagnação do ensino fundamental em baixíssimas notas — 5,5 e 4,5 — nos seus dois níveis e mostram o retrocesso do ensino médio, em pleno século XXI, com a vergonhosa nota 3,7. Por estas notas, o Brasil foi reprovado em 2015. Esta média é ainda mais assustadora se levarmos em conta que metade das crianças brasileiras ficou fora da avaliação por ter abandonado a escola antes do ensino médio — com a nota desse grupo, o Ideb seria muito menor. O Ideb também não reflete plenamente a gravidade do nosso problema educacional, se lembramos também que ele não indica a brutal desigualdade na educação de nossas crianças conforme a renda da família; nem mostra que os outros países estão ultrapassando o Brasil, oferecendo melhor a educação a suas crianças.

Esta calamidade deveria ser tão visível quanto a seca no Nordeste, a avalanche em Mariana, as filas de desempregados e a falência financeira do Estado brasileiro. Mas nossos governos têm sido cegos para percebê-la. Por isso, nossos presidentes não manifestaram até hoje horror diante desta tragédia, não declararam calamidade histórica, não indicaram o que deve ser feito para o Brasil enfrentar a maior e mais duradoura de nossas crises.

Bastaria uma política decidida, para, ao longo de alguns anos, substituirmos as deficientes escolas estaduais e municipais por escolas federais, cujos Idebs estão se aproximando da nota 7,0. Este enfrentamento permitiria superar a crise social e econômica que assola o país.

O abandono da educação, que o Ideb-2015 indica, é uma das causas da crise econômica que vem, sobretudo, da baixa produtividade e da irrisória capacidade de inovação; a violência, a corrupção, o populismo, a irresponsabilidade fiscal têm como uma das causas a deseducação geral.

Talvez esta seja a maior de nossas calamidades, que o Ideb tem mostrado ao longo dos últimos anos: os governos descomprometidos com a educação e, por omissão, condenando o futuro do nosso país. Pior é que, no lugar de despertarmos usando o Ideb para corrigir a calamidade histórica, algum governo possa tomar a iniciativa de parar de estimar o Ideb, como um médico curando a febre ao quebrar o termômetro. (O Globo – 17/09/2016)


Fonte: pps.org.br


Cristovam Buarque: Assassinato do futuro

Na mesma semana do plebiscito que tirou o Reino Unido da União Europeia, conhecido como Brexit, uma pesquisa feita pelo professor Júlio Jacobo Waiselfisz, coordenador do Programa de Estudos sobre Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), mostrou que no Brasil são assassinadas 29 crianças por dia, mais de dez mil por ano. Estes dois fatos representam o desprezo pelo futuro.

O Brexit é uma preferência pelo passado; a morte de crianças é nossa Braxit, um assassinato de portadores do nosso futuro. Há décadas, o Brasil faz sua Braxit, sem plebiscito, discretamente, por decisões ou missões silenciosas de seus políticos.

Raras decisões de um povo geraram tantos debates quanto o chamado Brexit. Talvez sejam necessárias décadas para termos pleno conhecimento das consequências desta decisão: ética, o fechamento daquele país aos imigrantes que buscam abrigo contra a pobreza e as guerras em seus países; econômica, perda de investimento e vantagens comerciais; política, isolamento de uma população de 65 milhões de habitantes diante de uma comunidade de 510 milhões; cultural, pela perda da oxigenação promovida pela convivência entre povos; histórica, isolamento em um tempo de inevitável marcha a integração e globalização.

Mas já é possível dizer que foi uma opção da maioria dos britânicos pelo passado. O perfil etário dos eleitores demonstra: 63% com mais de 60 anos votaram pela saída; 73% com menos de 30 anos votaram pela permanência. O futuro queria permanecer; o passado, sair.

A surpresa do voto dos britânicos não surpreende o Brasil. Há décadas, optamos por sair do futuro, preferindo ficar presos ao passado. Nossos investimentos, nossas estruturas não têm preferência pelo futuro, são usados sobretudo para pagar erros e dívidas do passado. Gastamos R$ 500 bilhões por ano com a Previdência e R$ 300 bilhões com a Educação. A maioria dos aposentados ainda recebe menos do que o necessário para atender todas as suas necessidades, mesmo assim, considerando o valor per capita, o passado recebe quase duas vezes mais do que recebe o futuro.

Em 2013, o setor público brasileiro fez um sacrifício fiscal de R$ 2 bilhões somente para promover a venda de automóveis; e de R$ 1,6 bilhões com incentivos fiscais para inovação tecnológica nas empresas. Em 2015, pagamos R$ 502 bilhões de juros por dívidas financeiras contraídas no passado e investimos apenas R$ 68,5 bilhões na construção de infraestrutura econômica no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Gastamos mais com o passado do que com o futuro.

No dia seguinte ao Brexit, os eleitores do Reino Unido iniciaram o movimento por um Brain, uma reunificação com a União Europeia, mas o Brasil continua sem ao menos perceber nossa clara opção por fugir do futuro, nem se propondo a incorporar-se ao futuro: nosso Brain. Para tanto, são necessárias diversas reformas, mas sobretudo cuidar da educação das crianças. Nosso Brain quer dizer cuidar do cérebro de cada criança. (O Globo – 09/07/2016)


Fonte: www.pps.org.br


Cristovam Buarque: Ares do tempo

Há uma sensação geral de que o país perdeu o rumo. O incômodo vem de fatos específicos: caos político, corrupção, recessão, desigualdade, violência, epidemias, desemprego, deseducação, falência das contas públicas. Poucos, porém, consideram que estes indicadores de falta de rumo e de decadência têm em comum o fato, ainda mais grave, de que estamos sem sintonia com o “espírito do tempo”, o conjunto de ideias que orientam a humanidade e cada nação para o futuro.

É como se, além de rodando no meio do mar, não soubéssemos como inflar as velas do barco na direção dos ares que sopram para o futuro. Não é a primeira vez que isso acontece. Quando o mundo ingressava na primeira revolução tecnológica, com capital industrial e trabalho assalariado dentro das regras do mercado, nós optamos por continuar escravocratas, patrimonialistas, ruralistas, exportadores de bens primários, obscurantistas no pensamento.

Cem anos depois, quando iniciamos nossa industrialização, passamos a fabricar velhos produtos, não nos dedicamos a inventar produtos novos, conforme os novos tempos que já se iniciavam. No século XXI, outra vez estamos dessintonizados com ares do tempo: a revolução científica, o capital conhecimento e a inovação como motores do progresso.

Continuamos emergindo ao passado, não ao futuro: comemoramos continuar exportando commodities e fabricando autos, sem desenvolver capacidade de inovação para criar novos produtos da economia do conhecimento, sem base científica e tecnológica, sem colocar o bem-estar na frente de produção, consumo e renda, sem compromisso com o equilíbrio ecológico.

Vemos a tragédia imediata da recessão e do desemprego ao redor, mas não percebemos a tragédia distante de continuarmos na velha economia da produção primária, da indústria metal-mecânica, da dupla dependência tecnológica, tanto na inovação dos produtos quanto na inovação das ferramentas.

A maior prova da falta de sintonia com o futuro é o descuido como tratamos nossa educação de base, desperdiçando milhões do mais importante vetor do futuro: os cérebros bem formados de nossa gente. O vetor do progresso está na educação de qualidade igual para todas as crianças, independentemente da renda dos pais e da cidade onde vivem. Desprezamos o futuro quando nos recusamos a prestigiar o mérito dos bons professores, diferenciando-os dos demais.

Não estamos sintonizados com o futuro ao mantermos uma máquina estatal ineficiente, a serviço de sindicatos e partidos, e não do público; ou quando nos recusamos a atualizar velhas leis que já estão superadas. Nos tempos em que a taxa de natalidade diminui e a esperança de vida aumenta, o espírito do tempo exige reforma no sistema previdenciário.

A maior crise brasileira não está nas aparências do que nós vemos e sofremos, mas na nossa recusa de olhar para onde sopram os ares do futuro e como fazermos as reformas que nos sintonizarão com ele. Estamos desorientados com o presente caótico e outra vez não nos sintonizamos com as forças do espírito do tempo. (O Globo – 28/05/2016)


Cristovam Buarque é senador (PPS-DF)