EUA

Senadores dos EUA alertam para ameaças à democracia no Brasil

Departamento de Estado deve condicionar apoio ao país à preservação da democracia, defendem parlamentares

DW Brasil

Membros da Comissão de Relações Exteriores do Senado americano alertaram nesta terça-feira (29/09) que o relacionamento dos Estados Unidos com o Brasil estará em risco, caso o presidente Jair Bolsonaro desrespeite as regras democráticas nas eleições de 2022.

Eles temem que alegações infundadas de fraude eleitoral por parte de Bolsonaro possam gerar atos de violência semelhantes à invasão à sede do Congresso americano, no dia 6 de janeiro, quando centenas de apoiadores do ex-presidente Donald Trump tentaram impedir a formalização da vitória democrata nas eleições americanas.

Na carta, endereçada ao secretário de Estado, Antony Blinken, senadores do Partido Democrata afirmam que perturbação da ordem democrática no Brasil poderia colocar em risco a fundação das relações entre as duas nações mais populosas do Hemisfério Ocidental.

"Pedimos que o senhor deixe claro que os Estados Unidos apoiam as instituições democráticas do Brasil e que um rompimento antidemocrático da atual ordem constitucional terá graves consequências”, afirma o documento assinado pelo presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado, Bob Menendez, juntamente com os senadores Dick Durbin, Ben Cardin e Sherrod Brown.

A preocupação dos senadores diz respeito aos questionamentos feitos pelo presidente brasileiro ao sistema de votação do país, que resultaram na tentativa frustrada de impor uma reforma eleitoral, barrada no Congresso.

Bolsonaro sinalizou em várias ocasiões que poderá, inclusive, não aceitar uma virtual derrota nas urnas no ano que vem, o que também seria uma espécie de manobra para insuflar sua base de apoio.

"Linguagem irresponsável"

"Esse tipo de linguagem irresponsável é perigosa para qualquer democracia, mas é especialmente imerecida em uma democracia de um calibre como a do Brasil, que por décadas se demostrou capaz de viabilizar transições pacíficas de poder”, afirmam os senadores. "A deterioração da democracia brasileira teria implicações no hemisfério e além.”

As preocupações dos senadores se justificam, uma vez que Bolsonaro vem se envolvendo em constantes atritos com as instituições democráticas brasileiras. Além da controvérsia envolvendo o sistema eleitoral, o presidente costuma lançar fortes ataques ao Supremo Tribunal Federal, além de ter criticado diversas vezes a atuação do Congresso.

Os senadores pediram ao secretário de Estado para tornar o apoio à democracia brasileira "uma prioridade diplomática, inclusive em discussões bilaterais relacionadas à participação do Brasil em organizações como a OCDE e a Otan".

Sem o apoio americano, o Brasil não teria chances de atingir sua ambição de se tornar membro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, chamada de o "clube dos países ricos”.

O governo do presidente Joe Biden adota uma postura cautelosa e evita entrar em confronto direto com Bolsonaro. Na ocasião da Assembleia-Geral da ONU, na semana passada, Blinken se reuniu com o ministro brasileiro do Exterior, Carlos França.

Uma fonte do Departamento de Estado disse que o objetivo principal do encontro era tentar encorajar o governo brasileiro a aumentar suas ambições climáticas, antes da Conferência do Clima da ONU em novembro, em Glasgow. O Brasil é considerado um ator fundamental na defesa do meio ambiente, em meio à crescente preocupação internacional com a preservação a Amazônia e outros biomas.

A passagem de Bolsonaro por Nova York, durante a Assembleia-Geral, atraiu bastante atenção nos EUA, mas não do modo como desejavam os aliados do governo. Ele reforçou a imagem de negacionista, por ser o único líder dos países do G20 a não estar vacinado contra a covid-19, e por não utilizar máscaras em várias ocasiões.

Em seu discurso na ONU, ele criticou medidas preventivas adotadas por vários países para conter as transmissões do coronavírus, e ainda defendeu o tratamento precoce, que se baseia em medicamentos comprovadamente ineficazes contra a doença.

Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/senadores-dos-eua-alertam-para-amea%C3%A7as-%C3%A0-democracia-no-brasil/a-59345917


Luciano Hang presta depoimento à CPI da Pandemia

Investigações apontam que o bolsonarista foi membro atuante do grupo de aconselhamento a Bolsonaro durante a pandemia

Victor Fuzeira e Marcelo Montanini / Metrópoles

Com foco na ação do “gabinete paralelo”, a CPI da Covid-19 ouve, na manhã desta quarta-feira (29/9), o empresário Luciano Hang. As investigações apontam que o bolsonarista foi membro atuante do grupo de aconselhamento ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante a pandemia da Covid-19.

A ida de Hang ao colegiado também faz parte do esforço concentrado dos senadores para apurar irregularidades que envolvem a operadora de saúde Prevent Senior.

Hang chegou ao Senado pouco depois das 10h e falou com a imprensa. Ele afirmou que, ao contrário de outros depoentes, chega ao colegiado sem um habeas corpus que lhe concede o direito de não responder perguntas durante a oitiva.

“Hoje aqui estou sozinho, como um brasileiro normal, um comerciante. Tenho a certeza que estou com Deus e com milhões de brasileiros que querem um Brasil melhor e é por isso que eu luto”, disse.

Aliado de Bolsonaro, o empresário, que assumiu a alcunha de Veio da Havan dada por críticos, é suspeito de ter financiado a disseminação de fake news em blogs bolsonaristas e o grupo de consultores informais do presidente Jair Bolsonaro.

A Prevent Senior tem ligação com o “gabinete paralelo”, como revelou o Metrópoles, por meio do virologista Paolo Zanotto, que integrava o grupo e levava dados da empresa para o governo federal.

Outra situação que envolve Hang e a operadora de saúde é o caso da possível alteração na certidão de óbito da mãe dele, Regina Hang, supostamente a pedido do próprio empresário. A advogada Bruna Morato, que representa ex-médicos da Prevent Senior, confirmou, nessa terça-feira (28/9), em depoimento à CPI, que a mãe do empresário usou medicamentos sem comprovação de eficácia para a Covid-19 e teve a certidão de óbito alterada.

Profissionais de saúde da Prevent Senior, representados por Bruna Morato, elaboraram um dossiê entregue à comissão com denúncias de uso indiscriminado, nos hospitais da empresa, de medicamentos sem comprovação de eficácia para o tratamento da Covid-19 e coação de médicos para adotarem esse protocolo.

Outra acusação que pesa sobre a empresa é a de alterar atestados de óbitos para ocultar morte de pacientes por Covid-19, com orientação para os médicos mudarem os prontuários.

Às vésperas do depoimento, o empresário divulgou vídeo, nas redes sociais, algemado, provocando a comissão. Hang disse que vai depor com “o coração aberto”. “Se não aceitarem o que vou falar, já comprei uma algema para não gastarem dinheiro. Vou entregar uma chave para cada senador. E que me prendam”, ironizou.

Há uma expectativa de depoimento tenso. Contudo, o vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), contemporizou: “Ele é um depoente como qualquer outro e nós já tivemos um triste espetáculo de depoente que se utilizou das prerrogativas de parlamentar, que é o caso do deputado Ricardo Barros [líder do governo Bolsonaro na Câmara], para tentar tumultuar, [mas] o senhor Hang não tem imunidade parlamentar. Então, eu espero que ele se comporte conforme reza o Código de Processo Penal”, afirmou o parlamentar.

“As algemas, a mim não me incomodaram. Se ele está tão obcecado pelo uso assim, é uma escolha dele”, alfinetou.

Fake news

Além do “gabinete paralelo” e da Prevent Senior, outro assunto que os senadores querem apurar é a disseminação de fake news relativas à pandemia, e Hang é um dos alvos. Documentos obtidos pela CPI, e divulgados pela TV Globo na semana passada, relevam que o empresário teria financiado o blogueiro Allan dos Santos por intermédio do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro.

Allan dos Santos é investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos inquéritos que apuram disseminação de fake news e atos antidemocráticos.

Seguindo a linha de investigação sobre a disseminação de fake news e a ligação com o governo federal, a comissão ouvirá outro empresário bolsonarista, Otávio Fakhoury, que é vice-presidente do Instituto Força Brasil. Ele também é investigado pelo STF no inquérito das fake news.

Assista:



Fonte: Metrópoles / Agência Senado
https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/cpi-da-covid-luciano-hang-depoimento


Luiz Carlos Azedo: Naufrágio em dique seco

O projeto de construção do submarino nuclear brasileiro, uma parceria com a França, nunca agradou aos Estados Unidos e ao Reino Unido

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Jair Bolsonaro participou, ontem, de reunião bilateral com o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, em Nova York, onde estão para participar da 76a Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), hoje. Em vídeo divulgado nas redes sociais do presidente da República, o premier afirma que havia prometido visitar o Brasil, mas a pandemia da covid-19 impediu a viagem. O tema da covid-19 dominou o encontro.

Entretanto, quem quiser que se engane, o pano de fundo das relações estratégicas entre o Reino Unido e o Brasil são a forte presença comercial chinesa no continente, o controle do Atlântico Sul, área de influência dos ingleses, e o acordo militar com a França para construção do submarino nuclear brasileiro. Além disso, o Brasil apoia as pretensões da Argentina no sentido de recuperar a soberania sobre as Ilhas Malvinas (Falkland Islands), arquipélago localizado na plataforma continental da Patagônia, porém um território ultramarino britânico.

De abril a junho de 1982, a Argentina tentou recuperar o controle do território, mas levou uma surra da Marinha inglesa, com apoio logístico dos Estados Unidos e constrangida neutralidade brasileira. A derrota na Guerra das Malvinas colocou em xeque a doutrina de segurança nacional dos países da América do Sul, inclusive o Brasil, pois supunha-se que o aliado principal contra qualquer outra potência de fora do subcontinente eram os EUA. O conceito de “Amazônia Azul” e a decisão de construir um submarino nuclear em parceria com a França, para aumentar o nosso poder de dissuasão em águas territoriais, têm tudo a ver com o petróleo da camada pré-sal e a Guerra das Malvinas.

Na semana passada, Reino Unido e EUA protagonizaram um novo acordo militar com a Austrália, ou seja, no Pacífico e no Índico, no qual se comprometeram a fornecer submarinos nucleares àquele país da Oceania. Parlamentarista, a Austrália faz parte dos Reinos da Comunidade de Nações (Commonwealth realms), cuja chefe de Estado é a Rainha Isabel II (Elizabeth II). O acordo detonou o contrato de US$ 65 bilhões da Austrália com a França para compra de 12 submarinos franceses com propulsão convencional.

Após o anúncio do acordo militar entre Austrália, EUA e Reino Unido, a China também reagiu e considerou a aliança uma ameaça “extremamente irresponsável” à estabilidade regional. Pequim reivindica soberania sobre parte do Mar da China Meridional, muito rico em recursos naturais e importante rota comercial. Por isso, rejeita as pretensões territoriais de outros países da região, como Vietnã, Malásia ou Filipinas.

Submarino brasileiro
Acontece que o projeto de construção do submarino nuclear brasileiro, uma parceria com a França, nunca agradou aos EUA e ao Reino Unido. Os franceses forneceram tecnologia para construção do casco do submarino, um grande desafio. O reator nuclear, porém, foi todo desenvolvido pela Marinha brasileira (usará combustível com apenas 6% de urânio, contra um mínimo de 15% dos franceses e 90% dos norte-americanos).

O Almirantado “economiza arroz” para viabilizar o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub) e o Programa Nuclear da Marinha (PNM), mas o projeto está naufragando em dique seco, com cortes de 31% e 49%, respectivamente, no seu orçamento. Para garantir a continuidade mínima do projeto, a Marinha precisa recuperar R$ 267,5 milhões que seriam destinados ao Prosub, mas foram vetados por Bolsonaro.

O Brasil possui quatro submarinos da classe Tupi (Tupi, Tamoio, Timbira, Tapajó), um da série Tikuna e o Riachuelo, da classe Sporpene, o primeiro do Prosub. O Humaitá, em fase de testes, é o segundo. Terceiro e quarto, respectivamente, o Tonelero estava programado para ser lançado em dezembro deste ano, enquanto o Angostura, em dezembro de 2022. O valor total dos quatro submarinos convencionais é de 100 milhões de euros, o equivalente a R$ 630 milhões em câmbio atual. Somados, é mesmo valor do submarino movido por energia nuclear, cujo nome será Álvaro Alberto, o almirante que liderou o programa nuclear brasileiro. O cobertor, porém, é curto. A esquadra está sucateada e precisa de novas fragatas e navios-patrulha também em construção.

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Luiz Carlos Azedo: O refúgio de Bolsonaro

O Palácio do Planalto faz mistério sobre o roteiro político do presidente da República na ONU, mas o próprio nos deu uma dica: “Podem ter certeza, lá teremos verdades

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

A tradição é o Brasil ser o primeiro país a se manifestar na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), desde 1955, logo após os discursos de abertura do presidente da Assembleia e do secretário-geral da Organização. Nos últimos 65 anos, essa ordem somente não foi seguida três vezes. “Certos costumes surgiram durante o debate geral, incluindo o costume da ordem dos primeiros oradores”, explica a própria ONU. Nossos presidentes da República gostam de comparecer à abertura dos trabalhos do mais importante organismo de cooperação e governança global. Trata-se de uma vitrine para o mundo, um momento de reconhecimento e demonstração de prestígio internacional para o nosso país.

Entretanto, Bolsonaro está no pior momento de seu governo para a opinião pública nacional e internacional. Decidiu comparecer à abertura da Assembleia Geral, na terça-feira, para dizer algumas “verdades” sobre o país. Viaja, neste domingo, acompanhado pela primeira-dama, Michelle, e chegará “causando” porque, até hoje, não se vacinou contra a covid-19. Durante a semana, isso criou a maior celeuma, porque a Prefeitura de Nova York, cidade onde está localizada a sede da ONU, restringe a circulação de pessoas não vacinadas.

A própria ONU exige o atestado de vacina para participar da Assembleia Geral. Porém, diante do impasse, decidiu flexibilizar o protocolo e aceitar a presença de chefes de Estado que não tomaram a vacina, desde que apresentem um atestado de que estão saudáveis, ou seja, não sejam portadores do vírus da covid-19. É o tipo de atitude que queima o nosso filme já no desembarque. Nova York é uma cidade multiétnica e cosmopolita, na qual os brasileiros não passam batido: são 300 mil residentes na metrópole.

O projeto final do belíssimo prédio da sede da ONU, selecionado por uma equipe de arquitetos de diversos países, liderada por Wallace Harrison, é de autoria de Oscar Niemeyer com a colaboração de Le Corbusier. Construída entre 1949 e 1952, fica no setor leste de Manhattan, às margens do Rio East, em terrenos comprados por Nelson Rockefeller por US$ 8,5 milhões e doados por seu herdeiro à administração local. Era um antigo matadouro. A comissão selecionou o projeto de Niemeyer por sua leveza, ao definir prédios distintos para os diferentes órgãos das Nações Unidas em vez de um só edifício, como propôs Le Corbusier.

O Secretariado foi erguido às margens do Rio East, tendo a Assembleia Geral logo à direita, criando uma ampla praça cívica na frente. A sede da ONU é uma verdadeira galeria de arte, com obras de grandes artistas, entre os quais Cândido Portinari. Os monumentais painéis de Guerra e Paz estão expostos no salão dos delegados. Encomendados pela United Nations Association of the United States of America, como um presente às Nações Unidas, foram projetados em Nova York. Portinari, porém, teve problemas com o visto (era acusado de ser comunista), por causa da Guerra Fria, voltou para o Brasil e pintou os painéis no Rio de Janeiro.

Refúgio

Bolsonaro poderá circular pelo prédio da ONU, mas não poderá frequentar a área interna de nenhum restaurante da cidade. Não chega a ser um problema. O presidente da República gosta de ambientes populares e pode até criar um factoide na vida mundana dos brasileiros em Nova York. Na zona central da cidade, o Little Brazil, rua entre a 5a e a 6a Avenidas, tem bons restaurantes brasileiros, entre os quais os famosos Via Brazil, Ipanema e Emporium. Todos têm leite condensado, caipirinha, feijoada e picanha, além de mesas nas calçadas. Dependendo do dia da semana, rola um pagode no Samba Kitchen & Bar. Fora do quadrado, o Miss Favela, no Brooklyn, a US$ 45 por cabeça o menu completo, tem música ao vivo e clima de boteco.

Deixemos a gastronomia de lado. O Palácio do Planalto faz mistério sobre o roteiro político de Bolsonaro na ONU, mas o próprio nos deu uma dica, na semana passada: “Podem ter certeza, lá teremos verdades, realidade do que é o nosso Brasil e do que nós representamos verdadeiramente para o mundo”, disse. Na última sexta-feira, nosso presidente não participou do Fórum das Grandes Economias sobre Energia e Clima, evento online promovido pelo presidente Joe Biden como preparação da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 26, marcada para ocorrer entre os dias 1 e 12 de novembro. Os presidentes da Argentina, Alberto Fernández, e do México, Andrés Manuel Lopez Obrador, participaram.

Bolsonaro deve voltar ao Brasil logo após a abertura da Assembleia Geral. Não tem reunião agendada com nenhum outro chefe de Estado. Pelo rumo da prosa, como a maioria dos governantes de países emergentes e periféricos quando estão enfraquecidos, apelará para o discurso nacionalista, um refúgio bem conhecido na diplomacia. É uma forma de mascarar seu negacionismo em relação à pandemia da covid-19, à grave crise hídrica e ao desmatamento na Amazônia, além de dificuldades econômicas e a atual instabilidade política que criou.

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Luiz Carlos Azedo: Muito barulho por nada

A reprovação ao governo Bolsonaro oscilou dois pontos para baixo em relação ao levantamento de julho: 53% consideram o governo ruim ou péssimo”

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Graças às redes sociais, a participação da sociedade na política se ampliou muito, com certas características da forma como as pessoas se articulam na internet, ou seja, as chamadas de “tribos” — quando se agrupam por interesses permanentes — ou “bolhas”, no caso das correntes de opinião política encapsuladas em grupos de pressão. Tanto as mudanças econômicas, financeiras e tecnológicas aceleradas pela globalização, como a revolução nos costumes, por exemplo, são fatores de maior diversidade social e pluralismo político.

A expressão “maioria silenciosa” se refere às pessoas politicamente acomodadas que, de um modo geral, têm posições conservadoras, mas não manifestam opinião publicamente. Esse conceito surgiu nos Estados Unidos, como muitos outros, durante o governo de Richard Nixon, quando, em 1969, ele pediu à população americana mais apoio ao envio de tropas para lutar no Vietnã. Havia, com razão, muita resistência à intervenção norte-americana no Sudeste Asiático, mas Nixon conseguiu o apoio da maioria da sociedade. Desde então, conquistar o apoio dessa parcela da sociedade passou a ser uma das principais preocupações dos políticos.

A eleição de Donald Trump foi um momento de mudança na relação dos políticos com essa “maioria silenciosa”, que deixou de sofrer a influência predominante dos grandes meios de comunicação para ser pautada por minorias ativas nas redes sociais, em parte formada por setores que, até então, não tinham como se expressar nos movimentos civis e sociais. Tais grupos são muito barulhentos e conseguem pautar as políticas públicas, e até os meios de comunicação. Esse fenômeno voltou a ocorrer, com sinal trocado, na campanha que levou o democrata Joe Biden à vitória.

Um marco dessa mudança foi o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), que hoje tem caráter internacional, mas surgiu na comunidade negra dos EUA, que luta contra a violência racista. Emergiu em 2013, com o uso da hashtag #BlackLivesMatter em redes sociais, após a absolvição de George Zimmerman, que atirou fatalmente no adolescente negro Trayvon Martin. O movimento ficou conhecido por suas manifestações de rua após a morte, em 2014, de dois afroamericanos. Em maio de 2020, o movimento ganhou repercussão mundial com a morte de George Floyd, durante uma ação policial em Minneapolis. Milhares de pessoas foram às ruas protestar a favor da vida das pessoas negras no mundo todo. Foi então que Trump começou a perder as eleições.

Pesquisa

Como estamos na esfera de influência do chamado americanismo, esse fenômeno também ocorre no Brasil, obviamente com características próprias, entre as quais o peso da questão ética no posicionamento da sociedade em relação à política. Em grande parte, a vitória do presidente Jair Bolsonaro, em 2018, foi uma deriva da eleição de Trump e da forte rejeição provocada pela Operação Lava-Jato à política tradicional e ao envolvimento dos grandes partidos em escândalos de corrupção. Agora, as pesquisas estão mostrando um movimento em sentido inverso, em decorrência do desempenho do governo Bolsonaro em diversas áreas: crise sanitária, alta inflacionária, crise hídrica, ameaças à democracia etc.

A pesquisa DataFolha divulgada ontem é uma comprovação disso. A reprovação ao governo Bolsonaro oscilou dois pontos percentuais em relação ao levantamento feito em julho: 53% consideram o governo ruim ou péssimo, o pior índice do mandato — na última pesquisa, eram 51%. O percentual dos que consideram o governo bom ou ótimo caiu de 24% para 22%, enquanto a parcela que o considera reguar manteve-se em 24%. A pesquisa ouviu 3.667 pessoas com mais de 16 anos, dos dias 13 a 15 de setembro, em 190 municípios brasileiros. A margem de erro é de dois pontos para mais ou para menos.

O mais importante é que o levantamento foi feito após as manifestações do 7 de Setembro, convocadas por Bolsonaro, que foram muito maiores do que as de oposição moderada, realizadas no dia 12 passado. A alta de preços da gasolina, do gás e dos alimentos, e a existência de 14,4 milhões de desempregados pesaram na balança da pesquisa, inclusive na classe média e entre os evangélicos, onde o presidente da República perdeu muito apoio. Em resumo, a chamada “maioria silenciosa” mudou de lado.

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Luiz Carlos Azedo: O braço armado de Bolsonaro

No establishment econômico, institucional e militar, a interrogação é se chegaremos em 2022 com Bolsonaro no poder”

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

O imponderável da democracia brasileira, com eleições limpas e apuração instantânea, é o voto popular. Vem daí o medo que Jair Bolsonaro sente das urnas eletrônicas, porque sua reeleição subiu no telhado, em razão de o país estar à matroca — com inflação em alta, desemprego em massa, crise sanitária e risco de apagão. Por isso, ameaça tumultuar as eleições de 2022. O presidente da República teme não se reeleger, desde que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva despontou como favorito nas pesquisas de opinião, mesmo sabendo que ninguém ganha eleição de véspera. Outros postulantes querem romper essa polarização: João Doria (PSDB), Ciro Gomes (PDT), Henrique Mandetta (DEM), quiçá Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, e Sérgio Moro, o ex-juiz que não se assume como candidato e continua pontuando nas pesquisas. Nas simulações de segundo turno, Bolsonaro perderia para todos. Obviamente, esse cenário ameaça até sua presença no segundo turno.

Pressionado psicologicamente, diante do próprio fracasso político-administrativo, a 14 meses das eleições, Bolsonaro aposta na polarização ideológica e na radicalização política extrema. Busca um atalho para se manter no poder. Apoiado por partidários fanatizados, escala um confronto com o Supremo Tribunal Federal (STF) e trabalha para melar as eleições, ao levantar suspeitas sobre a integridade do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na condução do pleito. Tenta intimidar a oposição, a imprensa e os ministros do Supremo, e arrastar as Forças Armadas para uma aventura golpista. Não obteve sucesso até agora. Quer transformar o Sete de Setembro, no qual pretende realizar duas grandes manifestações, uma em Brasília e outra em São Paulo, numa demonstração de que pode resolver no braço o que não consegue pelo convencimento, como fazem os valentões.

Os próximos meses serão complicados. Bolsonaro tem um pacto com os violentos. Primeiro, com as milícias do Rio de Janeiro, cujo modelo de atuação naturalizou e traduziu para a política. Aproveitando-se dos interesses corporativos de categoriais profissionais embrutecidas pelos riscos da própria atividade, mobiliza atiradores e indivíduos que cultuam a violência por temperamento ou ideologia, fundamentais para a formação de falanges políticas armadas, para as quais conta com a expertise de militares reformados e agentes de segurança pública. A violência sempre presente nos territórios dominados por atividades transgressoras ou na fronteira da economia informal, onde não existe título em cartório e as dívidas são cobradas sob ameaças, é o caldo de cultura de que se aproveita.

Establishment
Na Itália do jurista, político e ex-primeiro-ministro Aldo Moro, assassinado em 1978 pelas Brigadas Vermelhas, os terroristas escreveram nos muros da sede da Democracia Cristã: “Transformar a fraude eleitoral em guerra de classes”. Com sinal trocado, quando fala que o povo deveria comprar fuzil e não feijão, Bolsonaro sinaliza na direção de que pretende transformar as eleições numa guerra. Está armando os militantes que pretende mobilizar para tumultuar o pleito, como tentou Donald Trump nas eleições americanas, diante da impossibilidade de mobilizar as Forças Armadas para dar um golpe de Estado.

No establishment econômico, institucional e até mesmo militar do país, porém, a grande interrogação é se chegaremos às eleições de 2022 com Bolsonaro no poder. Sua escalada contra as regras do jogo democrático e contra o Supremo não tem como dar certo. No limite, propõe a discussão sobre a eventualidade de interdição por insanidade mental ou inelegibilidade por atentar contra a democracia. Talvez seja essa a aposta do presidente da República, para provocar uma crise institucional de desfecho violento.
A democracia é uma conquista civil da qual não se pode abrir mão precisamente porque, onde ela foi instaurada, substituiu a violenta luta pela conquista do poder por uma disputa partidária com base na livre discussão de ideias. Condenar as eleições, esse ato fundamental do sistema democrático, em nome da guerra ideológica, nos ensina o mestre Norberto Bobbio, significa “atingir a essência não do Estado, mas da única forma de convivência possível na liberdade e através da liberdade que os homens até agora conseguiram realizar, na longa história de prepotência, violência e cruel dominação”. Deixemos o povo resolver as disputas pelo voto, em clima de eleições pacíficas e ordeiras.

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Luiz Carlos Azedo: O naufrágio de Bolsonaro

Reacionários são obcecados pelo medo das mudanças e se comportam de maneira nostálgica, sonhando com um passado idealizado, que não é o que a História registra

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

O analista político e ensaísta Mark Lilla, professor de História das Ideias na Universidade de Columbia, em Nova York, ganhou muita notoriedade após a eleição de Donald Trump, ao publicar um artigo no The New York Times no qual pedia que a esquerda norte-americana abandonasse a “era do liberalismo identitário” e buscasse a unidade diante da especificidade das minorias. É autor de O progressista de ontem e o do amanhã: desafios da democracia liberal no mundo pós-políticas identitárias (no original, The Once and Future Liberal: After Identity Politics) e A Mente Naufragada, publicados pela Editora Schwarcz e Cia. das Letras, respectivamente.

Voltou a gerar polêmicas em meados do ano passado, ao articular uma carta-manifesto assinada por 150 intelectuais, entre os quais Noam Chomsky, Gloria Steinem, Martin Amis e Margaret Atwood, no qual reivindicavam o direito de discordar, sem que isso colocasse em risco o emprego de ninguém, uma reação à patrulha ideológica dos setores progressistas dos Estados Unidos contra intelectuais conservadores. Esse posicionamento foi importante para a unidade dos democratas, fundamental para a vitória de Joe Biden nas eleições presidenciais do ano passado e o racha dos republicanos, ao isolar a extrema-direita na tentativa de golpe de Estado de Trump.

Lilla é um estudioso dos dramas ideológicos do século XX. No livro A Mente Naufragada, faz uma clara distinção entre o reacionarismo e o pensamento conservador. Segundo ele, “os reacionários da nossa época descobriram que a nostalgia pode ser uma forte motivação política, talvez mais poderosa até do que a esperança. As esperanças podem ser desiludidas. A nostalgia é irrefutável”. Isso tem tudo a ver com o presidente Jair Bolsonaro, o grupo de militares saudosistas do regime militar que o cerca e os grupos de extrema-direita que organizou por meio das redes sociais, que, agora, estão armados até os dentes.

Enquanto velhos revolucionários da geração 1968 ainda alimentam expectativas de uma nova ordem social redentora, os reacionários são obcecados pelo medo das mudanças em curso no mundo e se comportam de maneira nostálgica, sonhando com a volta a um passado idealizado, que não é o que a História registra. “A nostalgia baixou como uma nuvem sobre o pensamento europeu depois da Revolução Francesa e nunca mais se afastou totalmente”, lembra Lilla, propósito dos pensadores que, há um século, serviram de caldo de cultura para o nazismo e o fascismo.

Nostalgia da ditadura
Quando o ministro da defesa, o general Braga Netto, por exemplo, comparece à Câmara para prestar esclarecimentos e nega que houve uma ditadura no Brasil, revela uma mente naufragada no passado, quando Tancredo Neves foi eleito no colégio eleitoral e o regime militar caiu sem um tiro, em 1985. O regime militar foi, sim, uma ditadura, que durou 20 anos, suprimiu as liberdades, prendeu, sequestrou e matou oposicionistas. Essa era a narrativa dos generais que se revezaram na Presidência e impuseram um artificial sistema bipartidário, para disfarçar o regime autoritário, sob o argumento de que se tratava de uma “democracia relativa”.

A outra face dessa narrativa é a recorrente interpretação de Bolsonaro sobre o artigo 142 da Constituição, ao atribuir às Forças Armadas o papel de “poder moderador” nas relações entre o presidente da República, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Busca-se, como em 1937, no golpe do Estado Novo, e em 1964, na deposição de João Goulart, uma suposta ameaça comunista, no caso representada pelo favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas eleitorais sobre o pleito de 2022.

Constrói-se uma tese de afronta à legalidade para justificar uma “intervenção militar”, com base em suposta insegurança da urna eletrônica e nas medidas tomadas pelo Supremo Tribunal Federal contra a rede montada para disseminar mentiras e apregoar um golpe de Estado. “Onde os outros veem o rio do tempo fluindo como sempre fluiu, o reacionário enxerga os destroços do paraíso passando à deriva”, explica Lilla. É mais ou menos o que distingue o presidente Jair Bolsonaro dos setores conservadores que participam e ainda apoiam o seu governo, mas não sua loucura golpista.


Elio Gaspari: Cabul, Saigon, Shaaban, Budapeste

Os americanos defendem seus interesses

Elio Gaspari / O Globo

Quando Donald Trump botou o apelido de “Joe Dorminhoco” em Joseph Biden, ele sabia do que tratava. Biden às vezes fecha os olhos enquanto fala e fez fama com suas declarações impróprias.

A sorte faltou-lhe no dia 8 de julho passado, quando um repórter duvidou de sua estratégia de retirada do Afeganistão:

— Presidente, sua comunidade de informações diz que o governo afegão poderá entrar em colapso.

— Isso não é verdade.

Mais adiante, outro jornalista insistiu:

—Alguns veteranos do Vietnã estão vendo semelhanças com a retirada do Afeganistão. O senhor vê algum paralelo entre essa retirada e o que aconteceu no Vietnã?

—Nenhuma, zero.

Quem viu as imagens dos afegãos no aeroporto de Cabul, ou das pessoas caindo de um avião em voo, imediatamente as associou às cenas de Saigon em 1975 ou aos corpos que caíam das Torres Gêmeas de Nova York na manhã de 11 de setembro de 2001.

As diferenças entre o que aconteceu em Saigon e o que está acontecendo em Cabul são enormes, mas falar em “zero” foi uma leviandade de Biden. O acordo que entregaria o Afeganistão ao Talibã foi fechado por Donald Trump, mas o custo do “zero” de Biden só poderá ser avaliado em novembro do ano que vem, depois da eleição que renovará a Câmara e uma parte do Senado.

Os americanos gostam de cultivar uma imagem de onipotência irreal em si e tóxica ao longo dos tempos. Em 1956, eles deixaram na chuva os húngaros que se rebelaram contra a União Soviética. Em 1975, abandonaram seus aliados de Saigon. (Naquela ocasião, o senador Joe Biden disse que votaria qualquer verba para resgatar americanos, mas não queria que se misturasse a iniciativa com o resgate de vietnamitas.) Em 1991, os iraquianos que se rebelaram contra Saddam Hussein na Intifada de Shaaban foram massacrados. Em todos os casos, o governo dos Estados Unidos defendeu os interesses dos americanos. Quem acreditou que poderia ser diferente arrostou, como arrostam os afegãos.

A aventura americana custou mais de US$ 1 trilhão, ervanário equivalente ao que Joe Biden pretende gastar na recuperação de infraestrutura dos Estados Unidos. Algum dia essa despesa será examinada e vai-se constatar que as picaretagens apensas às compras de vacinas brasileiras foram golpes microscópicos se comparadas com as maracutaias da privataria das forças de ocupação americanas. Basta lembrar que por lá também se falou num “Plano Marshall” para o Afeganistão. Felizmente, o de Pindorama ficou só no palavrório.

A catástrofe afegã levará tempo para ser digerida. Quem viu as imagens do Talibã no palácio presidencial de Cabul deve medir o tamanho de uma mistificação que está em curso. Ninguém mexeu em nada, nem no bonito relógio que ficava sobre a mesa de reuniões. Puro teatro. Nas cidades do norte, lojas estavam sendo saqueadas.

Joe Biden lembrou na segunda-feira, dia 16, que os Estados Unidos foram para o Afeganistão há 20 anos porque lá o Talibã hospedava os terroristas da al-Qaeda, que derrubaram as Torres Gêmeas de Nova York em setembro de 2001. Verdade. Mas há 20 anos, no mesmo dia 16 de agosto, foi preso nos Estados Unidos Zacarias Moussaoui. Ele tomava aulas em simuladores de voo, e um instrutor desconfiou de suas intenções. As investigações empacaram, apesar de um agente do FBI ter registrado que ele queria jogar um avião numa das Torres Gêmeas. Deu no que deu.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/opiniao/cabul-saigon-shaaban-budapeste-25159735


Luiz Carlos Azedo: Novos amigos de Cabul

As cenas dos afegãos despencando do avião da USAF durante a decolagem no aeroporto de Cabul são piores do que as da retirada dos funcionários da Embaixada dos Estados Unidos em Saigon

Alexander Burnes, agente da Companhia Britânica das Índias, em 1838, recebeu de Lord Auckland, o governador-geral de Calcutá, a missão de negociar com Dost Mohammed, o Emir do Afeganistão, um pacto com o Império Britânico. Ao chegar em Cabul, lá estava o Conde Vitkevitch, representante da Rússia. Era o “Grande Jogo” da Ásia, no qual a Rainha Vitória disputava com o Czar Nicolau I o controle da Eurásia. O pedregoso território afegão, entre o Cáucaso e a Índia, separando o Irã da Turcomênia, era estratégico para as duas potências. No ano seguinte, 16,5 mil ingleses, indianos e dissidentes afegãos da Army of the Hindus tomaram Cabul. Dost Mohammed rendeu-se em novembro de 1840 e foi encarcerado na Índia.

Burnes transformou sua residência oficial num harém, enquanto os demais invasores profanavam os lares afegãos. Em 1841, os humilhados afegãos se revoltaram, invadiram a casa de Burnes e o esquartejaram. Veterano das Guerras Napoleônicas, o general Elphinston negociou com Akbar, o filho de Dost Mohammed, em 2 de janeiro de 1842, a retirada das tropas britânicas, que estavam sitiadas. Ao atravessarem o passo de Khoord-Cabool, a montanha desabou: pedras em avalanches, tiros de jezails (o fuzil de cano longo afegão), flechas e lanças dizimaram as tropas britânicas. Somente restou vivo o Dr. Brydon, o médico, que escapou a cavalo dos altos do Hindu Kush.

Na Terceira Guerra Anglo-Afegã, em 1919, num acordo com os ingleses, o Afeganistão tornou-se um Estado-tampão na fronteira da Índia. A partir de 1926, uma monarquia sobreviveu até 1973, quando o rei Zair foi derrubado pelos republicanos. Em 1978, com apoio de tropas soviéticas, um golpe de Estado implantou um regime socialista, sob forte resistência dos rebeldes mujahedins, armados e financiados pelos EUA. Em 27 de setembro de 1996, as forças talibãs, constituídas de ex-estudantes fundamentalistas, derrubaram o presidente, capturaram Cabul e passaram a controlar grande parte do país, formando um governo de coalizão.

Mas houve o atentado da Al-Qaeda às Torres Gêmeas, os EUA invadiram o Afeganistão e retiraram os talibans do poder. Hamid Karzai foi escolhido presidente por George W. Bush. Nas eleições de 2004, a maioria dos 17 candidatos da oposição alegou fraude e não reconheceu o governo de Karzai, que incluía membros da Aliança do Norte, um grupo político formado pela majoritária etnia Pashtun. Em 2014, Asharaf Ghani foi eleito e empossado presidente do país no lugar do corrupto Karzai, mas seu destino já estava traçado. O governo Trump decidiria retirar as tropas norte-americanas do país. O novo presidente, Joe Biden, manteve a decisão e ordenou a saída até setembro, uma de suas promessas de campanha. Houve o desastre: o Talibã avançou rapidamente, as tropas governistas não resistiram e abandonaram Cabul. Ghani escafedeu-se.

Rota da Seda
A história se repete como tragédia. A Casa Branca nega comparações com a retirada do Vietnã, mas as cenas dos afegãos despencando do avião da USAF durante a decolagem, ontem, são piores do que as da dramática retirada dos funcionários da embaixada norte-americana em Saigon. Essa conta ficou para Biden. Entretanto, no “Grande Jogo” da Eurásia, não é a Rússia que leva vantagem. A China tem 80 quilômetros de fronteira com o Afeganistão e contratos bilionários, que já negocia com o Emirado Islâmico do Afeganistão. Com 38 milhões de pessoas, o país possui reservas de minérios avaliadas entre US$ 1 trilhão e US$ 3 trilhões, incluindo o segundo maior depósito inexplorado de cobre do mundo.

Em julho, o ministro de relações internacionais da China, Wan Yi, recebeu a comissão de assuntos externos do Talibã, liderada por Abdul Ghani Baradar, na cidade chinesa de Tianjim. O resultado parece ter sido positivo para a China. Além de cobre, o Afeganistão tem reservas de ferro estimadas em US$ 420 bilhões e US$ 81 bilhões de nióbio, cruciais para a indústria chinesa. Em troca, Pequim oferece a infraestrutura necessária para o Afeganistão entrar na Nova Rota da Seda, megaprojeto mundial de construção de portos, estradas e ferrovias ligando três continentes: Ásia, África e Europa, bancado pelo governo chinês. O problema será estabilizar o país e moderar o fundamentalismo islâmico talibã.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-novos-amigos-de-cabul

A voz de Trump vem ao Brasil

Entre ex-presidente americano e Bolsonaro a diferença são os militares

Elio Gaspari / O Globo

A repórter Beatriz Bulla revelou que deve chegar ao Brasil no próximo domingo Jason Miller, ex-porta-voz de Donald Trump. Vem divulgar sua rede social, Gettr, criada para contornar a expulsão de Trump das grandes plataformas americanas. A Gettr tem 250 mil brasileiros listados. Entre eles estão Jair Bolsonaro e dois de seus filhos.

Miller foi uma testemunha privilegiada da ruinosa insurreição de 6 de janeiro, quando Trump tentou melar o resultado da eleição americana. Para quem viu o desfile do pelotão da fumaça em frente ao Palácio do Planalto na semana passada, o golpe de Trump era muito mais delirante.

À tarde, o vice-presidente Mike Pence presidiria a reunião do Senado que sacramentaria a eleição de Joe Biden.

Às oito da manhã, Trump sabia que tinha milhares de seguidores em Washington e falou com Jason Miller. Esperava que Pence aceitasse as objeções dos republicanos e revertesse o resultado: “Faça isso, Mike. Esta é a hora da coragem”, tuitou.

Pouco depois, Trump ligou para Pence, mas o vice disse que não tinha poderes para tanto. Seu papel seria apenas cerimonial. “Você não tem coragem”, respondeu Trump. Ele tinha um plano e foi para um comício perto da Casa Branca.

Por volta de meio-dia e meia, enquanto Trump discursava incitando a multidão, Pence soltou uma nota oficial informando que não reverteria o resultado da eleição. Às 12h58m começava a invasão da área do Capitólio.

Às 14h12m, a multidão estava nos corredores. Alguns gritavam “enforquem Pence”. O vice-presidente e os senadores foram retirados do plenário, e o vice foi levado para um lugar seguro. Trump tuitava: “Mike Pence não teve a coragem de fazer o que devia ser feito.”

Estava enganado. Agentes de segurança queriam levar Pence para uma base aérea, mas ele decidiu ficar no prédio. Às 16h, o vice-presidente telefonou para o secretário de Defesa informando que pretendia retomar os trabalhos e queria que o Capitólio estivesse livre dos invasores: “Mande a tropa, mande logo.”

Entre o instante em que Pence deixou o plenário do Senado e as 20h, quando voltou para sua cadeira, a insurreição estava contida. Passaram-se seis horas, durante as quais as instituições democráticas americanas foram postas à prova.

Donald Trump passou a maior parte do tempo grudado nas televisões. Com o tempo, vai-se saber quem ligou para quem, dizendo o quê.

Às 21h, quando Pence já havia recomeçado a sessão que confirmaria a vitória de Joe Biden, Jason Miller começou a redigir uma nota na qual Donald Trump aceitava que se procedesse a uma “transição ordeira”. Reconhecia a necessidade da transição, o que não significava que reconhecesse o resultado da eleição. Fosse qual fosse o plano que Donald Trump tinha na cabeça, estava acabado.

Trump e Bolsonaro

Durante as seis horas de caos em Washington, Bolsonaro pôs suas fichas no cavalo errado.

Ele disse o seguinte:

“Eu acompanhei tudo hoje. Você sabe que sou ligado ao Trump. Então, você sabe qual a minha resposta aqui. Agora, muita denúncia de fraude, muita denúncia de fraude. Eu falei isso um tempo atrás, e a imprensa falou: ‘Sem provas, presidente Bolsonaro falou que foi fraudada a eleição americana’”

Poucas vezes, houve tamanha afinidade entre um presidente brasileiro e seu colega americano. Quando Bolsonaro disse “sou ligado ao Trump”, apontava para uma conexão que vai além da simpatia.

Trump contestava a eleição de Joe Biden. Bolsonaro contestava não só a eleição americana, como também a brasileira do ano que vem.

Trump acreditou na cloroquina e na imunidade de rebanho. Bolsonaro também.

Trump recusou-se a usar máscaras e duvidou da utilidade do distanciamento social. Bolsonaro também.

Trump disse que o vírus foi uma criação chinesa. Bolsonaro também. (Fazendo-se justiça a Trump, ele só saiu com essa patranha depois que os chineses disseram que o vírus havia sido espalhado pelos americanos.)

Por mais delirante que Trump tenha sido na sua conduta durante a pandemia, não há vestígio de picaretas agindo com relativo sucesso na burocracia da saúde pública americana.

Trump encrencou com seu vice. Bolsonaro também.

Trump quis militarizar o feriado de 4 de julho nos Estados Unidos botando tanques nos jardins da Casa Branca. Bolsonaro desfilou blindados fumacentos diante do Planalto.

Trump e os militares

É no capítulo das relações com os militares que salta aos olhos uma diferença entre o que aconteceu nos Estados Unidos e o que acontece no Brasil.

Lá, como cá, apareceram militares da reserva propondo excentricidades. Um general trumpista da reserva queria colocar o país sob lei marcial. Ficou no palavrório.

O general Mark Miley, chefe do Estado Maior Conjunto dos EUA, sentiu cheiro de queimado na movimentação dos trumpistas antes do 6 de janeiro.

Vendo uma manifestação em Washington no dia 2, ele cravou: “Esse é um momento do Reichstag. O Evangelho do Führer”.

Era uma comparação com os assaltos de Hitler ao regime democrático da Alemanha.

Não há prova de que Trump tenha tentado mover tropas do Exército, Marinha ou Aeronáutica no seu pastelão.

Pelo contrário. Na tarde do dia 6, quem pediu tropas foram os democratas Nancy Pelosi e Charles Schumer.

No dia 8, quando Trump já estava no chão, Pelosi, presidente da Câmara, telefonou para o general Miley, argumentando que o presidente estava fora de si e poderia fazer outras maluquices. Ela especulava a possibilidade de declará-lo incapaz.

Quanto às maluquices (o uso de armas nucleares para criar um caso), Miley tranquilizou-a. Quanto à declaração da incapacidade de Trump, ele cortou:

“Eu não vou caracterizar o presidente. Não é meu papel.”

Serviço

Estão na rede três reconstituições das maluquices de Donald Trump, publicadas nos Estados Unidos.

Diante da pandemia:

“Nightmare Scenario“ (Cenário de Pesadelo), de Yasmeen Abutaleb e Damian Paletta.

Sobre o 6 de janeiro:

“Landslide” (Expressão em inglês para designar uma vitória folgada numa eleição), de Michael Wolff

 “I Alone Can Fix It” (Eu Consigo Consertar Isso), de Carol Leonnig e Philip Rucker

Madame Natasha

Madame Natasha acompanha as sessões da CPI da Covid mascando cloroquina e decepcionou-se com a intenção dos senadores de acusar Bolsonaro por “charlatanismo e curandeirismo” durante a pandemia.

Charlatanismo, vá lá, mas falar em curandeirismo é uma ofensa aos muitos pajés do círculo de amizades da senhora.

O charlatão sabe que o óleo de peixe não cura reumatismo. Já o curandeiro acredita nas virtudes de suas poções.

Zé Arigó (1921-1971) foi um homem honesto. João de Deus, antes de ser apanhado em seus delitos sexuais, fez fama atendendo muita gente boa. Isso para não mencionar os milhares de pajés que cuidaram de indígenas. O cacique Takumã Kamayura (1932-2014) é hoje uma lenda para os povos do Xingu.

Natasha acredita que essa confusão é crendice de homem branco.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/a-voz-de-trump-vem-ao-brasil-25155834


Rio de Janeiro, DF

Merval Pereira / O Globo

A volta da capital para o Rio de Janeiro tem sido apontada como solução para a crise política e econômica que por anos vem dominando a cidade que, apesar dos pesares, continua sendo símbolo da nacionalidade, dentro e fora do país, a cidade brasileira mais visitada pelos estrangeiros.

Um trabalho da Faperj (Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à pesquisa do Estado do Rio de Janeiro) traz uma aprofundada visão sobre nossos problemas, e uma solução criativa: transformar o Rio de Janeiro em um segundo Distrito Federal, coisa que é na prática, a cidade mais “federal” do país.

O livro, organizado por Christian Edward Cyrill Lynch, Igor Abdalla Medina de Souza e Luiz Carlos Ramiro Junior, faz a defesa da federalização, e entende que salvar o Rio já não se trata de uma questão de segurança pública, mas nacional. As organizações criminosas tomaram conta da região metropolitana e espalharam seu domínio inclusive sobre outras partes do estado fluminense, o poder público não consegue exercer domínio sobre parte significativa do território e da população.
O diagnóstico é que, sendo a 2ª maior economia do país, com grandes polos de tecnologia e educação, convive com a estranha sensação de decadência. O Brasil inteiro perde com a crise do Rio de Janeiro, que deixou de ser um lugar de atração, mesmo sendo o ícone do Brasil para si e para fora.

O país desperdiça seu grande ativo, e os autores destacam o seu "uso" como capital simbólica pelo próprio governo federal: sediou a Eco-92, o Pan 2007, a Rio+20, a Olimpíada de 2016, além de servir de sede logística e das partidas finais das Copas das Confederações e do Mundo (2014).

Do ponto de vista da cultura e da história, a capital brasileira continua sendo o Rio: Paço Imperial, Biblioteca Nacional, Centro Cultural da Justiça Federal, Museu Nacional de Belas Artes, Museu Histórico Nacional, Museu da República, Museu Nacional etc. As sedes da Academia Brasileira de Letras (ABL) e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) são no Rio.

Também continua a exercer na prática o papel de um Distrito Federal oficioso. Segundo dados da Secretaria do Patrimônio, a União é proprietária de cerca de 1200 imóveis federais, parte substantiva deles subaproveitados. Triste exemplo é o prédio icônico do Ministério da Educação ( Palácio Gustavo Capanema) no centro da cidade, colocado agora num balaio de privatizações de prédios públicos. Um patrimônio histórico tombado por sua importância na arquitetura brasileira e mundial, que não tem preço.

Segundo dados do Ministério do Planejamento de 2016, o Rio sedia 1/3 dos órgãos da administração federal: Brasília é sede de 115 órgãos; o Rio, 67. O Rio de Janeiro também possui mais servidores federais civis do que o DF: são cerca de 250 mil contra de 175 mil do DF.

O Rio é a capital militar do Brasil. Segundo dados das Forças Armadas, o Estado do Rio reúne 22,4 % dos militares do Exército (o RS vem em segundo com 15,8 %); 35% da Aeronáutica (SP vem em segundo com 15,2 %); e 67,8 % dos militares da Marinha.

Dezenas de países têm duas capitais, como o Chile, a Bolívia, a Holanda, a Malásia, a Coreia do Sul. A África do Sul tem 3 capitais. Na prática, outros países têm também: Rússia (São Petersburgo, antiga capital, é uma cidade federal e sede do Tribunal Constitucional); Alemanha (Bonn sedia 1/3 dos ministérios e é também uma "cidade federal"). Na China, Xangai tem o mesmo estatuto jurídico "nacional" que Pequim. No Egito e na Indonésia estão construindo uma segunda capital.

O Rio é uma verdadeira metrópole, possuindo alta densidade demográfica, com um centro ativo de milhares de escritórios, sedes de bancos, sindicatos, universidades e associações, que lhe conferem massa crítica e o conteúdo democrático. Providências como o retorno de parte dos ministérios e, sobretudo, do Congresso Nacional, bem como a obrigação constitucional do presidente da República de aqui residir e despachar parte do ano, ajudaria a recuperar a credibilidade do Congresso Nacional e corrigir o déficit democrático de Brasília, criando condições de accountability indispensáveis à melhoria do padrão governativo e administrativo do país.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/rio-de-janeiro-df.html


A sobrevivência venceu

Reeleição é a forma de sobrevivência política em democracias e, por ela, alguns pagam qualquer custo

Carlos Pereira / O Estado de S. Paulo

A sociedade brasileira ficou chocada com os acontecimentos políticos ocorridos ao longo da semana, produzidos tanto pelo Executivo como pelo Legislativo. 

O presidente Jair Bolsonaro radicalizou com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em sua defesa do voto impresso, inclusive com ofensas pessoais e ameaça de impeachment contra dois de seus ministros, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. Mesmo tendo sido amplamente derrotado na Comissão Especial, forçou a votação no plenário da Câmara dos Deputados da proposta de reforma constitucional que tornaria o voto impresso obrigatório. Mobilizou inclusive um desfile de tanques das forças armadas, que mais se assemelhou a um “fumacê”. 

Embora a PEC do voto impresso tenha sido derrotada no plenário da Câmara, vários parlamentares de oposição, que não fazem parte da base de apoio do presidente, votaram, surpreendentemente, a favor do voto impresso. Para completar, deputados aprovaram em primeiro turno a reforma do sistema eleitoral que referendou o retorno das coligações partidárias nas eleições proporcionais, que tem estimulado a proliferação de partidos.

O que explica esses acontecimentos até certo ponto inusitados?

Bolsonaro, por mais que almeje, sabe que não tem condições políticas de implementar qualquer retrocesso institucional na democracia brasileira. A sociedade, o Congresso e as organizações de controle têm dado demonstrações de força e de capacidade de impor restrições e derrotas sucessivas ao presidente. Diante dos fortíssimos desgastes com a gerência da pandemia da covid-19, inclusive entre parcela significativa de seus eleitores de 2018, tem ficado cada vez mais claro que Bolsonaro perdeu competitividade eleitoral. Os institutos de pesquisa indicam que a sua reeleição em 2022 está cada vez mais improvável. 

Bolsonaro anda no “fio da navalha”. Se moderar demasiadamente seu discurso e atitude, sinalizando que se rendeu ao presidencialismo de coalizão, diminui as chances de ter seu mandato abreviado, mas corre sérios riscos de ver sua base eleitoral perder coesão e desagregar. Por outro lado, se passar do ponto na sua radicalização com as outras instituições, pode se isolar ainda mais perdendo competitividade eleitoral e viabilidade política de terminar seu mandato. Portanto, embora tenha de calibrar, não pode prescindir de seu discurso belicoso e autoritário para sobreviver. 

Com relação aos deputados de oposição que votaram a favor do voto impresso, é importante não esquecer que 2021 é ano pré-eleitoral. Os deputados sabiam que o voto impresso não iria passar. Por que se desgastar com um Executivo que tem discricionariedade para executar um orçamento bilionário de emendas de relator

Mesmo que a posição favorável ao voto impresso venha a lhes gerar desgastes eleitorais, esses parlamentares garantiram recursos orçamentários às suas bases eleitorais via execução de emendas de relator, capitais para a sua reeleição. Só quem fazia oposição sistemática a Bolsonaro e, portanto, não tinha esperança de ter acesso a tais recursos, é que se sentiu motivado a votar contra o voto impresso. 

Também pode ser atribuído à sobrevivência eleitoral a decisão da grande maioria dos deputados dos mais variados partidos de aprovar o retorno das coligações proporcionais. Quase 95% dos deputados federais da atual legislatura não atingiram sozinhos o quociente eleitoral. Ou seja, necessitaram das sobras de outros partidos coligados para se eleger. A taxa de reeleição de deputados, que costumava ser de 68%, caiu para 53% nas eleições de 2018. 

Diante desta evidente falta de estabilidade da carreira parlamentar, a racionalidade individual dos deputados levou-os a priorizar a sua sobrevivência, mesmo diante dos custos de perpetuação da hiperfragmentação partidária e em detrimento da qualidade de representação e da governabilidade. 

Mais uma vez, a sobrevivência eleitoral falou mais alto.

*Professor Titular FGV/EBAPE, Rio de Janeiro

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,a-sobrevivencia-venceu,70003811539