EUA

El País: O fim da neutralidade da internet nos EUA pode afetar o Brasil?

Temor dos críticos à medida é que mudança reabra debate sobre o tema. No Brasil, a lei garante a neutralidade da rede, mas com exceções.

Por Heloísa Mendonça, do El País

A agência que regula a Internet nos Estados Unidos aprovou, nesta quinta-feira, o fim do princípio de neutralidade da rede do país. Dessa maneira, a Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês) reverteu o entendimento da Internet como um serviço público, no qual os provedores são obrigados a tratar todos os dados da rede de maneira igual, sem importar sua origem, tipo e destino. Se a decisão for realmente referendada pelo Congresso americano,  será permitido às operadoras separar conteúdo, priorizar alguns e cobrar por pacotes diferenciados de acesso.

A resolução, que gerou forte controvérsia em Washington, derruba a regras impostas em 2015, no Governo de Barack Obama, para que o fluxo de dados da rede não fosse influenciado pelas operadoras de telecomunicações. Críticos temem que para utilizar serviços como transmissão de vídeos por streaming - como os da Netflix - ou jogos online, as operadoras passem a cobrar taxas maiores.  Ou seja, os planos de acesso à Internet seriam parecidos aos de TV a cabo.

No Brasil, o temor dos que se opõem à medida é que a mudança adotada nos Estados Unidos possa reabrir o debate sobre o tema no país. Aqui, a neutralidade de rede passou a ser garantida a partir de 2014, quando o Marco Civil da Internetentrou em vigor. De acordo com a legislação brasileira, empresas não podem discriminar os dados que trafegam na rede e tem o dever de "tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino".

O decreto que regulamenta a lei, assinado por Dilma Rousseff em 2016, prevê exceções específicas à neutralidade dos dados, por exemplo, em serviços de emergência - como a necessidade do Governo de alertar a população sobre uma catástrofe natural.

“Essa decisão dos EUA deve realimentar os discursos das operadoras para quebrar a neutralidade, eles farão lobby e tentarão mostrar que isso é uma tendência mundial. Mas não é verdade. Assim como o Brasil, existem diversos países na Europa que se mantêm fiéis ao princípio de neutralidade”, afirma Sérgio Amadeu, membro do Comitê Gestor da Internet (CGI).

Na opinião de Amadeu, o maior problema da decisão americana é possibilitar um possível bloqueio à inovação na rede. Hoje, a legislação garante igual acesso a todas as empresas que queiram lançar serviços e produtos na internet. “Temos uma rede aberta, democrática. Com a quebra da neutralidade, você burocratiza, e pode obrigar aos criadores de novos aplicativos e ferramentas a terem que negociar com as operadoras o acesso aos seus serviços”, explica.

Já o SindiTelebrasil apoia a nova regulamentação americana. Para o sindicato que reúne as maiores operadoras do mercado brasileiro, não deveria haver regra alguma que interfira na gestão do tráfego das prestadoras de telecomunicações.

Na avaliação de Flavia Lefèvre, advogada da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), uma quebra de neutralidade no Brasil, apesar de ser apoiada por fortes grupos econômicos, não seria tão fácil já que a alteração demandaria uma mudança na legislação. "Institucionalmente e juridicamente, a situação dos serviços de internet brasileiro e americano são muito diferentes. Lógico que os EUA, com seu protagonismo, influencia o mundo inteiro. Mas, quem fala que haverá uma reação imediata está sendo oportunista", diz.

Para Lefèvre, em um país com uma desigualdade grande ao acesso à Internet como o Brasil, a neutralidade da rede é fundamental. "Quebrar esse princípio em um lugar onde 50% dos domicílios do país não têm acesso à rede, e, mesmo entre os 50% que têm, só 23%  possuem acesso à banda larga fixa, é um desastre. Você vai contrariar outro direito que é o da inclusão digital". explica a advogada. Segundo Lefèvre, a sociedade civil ainda está absorvendo exatamente os direitos do Marco Civil da Internet.

Polêmica sobre franquia ilimitada para alguns aplicativos

A adoção de regras de proteção da neutralidade, em 2014, dificultou certas práticas de gestão discriminatória do tráfego e estimulou a procura de outras estratégias para as operadoras  maximizarem os próprios lucros, segundo Luca Belli, pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV e especialista de neutralidade da rede pelo Conselho da Europa. Uma delas, por exemplo, foi a de operadoras de telefonia móvel . Algumas passar a oferecer acesso ilimitado apenas a alguns aplicativos, como o WhatsApp e Facebook, o que é conhecido como zero rating. "Mas essas práticas consistem em uma discriminação de preços para serviços diferentes, permitindo que uma operadora subsidie o acesso do usuário a aplicativos por ela selecionados. É um absurdo você não pode ter acesso livre para apenas X aplicativos", explica.

No entanto, segundo nota técnica do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), as práticas de zero rating não violam o Marco Civil da Internet, tampouco o princípio da neutralidade de rede.A advogada do Proteste, assim como Belli, defende que essa prática avalada pelo Cade representa sim quebra de neutralidade. "Você não pode discriminar o pacote por origem e destino. Então quando acaba a franquia e você tem apenas acesso a determinado aplicativo é uma discriminação. Falta fiscalização dos direitos e uma ação conjunta de todos os órgãos competentes para seguir as diretrizes definidas ", diz Lefèvre.


Murillo de Aragão: Oito pilares do sonho americano

Recorrentemente aparecem previsões sobre uma decadência iminente dos Estados Unidos. Em 2008, foi por conta do crash de Wall Street. Curiosamente, quando o país foi rebaixado pelas agências de rating, os investidores correram para comprar bônus do Tesouro americano. Agora, com a enxurrada de críticas ao presidente Donald Trump, mais uma vez surgem previsões sobre uma inevitável decadência. Não é bem assim. Os Estados Unidos têm, e não sou eu quem diz isso pela primeira vez, oito pilares segurando a sua liderança mundial. Um diplomata amigo me lembrou de cinco desses pilares. Acrescentei mais três.

O primeiro é o fato incontestável de que eles são os banqueiros do mundo. Se o mundo fosse o jogo Banco Imobiliário, o banqueiro seria os Estados Unidos. Que imprime dinheiro, quando e quanto quiser, e o mundo inteiro o aceita como válido. Contamos nos dedos das mãos o número de moedas com o mesmo privilégio.

O segundo pilar decorre do primeiro. Wall Street funciona como um aspirador de recursos de investidores e dispersor de dinheiro para os empreendedores e os empreendimentos. O acesso ao mercado de capitais é chave crucial para o sucesso americano. No Brasil, crédito bancário quase sempre significa a morte de quem o toma. Democratizando o mercado de capitais, Wall Street termina sendo uma turbina propulsora de riqueza.

O terceiro pilar americano está no Pentágono – ou o que ele representa. A estratégia da Defesa americana produz, em geral, o que há de mais avançado na área. E se não produz vai buscar entre seus aliados. A internet já saiu da estratégia da Defesa americana, entre outras tantas coisas que predominam nos dias de hoje.

O quarto pilar reside em Hollywood. A poderosa narrativa cultural que emana de lá serve como instrumento de soft power que, nos dias de hoje, vale tanto ou mais do que o hard power militar. Por meio das narrativas culturais, a América se tornou, para o bem e para o mal, o farol dos costumes que são copiados ou reinterpretados mundo afora. Hollywood não é apenas uma instituição, mas a expressão de uma máquina cultural que influencia o mundo todo.

O quinto pilar fica no Vale do Silício, com sua capacidade de produzir inovação. Quase tudo que impactou recentemente o mundo no campo da tecnologia passou pela capacidade americana de produzir e reinventar tecnologia, hoje simbolizada no Vale. Desnecessário lembrar nossa dependência do que é criado por lá.

Tal capacidade está intimamente ligada ao sexto pilar: as universidades. Das dez melhores do mundo, cinco são americanas. Centenas de milhares de estrangeiros estudam em suas salas de aula.

O sétimo pilar é a liberdade e o apoio ao empreendedorismo refletido na regulamentação do país. Por exemplo, a legislação trabalhista americana é infinitamente mais simples do que a nossa e gera muito mais renda e mais emprego para o trabalhador. Basta ver a taxa de desemprego nos Estados Unidos em comparação com a nossa.

Por fim, o oitavo pilar é a qualidade do governo. Mesmo padecendo dos males tradicionais de governos fortes e burocratizados, a máquina pública americana funciona bem melhor do que a nossa. Em especial, porque a eficiência ou a ineficiência se relacionam com o município e a comunidade. Tal fato decorre de uma sociedade mais participativa e interessada nos rumos do país do que a nossa.

Assim, ficamos nós a pensar: quando atingiremos nossa potencialidade? Analisando os pilares do sonho americano, seguramente ainda falta muito tempo.

* Murillo de Aragão é cientista político

 


Alon Feuerwerker: E se Stálin tivesse os EUA?

Desde a morte de Mao Tsé-Tung, a China procura combinar um sistema político socialista e uma economia com fortes componentes capitalistas. E a espetacular prosperidade chinesa destes anos assenta-se, também e principalmente, no acesso aos capitais e ao mercado de consumo do Ocidente, especialmente dos Estados Unidos. Um dia, Mao e Richard Nixon enxergaram longe.

Neste um século da Revolução Bolchevique, nota-se o desejo de sentenciar o sistema da União Soviética como fadado desde o início a fracassar, o que acabou acontecendo em 1991. A derrocada teria duas razões principais: os comunistas soviéticos não preservaram a democracia liberal, desde quando fecharam a Assembléia Constituinte, e garrotearam o mercado.

Quando a ideologia dá espaço à observação da realidade, a tese vira queijo suíço. Não só a China, mas também os Tigres asiáticos, antigos e novos, alcançaram ciclos longos de prosperidade sob governos que um liberal chamaria de despóticos. Alguns transitaram para formas mais ou menos convictas de república constitucional. Alguns não. E todos vão bastante bem, obrigado.

"Ah, mas o modelo não é politicamente sustentável no tempo." Bem, aí já é futurologia. Que tal, então, um pouco de "passadologia"? E se a URSS tivesse tido ao menos quatro décadas de paz e acesso a capitais e mercados de consumo do Ocidente? E se a Nova Política Econômica tivesse podido durar mais?

A NEP (sigla em inglês) foi a distensão pró-mercado que a Rússia/ URSS praticou por um tempo nos anos 20. Por que durou pouco? Sem acesso a capitais e tecnologia externos, o nascente governo soviético centralizou a economia, estatizou o excedente agrícola e investiu tudo na industrialização acelerada.

Os custos humanos foram imensos. Mas esse desenvolvimento permitiu à URSS enfrentar e derrotar a máquina de guerra da Alemanha nazista, a um custo de 25 milhões de mortos - os americanos foram cerca de 500 mil. Não é juízo moral, mas político. Sem a industrialização soviética dos anos 30, Hitler teria arrastado as fichas na Europa.

Depois do conflito de 1939-45, após uma curta paz, veio a Guerra Fria. Ao final, a URSS não conseguiu competir e colapsou. Ironia: Mao rompeu com os soviéticos nos anos 60 também por discordar da "coexistência pacífica, competição pacífica" com o capitalismo, uma tentativa da URSS nos anos pós-Stálin de romper o bloqueio. Mais na frente, foi a China quem aplicou, com grande sucesso, a linha antes renegada.

Mas por que o socialismo soviético precisava da colaboração dos capitalistas? Não é uma contradição? Sim, e a resposta é sabida: por circunstâncias históricas, a revolução aconteceu na Rússia, o assim chamado "elo mais fraco na cadeia imperialista". Quando se tentou fazê-la em seguida na Alemanha, foi esmagada. Em vez de nascer num país capitalista maduro, ela eclodiu e ficou ilhada no país europeu com mais traços feudais.

A URSS acabou já faz um quarto de século. Enquanto isso, a República Popular da China, após quatro décadas de plena integração aos estoques de capital e aos mercados consumidores, decola. Na economia e na geopolítica. E, já que especular é grátis, fica a pergunta incômoda: o que teria sido Josef Stálin se lhe tivessem dado quatro décadas de paz e cooperação com o mundo capitalista desenvolvido?

* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político na FSB Comunicação; foi secretário de Redação da Folha

 


Eliane Cantanhêde: Sinal amarelo para Doria

Prefeito de São Paulo sofre de excesso de exposição, Bolsonaro corre por fora dos holofotes

- O Estado de S.Paulo

O ácido bate-boca entre o novato João Doria e o veterano Alberto Goldman não é nada engrandecedor, nem para eles, nem para o PSDB, nem para a política e deixa claro, claríssimo, a que nível chegamos, além de ilustrar como o ambiente de 2018 é nebuloso. Tudo que sobe cai. Todo candidato que sobe cedo demais tende a cair com igual rapidez.

Eleito espetacularmente em primeiro turno para a principal, mais rica e mais complexa prefeitura do País, João Doria atribuiu-se um personagem e saiu em desabalada carreira para pular vários obstáculos de uma só vez e chegar direto à raia presidencial. Dez meses depois da posse, ele já começa a sentir os efeitos do excesso de exposição.

A bem do prefeito, diga-se que ele é um bom produto eleitoral: razoavelmente jovem, criou um estilo, oscila entre o político e o não político, é de um partido que, mal ou bem, está entre os primeiros do País e é craque em marketing. Mas, de outro lado, ele não sabe dosar o ritmo de sua gestão e o da sua corrida presidencial.

Como já alertara Rodrigo Maia, presidente da Câmara, “o Doria está correndo uma maratona como se fosse uma corrida de cem metros. Pode não ter fôlego para chegar ao final”. Aliás, para alegria do governador Geraldo Alckmin, mais frio, menos afoito. Esse, sim, se preparou para uma maratona.

A nova frase que tende a ser carimbada na testa de Doria parte de um outro autoproclamado candidato tucano à Presidência, o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio: ao partir para cima de Goldman, Doria revelou um temperamento que mistura Donald Trump e Ciro Gomes, dois políticos do confronto, de veia belicosa. Para quem já foi comparado a Fernando Collor, as novas comparações não melhoram muito as coisas.

Enquanto centrava seus ataques no petista Lula, Doria não incomodava tanto o PSDB. O problema é que ele ampliou os alvos para incluir Goldman, ex-deputado, ex-governador e integrante da cúpula tucana paulista que não engole Doria, aí incluídos Aloysio Nunes Ferreira, José Serra e Fernando Henrique, este mais diplomaticamente.

Quem começou a briga foi Goldman, ao dizer que Doria “é político, sim, e um dos piores que nós já tivemos em São Paulo”. Talvez já cansado das estocadas de tucanos paulistas, o prefeito reagiu espumando e acusou o correligionário de “improdutivo, fracassado e medíocre”. A tréplica veio com novos adjetivos nada edificantes, com Goldman acusando o prefeito de “raivoso, prepotente, arrogante e preconceituoso”.

À parte os adjetivos, há a questão objetiva de que está se espalhando a percepção de que Doria cuida mais da sua campanha presidencial do que da gestão de São Paulo. Se pôde xingar Goldman, não convém a Doria xingar as pesquisas – nem brigar com a realidade.

Pelo Datafolha, o prefeito caiu nove pontos entre os paulistanos e tem o pior índice desde a posse. E, se perdeu apoios em São Paulo, nem por isso cresceu na disputa presidencial. Perdeu daqui, não ganhou de lá e 55% dos entrevistados não votariam nele para presidente. Sinal amarelo!

Se Doria apostou no excesso de exposição na mídia e nas viagens – até oito Estados por mês –, o deputado Jair Bolsonaro fez o contrário. Ignorado pela mídia, tanto quanto Trump foi nos EUA, e ignorando as elites intelectuais e políticas, como Ciro Gomes já fez em campanhas passadas, Bolsonaro é o campeão nas redes sociais, vive de selfies e improvisa comícios onde põe os pés.

Enquanto Doria corre o risco de perder precocemente o fôlego, Bolsonaro está se consolidando no segundo lugar das pesquisas. A eleição está no estágio de monólogos paralelos, com todos imaginando que Bolsonaro vá se desmilinguir no primeiro embate. Já imaginaram um debate ao vivo entre ele e Ciro Gomes? Mas... e se não?


Marcos Troyjo: Com China sendo a maior potência, devemos estudar inglês ou mandarim?

Em algum momento entre 2025 e 2030, o PIB nominal da China deverá superar o dos EUA. A economia chinesa será a maior do planeta.

O fato antecipará em cerca de 20 anos as previsões de Jim O'Neill, criador do acrônimo "Brics". Ele apostara inicialmente que o "C" da sigla superaria a economia norte-americana em 2047.

Quando isso ocorrer, o acontecimento virá revestido de significado. Até a Revolução Industrial desencadear inéditas forças produtivas, sobretudo a partir de meados do século 18, a China era a maior economia do mundo.

Quando, na próxima década, a China superar em tamanho a economia dos EUA, observaremos um eclipse bem raro. Chegará ao fim uma primazia que vem desde 1880, quando os EUA ultrapassaram a economia britânica.

À época, a Rainha Vitória regia um império "sobre o qual o Sol jamais se punha". O inquilino da Casa Branca era o pouco conhecido Rutherford Hayes.

Naturalmente, essa impressionante escalada chinesa repercute na maneira como as pessoas estão se preparando para a economia global.

Quando eu era estudante no ensino médio, fiz intercâmbio numa high school americana. Jamais, há 30 anos, passaria pela minha cabeça ou de minha família estudar na China ou aprender mandarim.

Apenas para ficar no caso de nosso país, é importante reconhecer que desde tenra idade alguns pais já colocam suas crianças para aprender os rudimentos de mandarim, com a mesma convicção e naturalidade que até há um tempo se fazia, por exemplo, com o francês ou o alemão. Muitas escolas de elite em nível fundamental passaram também a oferecer o mandarim como diferencial atrativo.

Nos cursos de bacharelado em relações internacionais —os mais disputados da área de humanas— é que crescente o número daqueles que estudam mandarim. Mais que isso, querem fazer intercâmbio na China. Desejam estagiar e trabalhar em empresas chinesas.

Mesmo em áreas como economia ou administração, estou impressionado como alunos brasileiros hoje pensam e repensam antes de tomar a decisão de estudar inglês e complementar estudos num país anglófono ou aprender mandarim e estudar na China.

Numa recente palestra em universidade brasileira sobre como construir uma carreira global, perguntaram-me se os jovens estariam se preparando melhor para o futuro da economia mundial se tivessem de mergulhar prioritariamente nos aspectos de "soft power" da civilização anglófona ou chinesa.

Comentei o assunto com amigos chineses, uns do ramo empresarial, outros da vida acadêmica. Alguns com negócios em têxteis, infraestrutura ou computadores e outros são professores universitários. Perguntei a eles especificamente o que era melhor para os próximos 25 anos, estudar inglês ou mandarim?

Todos me responderam com firmeza: o inglês. Dizem que hoje há 300 milhões de pessoas estudando inglês na China. Projetam que metade da população chinesa com menos de 50 anos será fluente em inglês até 2035.

Salientam, ainda, que a distância entre o mandarim corrente e o erudito é enorme. E, claro, que apenas o mandarim não resolve a imensa diversidade étnica e linguística da China. Apontam também que os chineses "importam" universidades americanas e britânicas para o solo chinês.

Meus interlocutores chineses defendem, se possível, dominar inglês e mandarim como o melhor dos mundos, mas que aí não sobra tanto tempo para estudar outras coisas talvez mais importantes.

Para nós, brasileiros, além de nos aprimorar cada vez mais no português, é importante perceber que, mesmo para os sempre patrióticos —mas pragmáticos— chineses, o idioma corrente dos negócios continuará sendo o inglês.

Marcos Troyjo é economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas. 


Fernando Gabeira: Trump e seus limites

Com a posse de Trump, começa uma nova fase no mundo, na medida em que ele é influenciado pela mudança de presidentes nos EUA. Até aqui a maioria dos analistas manteve uma postura de estudo e atenção. Os governos estão de orelha em pé. Até que ponto Trump presidente e Trump candidato são a mesma pessoa? Independentemente dos impulsos pessoais, as salvaguardas da democracia americana limitam seu poder.

No final de seu mandato, Obama conta com um aprendizado: ter conhecido os limites do possível, mesmo quando se ocupa um cargo dessa dimensão. São duas pessoas diferentes. Obama é um intelectual, com formação literária. Usava parte de suas noites para ler, era a forma de se distanciar do turbilhão das notícias, ganhar perspectiva. E, como ele próprio confessou, entrar no chinelo dos outros, viver outras vidas. Obama aprendeu sobre o ser humano com Shakespeare, que descreveu na cultura ocidental a integralidade do ser humano, com suas baixezas e loucuras, ridículos e algumas qualidades.

Trump é um empresário, e talvez seu arquétipo seja George Babbitt, o rechonchudo e próspero empresário, também um símbolo da cultura americana. Babbitt é um personagem de Sinclair Lewis, primeiro escritor americano a ganhar o Prêmio Nobel. Na casa de Babbitt, os filhos não iam estudar Belas Artes ou Literatura, mas se preparar para o mundo dos negócios. Trump tem experiência de televisão, maneja o Twitter, é um empresário de outra época. Apesar disso, tem oposição na indústria cultural.

Desde já, com boicotes à posse e críticas em Hollywood, o que posso deduzir é que a própria influência americana no mundo se fará com salvaguardas. De um lado, o desdobramento da política de Trump; de outro a crítica do universo cultural. As primeiras intervenções dos responsáveis pelo Pentágono e pela CIA já mostraram que eles divergem de Trump em dois temas essenciais da campanha: a relação com Putin e o muro na fronteira com o México. Para um deles, o status da Rússia permanece o mesmo no universo da vigilância americana. Para outro, o muro não é melhor saída para o problema dos clandestinos.

Apesar de todos os enigmas, Trump deve tentar satisfazer aos eleitores, abrindo empregos e buscando ressuscitar algumas industrias em declínio. O caminho deverá ser o protecionismo. E o impacto regressivo na estrutura do comércio mundial pode ser ruim. E além disso, os resultados internos também são duvidosos. Finalmente, Trump candidato nega o aquecimento global e o atribui à invenção dos chineses. Imaginem, os chineses custaram a aderir aos primeiros acordos internacionais. Só uma mente simples pode atribuir uma influência dos chineses em milhares de cientistas do mundo que trabalham com o tema e apontaram sua gravidade antes da própria burocracia comunista.

No Twitter fala-se de tudo, em 140 caracteres. Num mundo de notícias falsas, da pós-verdade, versões suplantam as evidências. Isso não significa que a realidade não venha cobrar sua conta. Não importa tanto descrever Trump. É sua atuação como presidente que vai influenciar temas sensíveis para a Humanidade: a imigração, o comércio internacional, o aquecimento do planeta.

Aqui no Brasil será preciso muita cautela, uma vez que Trump tem se fixado mais no México. Na América do Sul, apenas Nicolás Maduro o saudou com entusiasmo. Temos, em menor escala, o problema dos imigrantes, vivemos um momento de desemprego e, desde a queda de Dilma, o país se direcionava para intensificar as relações com os Estados Unidos. A crise econômica, a corrupção, cabeças cortadas, a violência urbana, tudo isso serve para projetar uma imagem negativa. Será preciso concentrar-se nesses problemas, e ter cabeça fria na relação com Trump. No momento em que o mundo dá essa reviravolta, creio que vai se entender uma fase de economia de opiniões brasileiras sobre o seu destino. Todos sabem que estamos ocupados demais em sair da maré negativa de quase uma década, agora acrescida dos horrores nos presídios. A expectativa sobre o que Trump fará como presidente é enorme. Grandes emoções podem vir, mas o foco é aqui dentro. Não se pode dançar com leveza com tantos espinhos nos pés.

Não estou propondo um desligamento do mundo. Apenas lembrando que neste momento o exame do que se passa não foge de um tema inescapável: isso nos ajuda ou não a sair da crise? O comércio com os Estados Unidos pode ser um elemento dinâmico. O Brasil já faz esforços nesse sentido, desde as eleições. Mas com as constantes referências de Trump à taxação de produtos estrangeiros, até isso para mim é um enigma. Num mundo de enigmas, só tenho certeza de que aqui estamos num buraco, sonhando em escapar dele.

* Fernando Gabeira é jornalista


Fonte: http://gilvanmelo.blogspot.com.br/2017/01/trump-e-seus-limites-fernando-gabeira.html