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Com proporções históricas, última crise hídrica no sudeste foi a maior em quase um século - Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Mata Atlântica: desmatamento cresce e aumenta vulnerabilidade a novas crises hídricas

Murilo Pajolla,* Brasil de Fato

Mata Atlântica, bioma cujo território original é hoje lar de 70% dos brasileiros, teve a cobertura florestal reduzida de 27,1% para 24,3% entre 1985 e 2021. Os dados foram divulgados nesta quarta-feira (19) pelo Mapbiomas, que alerta para a importância da preservação ambiental do bioma para prevenir novos casos de escassez hídrica, como ocorreu nos estados de São Paulo e Paraná em 2021. 

Mapbiomas ressalta que as áreas urbanizadas na Mata Atlântica passaram de 674 mil para mais de 2 milhões de hectares entre 1985 e 2021. As cidades cresceram majoritariamente em áreas já degradadas (87,5%), mas 12,7% do crescimento urbano se deu sobre áreas florestais. Os pesquisadores apontam ainda que 57% dos municípios inseridos no bioma possuem menos de 30% da vegetação nativa.

Pecuária perdeu espaço, mas ainda é predominante 

Um quarto do solo da Mata Atlântica ainda é usado para pecuária. A prática teve uma perda líquida de 10,5 milhões de hectares nos últimos 37 anos, mas ainda é a principal atividade econômica desenvolvida no bioma.

A agricultura é o tipo de uso do solo que mais cresceu. A atividade avançou 10,9 milhões de hectares, saltando de 9,2% (1985) para 17,6% (2021). Outro destaque é a silvicultura (eucalipto), que ocupava 0,7% (1985) da área e hoje está presente em 3,5% do território. As duas atividades ocupam um quinto da Mata Atlântica.

A redução da área florestal acompanha a degradação da qualidade da vegetação que sobrou. No período analisado, houve a perda de 23% da chamada floresta madura, composta por habitats antigos e menos alterados, que oferecem mais condições ao florescimento da biodiversidade. 

Conservação é fundamental para evitar crises hídricas

Frear a degradação ambiental é fundamental para combater a possibilidade de novas crises hídricas. No período de 37 anos, a bacia do rio Paraná teve queda na cobertura nativa de 22,5% para 21,6%. Nos rios Paranapanema e São Francisco também houve perda de vegetação de 21,3% (1985) para 20,3% e de 57% (1985) para 52,9%, respectivamente.

A SOS Mata Atlântica lamenta que os sucessivos casos de escassez de água nos últimos anos não foram capazes de mobilizar um esforço de conservação ambiental. 

"A preservação do que restou de Mata Atlântica e a restauração em grande escala são essenciais para preservarmos alguma resiliência dessa região à dupla ameaça da crise climática e da crescente irregularidade do regime de chuvas, decorrente do desmatamento da Amazônia", declarou Luís Fernando Guedes Pinto, Diretor Executivo da ONG, em nota divulgada pelo Mapbiomas.  

O cenário é preocupante, mas há exemplos positivos. Entre eles a bacia do rio Tietê, onde há pouca cobertura nativa, mas que foi palco do aumento de 14,29% para 15,0% na vegetação. Já na bacia do Rio Grande o aumento foi de 17,6% para 19,7%.

Mata Atlântica engloba 17 estados 

O levantamento contabiliza dados dos 17 estados abrangidos pela Mata Atlântica, conforme área prevista na lei 11.428 de 2006. O estados com menor cobertura nativa são Alagoas (17,7%), Goiás (19,5%), Pernambuco (23,4%), Sergipe (25,5%), São Paulo (28,4%) e Espírito Santo (29,3%).  Já os com maior vegetação são Piauí (89,9%), Ceará (76,9%), Bahia (49,7%) e Santa Catarina (48,1%).

Texto publicado originalmente no Brasil de Fato.


Jamil Chade: E se Gagarin tivesse pousado no Brasil?

Que a data deste 12 de abril seja despida de sua batalha ideológica que marcou a Guerra Fria e que seja lembrada como a vitória da ciência e da conquista da humanidade

Há exatos 60 anos, Yuri Gagarin se transformava no primeiro homem a ir ao espaço. Muito se falou da preparação de sua viagem, de sua conquista e o que ela significou para a manipulação do poder soviético, em plena Guerra Fria.

Mas o que ocorreu quando ele caiu de volta e desembarcou no planeta?

A história conta que seu local de pouso foi amplamente equivocado. Gagarin caiu perto da cidade de Smelovka, centenas de quilômetros do ponto onde os cientistas tinham planejado.

Na terra, literalmente, estavam duas pessoas. Uma avó e uma menina de cinco anos, ambas plantando batatas.

A garota conta que havia visto um objeto vermelho despencando do céu. Mas sua avó estava ocupada demais com as batatas e tentando evitar que as vacas as comessem.

Instantes depois, a menina viu um objeto laranja caminhando em sua direção, com um capacete. Assustada, a avó deu a mão para sua neta e começou a rezar. Tentaram correr, quando ouviram de dentro do capacete uma voz em russo gritando: “esperem, sou russo!”

Sem entender nada, a avó perguntou de onde ele teria vindo, apenas para ouvir uma resposta ainda mais estranha. “Do céu”. A região não tinha luz elétrica e ninguém sabia que Moscou tinha mandado um homem para o espaço.

A história ampliou o mito de Gagarin, amplamente usada pelo Kremlin e sua propaganda comunista.

Mas e se o cosmonauta tivesse pousado no Brasil de 2021?

Em primeiro lugar, haveria o risco real de cair em uma zona na qual sua explicação de que “veio do céu” seria denunciada por um insulto e blasfêmia. Uma vigília seria organizada, enquanto a pasta de Damares Alves seria acionada.

Não faltariam questionamentos sobre seu capacete. “Onde já se viu um exagero desse contra um vírus que nem existe”, diria algum vereador local. “Marica”, declararia um presidente.

Ao responder que era russo, a história daquele cosmonauta poderia ter sido de uma vez por todas golpeada: “Comunista!”, gritaria outro. “Nossa bandeira jamais será vermelha!”, completaria um colega, perguntando em voz baixa ao vizinho qual a diferença entre russo, esquerdista e soviético.

Para além da propaganda que ele representou, Gagarin é mais uma testemunha, ator e porta-voz do avanço da ciência e de que, para a genialidade humana, não existem fronteiras.

Há 60 anos, a história dava mais um passo nessa fascinante direção. Provavelmente, sem ele, os americanos não teriam acelerado seu programa espacial. Foi essa concorrência e a conquista do espaço que nos trouxe avanços reais para nossas vidas cotidianas, inclusive ajudando a manter uma vida mais saudável no planeta.

Painéis solares, monitores de batimentos cardíacos, tratamentos contra o câncer, sistemas de purificação de água e, claro, os computadores que hoje lidamos com uma realidade são frutos dessa aventura.

Mas a ciência também tem seu papel filosófico. Ao termos a possibilidade real de explorar o espaço, as perguntas se multiplicam: podemos sobreviver de outra maneira?

A mudança e a ciência ―ao lado do amor― certamente são alguns dos aspectos mais misteriosos da humanidade. Quando um primeiro homem inventou um primeiro instrumento, buscava facilitar seus dias, construir um futuro melhor. Ela era a aposta de que o amanhã seria melhor do que hoje, de que a vida vencerá.

Há uns meses, perguntei para Greta Thunberg se ela teria alguma mensagem a enviar a Jair Bolsonaro. Ela me olhou, sorriu e lançou: “escute a ciência”. Hoje, o nosso desafio é o de implementar uma mudança para salvar o planeta. E, mais uma vez, a resposta também estará na ciência.

A pandemia está nos dando, talvez, um último e sério alerta. Ela também mostra que quem apostou na ciência viu os resultados para suas populações. Quem a minimizou, esnobou ou preferiu adotar o caminho da charlatanice acumula corpos.

Que a data deste 12 de abril seja despida de sua batalha ideológica que marcou a Guerra Fria e que seja lembrada como a vitória da ciência e da conquista da humanidade, num momento em que o obscurantismo é uma ameaça tão real quanto o próprio vírus.

Jamil Chade é correspondente na Europa desde 2000, mestre em relações internacionais pelo Instituto de Altos Estudos Internacionais de Genebra e autor do romance O Caminho de Abraão (Planeta) e outros cinco livros.


José Monserrat Filho: Um Direito só para Marte?

Se não falarmos em nome da Terra, quem o fará?”
Carl Sagan, Cosmos, Companhia das Letras, 2017, p. 402.

Os humanos parecem estar na rota inevitável para colonizar Marte”, escreve Gbenga Oduntan, professor e pesquisador da Escola de Direito da Universidade de Kent, Reino Unido. Vale, então, perguntar – acrescenta ele – “que leis governarão os humanos em Marte?” (1) Ou seja, como será colonizado, ou melhor, povoado o “planeta vermelho”? Boa pergunta.

Estão de olho em Marte: EUA, China, Emirados Árabes Unidos, Europa e pelo menos uma grande empresa privada de atuação global. A NASA planeja chegar lá até a década de 2030. O milionário e engenheiro norte-americano Elon Musk (1971-) – inventor do Space X, poderoso foguete reutilizável – e a empresa aeroespacial Lockheed Martin, com sede nos EUA, anunciaram viagens e estações separadas a Marte, entre 2022 e 2028. A China deseja estar lá em 2020 e para isso desenvolveu um lançador extremamente poderoso. O novo foguete desafia a física e permitiria a humanos pousar em Marte, não em anos, nem em meses, mas em semanas. A Europa lançou a primeira missão a Marte – a nave Mars Express e a sonda Beogle-2, em junho de 2003, pelo foguete russo Soyuz-Fregat, a partir da base de Baikonur, no Casaquistão. A Agência Espacial Europeia segue interessada em Marte, embora hoje dê prioridade ao projeto Moon Village, para criar um primeiro núcleo humano permanente na Lua. A Lua – tudo indica – será um excelente trampolim para Marte. Essa é a ideia.

Pesquisas científicas sobre o “Eldorado marciano” fazem dele – como já foi dito – “um sonho viável a uma velocidade deslumbrante”. Há sonhos, sim, mas, sobretudo, há em jogo avassaladores interesses econômicos, políticos e estratégicos. Nos anos 60, houve uma corrida à Lua. Agora, há uma corrida a Marte. Chegando à Lua, em julho de 1969, antes da ex-URSS, os EUA se disseram vencedores, alegando terem superado a liderança soviética, estabelecida com o lançamento do Sputnik-1, em outubro de 1957, com a façanha de Iuri Gagarin, primeiro humano a orbitar a Terra, além de outras operações espaciais pioneiras. Mas em 1972, o então presidente Nixon acabou com o projeto Apolo, que promovia a corrida lunar. Os EUA gastavam, então, milhões de dólares entre essa corrida e a guerra no Vietnam, onde os americanos foram derrotados, em 1974. A corrida a Marte será diferente, espera-se. Mas ainda falta saber como ela será financiada e a que leis obedecerá.

O planeta Terra já tem um Direito Espacial Internacional, criado nos anos 60 e 70. Seus princípios estão consagrados no Tratado do Espaço (2) de 1967, que está comemorando os 50 anos de sua vigência, com 105 ratificações e 25 assinaturas – números altamente expressivos na história do Direito Internacional. Mas o Direito Espacial, como qualquer outro ramo do Direito, não é apenas uma questão formal. O principal é saber que interesses prioritários ele defende.

O Tratado do Espaço – base do Direito Espacial de hoje – já no preâmbulo, reconhece “o interesse que apresenta para toda a humanidade o programa da exploração e uso do espaço cósmico para fins pacíficos”. E seu Artigo I (§ 1º) estabelece a “cláusula do bem comum”, nos seguintes termos: “A exploração e o uso do espaço cósmico, inclusive da Lua e demais corpos celestes, devem ter em mira o bem e o interesse de todos os países, seja qual for o estágio de seu desenvolvimento econômico e científico, e são incumbência de toda a humanidade.” O texto em inglês parece ainda mais claro e define as atividades espaciais como “province of all mankind”, que significa “lugar de toda a humanidade”. (3) Assim, o Direito Espacial de hoje está comprometido, acima de tudo, com os interesses prioritários da humanidade.

 Ao falar na “Lua e demais corpos celestes”, o Tratado, obviamente, inclui Marte e os outros planetas do Sistema Solar, para não ir mais longe. Logo, Marte, assim como a Lua, também é “lugar de toda a humanidade”. A menos que Assembleia Geral das Nações Unidas conclua, por maioria de votos, que o Tratado do Espaço de 1967 deva ser revisado ou substituído por novo tratado, criando para Marte outro regime jurídico. Nele, a humanidade certamente perderia o peso que tem hoje. E talvez fosse até mesmo ignorada. Afinal, ela é sempre citada quando se deseja atender aos interesses de todos os povos e países, que não têm mais a importância que já tiveram. Em sua maioria, eles deixaram de ser sujeitos e atores da globalização – hoje comandada por um grupo de poderosas instituições financeiras e empresas de alta tecnologia.

Poderosas empresas, com sede nos EUA, Luxemburgo e Emirados Árabes Unidos, ambicionam explorar, extrair e comercializar recursos naturais de asteroides e outros corpos celestes, em especial minerais valiosos, como platina, níquel, ferro, cobalto, muito procurados nos mercados da Terra. Isso, sem falar em riquezas como água, nitrogênio, hidrogênio e amônia.

A platina é um dos minerais mais cobiçados pelas empresas donas dos recursos financeiros e tecnológicos para minerar o espaço, em busca de um ganho descomunal. Usada na produção de joias e de dispositivos eletrônicos ou médicos, a platina é raríssima na Terra: um único quilo custa cerca de US$ 30 mil. Estima-se que um asteroide de 500 metros rico em platina possa conter uma quantidade tão grande dela que chegue a superar o conjunto de toda a platina já extraída na história da humanidade.

EUA e Luxemburgo já sancionaram leis autorizando suas empresas a se tornarem donas das riquezas que extraírem dos corpos celestes. Duas empresas dos EUA, Deep Space Industries, na Califórnia, e Planetary Resources, em Washington, já trabalham ativamente com tal objetivo. Os Emirados Árabes Unidos correm no mesmo sentido: preparam, em especial, o lançamento de uma sonda não tripulada a Marte. Sua Agência Espacial, criada em 2014, chama a missão de “Al Amal”, que significa “esperança”. O projeto tem sido amplamente divulgado. A sonda poderá entrar em órbita de Marte em 2021. A equipe dos Emirados trabalha junto com cientistas da Universidade do Colorado, EUA, e tem acordo com o Centro Nacional de Estudos Espaciais (CNES), a agência francesa. O plano é manter a sonda em órbita de Marte durante dois anos, recolhendo dados sobre todos os aspectos da atmosfera do planeta: a dinâmica diária e anual do clima, as diferentes camadas, os elementos constituintes e os níveis de oxigénio e hidrogénio no espaço. Os cientistas creem que a temperatura de Marte tem aumentado em demasia, causando a evaporação da água e a saída de moléculas através da atmosfera até ao espaço.

Entender o que ocorreu em Marte ajuda a entender o que ocorre na Terra. A equipe dos Emirados tem hoje 75 membros, mas esse número em breve pode subir para 150. Segundo dados oficiais, já foram investidos mais de cinco bilhões de euros no projeto. Diretores do programa espacial dos Emirados estão seguros de que a primeira missão a Marte vai inspirar milhões de jovens da região.

A execução de todo o programa dos Emirados, no entanto, não exige que se revise ou mude o Tratado do Espaço de 1967, a começar por sua indefectível “cláusula do bem comum”, que considera as atividades espaciais como “province of mankind”.

Importante é também o princípio de não apropriação dos corpos celestes, lavrado no Artigo II do Tratado do Espaço. Ele reza: “O espaço cósmico, inclusive a Lua e demais corpos celestes, não poderá ser objeto de apropriação nacional por proclamação de soberania, por uso ou ocupação, nem por qualquer outro meio”. Esse princípio não deixa brechas para eventuais contestações. O Artigo III, por sua vez, adota o princípio de que as atividades espaciais devem fortalecer a paz, a segurança, a cooperação e a compreensão internacionais. Diz o Artigo III: “As atividades dos Estados (...) de exploração e uso do espaço cósmico, inclusive da Lua e demais corpos celestes, devem efetuar-se em conformidade com o Direito Internacional, inclusive a Carta das Nações Unidas, com a finalidade de manter a paz e a segurança internacional e de favorecer a cooperação e a compreensão internacionais.”

Pelo Artigo IV, os corpos celestes serão usados exclusivamente para fins pacíficos. Para tanto, “estarão proibidos nos corpos celestes o estabelecimento de bases, instalações ou fortificações militares, os ensaios de armas de qualquer tipo e a execução de manobras militares.” Mas “não se proíbe a utilização de pessoal militar para fins de pesquisas científicas ou para qualquer outro fim pacífico”. Também não se proíbe “o uso de qualquer equipamento ou instalação necessária à exploração pacífica da Lua e demais corpos celestes”. É a desmilitarização total dos corpos celestes.

E pelo Artigo VI, os Estados arcam com a responsabilidade internacional por suas atividades espaciais nacionais, realizadas no espaço e nos corpos celestes tanto por órgãos do governo, como por entidades não governamentais. Para isso, eles devem velar para que suas atividades nacionais cumpram as normas do Tratado do Espaço. As atividades das entidades não governamentais no espaço, na Lua e nos corpos celestes “devem ser objeto de autorização e vigilância contínua” pelo respectivo Estado. Cabe, pois, ao Estado controlar o que o interesse privado faz no espaço e nos corpos celestes.

Para o Direito Espacial de hoje, objetos e estações instalados em corpos celestes devem permanecer sob propriedade nacional, jurisdição e controle do respectivo Estado. É o que reza, em suma, o Artigo VIII do Tratado do Espaço: O Estado, em cujo registro figure o objeto lançado ao espaço, conservará sob sua jurisdição e controle o dito objeto e todo o pessoal do mesmo objeto, enquanto se encontrarem no espaço ou em um corpo celeste. Os direitos de propriedade sobre os objetos lançados no espaço, inclusive os objetos levados a ou construídos em um corpo celeste, bem como seus elementos constitutivos, permanecerão inalteráveis enquanto estes objetos e/ou seus elementos se encontrarem no espaço ou em um corpo celeste e durante o retorno à Terra.

Assim, as empresas privadas não têm base legal para minerar asteroides e outros corpos celestes. As leis em vigor dizem que o estabelecimento de uma estação espacial e da área requerida para seu funcionamento deve ser notificado ao Secretário Geral das Nações Unidas. A estação e a área estarão sob a jurisdição exclusiva do Estado onde a nave foi registrada ou do Estado que trouxe componentes para a estação.

Seja como for, é difícil imaginar uma estação permanente em Marte sem alguma forma de posse do solo, ainda que provisória. O mesmo ocorre com a instalação destinada a sua manutenção, como a produção de combustível a partir de recursos locais. De fato, as analogias práticas mais próximas a uma futura estação de Marte, em termos legais de hoje, seriam as estações na Antártica mantidas por seus respectivos Estados.

Há, porém, muitas leis a elaborar. Com o crescente interesse em múltiplas estações permanentes em Marte e numerosos objetos em sua órbita, o surgimento de detritos (lixo) poderá afetar seus novos habitantes e danificar instalações. O bom senso recomenda que a complexa questão do lixo seja regulada em Marte antes que detritos danifiquem estações e outras construções, provocando conflitos legais e até políticos.

Claro que serão necessárias leis específicas para ordenar a vida cotidiana própria de Marte, abrangendo os direitos civil, administrativo, penal e outros. Mas antes haverá que reconhecer o Direito Espacial de hoje como alicerce jurídico para definir Marte e sua posição geral nas atividades espaciais realizadas a partir da Terra, a nossa casa comum. Nossa história, nosso trabalho, nossos avanços e nossas riquezas é que possibilitam a chegada dos humanos a Marte. Esse desembarque histórico só terá sentido se tiver como meta principal beneficiar toda a humanidade.

 

* José Monserrat Filho, Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), ex-Chefe da Assessoria de Cooperação Internacional do Ministério da Ciência e Tecnologia (2007-2011) e da Agência Espacial Brasileira (AEB) (2011-2015), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, e Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica. Ex-diretor da revista Ciência Hoje e editor do Jornal da Ciência, da SBPC, autor de Política e Direito na Era Espacial – Podemos ser mais justos no Espaço do que na Terra?, Ed. Vieira&Lent, 2017.

 

Notas e referências

(1) Oduntan, Gbenga, O que as missões simuladas da NASA nos falam sobre a necessidade de uma lei marciana, The Conversation UK, Kent UK (SPX), 12/10/2017. Gbenga Oduntan é autor de Soberania e Jurisdição no Espaço Aéreo e no Espaço Exterior: Critérios Legais para Delimitação Espacial, Routledge Research, 2011.

(2) Nome completo do Tratado do Espaço: Tratado sobre os Princípios Que Regulam as Atividades dos Estados na Exploração e Utilização do Espaço Exterior, Incluindo a Lua e Demais Corpos Celestes.

3) Ver <http://www.unoosa.org/pdf/gares/ARES_21_2222E.pdf> O Tratado do Espaço em português está no site <www.sbda.org.br>

4) Consultar o website <http://pt.euronews.com/2017/07/27/marte-a-esperanca-da-agencia-espacial-dos-emirados>.