Eleições

José Serra: A rebelião aqui, ali e em todo lugar

Propostas e formas de atuação dos partidos tradicionais vêm sendo rejeitadas em eleições

As eleições parlamentares italianas realizadas no domingo reafirmaram que estamos vivendo em vários países uma espécie de rebelião dos eleitores contra as elites e o establishment. O Movimento 5 Estrelas foi o grande vencedor individual, com um terço dos votos, embora a coalização de dois partidos com forte apelo regional e autonomista, do espectro da centro-direita, tenha obtido votação ligeiramente superior.
Pelo menos desde o Brexit – a decisão dos eleitores do Reino Unido, em plebiscito, de sair da União Europeia, em 2016 – esse padrão tende a repetir-se: a população rejeita as propostas e, principalmente, as formas de atuação dos partidos tradicionais. Na França, no ano passado, a vitória marcante do movimento de Emmanuel Macron, A República em Marcha, quase dizimou os partidos até então hegemônicos. A eleição de Trump também pode ser tida como expressão desse mal-estar das pessoas comuns com os rumos da política e das instituições.
É evidente que em cada um desses países a vaga de protesto e de mudança assume formas diferentes, pois responde também às peculiaridades locais. Não há uma clara identidade ideológica entre esses vários movimentos, embora existam alguns traços em comum. E não se trata apenas de repulsa aos atores estabelecidos. Temos ainda um declínio continuado de participação nas eleições. Na Itália, a última eleição teve o menor comparecimento desde a volta à democracia no pós-Guerra.
Certamente a ampliação de desigualdades de renda gerada pela automação e pelo declínio do emprego fordista é parte da explicação. O aumento da competição causada pela globalização força ajustes fiscais que reduzem direitos e proteção social. Não é por acaso que esses movimentos têm caráter protecionista, antiglobalista e anti-imigração.
E o Brasil? O que se passa com nossa política e seus mecanismos de representação?
Os diagnósticos são praticamente unânimes. A população não se sente representada nem pelos partidos nem pelos Parlamentos – seja no nível federal, estadual ou municipal. Na verdade, nosso sistema eleitoral é caríssimo e incapaz de formar maiorias vigorosas que toquem a pauta desejada pela maioria. Ganham espaço as coalizões de veto por interesses ultraminoritários, não raramente corporativistas e patrimonialistas.
Superar a inadequação do nosso sistema eleitoral, portanto, deveria ser a grande prioridade política em nosso país, ao lado de um ajuste fiscal que não penalizasse os mais pobres e o combate à criminalidade.
Nossas eleições para deputado são disputadas por Estados, que se tornam assim imensos colégios eleitorais. O custo das campanhas é altíssimo, pois cada candidato tenta conquistar votos em toda a circunscrição. Mas o alto preço desse modelo, com seus corolários – corrupção e patrimonialismo –, não se resume à esfera econômica. Na esfera propriamente política, a cada eleição o sistema eleitoral gera representações mais fragmentadas e menos orientadas por linhas programáticas.
O quadro de fragmentação não é tendência recente na política brasileira, mas se aguçou com a decisão do STF, em 2006, de não permitir a introdução das cláusulas de desempenho. Hoje temos nada menos que 25 partidos com representação na Câmara. E isso não conta toda a história da proliferação partidária: nada menos que 73 (!) partidos estão em processo de formação no TSE, além dos dez que, já instituídos, não contam com representação na Câmara. E cada agremiação pode oferecer até duas vezes o número de vagas para cada cargo proporcional, o que leva os eleitores a se defrontar com listas de milhares de candidatos.
Esse é um dos aspectos mais deletérios do atual sistema eleitoral. Os concorrentes se amontoam na disputa, provocando os alaridos próprios do marketing, mas não o confronto de ideias e propostas. No ambiente de balbúrdia, penetram os candidatos folclóricos, os representantes de corporações bem organizadas e os líderes de microfacções sem representatividade, mas espraiadas geograficamente e com muita motivação ideológica.
Não é surpresa que os Parlamentos se tornem cada vez mais fragmentados e desconectados das demandas da população. Sem claras diretivas programáticas os partidos acabam se tornando, no essencial, entrepostos de distribuição de favores e bastiões de resistência das minorias que teimam em garantir privilégios e nacos da renda estatal.
Na direção da mudança desse quadro adverso é preciso forçar, até com teimosia, a introdução de solução simples e já testada em vários países, com excelentes resultados: o voto distrital misto. Esse sistema é capaz de contemplar proporcionalmente as correntes de pensamento mais representativas, incluindo minorias relevantes, mas cumpre também o papel essencial de produzir maiorias capazes de implementar programas demandados pela população.
No sistema distrital misto o custo de uma campanha se reduz a uma fração pequena dos custos atuais. A área de abrangência geográfica da campanha passa a ser o distrito. No caso de grandes regiões metropolitanas, os candidatos poderão fazer campanha literalmente na sola do sapato. As técnicas de marketing – com seus custos astronômicos – se tornarão obsoletas, pois com o reduzido número de candidatos por distrito (apenas um por partido ou coligação) não haverá necessidade de bombardear o eleitor com folhetos, “santinhos” e aparições relâmpago no programa eleitoral. Livre do tumulto de milhares de candidaturas, o eleitor poderá avaliar com calma as diversas propostas. Esse ambiente não recompensará, como hoje, candidatos folclóricos, de corporações e representativos de microfacções.
O voto distrital misto, constante do PLS 86, de 2017, já foi aprovado no Senado e agora entrará em debate na Câmara dos Deputados. Estou confiante em que a Câmara aprovará a matéria, de forma que em 2022 a escolha de deputados federais e estaduais será feita de acordo com o novo modelo, mais barato, mais simples e mais capaz de dar voz de verdade ao cidadão.
*José Serra é senador (PSDB-SP)

Conheça a seleção de presidenciáveis de 2018 no #ProgramaDiferente

Faltam exatamente sete meses para a seleção brasileira de presidenciáveis entrar em campo para disputar o jogo decisivo de 7 de outubro. Em ano de Copa do Mundo, num país que idolatra o futebol e onde as metáforas da bola servem para tratar de qualquer assunto, nada como antecipar o esquema tático dos onze craques convocados por seus respectivos partidos para as eleições de 2018. Detalhe: o técnico é você, eleitor!

Escalamos uma espécie de "seleção do povo", com os 11 titulares mais lembrados nas sondagens pré-eleitorais, aqueles que já estão no aquecimento e vão sair agora do vestiário para o reconhecimento do campo. Não significa que todos terão condição de jogo, até porque já vemos jogador renomado buscando vaga no tapetão, novato de salto alto, veterano com pouco fôlego para enfrentar o adversário e perna-de-pau sem coragem de encarar a torcida.

O esquema é o tradicional 4-3-3 dos anos 80, até com ponta-direita e ponta-esquerda, apesar de estarmos muito longe do "futebol-arte" da seleção canarinho. O que se busca hoje é o feijão com arroz, o "futebol de resultados" onde 1x0 é tão festejado como uma goleada. Na analogia entre o futebol e as eleições, esperamos que o resultado que teremos para os mandatários a partir de 2019 não seja tão frustrante quando o 7x1 da Alemanha na última Copa.

Essa é uma brincadeira que fazemos, obviamente, para tratar de um assunto sério e essencial para a normalidade democrática, cívica e institucional do Brasil com leveza, ironia e bom humor. No link sobre o nome dos candidatos relacionados abaixo, o #ProgramaDiferente traz um discurso ou entrevista recente que mostra a essência do pensamento de cada um.

Vamos à escalação (e clique sobre o link para ver os vídeos):

1. Lula - Como Pelé nos velhos tempos, o craque petista também joga no gol nos momentos de necessidade. Vive da nostalgia do tetra (duas eleições dele e duas de Dilma), mas a única chance que tem para seguir como número 1 é mesmo sendo escalado no sacrifício para defender na mão grande o seu time do implacável ataque inimigo. O último resultado foi um 5x0 no campo do STJ. A esperança que resta para não ser cortado antes da final é uma virada de mesa no STF, como nunca antes neste país...

2. João Amoêdo - Na lateral direita, com habilidade para atuar também como líbero, está a aposta do Partido Novo. Fez sólida carreira no exterior, até voltar ao Brasil para ajudar a lançar um time sem tradição mas recheado de patrocinadores e gestores profissionais.

3. Temer - Na zaga situacionista, com fama de xerifão, joga o capitão do time, apelidado "Presidente". Queimado com a torcida, a dúvida é se pendura as chuteiras antes da final, como palpitam alguns analistas, ou se estica a carreira para prestigiar os cartolas do seu time, que tanto se empenharam para mantê-lo como titular.

4. Meirelles - Completando a dupla de zaga do governo, um verdadeiro beque-de-fazenda. Atua com desprendimento nos dois lados da área, segurando o ímpeto da equipe, mas tem dificuldade de subir para disputar bolas alçadas contra atacantes mais encorpados.

6. Manuela - Na lateral esquerda, com disposição para marcar de perto os adversários que se deslocam pela direita, ganhou a posição essa ex-juvenil acostumada a cruzar a bola na área para o atacante petista cabecear para o gol.

5. Ciro Gomes - É o típico cabeça de área, pronto para dar cobertura aos laterais, armar o meio-de-campo e sair jogando com a bola dominada sempre que houver um rebote (principalmente uma bola espalmada de Lula). Chuta forte com as duas pernas, mas é ruim de pontaria. Famoso pela passagem por vários clubes diferentes na carreira e pelos gols contra que já lhe custaram um campeonato onde despontava como favorito.

8. Álvaro Dias - Veterano meia-direita e ídolo no sul do país. No selecionado nacional sempre atuou como armador do time, mas agora prefere se arriscar mais como ponta-de-lança. Acredita que PODE dar certo, apesar das dificuldades e da descrença da mídia especializada.

10. Marina - Dona de um toque refinado, dá sustentabilidade e equilíbrio à equipe. Alguns críticos reclamam que falta mais ousadia e presença no ataque, mas os companheiros elogiam o ritmo cadenciado e a experiência de uma carreira com reconhecimento internacional. É a esperança de bola na REDE.

7. Bolsonaro - Joga avançado pela extrema direita, desafiando qualquer esquema tático. Aparece frequentemente impedido, tem dificuldade no domínio da bola e fragilidade em recompor o sistema defensivo. Adorado pela torcida pelo jeitão irresponsável, espontâneo e inconsequente. Geralmente se envolve em confusões.

9. Alckmin - Como centroavante, com o desfalque dos antigos titulares de estilo mais trombador, aparece o discreto "Xuxu" paulista. Administra bem a bola, dá segurança no meio-de-campo e atua como pivô para quem chega em bloco, por trás, pelo chamado "centro democrático". Aposta no "fair play" e na regularidade para conquistar a preferência da torcida.

11. Boulos - Pela extrema esquerda estreia o atacante de movimentação bastante ofensiva, acostumado a invadir a área adversária e ocupar os espaços vazios na defesa oposta. Dono de um estilo rebelde e desafiador, geralmente contesta a autoridade da comissão técnica e da arbitragem, além de ter relação conturbada com a imprensa não setorista e com a PM nos estádios.


Alberto Aggio: "A situação da Itália é de impasse para a formação de um novo governo"

ELEIÇÕES ITALIANAS - ENTREVISTA - PROFESSOR ALBERTO AGGIO AO BLOG VOTO POSITIVO

1. A polarização entre a Centro-Direita e a Centro-Esquerda aparentemente se encerrou com a emergência do Movimento 5 Estrelas na política italiana. Depois da Eleição de 4 de março, seria possível afirmar que a “antipolítica” é a tendência que ganhará hegemonia nos próximos anos?

Alberto Aggio - É verdade que um dos aspectos significativos dessa eleição foi a superação do bipolarismo, o que não quer dizer que não há mais esquerda e direita. Também é verdade que o grande vencedor, o M5S, tem como principal característica uma marca antipolítica muito forte. Contudo, agora, vitorioso, numa situação bem especifica em que não há maioria e não há mecanismos em que o eleitorado defina uma eventual maioria, o jogo será jogado pelas forças em cena. O problema é que aqueles que venceram, M5S e Liga, não obterão facilmente o apoio daquele que perdeu, especificamente o PD de Matteo Renzi, embora esse tenha renunciado um dia depois dos resultados eleitorais serem conhecidos. A situação é de impasse para a formação de um novo governo. A tendência geral da antipolítica existe, é um fenômeno mundial, mas é difícil saber qual será precisamente seu futuro.

2. As três maiores forças políticas (Centro-Direita, Movimento 5 Estrelas e Centro-Esquerda) não conseguiram a maioria absoluta nas últimas eleições ao Parlamento Italiano. O Senhor avalia que é possível construir um acordo político entre Centro-Direita e Centro-Esquerda semelhante ao que ocorreu na Alemanha de Angela Merkel?

Alberto Aggio - A situação italiana é muito diferente da alemã. Na Itália, há uma clara oposição entre três polos e isso se expressou nas eleições. São três polos que não levam uma política de aproximação, com um centro político fazendo esse papel. Na Alemanha há já uma inclinação à “grande coalizão” porque se chegou ao um impasse histórico entre o partido de Merkel e os socialdemocratas. O risco na Alemanha é o crescimento espantoso dos neonazistas. De certa forma, nessa eleição italiana isso também apareceu, de maneira muito forte. Ou seja, há um clima de extremismo que precisa ser enfrentado. Não sei como as forças políticas italianas irão compor um novo governo. Mas seguramente não há disposição de composição entre direita e esquerda. Com a vitória da Liga, pode-se dizer que não há mais centro-direita na Itália porque Berlusconi foi derrotado. À esquerda, a derrota do PD também tem consequências sérias para qualquer composição. As únicas possibilidades seriam um governo guiado pelo M5S, o que é difícil uma vez que De Maio pensa que o PD é o seu mais forte interlocutor, mas o ataque que o M5S fez ao PD na campanha talvez inviabilize essa alternativa. Para o M5S o PD era o partido que significava o poder que precisava, no seu entendimento, ser derrotado. É difícil agora construir uma coabitação governamental.

3. A coalizão da Centro-Direita teve a Liga como a força política mais votada (em torno de 18%) em relação a Força Itália do Ex-Premiê Sílvio Berlusconi (em torno de 14%). Isso sugere que haverá uma guinada para o extremismo político na Itália? A questão dos imigrantes foi o fator decisivo nas eleições?

Alberto Aggio - Essa é efetivamente a mudança mais expressiva à direita. A derrota de Berlusconi significa o fim de sua carreira política e talvez do próprio partido, a Força Itália. A Liga deixou de ser identificada apenas como Liga Norte, inclusive eliminou a localização geográfica do nome. Contudo, sua votação mais expressiva tenha sido no Norte da Itália, enquanto o M5S venceu ao Sul. Como disse, o extremismo foi muito forte e os ataques à democracia representativa, à política tradicional, enfim, ao poder instituído, mesmo que ele seja democrático e reformista, como tem sido nos últimos anos na Itália. Ele, seguramente, permanecerá se exprimindo. Por isso, as instituições e os atores democráticos devem construir consensos para garantir estabilidade e funcionalidade do sistema. Mesmo os extremistas da Liga e do M5S terão que moderar o seu discurso e se institucionalizar. A questão dos imigrantes foi, certamente, transformada num embate que enfraqueceu o partido do governo, o PD, e fortaleceu o extremismo.

4. Há a possibilidade de a Itália encaminhar um processo de saída da União Europeia após as eleições do último domingo?

Alberto Aggio - Creio que nem mesmo o eleitorado que deu o seu voto a quem fazia o discurso antieuropeísta não estará disposto a apoiar a saída da Itália da UE. Na campanha eleitoral já estava clara a mudança. Tanto M5S quanto a Liga moderaram seus discursos contra a EU. O comparecimento da população às urnas foi em torno de 73%, num país onde o voto é facultativo, o que mostra que há interesse na participação eleitoral na Itália e que há consensos básicos entre os italianos. Um deles é de ser europeísta. Lembremos que em 2014, nas eleições europeias, o PD teve 40% dos votos; o M5S elegeu eurodeputados e eles estão lá realizando o seu trabalho (claro que estão num grupo fortemente crítico ao governo da UE, mas estão lá).

5. Como o Senhor explica o declínio eleitoral da coalizão de Centro-Esquerda? A liderança política de Matteo Renzi sai abalada com os resultados eleitorais do PD?

Alberto Aggio - A derrota do PD e de Matteo Renzi é dura e vai gerar mudanças. Inclusive, Renzi já renunciou ao cargo de secretário geral do PD, embora deva ficar até a realização da Assembléia Nacional do partido e das prévias para a definição e um novo secretário. Acho que a liderança de Renzi jogou o PD numa nova fase e redefiniu o PD. Alguns ex-comunistas se afastaram do partido, como era inevitável e formaram um novo partido, “Livres e Iguais”, que também não foi bem nas eleições. Algumas lideranças do antigo PCI, como Massimo d’Alema, que não foi eleito, sofrendo uma derrota vergonhosa, finalizaram sua carreira política nessa eleição. A questão para o PD agora é definir se apoiará um possível governo M5S ou não. Se o fizer, será a escolha de um caminho cujos resultados, para seus apoiadores, não se sabe as consequências. Se não o fizer, estabelecerá que o caminho é a reconstrução a partir da oposição, assumindo um outro papel. Há muita especulação e muita confusão também. Alguns dizem que o M5S é comparável, em termos de base social, o PCI de Enrico Berlinguer, grande líder do comunismo italiano da década de 1970. Há mais do que um exagero nessa avaliação. Mas há também informações que, de fato, mais de 1 milhão de eleitores que eram do PD, votaram no M5S, o que explica muita coisa e merece uma análise mais profunda.

6. Muitos analistas sugerem que o impasse político se prolongará até convocarem novas eleições. O que o Senhor acha desta hipótese?

R: É possível e até provável que isso aconteça. O presidente da República, Mattarella, deve chamar os líderes partidários ou suas direções para conversar sobre a formação de um novo governo. Isso deve tomar algumas semanas. Como disse, há um impasse e todos sabem disso. Por outro lado, convocar novas eleições tem um custo político muito grande, para vencedores e para quem foi derrotado. Mas, hoje não se pode saber muito bem o que irá acontecer.

7. A esquerda brasileira a partir dos anos 60 (movimento aprofundado nos anos 80/90) sofreu influências do debate político italiano com a recepção das obras de Gramsci. Como o Senhor avalia o quadro político/intelectual da esquerda brasileira que segue, se ainda assim podemos dizer, essa tradição?

Alberto Aggio - Acho que a esquerda brasileira passa por um processo de esgotamento depois do desastre petista. Na sociedade, a identidade de esquerda é vista hoje com muito desconfiança. O petismo foi muito tóxico. Há que se abrir uma espécie de “canteiro de obras” para repensar o ideário de esquerda num mundo como esse, de transformações imensas, de contradição velhas e novas, de idas e vindas, marchas e contramarchas em termos políticos e culturais. Há muito a se rever e a própria “tradição gramsciana”, como você sugere, deve fazer parte desse debate, desse repensar, revendo-se a si mesma.

8. Enfim, quais seriam as possíveis lições das eleições italianas para os brasileiros no ano das eleições gerais de 2018?

Alberto Aggio - Brasil e Itália tem muitas diferenças e alguma proximidade. Nós somos presidencialistas e a Itália é parlamentarista. Essa não é uma diferença pequena. A nossa cultura democrática é mais rarefeita e o nosso debate político bastante pobre, em comparação com o italiano. Vemos crescer aqui também um certo extremismo que é preocupante, para dizer o mínimo. A nossa esquerda, como disse, está em frangalhos depois da experiência lulopetista, e volta-se para si mesmo, procurando manter o apoio das corporações que lhes dão sustentação, especialmente as estatais. Uma nova esquerda, moderna e democrática, só teria passagem hoje em aliança com setores de centro, mais moderados e democráticos, e me parece que essa seria, de imediato, uma alternativa de perfil necessário, mas mínima. Em suma, em uma leitura da realidade brasileira, eu diria que o Brasil precisa ser reconstruído depois do desastre petista e seria bobagem uma atitude de “gladiador romano”, ilusória em nossa realidade.

 

 


Eliane Cantanhêde: O Alckmin do PT

Como o PSDB, o PT anda em círculos e Fernando Haddad se torna o nome do partido

O PT anda tão em círculos na sucessão presidencial quanto o PSDB, e os dois vão acabar chegando exatamente ao ponto de partida, com o governador Geraldo Alckmin e o ex-prefeito Fernando Haddad disputando a eleição, ambos com chances de ir ao segundo turno.

A sociedade sonhou, falou e tentou alavancar “o novo” para outubro, mas começa a cair a ficha de que a eleição de 2018 tende a repetir o enfrentamento entre PSDB e PT que vem, asperamente, desde a vitória de Fernando Henrique em 1994.

Há resistências ao nome de Haddad no próprio PT? Há, mas também houve, e mais forte, a Dilma Rousseff em 2010 e ao próprio Haddad em 2012. Quem dá as cartas é Luiz Inácio Lula da Silva. Os petistas resistem, mas acabam engolindo. E artistas e intelectuais douram a pílula.

Há quem duvide de que Lula tenha efetivamente pensado no ex-governador da Bahia Jaques Wagner como candidato. E, mesmo que tivesse pensado, a operação da Polícia Federal na casa dele, com pedido de prisão (negado), enterrou qualquer chance de Wagner.

Desde o início, Haddad despontava como preferido, num embate que parecia ser com João Doria, do PSDB. Doria perdeu fôlego, Haddad se manteve firme, apesar de ter contra ele não só o PT, mas também uma dúvida: se nem sequer se reelegeu prefeito, tem como disputar a Presidência? Talvez sim, talvez não, mas vem novamente a comparação com Alckmin: se não ele, quem?

Além disso, Haddad, ou quem quer que seja o candidato do PT, vai ter uma dificuldade enorme: o desgaste do partido, que só elegeu um prefeito de capital nas últimas eleições, na pequena e distante Rio Branco, no Acre. A campanha vai ser de lascar, com acusações, pressões e brigas internas duríssimas.

O principal fator tem cara e nome: Lula. E com diferentes cenários. Se Lula ganhar o habeas corpus preventivo e escapar por ora da cadeia, vai esticar ao máximo a versão de que é candidato, mas pondo Haddad debaixo do braço e fazendo do professor paulista um nome conhecido e palatável no País, sobretudo no Nordeste.

Se Lula for preso e ficar dois meses atrás das grades, ele sai como o maior cabo eleitoral da história e nem precisa ter tanto trabalho de fazer maratona com Haddad. Basta dar uma entrevista atrás da outra e gravar bons programas eleitorais para a TV. Essa hipótese, a de prisão rápida, é considerada diante da iminência de o STF derrubar a execução da pena após condenação em segunda instância, já com Lula preso.

O pior dos mundos para Fernando Haddad, como candidato do PT, seria o terceiro cenário: Lula preso ao longo do segundo semestre, durante toda a campanha. Com Lula fora de combate, sem rebelião das massas e o PT sob ataque, tudo ficará mais difícil para qualquer candidato petista. Com Lula, Haddad é um, sem ele é outro, sem dúvida bem mais frágil.

Mesmo assim, as esquerdas não devem nutrir esperanças. Manuela D’Ávila, do PCdoB, e Guilherme Boulos, do PSOL e líder em ascensão nos movimentos populares, não terão tempo de TV, nem suporte, nem alianças suficientes para deslanchar. E Ciro Gomes, do PDT, jamais teria apoio do PT, além de ter um inimigo poderoso: ele próprio. Se alguém pode herdar eleitores, até pelo “recall”, é Marina Silva, da Rede.

É assim que a eleição vai chegando ao dia 6 de abril, das desincompatibilizações, empurrando para a linha de frente o PSDB e o PT. Alckmin, o “chuchu”, e Haddad, o “mais tucano dos petistas”, estão indo devagar e sempre, numa campanha que não deve privilegiar nomes, mas o que representam. A estratégia do PT é gerar a ideia de dois times em campo, um que “quer manter direitos dos trabalhadores”, outro que “quer tirar esses direitos”. É mentira, mas vai que cola...

 


Merval Pereira: Justiça em xeque

O que está em jogo nos vários julgamentos que se seguirão ao de hoje no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que têm como pano de fundo a possibilidade de início do cumprimento da pena de prisão após condenação em segunda instância, é a lógica interna do nosso sistema judicial, que está sendo confrontada pela defesa do ex-presidente Lula. O STF mudar o entendimento sobre essa matéria, forçado pela situação política atual, é declarar que nosso sistema de Justiça não resiste a pressões externas.

A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, resiste em colocar o tema em pauta, pois não vê razão para revisitar o assunto apenas um ano depois da última decisão. O habeas corpus que está no Supremo ficará superado hoje, depois do julgamento do STJ. A defesa do ex-presidente terá que enviar novo pedido, ao mesmo tempo em que os prazos do TRF-4 correm para a decretação da prisão do ex-presidente Lula.

Pela votação de 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou a jurisprudência que vigorava até 2009, quando os recursos especiais ao STJ e os recursos extraordinários ao STF não tinham efeito suspensivo. Ao julgar o habeas corpus 84.078 em 2009, seguindo o voto do então ministro Eros Grau, a maioria decidiu, porém, que a Constituição não autorizava a execução da pena antes do trânsito em julgado do processo, pois violaria o princípio da não culpabilidade. Com a mudança na composição e a revisão de voto do ministro Gilmar Mendes, em 2016, a maioria no plenário votou pela retomada da jurisprudência anterior a 2009. Agora, quer-se mudar novamente o entendimento, talvez criando uma estação intermediária no STJ para o início do cumprimento da pena.

A posição mais coerente, além da daqueles ministros que mantiveram seus votos durante todo esse período, de um lado e de outro, é a da ministra Rosa Weber, que não integrava o STF em 2009. Ela chamou a atenção de que a jurisprudência da Corte mudaria em razão da alteração na sua composição, e votou pela manutenção da jurisprudência recente do Supremo, a favor do trânsito em julgado. Mesmo derrotada, ela tem votado sistematicamente pela prisão em segunda instância, seguindo a maioria formada contra sua posição.

Já o ministro aposentado Eros Grau, que liderou a mudança a favor do trânsito em julgado em 2009, recentemente deu uma declaração que tem seu peso político justamente por ser ele o autor: disse que, do jeito que as coisas estão se revelando, hoje ele seria a favor da prisão depois da condenação já em primeira instância, como acontece nos Estados Unidos, por exemplo.

Mesmo não interferindo diretamente na votação do plenário, a opinião de Eros Grau mostra como a questão é controversa e, mais que isso, como é perigoso o STF mudar de posição ao sabor dos acontecimentos políticos. O julgamento de hoje do STJ deve confirmar a decisão liminar de recusar o habeas corpus preventivo ao ex-presidente Lula, pois o STJ tem seguido a orientação do Supremo desde que a maioria a favor da prisão em segunda instância foi formada.

O ministro aposentado do STF Sepúlveda Pertence, advogado de Lula, defenderá a tese de que a prisão em segunda instância foi autorizada, mas não é obrigatória, o que é verdade. A votação ocorreu na análise de um “Agravo em Recurso Extraordinário” (ARE), que tem “repercussão geral”, mas não “efeito vinculante”, que tornaria a decisão obrigatória. Mas como orientação a todas as instâncias da Justiça, a prisão em segunda instância hoje é a regra, e conceder o habeas corpus contra ela é que se tornou a exceção, tanto que a vasta maioria dos habeas corpus tem sido negada.

A negação da prisão em segunda instância espelha bem a posição escolhida pela defesa do ex-presidente Lula de confrontar as decisões estabelecidas pelo sistema de Justiça. Nos embargos de declaração, por exemplo, em vez de esclarecer pontos específicos (apenas em dois casos fez isso, e o Ministério Público acatou), a defesa apontou 38 omissões, 16 contradições e cinco obscuridades que, segundo o Ministério Público, já foram analisadas profundamente no acórdão, o que retrataria mais o inconformismo com a decisão dos desembargadores do TRF-4, que não pode ser mudada por meio dos embargos declaratórios.

O procurador Maurício Gerun ressaltou que o acórdão dos desembargadores é claro ao analisar a posição política que Lula ocupava, e as provas foram consideradas em conjunto e ganharam credibilidade pela harmonia entre elas. O procurador disse ainda que o projeto de poder passou ao largo da normalidade democrática, com “obtenção de um Parlamento servil a partir dos valores milionários distribuídos”, o que justificou o agravamento da pena.

O próprio Lula vocalizou essa posição de confronto ao afirmar em entrevista a Mônica Bergamo, da “Folha de S. Paulo”: “Eu acredito na democracia, eu acredito na Justiça. E acredito que essas pessoas, o juiz Sergio Moro e os desembargadores, mereciam ser exoneradas a bem do serviço público”. Tais declarações expressam claramente uma tentativa de perturbar a instrução processual, e podem ser motivo para a decretação da prisão preventiva do ex-presidente pelo TRF-4.

 


El País: Forças radicais avançam na Itália em um cenário sem maiorias claras

Movimento 5 Estrelas cresce de maneira espetacular, mas a coalizão de centro-direita tomaria a liderança sem conseguir as cadeiras necessárias

Itália foi votar no domingo ameaçada pelo fantasma da ingovernabilidade e foi dormir com medo. Após a Espanha e a Alemanha, o país dos 64 Governos em 70 anos sofre as consequências do fim do bipartidarismo e de uma lei eleitoral ineficiente. De acordo com as pesquisas de boca de urna, nenhuma força conseguirá maioria. O Movimento 5 Estrelas cresce de maneira espetacular. Mas a coalizão de centro-direita tomaria a liderança sem conseguir as cadeiras necessárias. Dessa forma, se abre um cenário de pactos que formará estranhas parcerias e estimulará a ameaça do bloqueio sobre a terceira economia da zona do euro.

As pesquisas estavam quietas há duas semanas e nenhuma referência servia, nem mesmo a das últimas eleições, em 2013. A Itália foi às urnas nesse ano com uma lei eleitoral diferente, uma votação que foi até a manhã de segunda-feira e um partido que teve uma excepcional votação sem ter sequer um candidato. Dessa vez, 46 milhões de italianos deveriam resolver um problema que as pesquisas prognosticavam há semanas.

De acordo com as primeiras pesquisas de boca de urna para a rede de televisão RAI (80.000 pessoas entrevistadas) o bloqueio seria inevitável. O Movimento 5 Estrelas ganharia as eleições com um ótimo resultado (por volta de 30%), mas não seria capaz de chegar à maioria necessária. A coalizão de centro-direita superaria o M5S em quatro pontos percentuais, mas seu resultado, pior do que o esperado, também não ajudaria a desbloquear a situação.

As duas forças políticas de maior destaque no sábado – o Movimento 5 Estrelas e a coalizão de centro direita – tinham a calculadora no sul da Itália. Lá a disputa seria realmente decidida. As fileiras de Silvio Berlusconi e companhia davam como certa a vitória no Norte. Mas as regiões da Sicília, Campania, Puglia e Lazio seriam a pedra Rosetta do enigma eleitoral italiano, o mais incerto da história de um país cuja política não é exatamente simples de se decifrar.

Mas o M5S estava bem avançado na conquista desse território. A participação dos eleitores aumentou, o que beneficiaria o partido de Beppe Grillo que conseguiu o máximo do que poderia esperar: frear a centro-direita, obter um resultado que obrigará a levá-los seriamente em consideração no cenário dos pactos pós-eleitorais. Mas se os resultados se confirmarem, a voz de comando continua sendo a da centro-direita, em plena luta interna pela liderança da coalizão entre Matteo Salvini – as pesquisas davam um empate – e Berlusconi.

Mas a soma dos números do Força Itália, o partido de ultradireita populista da Liga e o Irmãos da Itália não seria suficiente para governar. De modo que vários cenários se abrirão. Incluindo o que a própria coalizão pescará no mar de outros partidos para conseguir uma base suficiente.

Desde o fim da publicação das pesquisas há duas semanas, os números falavam de um complicado quebra-cabeças dividido em três blocos: a centro-direita, a centro-esquerda e o M5S. A gravidade do assunto e a pressa em solucioná-lo, de qualquer forma, serão marcadas pelos mercados e prêmios de risco que começarão a incomodar se o bloqueio não for solucionado.

Evitar o caos

O presidente da República, Sergio Mattarella, e as instituições do país já trabalham em um cenário de consultas e pactos para evitar o caos. Os mercados, evidentemente, preferem uma grande coalizão entre a centro-esquerda – o Partido Democrático (PD) de Matteo Renzi + o Europa de Emma Bonino – e o Força Itália, um artefato político parecido ao que no sábado recebeu o sinal verde definitivo na Alemanha. Nesse caso, deverá encontrar uma figura de consenso, talvez externa à Câmara – como já aconteceu com Mario Monti – que lidere a Grande Coalizão italiana. Mario Draghi ultimamente aparece nas apostas. Mas além dessas variáveis, existem outras duas soluções de emergência que contemplariam um grande resultado do Movimento 5 Estrelas.

O partido fundado por Beppe Grilo deverá fazer sacrifícios se quiser fazer parte de um Executivo. O mais claro, renunciar a sua promessa de não formar alianças de Governo. Dentro do M5S falou-se do assunto durante toda a semana. Os números nunca lhe deram uma maioria. E uma possibilidade evidente seria formar um Executivo com o PD de Renzi e a esquerda do Livres e Iguais.

A outra, a que mais inquieta os mercados e a União Europeia, levaria o M5S a aproximar-se da Liga (que nas últimas eleições só obteve 4,1%) e seu pequeno aliado, os pós-fascistas Irmãos da Itália. Essa é a preferência de personagens como Steve Bannon, o ex-assessor do presidente dos EUA, Donald Trump, que está por esses dias em Roma como entusiasta das opções mais populistas (dito por ele mesmo).

Mas alguns dos cenários que se abririam não mudaram tanto. Em 2013, o então secretário geral do PD, Pier Luigi Bersani, já tentou um pacto com o M5S, o famoso Governo de mudança que lhe custou o cargo apesar de ter obtido um bom resultado (24,5%). Para Renzi, entretanto, seria uma partida complicada, a negação de tudo o que prometeu até agora em relação a não se acertar com os “extremistas”. Uma aliança que poderia fagocitar definitivamente o PD.

A militância do M5S também não vê com bons olhos essa opção. Os interesses pessoais, entretanto, podem fazer muitos mudarem de opinião. O partido liderado agora por Luigi di Maio não permite que seus representantes se apresentem a mais de dois mandatos. Uma regra que afeta o próprio candidato a primeiro-ministro, que está agora em sua segunda legislatura. Se precisarem repetir as eleições, não poderá concorrer. Um dado que poderá ajudá-lo a reconsiderar algumas de suas promessas. Qualquer cenário será submetido às bases mediante uma votação telemática, como em outras ocasiões.

SALVINI DISPUTA COM BERLUSCONI A LIDERANÇA DA COALIZÃO

Uma das batalhas mais apaixonantes dessas eleições foi a disputada silenciosamente pelo Força Itália e a Liga para liderar a coalizão de centro-direita. Silvio Berlusconi e Matteo Salvini acertaram que quem obtivesse mais votos escolheria o candidato a premier da coalizão. No caso do Força Itália é o presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani. No da Liga, o próprio Salvini quer ser o candidato à presidência do Conselho de Ministros.

De acordo com as pesquisas de boca de urna realizadas pelas empresas EMG, Piepoli e Noto para a RAI no fechamento dos colégios eleitorais, os dois partidos estariam empatados. Uma disputa implacável que pode acabar significando um golpe de efeito no caso da contagem terminar favorável à Liga. O resultado acrescentará agressividade à fase pós-eleitoral onde deverão ser forjados os possíveis pactos de Governo. O partido de ideais inspirados no francês Le Pen é um fenômeno levantado pela crise imigratória, com a chegada de 600.000 pessoas na Itália nos últimos cinco anos e que se transformou em seu cavalo de batalha.

O sucesso da Liga também poderá abrir a janela ao cenário mais temido pela União Europeia e os mercados. Ou seja, um pacto entre o partido de Salvini e o Movimento 5 Estrelas, que também flertou nos últimos cinco anos com a ideia de convocar um referendo sobre o euro.

A liderança da Liga também desativará a opção Tajani, que continuaria em seu cargo à frente do Parlamento Europeu. Mas dificilmente seria aceitável pelo establishment e pelas instituições italianas, inquietas pelo discurso antieuropeu de Salvini, que prometeu que a Itália sairá da moeda única se a Europa não concordar em negociar todos os tratados que prejudicam seu país.


Mario Lavia: tentemos dizer algo sobre o terremoto de 4 de março na Itália

O voto de 4 de março é um terremoto político. À espera de conhecer os números definitivos (que podem fazer mudar alguns juízos iniciais), os traços salientes nos parecem os seguintes:

1. O país se revoltou: contra as elites, um pouco contra tudo. O humor negro dos italianos, por longo tempo latente, finalmente explodiu, arrastando tudo o que pareceu tradicional ou próprio do poder. É um fenômeno que tem características mundiais. Estamos numa fase histórica na qual os povos se levantam, democraticamente, de modo mais ou menos forte, contra as forças de governo, especialmente as forças reformistas.

2. Neste quadro, o PD sai do voto em mau estado. É um golpe muitíssimo duro, com traços de ingenerosidade — se é que na história pode valer pode valer esta categoria — em relação a um partido e a seu líder que carregaram por 5 anos o ônus de tirar o país da crise. Não sabemos o que sucederá no PD: no mínimo, uma discussão, não restrita a um punhado de dirigentes, parece inadiável. Uma discussão verdadeira.

3. O Movimento 5 Estrelas é o vencedor das eleições. Recolheu o descontentamento à esquerda e à direita. Soube aparecer como a única, e boa, novidade. Em linhas gerais, interceptou o protesto. No plano propositivo ainda não há clareza: o que Di Maio fará? Com quem se aliarão? Caminharão, de fato, com uma Liga já de extrema-direita? Ou se manterão puros e duros até as próximas eleições? Cabe a eles responder, se forem capazes.

4. A centro-direita não tem mais a liderança de Silvio Berlusconi — agora próximo de seu fim político —, mas a de Matteo Salvini. Pode-se dizer que a centro-direita não existe mais: existe a direita. Como aconteceu na França: fim do gaullismo, há Le Pen. É bom que a centro-esquerda se prepare para esta novidade que muda radicalmente a fisionomia desta parte do sistema político.

5. À esquerda do PD existe simplesmente a derrocada do projeto de LeU [Liberi e Uguali] e a emergência de pulsões extremistas que devem ser estudadas.

Cada um destes pontos, lançados a título pessoal como primeiríssimas linhas de reflexão, constitui um grande campo de discussão.

A coisa certa, em conclusão, é esta: é muito difícil dar um governo à Itália, sobretudo um governo democrático à altura dos problemas do País. Que Deus nos proteja.

* Mario Lavia é jornalista de Democratica, site de informação do PD

 


Cacá Diegues: Uma jovem democracia

Apesar do excesso de alguns militantes de todos os lados, homens públicos que não estão na cadeia por ladroagem estão muito mais dispostos a aceitar as regras do jogo

Uma contribuição decisiva do pós-modernismo para o entendimento do tempo em que vivemos é a formulação da vida vivida como um espetáculo, tanto na esfera privada quanto, sobretudo, na pública. E esse mundo do espetáculo não poderia evitar a política, o espaço em que ele se movimenta por excelência.

Hoje, a ideia de “democracia representativa” corresponde muito menos a poderes eleitos livremente pelo povo para que o representem do que ao próprio conceito teatral de representação. O político contemporâneo, visto por um pensador pós-pós-modernista, será sempre muito mais um ator num palco diante de grande plateia ululante, do que um autêntico representante sereno dessa mesma plateia.

O fenômeno talvez possa acontecer menos em democracias mais antigas, meio cansadas desse exibicionismo que acaba sempre em algum populismo enganador. Mas, nas “jovens” democracias, aqueles regimes que vivem entrando e saindo de ditaduras com certa frequência, cada vez que suas elites decidem não acreditar na capacidade da população de escolher seu próprio rumo, nessas democracias inaugurais a “representação” é sempre uma ilusão que se desfaz antes que caia o pano e os atores possam ir relaxar nas coxias.

A gente se esquece de que no Brasil, por exemplo, vivemos grande parte do século XX debaixo de algum regime de força, mais ou menos disfarçado. Na virada do século, ainda dependíamos do poder dos senhores de terras, os cafeicultores que se vingaram da Abolição e do fim do trabalho sem custo fazendo proclamar a República. Uma sucessão de presidentes — eleitos através de atas falsas e o voto dos fazendeiros que também votavam por seus empregados — dominou um país sem opinião pública, durante a chamada República Velha.

Em 1930, uma revolução liberal, comandada por jovens oficiais que tentavam modernizar o Exército brasileiro, transformou-se em cruel e sangrenta ditadura burguesa, sob o comando de Getúlio Vargas. O Estado Novo de Vargas, nomenclatura política inspirada no regime fascista italiano de Benito Mussolini, foi inaugurado em novembro de 1937 e durou até 1945, quando o ditador é deposto por movimento civil e militar. Getúlio ainda volta ao poder, eleito democraticamente em 1950, como um líder popular e nacionalista de esquerda, o que pouca gente conseguiu até hoje entender completamente. Inclusive eu.

Arrependidos de seu neogetulismo, os líderes militares trataram de planejar a queda do regime democrático, o que começou a acontecer com o suicídio de Vargas em agosto de 1954, se consolidando finalmente com o golpe de 1964 e a consequente ditadura que durou até março de 1985. Agora façam as contas. Durante os cem anos do século XX, o Brasil viveu plenamente sua sempre jovem democracia por apenas 32 deles, bem menos da metade do século. E olhe lá!

Já o século XXI tem sido um pouco mais generoso conosco. Pelo menos até aqui. Apesar dos movimentos raivosos de boicote ao Plano Real, do terrorismo político contra a eleição de Lula e do próprio impeachment sofrido por Dilma, quase tudo, na medida do possível, vem sendo feito dentro da Constituição e das leis, à luz dos princípios democráticos. Apesar do excesso de alguns militantes de todos os lados, os homens públicos atuais que não se encontram na cadeia por ladroagem estão muito mais dispostos a aceitar as regras do jogo, a perder uma mão para não perder a partida.

Ótimo exemplo desse desprendimento cívico está na entrevista recente de Lula à “Folha de S.Paulo”. Mesmo os que desejam vê-lo na cadeia, mesmo os que tratam como um pesadelo a possibilidade de ele se tornar candidato e presidente, têm que reconhecer sua firme confissão democrática: “Quem sabe eu virasse um moleque de 16 anos e fosse dizer que só tem solução na luta armada. Não. Eu acredito na democracia, eu acredito na Justiça”.

O contrário dessa confiança no regime democrático está naqueles que, sem reflexão, demonizam a intervenção militar na segurança do Rio de Janeiro. Parece uma repetição de tudo que acabou com o projeto das UPPs, um projeto que precisava do apoio de todos para fazer com que o poder público o completasse com educação, saúde, saneamento, subindo os morros pelas portas abertas pela segurança. Em vez disso, as UPPs foram tratadas como uma ocupação militar das favelas, como agora fazem com a intervenção do Exército.

É ridículo considerar a intervenção como uma “jogada eleitoral”. E se for, o que é que tem? Toda ação positiva de um governo será sempre, por definição, uma “jogada eleitoral”. Ou então os governos ficam condenados a não fazerem nada de positivo, para não serem mal interpretados. Ainda não sei dizer se a intervenção no Rio é uma boa para a cidade, acho que é cedo para ter certeza sobre o assunto. Por enquanto, apenas torço para que dê certo.

* Cacá Diegues é cineasta

 


Luiz Carlos Azedo: O espólio de Lula

O maior dos problemas do PT é a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL), o nome de extrema-direita: uma parte dos eleitores de Lula de mais baixa renda, segundo todas as pesquisas, migra para ele

A entrevista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Mônica Bérgamo, da Folha de S.Paulo, é um gesto de desespero: o petista sabe que não pode mais ser candidato a presidente da República, mas ainda não se retira da disputa porque acredita que isso seria uma maneira de evitar a prisão imediata, em razão da condenação a 12 anos e 1 mês de reclusão em regime fechado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre. Somente os petistas ainda se agarram à candidatura impossível com unhas e dentes, na esperança de conseguir a renovação dos respectivos mandatos, graças ao espólio eleitoral do ex-presidente. Os aliados tradicionais, porém, estão se afastando de Lula e querem compartilhar o espólio.

A troca de farpas entre Lula e o pré-candidato do PDT, Ciro Gomes, ontem é a demonstração cabal deste processo. A vantagem estratégica de Lula nas eleições de 2018, se não fosse impugnado, seria o Nordeste, onde suas alianças com os caciques do MDB que haviam apoiado o impeachment de Dilma Rousseff estavam sendo até recompostas. Com Lula fora da eleição, a alternativa do PT seria lançar a candidatura de Jaques Wagner, ex-governador Bahia, que poderia ter um bom desempenho nos demais estados nordestinos e no Rio de Janeiro, onde nasceu. Entretanto, Wagner também está enrolado na Operação Lava-Jato, o que abre espaço para Ciro Gomes crescer nas pesquisas a partir do Nordeste, capturando os eleitores de Lula. Não é outra a razão de o petista ter dito que o ex-governador do Ceará anda falando demais. Macaco velho, Ciro tirou por menos, disse que tem coração e respeita o infortúnio de Lula. Não vai brigar com os eleitores do petista, que pretende seduzir.

Mas não é apenas o candidato do PDT que se aproveita da inelegibilidade de Lula. A pré-candidatura à Presidência da República do coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), Guilherme Boulos, será lançada sábado, em São Paulo, pelo PSol. Era um dos aliados de Lula na sua guinada à esquerda, tendo protagonizado as mobilizações contra o impeachment de Dilma Rousseff. O cantor Caetano Veloso, a produtora cultural Paula Lavigne, o arquiteto Nabil Bonduk, a deputada Luiza Erundina, o franciscano Frei Betto, a cineasta Marina Person e a escritora Antonia Pellegrino, entre outros artistas e intelectuais, confirmaram presença no lançamento. Boulos fragiliza o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, outra alternativa do PT para substituir Lula.

Mas o maior dos problemas do PT é a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL), o nome de extrema-direita: uma parte dos eleitores de Lula de mais baixa renda, segundo todas as pesquisas, migra para ele. Esse deslocamento é ainda mais preocupante, porque ocorre de forma generalizada, mas sobretudo no Nordeste. Há muitas controvérsias sobre as razões deste fenômeno, mas parece que o principal vaso comunicante é o fato de que os dois fazem uma oposição radical ao governo Temer, o que sensibiliza parcela do eleitorado de baixa renda que mais sofreu com a recessão e ainda se encontra desempregada.

Diante dessas forças centrífugas, a reação petista é de perplexidade. Ninguém sabe o que vai acontecer nas eleições se Lula não for candidato. O trauma das eleições municipais, nas quais o PT colheu seu maior retrocesso eleitoral, está vivo na memória dos petistas, que temem sofrer outro baque. Sem alternativa, a legenda aposta na politização dos processos judiciais e na manutenção da candidatura de Lula, até o Tribunal Superior Eleitoral negar o registro da chapa. Seria uma maneira de estancar a sangria. Entretanto, nada garante que isso aconteça caso Lula seja preso. Solto, pode ainda fazer campanha pelo país e escolher um poste. Nas pesquisas, Dilma Rousseff ainda é o nome de maior prestigio eleitoral que o PT teria a oferecer, para perder a eleição, mas manter a narrativa.

A pedidos

O presidente Michel Temer concedeu entrevista ontem à Super Rádio Tupi, na qual negou, mais uma vez, que tenha a intenção de se candidatar a presidente da República. Perguntado se poderia mudar de ideia, disse ao comunicador Clóvis Monteiro, em tom de brincadeira, que só o faria se ele voltasse ao Planalto e pedisse. Temer justificou a intervenção federal na segurança fluminense: “O Rio é uma vitrine para o Brasil, não só para o público externo, mas para o nosso povo (…) então nós dissemos ‘precisamos providenciar uma intervenção, mas uma intervenção limitada’. E também não queríamos fazer uma coisa que agredisse o governo e o governador”.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-espolio-de-lula/


#ProgramaDiferente: Reflexos de 2013 no ano eleitoral de 2018

Nem parece, mas já faz cinco anos que aconteceram as históricas manifestações populares de 2013, com pessoas de todas as idades, nas ruas e nas redes, pedindo mudanças. E o ano eleitoral de 2018 vai ser fundamental para testarmos na prática a renovação da política, o aprimoramento das instituições republicanas e a atualização dos instrumentos democráticos, principalmente após o surgimento de diversos movimentos cívicos pregando novas formas de representação. O #ProgramaDiferente desta semana é um registro destes cinco anos e um sopro de esperança por dias melhores. Assista.


Luiz Carlos Azedo: Mera coincidência

A ida de Jungman para o Ministério da Segurança Pública é uma solução natural, tipo “prata da casa”. Entretanto, não é natural um general como ministro da Defesa, pasta criada para o poder civil

No livro O 18 Brumário de Luís Bonaparte, já citado aqui a propósito da conjuntura eleitoral que vivemos, Marx se inspira no golpe de estado de Napoleão Bonaparte, em 9 de novembro de 1799, para descrever o golpe de seu sobrinho Luís Napoleão, 50 anos depois. Presidente em final de mandato, em 2 de dezembro de 1851 dissolveu a Assembleia e convocou um plebiscito que restituiu o Império; um ano depois se proclamou Napoleão III. O livro foi escrito entre dezembro de 1851 a março de 1852, em Londres, com o propósito de mostrar as circunstâncias nas quais “Napoleão, o pequeno”, como Victor Hugo o chamava, pôde desempenhar o papel de herói e tomar o poder.

Luís Bonaparte foi um reformador, admirador da modernidade britânica, e promoveu considerável desenvolvimento industrial, econômico e financeiro, mas seu maior legado foi a reforma urbana de Paris, sob comando do prefeito Georges-Eugene Hausmann, um dos símbolos da modernidade. Somente deixou o poder em setembro de 1870, quando surgiu a Terceira República, após a derrota francesa na batalha de Sedan, na Guerra Franco Prussiana. Depois de deposto, exilou-se na Inglaterra, onde morreu em 1873.

Uma das melhores reportagens políticas já escritas, nela Marx descreve o surgimento do partido social-democrata (Montanha): “Quebrou-se o aspecto revolucionário das reivindicações sociais do proletariado e deu-se a elas uma feição democrática; despiu-se a firma puramente política das reivindicações democráticas da pequena burguesia e ressaltou-se seu aspecto socialista. Assim surgiu a social-democracia”. E mostra também que legitimistas e orleanistas, frações monárquicas do Partido da Ordem, se uniram no regime parlamentar republicano porque cada uma dessas correntes considerava a república uma solução mais aceitável do que a opção monárquica preferida pela outra, uma espécie de jogo de perde-perde da aristocracia restauradora francesa.

Mas um pedido de impeachment de Luis Bonaparte, apresentado por uma ala radical da Montanha, pôs a república a perder. Derrotados no parlamento, os radicais resolveram abandoná-lo e ameaçaram recorrer às armas, o que não passou de um blefe. Não houve apelo às armas da parte da Montanha, ao contrário do que o partido dava a entender pouco antes de sair do parlamento. A passeata da Guarda Nacional, que estava desarmada, se dispersou ao se deparar com as tropas do exército, convocadas pela Assembleia Francesa, composta majoritariamente pelo Partido da Ordem. Foi nesse contexto que Luís Bonaparte deu o golpe e assumiu o poder. Uniu o Partido da Ordem ao se colocar acima de suas correntes.

Bandeira

Não se deve subestimar a bandeira da ordem, que sempre foi eficiente para soluções autoritárias, como no golpe militar de 1964. É graças a ela que o deputado Jair Bolsonaro (PSC) desponta como forte candidato a presidente da República, com índices de intenção de votos que muitos analistas consideram já consolidados. Acontece que o presidente Michel Temer resolveu tomar-lhe a bandeira das mãos, com a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, a cargo do comandante militar do Leste, general Braga Neto, logo após o carnaval. A cartada decisiva, porém, é a criação do Ministério da Segurança Pública, para o qual foi deslocado o ministro Raul Jungman, da Defesa.

O general Joaquim Silva e Luna, atual secretário-executivo, deve assumir interinamente o comando do Ministério da Defesa. A ida de Jungman para a nova pasta é uma solução natural, tipo “prata da casa”, por estar envolvido diretamente no assunto, desde o agravamento da crise de segurança pública no país, devido a diversas operações de Garantia da Lei e da Ordem já realizadas pelas Forças Armadas. Entretanto, não é natural um general como ministro da Defesa, a pasta foi criada para afirmar o poder civil. Não há a menor semelhança da nossa conjuntura com a restauração de Luís Bonaparte, mas isso não significa que Temer e Bolsonaro não possam se unir nas eleições.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-mera-coincidencia/


Luiz Carlos Azedo: A agenda da transversalidade e a saída pelo centro democrático

O jornalista Luiz Carlos Azedo, colunista político do Correio Braziliense e diretor-geral da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), fala da "agenda da transversalidade" necessária para criar uma força política renovadora do chamado centro democrático. O #ProgramaDiferentemostra que ele critica, de um lado, a concepção atual da esquerda brasileira e, do outro, a ideia hegemonista do liberalismo econômico da direita mais tradicional. Assista.