Economia

Luiz Inácio Lula da Silva discursando | Foto: Isaac Fontana/Shutterstock

Lula não tem alternativa a não ser a opção preferencial pelos pobres

Nas últimas semanas, Lula sofreu um cerco no Congresso, que somente não é de aniquilamento porque outras variáveis influenciam o comportamento do Centrão

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

Ninguém morre antes de morrer. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolveu enfrentar o Centrão em relação à política tributária porque se sentiu muito acuado e já se deu conta de que os “companheiros de viagem” desembarcaram de seu projeto de reeleição. Desde quando seus principais líderes declinaram de participar do governo. Foram os casos, por exemplo, dos ex-presidentes do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), que mantêm distância regulamentar do governo.

Havia uma possibilidade de ampliação da coalizão de governo, com a incorporação de lideranças que fossem maiores do que os ministérios que deveriam ocupar, mas os resultados eleitorais de 2024 consolidaram a fragilidade dos partidos de esquerda e fortaleceram os partidos do Centrão. Especialmente o PSD, de Gilberto Kassab, o visionário da grande reestruturação do sistema partidário em curso, cuja tática de manter um pé em cada canoa e disputar os grandes quadros políticos náufragos desse realinhamento vem dando excelentes resultados em diversos estados.

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Lembro-me de um antigo político de Macaé (RJ), o deputado estadual Cláudio Moacir, que foi líder do MDB na Constituinte de fusão dos antigos estados da Guanabara e Rio de Janeiro. O interventor federal, almirante Floriano Peixoto Faria Lima, designado governador do novo estado pelo presidente Ernesto Geisel, não tinha maioria parlamentar. Por essa razão, entregou a relatoria da Constituição fluminense a um deputado ligado ao ex-governador Chagas Freitas (MDB).

Líder do governo, Sandra Cavalcanti (Arena) não aceitou a mudança e renunciou ao cargo. Indagado se assumiria o cargo, Claudio Moacir foi enigmático: “De jeito nenhum, vou ficar como bigode”. Como assim? “Na boca, porém, do lado de fora”. Essa é a posição dos caciques do Centrão em relação ao governo Lula, entre os quais Gilberto Kassab, secretário da Casa Civil daquele que pode ser o principal adversário de Lula nas eleições, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Nas últimas semanas, Lula sofreu um cerco no Congresso, que somente não é de aniquilamento porque outras variáveis influenciam o comportamento coletivo e individual dos líderes do Centrão. A maioria quer ver o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível e enfraquecido eleitoralmente. Embora tenha participado da base de apoio de Bolsonaro, não aderiu à tentativa de golpe de 8 de Janeiro.

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Os políticos são gatos escaldados: os militares defenestraram os principais líderes civis do golpe de 1964, que destituiu o presidente João Goulart (PTB), entre os quais Carlos Lacerda (UDN) e Juscelino Kubitscheck (PSD). Ambos pretendiam disputar as eleições presidenciais de 1965, que foram suspensas e só ocorreram em 1989.

Xadrez estadual

Do ponto de vista individual, as circunstâncias nos estados também contam muito. O ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), que tem pretensões ao Senado, está na planície da Câmara, uma espécie de efeito Orloff do que acontece com os deputados Aécio Neves (PSDB-MG) e Arlindo Chinaglia (PT-SP). Nem vamos falar de outros antecessores, que comemoram o pão que o diabo amassou. Enfrenta aliados poderosos de Lula em Alagoas, o senador Renan Calheiros (MDB), e o ministro dos Transportes, o ex-governador Renan Filho (MDB).

Pacheco tem pretensões eleitorais em Minas Gerais, onde almeja suceder o governador Romeu Zema (Novo). Para isso, precisa manter no cargo o atual ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Em Minas Gerais, o PT está muito enfraquecido, mas Lula ainda tem a força do lulismo e a caneta cheia de tinta, num estado que depende muito do governo federal.

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A propósito, o atual presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União) precisa do apoio de Lula no Amapá, onde seu principal adversário, o prefeito de Macapá, Dr. Furlan (MDB), é “pule de dez” para o governo estadual. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que parece ter se reposicionado em relação a Lula, que apoiou sua eleição, tem que levar em conta que o governador da Paraíba, João Azevedo (PSB), é aliado de primeira hora de Lula.

Onde está o grande problema de Lula com os políticos do Centrão? Nos lobbies poderosos do agronegócio, do mercado financeiro, do mercado de imobiliário e das bets, da indústria de armas e segurança, inclusive israelenses, e dos evangélicos. Olhando as pesquisas, o cenário é mesmo de grande risco eleitoral. O Norte e o Nordeste ainda estão com Lula, o Sul e o Centro-Oeste já estavam na oposição. Entretanto, é no Sudeste onde a desaprovação ao governo agora é mais alta.

Entre os dias 29 de maio e 1º de junho, a pesquisa Genial/Quaest constatou que 64% dos habitantes da Região Sudeste desaprovam o governo Lula. A região é chamada de Triângulo das Bermudas por causa do risco de naufrágio eleitoral. No país, a desaprovação da gestão Lula atingiu 57%, mantendo a tendência de alta das pesquisas anteriores. Diante desse cenário, Lula não pode contar com o Congresso.

Sua única alternativa é apostar na empatia com os mais pobres, que sempre foi o seu grande ativo eleitoral. Para isso, turbinou os programas de transferência de renda, entre os quais, o Bolsa Família, R$ 158,6 bilhões, cerca de 7,4% das despesas primárias; e Benefício de Prestação Continuada (BPC) Renda Mensal Vitalícia (RMV), R$ 113,6 bilhões, equivalentes a 5,3%. A opção preferencial pelos mais pobres, que já deu cinco eleições presidenciais ao PT, é o que lhe restou. Será que vai dar certo?

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Luiz Inácio Lula da Silva

O velho patrimonialismo preside as decisões fiscais do Congresso

Parlamentares têm poder para mexer no Orçamento e corrigir o que tanto criticam, mas precisam cortar na própria carne e ser mais responsáveis em relação a isenções e privilégios

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

Inicialmente, um corte linear de 2% em todas as despesas da União faria um bem danado ao equilíbrio fiscal e à harmonia entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Resolveria o problema do déficit fiscal de forma categórica e possibilitaria a redução acelerada da taxa de juros, bem como da expansão da dívida pública, e ainda permitiria algum investimento, graças ao entendimento de que os Três Poderes precisam cortar na própria carne.

O Congresso reverteria toda a expectativa negativa em relação às contas públicas, que projetam um deficit primário de R$ 64,2 bilhões para este ano, segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), mantida pelo Senado. Para 2026, a instituição avalia que as contas públicas poderão ter um resultado ainda pior, com um deficit primário estimado em R$ 128 bilhões. O governo precisará de pelo menos R$ 72 bilhões para tentar fechar 2026 dentro da meta (superavit de 0,25% do PIB).

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Essa análise consta do Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) de abril, que projeta crescimento do PIB de 2% em 2025, e de 1,6% em 2026, “em função da redução da renda real disponível e dos efeitos da política monetária restritiva”. Segundo o diretor-executivo da instituição, Marcos Pestana, a dívida pública federal pode ficar em 79,8% do PIB em 2025 e 84% em 2026.

Com base nesse diagnóstico, existe ampla convergência entre a elite econômica do país e a maioria do Congresso de que o governo não deve aumentar impostos. Partidos do Centrão que fazem parte do governo, entre os quais União Brasil, Republicanos e PSD, promovem aberta oposição ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que jogou a toalha nessa negociação do IOF e tirou uma semana de licença pra cuidar da saúde.

Essa maioria do Congresso tem a faca e o queijo na mão para fazer um ajuste estrutural do deficit público, como anunciou o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), na semana passada, depois de ser emparedado pelos lobbies contra o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) do agronegócio, da construção civil, das fintechs e das bets, principalmente. Nesta segunda-feira à noite, Motta reiterou que o Congresso tem sido uma âncora de responsabilidade fiscal, mas não aceitará que o ajuste das contas públicas recaia exclusivamente sobre aumento de impostos.

A declaração foi dada momentos antes da aprovação do pedido de urgência do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que pretende revogar o decreto do governo que elevou o IOF. Sendo assim, por que o Congresso não faz o ajuste estrutural nas contas públicas e zera o deficit? A resposta chama-se patrimonialismo. O conceito descreve uma forma de dominação em que não há separação clara entre o que é público e o que é privado. Nesse modelo, os recursos do Estado são tratados como propriedade pessoal dos governantes e/ou das elites dominantes.

Populismo

Nosso patrimonialismo é dissecado nas obras de Raymundo Faoro, Francisco Weffort, Simon Schwartzman e Luiz Werneck Vianna, entre outros. Mas sua interpretação precisa ser atualizada à luz da nova realidade política brasileira, tão bem descrita por Alberto Aggio no livro A construção da democracia no Brasil (Fundação Astrojildo Pereira/Annalume), que analisa os 40 anos de redemocratização. O nosso vetusto patrimonialismo também precisa ser revisitado. As emendas parlamentares e a sua composição majoritária aproximaram de forma visceral o atual Congresso da política municipal de baixa qualidade, para não ir mais longe.

Estabeleceu-se uma linha direta entre a atividade parlamentar em nível congressual e a execução de recursos públicos federais nas bases eleitorais dos atuais mandatários, que dispensam a intermediação de outros atores no plano eleitoral e se autonomizaram em relação à sociedade civil e às instituições políticas. As políticas públicas federais, com exceção da transferência direta de renda para as famílias de baixa renda, foram aprisionadas pelos grandes interesses privados. Comissões parlamentares de inquérito, comissões permanentes, que têm poder deliberativo, e comissões especiais viraram balcões de negócios. Nunca houve tanta promiscuidade entre parlamentares e lobistas.

Populismo? Pode-se chamar de populistas as propostas de transferência de renda para famílias de baixa renda do governo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está com um olho no gato e o outro no peixe, ou seja, no aquecimento da economia e na recuperação da própria popularidade. Por isso mesmo, são duramente atacadas pela oposição, que não se dispõe a aprovar aumento de impostos para facilitar a vida do governo. Entretanto, as propostas de Lula são promessas eleitorais de conhecimento da opinião pública.

Sendo assim, é legítima a disputa política que se estabeleceu entre Lula e a oposição quanto a isso, inclusive o discurso do presidente de que seus adversários não querem que o governo gaste com os pobres e cobre mais impostos dos ricos, velho estratagema eleitoral do petista. Se vai colar outra vez, é outra história. Entretanto, o Congresso tem poder para mexer no Orçamento e corrigir o que tanto critica, mas precisa cortar na própria carne e ser mais responsável em relação às isenções e aos privilégios que sangram os cofres públicos, sem falar nos desvios de verbas das emendas parlamentares que estão sendo investigados em sigilo de Justiça.

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Congresso se tornou um ambiente tóxico para alguns ministros de Lula

Agora, o debate sobre o plano do governo para combater o deficit fiscal é o centro da discórdia. Haddad rebate as críticas sobre as contas públicas num ambiente hostil

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

Depois do incidente com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que foi agredida verbalmente por senadores da oposição e se retirou de uma sessão da Comissão de Infraestrutura no Senado, pautada pelo negacionismo ambiental e pela misoginia, foi a vez de o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, passar por constrangimentos na Comissão de Finanças e Tributação (CFT), cujo presidente, Rogério Correia (PT-MG), encerrou a sessão, nesta quarta-feira (11), depois que os deputados Nikolas Ferreira (PL-MG) e Carlos Jordy (PL-RJ) iniciaram um tumulto em resposta a uma crítica feita por Haddad.

O Congresso se tornou um ambiente tóxico para alguns ministros do governo Lula mais visados por serem petistas ou de outros partidos de esquerda, por causa da radicalização ideológica. A “política do espetáculo” passou a ter como palco privilegiado as diversas comissões das duas Casas. Por definição, na psicologia social, um ambiente tóxico é caracterizado por relações interpessoais marcadas por comportamentos negativos e prejudiciais, como bullying, assédio, discriminação e falta de respeito. É marcado por desentendimentos e conflitos, clima opressivo e comportamento agressivo.

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Na segunda rodada de perguntas, Nikolas Ferreira e Carlos Jordy criticaram o que chamaram de gastança do governo, dizendo que as medidas recentes não cobrem o deficit nas contas públicas. Antes de o ministro responder aos questionamentos, porém, eles se retiraram da audiência. No momento de sua fala, Haddad criticou que os parlamentares não estavam presentes e chamou o ato de “molecagem”.

“Agora aparecem aí dois deputados, fazem as perguntas e fogem dos debates. (…) É um pouco de molecagem, isso não é bom para a democracia”, comentou Haddad. Na terceira rodada de perguntas dos deputados, porém, Jordy retornou ao plenário, pediu direito de resposta e rebateu Haddad com agressividade. “Eu estava em outra comissão. O ministro nos chamou de moleque. Moleque é você, ministro, por ter aceitado um cargo dessa magnitude e só ter feito dois meses de (faculdade) economia. Moleque é você por ter feito o nosso país ter o maior deficit da história. Governo Lula é pior do que uma pandemia”, disparou.

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Nikolas também pediu questão de ordem e tentou responder, mas Rogério Correia, que comandava a audiência pública, não concedeu, o que levou a um bate-boca entre Correia, Jordy, Nikolas e o deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP), que seria o próximo a falar. Sem acordo para retomar a audiência e após pedir ordem ao plenário várias vezes, Correia encerrou a audiência antes do início da terceira rodada de perguntas.

Deficit fiscal

O debate sobre o plano do governo para combater o deficit fiscal é o centro da discórdia. Haddad rebate as críticas sobre as contas públicas atuais do governo, repete que o superavit primário (economia de recursos para os juros da dívida pública) de R$ 54,1 bilhões em 2022, último ano do governo de Jair Bolsonaro (PL), foi obtido com o atraso no pagamento de precatórios e a privatização da Eletrobras por um valor abaixo do mercado.

Ressalta que o resultado daquele ano foi obtido com o prejuízo de cerca de R$ 30 bilhões com o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), com a redução artificial dos preços dos combustíveis, dinheiro devolvido pelo governo atual aos estados em 2023. Haddad menciona ainda o pagamento recorde de cerca de R$ 200 bilhões de dividendos da Petrobras, que beneficiou o Tesouro Nacional, o maior acionista da estatal.

A oposição desce o pau: “O que vimos foi um ministro descompensado, isolado e hostil. Haddad perdeu totalmente as condições de continuar no cargo”, criticou o líder da oposição, deputado Zucco (PL-RS). Na verdade, Haddad não passa por um bom momento. Sabe que precisa reduzir gastos, mas enfrenta a resistência do próprio presidente Lula e não pode contar com apoio da base do governo para aumentar impostos.

Esse recado já foi dado pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que, nesta quarta-feira, participou do evento Brasília Summit, promovido pelo Grupo Lide e pelo Correio Braziliense, para debater a economia brasileira, agronegócio na segurança alimentar e o papel do mercado imobiliário. Motta afirmou que o corte de gastos primários entrará na agenda do Congresso Nacional e cobrou que o governo faça sua parte no controle das despesas.

No evento, Motta anunciou que um novo modelo de Estado será colocado na ordem do dia do Legislativo. “Vamos colocar na ordem do dia um novo modelo de Estado, queremos um Estado mais eficiente, menos perdulário, com serviços de melhor qualidade, instituindo a meritocracia e aumentando a eficiência do nosso funcionalismo público”, disse.

Para o presidente da Câmara, o Congresso Nacional deve ser “uma âncora da responsabilidade fiscal, para que não sejam tomadas decisões prejudiciais ao Brasil.” Segundo ele, todas as propostas que o Executivo encaminhou ao Parlamento para melhorar a arrecadação foram aprovadas.

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Protecionismo de Trump tem raízes no passado dos EUA

 Conselheiro de Lincoln, Carey via a política de livre-comércio como uma forma de dominação econômica britânica, mais ou menos como Trump faz agora com a China

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

Henry Charles Carey foi um economista do século 19, conhecido por ser o principal teórico econômico do protetorado industrial dos Estados Unidos. Sua defesa do protecionismo se contrapunha às ideias do “laissez faire” (livre-comércio) britânico representado por David Ricardo e Adam Smith. Quem me chamou atenção para a importância desse economista na história dos Estados Unidos foi meu velho camarada Gilvan Cavalcanti de Melo, editor do site Democracia política e novo reformismo.

Dele recebi duas páginas instigantes do livro Grundisse (Boi Tempo), os manuscritos de Karl Marx (1818-1883) intitulados “Grundrisse der Kritik der politischen Ökonomie” (Elementos fundamentais para a crítica da economia política), no qual o autor de “O Capital” destaca a originalidade das ideias de Carey àquela altura da expansão capitalista pelo mundo. Um dos manuscritos é “Formações econômicas pré-capitalistas”, que contraria o determinismo histórico stalinista. Esses textos somente foram publicados em 1941.

Natural da Filadélfia, Henry Charles Carey (1793 –1879) foi um dos principais representantes da escola americana de economia política no século 19. No seu livro Harmonia de interesses, comparou e contrastou o que ele chamava de “sistema britânico” de livre comércio com o “sistema americano” de desenvolvimento econômico, mediante proteção alfandegária e intervenção governamental para estimular a produção. Essa obra fez dele o mais importante consultor econômico de Abraham Lincoln (1809-1865) na Presidência dos EUA.

Era filho do também economista Mathew Carey (1760-1839), um irlandês reformador e editor de livros radicado na Filadélfia, cujos ensaios sobre economia endossavam as ideias de Alexandre Hamilton (1755-1804, um dos federalistas patronos da democracia americana, sobre a proteção e a promoção da indústria. Henry Carey também escreveu sobre salários, sistema de crédito, juro, escravidão, direito autoral, ensaios que reuniu na trilogia “Princípios da ciência social”.

Marx reconhece Carey como o único economista original entre os norte-americanos de sua época, mas criticou sua tentativa de apresentar o capitalismo norte-americano como um sistema harmonioso. No “Grundrisse”, observa que Carey, vindo de um país onde a sociedade burguesa se desenvolveu sem as estruturas feudais europeias, tendia a ver as relações de produção capitalistas da sua época como naturais e eternas. A implicância de Marx se deve ao fato de que Carey considerava os antagonismos sociais do capitalismo meras distorções herdadas do feudalismo europeu, especialmente do modelo britânico, que não se aplicariam aos Estados Unidos.

Indústria e reforma agrária

Como agora faz o presidente norte-americano Donald Trump, Carey defendia que o protecionismo era essencial para o desenvolvimento das indústrias nacionais. Segundo ele, as tarifas de importação protegeriam as indústrias nascentes da concorrência externa, principalmente da hegemonia britânica. Para ele, o livre comércio beneficiava apenas as nações já industrializadas, ampliando as desigualdades globais. Diante disso, o Estado deveria adotar medidas para fortalecer o mercado doméstico e estimular a produção nacional. Mais parecido com o tarifaço de Trump é impossível.

Carey não era apenas economista, era também um ativista político, ligado ao senador Henry Clay e à chamada American System, que propunha tarifas protecionistas, investimento em infraestrutura, um banco nacional forte e, sobretudo, promovia forte campanha contra a Inglaterra, acusada de sufocar e matar as indústrias norte-americanas, mais ou menos como Trump faz agora com a China. Mas não apenas os chineses. O presidente norte-americano afirma que a maioria dos países explora os Estados Unidos, quando o que aconteceu nos últimos cem anos foi o contrário.

Abraham Lincoln foi muito influenciado pelas ideias de Carey, inclusive no combate à escravidão e na defesa da reforma agrária, que resultaram na Guerra da Secessão. Segundo o economista, a vitória sobre as dificuldades para a produção agrícola, pelo árduo e continuado esforço, dá direito ao primeiro ocupante da terra à sua propriedade no solo. Seu valor constitui uma proporção muito pequena do custo despendido, porque representa somente o que seria exigido, com a ciência e os recursos ao longo do tempo, para elevar a terra de seu primitivo estado à situação produtiva.

A propriedade da terra, por conseguinte, seria somente uma forma de capital investido, uma quantidade de trabalho ou os frutos do trabalho permanentemente incorporados ao solo; pelo qual, como para qualquer outro capitalista, o proprietário é compensado por uma parte do produto. As teses de Carey tanto legitimaram a “conquista do Oeste” quanto o consequente massacre das populações indígenas.

Além de referência histórica, a política econômica republicana nos EUA durante o final do século 19, de certa forma, as ideias de Carey também influenciaram o nacional-desenvolvimentismo latino-americano de Celso Furtado e Raúl Prebisch, em meados do Século 20, que pode renascer das cinzas, inclusive aqui no Brasil.


Trump dobra a aposta contra a China e causa pânico nos mercados

Teme-se um período de recessão econômica sem que se saiba como e quando se sairá dela. A retaliação chinesa mirou as empresas de tecnologia dos Estados Unidos

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaçou a China com tarifas adicionais de 50%, se Pequim não retirar suas taxas retaliatórias de 34% sobre os EUA. A escalada da guerra tarifária entre os dois gigantes da economia mundial provocou queda generalizada nas bolsas de valores de todo o mundo, principalmente na Ásia e na Europa. No Brasil, o Ibovespa, principal índice de desempenho das ações, abriu o mercado em queda de 1,7%, encerrando o dia com perda de 1,38%, enquanto o dólar fechou em alta, sendo vendido a R$ 5,91.

Nos EUA, fecharam em queda o Dow Jones, de 0,91%, e o S&P 500, de 0,23%. O Nasdaq de alta tecnologia reagiu e registrou pequena alta de 0,10%, entretanto o S&P 500 VIX, o chamado “índice do medo”, fechou com alta de 3,69%, em 46,98 pontos. Historicamente, os maiores patamares desse índice foram registrados na crise da Rússia, em agosto de 1998, quando fechou em 44,28; na crise financeira norte americana, em setembro de 2008, quando o tradicional banco de investimentos Lehman Brothers foi à falência e o índice fechou em 59,89; e na pandemia de covid-19, em março de 2020, quando chegou a 53,54.

O S&P 500 VIX é chamado de “índice do medo” porque tem a capacidade de refletir o sentimento dos investidores em relação à incerteza e à turbulência do mercado nos EUA e, sobretudo, mundo afora. No estresse financeiro, é uma resposta rápida à seguinte pergunta: você prefere deixar de ganhar um determinado valor ou arriscar perdê-lo mediante a possibilidade de um bom rendimento? A primeira opção é a resposta da maioria das pessoas. O índice VIX procura mostrar ao mercado essa aversão ao risco.

Esse comportamento, comum do ser humano, foi estudado pelo economista Richard Thaler. Segundo ele, quando as pessoas estão em uma situação mais favorável, preferem não mudar nada e manter o que já têm. Isso só muda quando há algo importante para resolver e não se tem o direcionamento para isso. O VIX (sigla para volatility index) é um índice de volatilidade criado pela Bolsa de Valores de Chicago. Esse indicador reflete o desempenho das ações das empresas que compõem o S&P 500 por 30 dias seguidos.

Valores mais altos indicam uma expectativa de maior oscilação de preços e incerteza, enquanto valores mais baixos sugerem maior confiança e estabilidade. Por isso, em tempos de crise, o VIX serve para medir a volatilidade esperada do mercado de ações, o sentimento dos investidores em relação à incerteza, o risco e a turbulência à frente no mercado de ações. Por isso mesmo, orienta para a tomada de decisões em momentos de crise financeira.

Perdas trilionárias

Como na situação desta segunda-feira, quando as quedas nas bolsas foram generalizadas: Nikkei 225 (Japão): -6,5%; Shanghai Composite (China continental): -6,4%; ASX 200 (Austrália): -3,8%; Kospi (Coreia do Sul): -5,2%; Taiex (Taiwan): -9,7%; STI (Singapura): -7,5%; Nifty 50 (Índia): -4,0%; Sensex (Índia): -3,7%.

Diante desses resultados, logo cedo, Trump foi às redes pedir para as pessoas não serem fracas e estúpidas. Não adiantou muito, a Dax da Alemanha caiu quase 10% no início do pregão, enquanto o FTSE 100 do Reino Unido tinha uma redução de quase 6% e o índice Cac 40 da França estava registrando queda de 7%.

Trump atirou na China, mas acertou os principais aliados dos Estados Unidos na Ásia, Japão e Coreia do Sul, além da Austrália. Toyota, Honda e Nissan estão entre as empresas mais atingidas. O primeiro-ministro japonês, Shigeru Ishiba, ao mesmo tempo em que se aproximou da China, ainda tenta um acordo com Trump. O Japão é o maior investidor estrangeiro nos Estados Unidos.

China e Estados Unidos produzem quase metade dos bens globais. Com a ameaça desta segunda-feira, Trump escalou mais ainda a crise: “Se a China não retirar seu aumento de 34% acima de seus abusos comerciais de longo prazo até esta terça-feira, 8 de abril de 2025, os Estados Unidos imporão tarifas adicionais à China de 50%, com efeito em 9 de abril”, publicou em sua rede social.

Na conversa com jornalistas na Casa Branca, estabeleceu um horário: a China tem até o meio-dia de hoje para recuar. É um ultimato que ainda pode fazer desta terça-feira um dia de pânico nos mercados financeiros. Uma guerra comercial generalizada é temida por governos e empresas porque pode provocar uma onda inflacionária mundial, com aumento de matérias-primas, bens de consumo e serviços.

Teme-se um período de recessão econômica sem que se saiba como e quando se sairá dela. A retaliação chinesa mirou as empresas de tecnologia dos Estados Unidos, ao aumentar o controle sobre a exportação de terras raras para os EUA. Samário, gadolínio, térbio, disprósio, lutécio, escândio e ítrio são matérias-primas utilizadas na fabricação de chips para celulares, computadores, cartões e outros produtos tecnológicos.

Na sexta-feira, Alphabet (dona do Google), Amazon, Apple, Meta, Microsoft, Nvidia e Tesla, as gigantes da tecnologia, já acumulavam perdas de US$ 1,8 trilhão. Ao todo, empresas listadas no mercado norte-americano perderam US$ 6 trilhões em valor de mercado em apenas dois dias.

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Desaprovação do governo Lula está perto do não retorno

 A superexposição de Lula por meio de entrevistas e eventos não neutralizou a percepção negativa que a população tem da economia. A causa é a inflação

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

Por onde quer que se olhe, o apoio da população ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva continua em queda livre. Apesar de o governo adotar medidas com o propósito de melhorar a própria imagem, como o empréstimo consignado para assalariados, a bolsa de estudos Pé-de-Meia para jovens adolescentes de baixa renda e a isenção do Imposto de Renda para quem recebe até cinco salários-mínimos, Lula não consegue estancar a sua queda nas pesquisas.

A Pesquisa Genial/Quaest, divulgada nesta quarta-feira, mostra que a desaprovação do governo Lula subiu de 49% para 56% entre 25 de janeiro e 25 de março, enquanto a aprovação caiu de 47% para 41%. Os números são brutos. O esforço de marketing realizado pelo ministro Sidônio Palmeira (Comunicação Social) até agora não surtiu efeito. A tese de que o problema do governo era sobretudo não se comunicar com a sociedade está sendo posta em xeque pelas pesquisas.

Parece o caso da velha máxima do gerenciamento estratégico: quando um projeto está dando errado, se as mesmas coisas continuarem a ser feitas, continuará dando errado. A quase universalidade dos números negativos reflete um mal-estar generalizado da sociedade com o governo federal.

A queda na aprovação ocorre em todas as regiões do país. No Nordeste, principal reduto eleitoral de Lula, a vantagem que era de 35 pontos percentuais (pp) caiu para 6 pontos entre dezembro e março, e a desaprovação subiu para 23 pp maior que a aprovação. No Sul, a diferença é de 30 pp. Entre as mulheres, é a primeira vez que a desaprovação chega a 53% e supera a aprovação, que está em 43%.

Sem o apoio maciço do Nordeste, da maioria das mulheres e dos brasileiros de baixa renda, o projeto de reeleição do Lula estará irremediavelmente comprometido. A aprovação está em 34% para quem tem renda familiar de mais de 5 salários-mínimos, em 36% para quem tem renda de 2 a 5 SM e chegou a 52% para quem tem renda de até 2 salários. A vantagem estratégica de Lula entre os eleitores de até 2 SM já foi de 43 pp em julho de 2024; agora, está em apenas 7 pp.

A desaprovação ao governo Lula chegou a 26% entre os seus próprios eleitores, ou seja, 25% de sua base de apoio. Isso significa um deslocamento muito além daqueles que votaram em Lula no segundo turno para impedir a reeleição de Jair Bolsonaro. Esse percentual abarca muitos que votaram em Lula no primeiro turno, o que é ainda mais preocupante para o Palácio do Planalto. O nome disso é frustração de expectativas.

Força de inércia

Com esses resultados, é o caso de Lula ir para o divã e avaliar a sustentabilidade de seu projeto de reeleição. É preciso encontrar as causas profundas desse descontentamento, que não está sendo revertido por medidas que o governo julgava capazes de alavancar a sua popularidade. O alcance dos projetos não atingiu a escala que se esperava.

O programa Pé-de-Meia, por exemplo, além das dificuldades de controle sobre a sua execução nos municípios, para que realmente chegue aos que devem ser beneficiados, exibe um aspecto que precisa ser mais bem avaliado pelo governo: ninguém vai convencer os pais dos alunos que não recebem a bolsa de que seus filhos não têm igualmente esse direito, se estudam na mesma escola pública do jovem com Pé-de-Meia.

O crédito consignado, o empréstimo do Lula, é um indiscutível sucesso de bilheteria: até 24 de março de 2025, mais de 5 milhões de assalariados haviam solicitado o consignado CLT, totalizando mais de R$ 50 bilhões. Entretanto, a maioria pega o empréstimo para quitar ou renegociar dívidas com os bancos e operadoras de cartão de crédito. Ou seja, o programa é bem-vindo, mas não impacta de imediato o custo de vida.

Até agora, a proposta de isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil também não surtiu o efeito esperado; como só valerá para o próximo ano, pode ser que ainda traga resultados efetivamente positivos no futuro. A maioria da população tem a percepção de que a economia piorou e o governo caminha na direção errada: são 56% em ambos os quesitos.

A superexposição de Lula por meio de entrevistas e eventos foi alicerçada nesses programas, porém não neutralizou essa percepção negativa que a população tem da economia. A causa principal é a inflação, sobretudo o preço dos alimentos nos supermercados e dos combustíveis nos postos de gasolina. Lula subestima a inflação como fez no Plano Real, em 1994, quando estava na oposição e combatia o ajuste fiscal.

O poder de compra da população decaiu nesses dois quesitos, apesar da redução do desemprego e do aumento da renda média. Isso poderia ser compensado pelos programas sociais do governo, porém, 67% da população de baixa renda identifica esses programas como direito adquirido. É o caso do Bolsa Família.

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Benito Salomão: Nuances do ajuste fiscal

O pacote anunciado indica que há esforço para construir no país um ambiente de racionalidade fiscal

Benito Salomão*, artigo publicado originalmente no Correio Braziliense

A temática fiscal predomina no debate econômico do país há mais de uma década. O pacote anunciado no último dia 28 prevê uma economia de R$ 70 bilhões entre os exercícios de 2024 e 25. Se esse impacto for de fato realista, há a possibilidade de se zerar o deficit primário no próximo exercício fiscal, preservando os parâmetros do Arcabouço (NAF).

É importante salientar que o pacote anunciado, caso efetivo, não estabiliza a relação dívida/PIB, de forma que novos pacotes deverão estar no radar da política econômica nos próximos anos. Entretanto, é igualmente importante ressaltar que o seu objetivo não é estabilizar o endividamento público, mas, sim, preservar os parâmetros do NAF. Desde a sua concepção, já se sabia que o NAF não seria capaz, na ausência de reformas adicionais, de estabilizar a relação dívida/PIB.

Na verdade, tem-se aprendido muito em matéria de estabilização de dívidas soberanas, de forma que hoje é consensual na literatura que mudanças na sua inclinação não dependem apenas do que se passa no front fiscal da política econômica. O crescimento do PIB exerce um papel importante na dinâmica do endividamento público, tal como o que se passa no lado monetário (nesse aspecto, a dinâmica da ponta longa da taxa de juros é essencial para que tal estabilização ocorra). Em outras palavras, a dinâmica do endividamento soberano requer esforços para além da política fiscal.

Reconhecer que a política fiscal não é suficiente para estabilizar a relação dívida/PIB não significa dizer que ela não seja necessária. Nesse sentido, temos o fatídico pacote fiscal que, apesar de não estabilizar a relação dívida/PIB, tenta administrar seu crescimento para que ela não assuma uma dinâmica explosiva a partir da preservação dos parâmetros do NAF. Se ele será bem-sucedido em impedir uma aceleração explosiva do endividamento público, não se pode afirmar a priori, particularmente creio que medidas adicionais deverão ser anunciadas num futuro próximo.

No entanto, convém dizer que esse pacote trouxe novidades bastante interessantes do ponto de vista da concepção de um ajuste fiscal ideal. Ajustes fiscais não são um fim, mas um meio, e, ao longo da última década, quando esse debate esteve na ordem do dia, muito se discutiu sobre a estabilização da relação dívida/PIB, porém pouco se avançou no debate de como alcançá-la. Em países grandes e heterogêneos, como o Brasil, há inúmeras formas pelas quais um ajuste fiscal é estabelecido. Eles podem acontecer pelo lado do gasto, dos impostos, ou por uma combinação de ambos.

Meu conhecimento sobre o tema diz que planos de austeridade empreendidos exclusivamente pelo lado das receitas são inefetivos para estabilizar a relação dívida/PIB. Já planos executados exclusivamente pelo lado dos gastos são efetivos, porém à custa de um elevado sacrifício social que pode ter sérias repercussões políticas. De forma que o ideal é realmente empreender uma política que concilie ambos os lados.

Outra discussão que o anúncio desse pacote escancarou foi de economia política. Até então, planos fiscais eram apresentados e aprovados sem uma discussão mais aprofundada sobre em quem eles recairiam. Isso permitiu anos de congelamento real do salário-mínimo (SM) coexistindo com expansões significativas de renúncias fiscais para setores econômicos. Congelar salários e transferir recursos para empresas é a forma não recomendada de empreender um ajuste fiscal.

Na transição de governos, foi prometida a expansão real do SM, o pacote agora anunciado prevê que esses ganhos reais ocorram dentro dos parâmetros da regra fiscal vigente. Isso é bastante razoável. O mesmo está se passando com as polêmicas emendas parlamentares. Há, portanto, um esforço de construir no país um ambiente de racionalidade fiscal.

O ponto mais polêmico desse pacote, no entanto, foi a desoneração do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) para pessoas com renda inferior a R$ 5 mil (o equivalente a 3,5 SMs). É difícil saber ex ante qual o real impacto fiscal dessa medida; o governo fala em R$ 35 bilhões em renúncias de receitas; agentes do mercado falam em R$ 50 bilhões. O provável é que o impacto seja um meio termo disso. Pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), tal subsídio deve ser compensado com outra fonte de financiamento orçamentária, o governo prevê a criação de um imposto para faixas de renda superiores a R$ 50 mil (ou 35 SMs).

Tal anúncio, prometido na campanha eleitoral, gerou reações em preços financeiros. Essas reações foram, a meu juízo, desproporcionais. O debate está focado exclusivamente nos seus aspectos de curto prazo — isto é, seu impacto no orçamento imediato e se a criação do imposto para os "super-ricos" seria suficiente para compensar esse impacto. Há, com isso, uma externalidade de longo prazo sendo negligenciada.

Famílias cuja renda é inferior a 3,5 SMs têm elevada propensão a consumir. Desonerá-las irá elevar sua renda permanente (no sentido de Friedman) e elevar seu consumo de forma perene. Isso tem efeitos expansionistas significativos, similares aos de um programa de transferência de renda. Ao passo que famílias cuja renda é maior que 35 SMs têm uma elevada propensão a poupar e não mudam seus padrões de consumo no curto prazo pela incidência de um imposto. Essa mudança qualitativa no padrão de consumo das famílias de baixa renda é uma ótima notícia do ponto de vista do crescimento econômico, e esses efeitos deverão transbordar para o longo prazo.

*Benito Salomão é professor de macroeconomia no Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (IERI-UFU) e integrante do Conselho Curador da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), vinculada ao Cidadania 23.


Vídeo | O que pode mudar com Proagro após anúncio de Fernando Haddad

Economista Benito Salomão analisa medidas que podem atingir programa

Comunicação FAP

O ministro Fernando Haddad detalhou as medidas do pacote fiscal do governo, e um dos pontos abordados é o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro).

O economista Benito Salomão, integrante do Conselho Curador da Fundação Astrojido Pereira (FAP), vinculada ao Cidadania 23, concedeu entrevista sobre o assunto ao Canal Agromais, do Grupo Bandeirantes.

Benito também é professor de macroeconomia no Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (IERI-UFU).

Veja vídeo, abaixo:

https://www.youtube.com/watch?v=46ZXfBXSWRE

Livro Como Construímos outra Década Perdida, de Benito Salomão

Livro mostra década do “pior desempenho econômico” da história republicana do Brasil

Em sua nova obra, economista Benito Salomão reúne escritos publicados de 2010 a 2020

Comunicação FAP

A Fundação Astrojildo Pereira (FAP) publicou o livro Como Construímos Outra Década Perdida? Escritos entre 2010 e 2020 (344 p.), de autoria do economista Benito Adelmo Salomão Neto. Na obra, o autor mostra de que forma o país alcançou, no período, “o pior desempenho econômico da sua história republicana”.

> Em breve, o livro será colocado à venda na estante virtual da FAP!

Com 12 capítulos, o livro é resultado da larga experiência do autor, que, ao longo de anos, qualificou ainda mais as suas análises sobre os cenários políticos e econômicos, em dezenas de artigos publicados e que foram revisitados na produção da obra. “Relendo o que escrevi, pude constatar que meus artigos anteciparam muitos eventos que acabaram acontecendo no Brasil ao longo da década”, diz ele, que é conselheiro da FAP.

De acordo com o livro, em 2010, o Brasil apresentava um conjunto de problemas econômicos, como baixa produtividade, pressões fiscais e desequilíbrios macroeconômicos, além de desafios políticos relacionados ao populismo dos governos. A partir daquele mesmo ano, segundo o autor, o Brasil, que viu sua democracia se consolidar nos anos 1990 e 2000, passou a conviver com um ambiente constante de radicalismo e polarização.

Em 2020, na avaliação do economista, a situação do país piorou ainda mais por causa de novos problemas que se somaram aos já existentes, como ameaças à democracia e proliferação da fome, da pobreza e da miséria, questões que se impõem como desafios ainda nos dias de hoje.

A obra aponta que o Brasil tem problemas de curto e longo prazo que precisam ser atacados simultaneamente. “Não é tarefa fácil”, analisa o autor. Segundo ele, um dos problemas econômicos mais urgentes é a estabilização da dívida pública e a sustentabilidade da política fiscal. “Por outro lado, o problema do desemprego se coloca de forma muito violenta”, acrescenta. “Não basta gerar empregos, é preciso estar atento à qualidade desses empregos gerados”, assevera, em outro trecho.

Ao defender que o país deve conciliar políticas educacionais, industriais e de desenvolvimento regional, o economista diz que o objetivo deve ser estabelecer um parque produtivo diversificado e complexo, capaz de competir com o resto do mundo. É uma sugestão que, segundo ele, não tem nada a ver com o modelo de industrialização pautado na substituição de importação dos anos 1930, 1950 e 1970.

A leitura do livro é atual, já que continuam ocorrendo muitos dos problemas registrados no passado. A obra, porém, não apresenta uma interpretação econômica pura sobre a crise da economia brasileira, justamente porque Benito é um economista com ampla vivência no mundo político.

Em tom de alerta, o autor ressalta que, se os anos de 2010 a 2020 foram perdidos em termos econômicos e políticos, a década atual não pode seguir o mesmo caminho. “E isso depende de decisões coletivas acertadas que precisam ser tomadas”, escreveu.

O AUTOR

Benito Salomão é um conhecido economista, pesquisador e intelectual brasileiro da nova geração. Possui doutorado em Economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal de Uberlândia, com tese sobre a política fiscal no Brasil, e Mestrado em Economia, com dissertação sobre os efeitos orçamentários da criação de municípios pela mesma Instituição. Em 2020, foi Visiting Scholar Researcher na Vancouver School of Economics of the University of British Columbia no Canadá, onde desenvolveu pesquisa sobre avaliação de políticas públicas aplicadas aos municípios do MATOPIBA.

Atualmente, Benito Salomão é professor do Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (IERI-UFU), tendo anteriormente atuado como economista chefe de uma casa de análises voltada para avaliação de ativos financeiros e valores mobiliários no Brasil.

O economista assina como autor quinze ensaios científicos em periódicos de renome no Brasil e no exterior, também é autor do livro Perspectivas de Desenvolvimento no Município de Uberlândia: Uma Abordagem Econômica, Social e das Finanças Públicas; além de organizador do livro Retomada do Desenvolvimento: Reflexões Econômicas para um Modelo de Crescimento com Inclusão Social, ambos editados pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP). Participou das principais conferências científicas do Brasil e do mundo nos últimos anos e atua no debate público com mais de 215 artigos de opinião publicados nos principais jornais brasileiros.

Sua pesquisa venceu, em três edições, o Prêmio Brasil de Economia do Conselho Federal de Economia (Cofecon), ficando, em 2022 e 2020, no 1° lugar e, em 2018, em 3° lugar. Em 2021, foi indicado ao Prêmio Economista do Ano pela Revista Economia em Ação. Desde então, é membro associado do International Institute of Public Finance (IIPF), que reúne estudiosos e pesquisadores da área de economia do setor público de mais de 50 países.


Economia 2023 | Imagem: xalien/Shutterstock

Economia informal e saúde fiscal: a contradição em busca da superação(1)

Eduardo Rocha*, economista pela Universidade Mackenzie

“O verdadeiro não se encontra na superfície visível.

Singularmente naquilo que deve ser científico,

a razão não pode dormir e é preciso usar a reflexão.”

Hegel[1]

“(...) toda a ciência seria supérflua se houvesse coincidência

imediata entre a aparência e a essência das coisas”.

Marx[2]

O inferno está vazio, pois todos os demônios estão presentes na “guerra” em curso nos bastidores da República brasileira sobre os fundamentos da futura reforma tributária e do novo marco fiscal ou arcabouço fiscal ou âncora fiscal.

Essas expressões (distantíssimas do pobre que paga altos impostos frente ao rico que paga pouco imposto) dizem respeito à engenharia política que definirá as diretrizes de como recompor as receitas disciplinando as despesas públicas.

Trata-se, num primeiro momento, de mudar o teto fiscal, mas isso não basta. Isso é espuma frente às necessidades do país. A estrutura do rio está mais embaixo: está na reforma tributária, expressão de lutas de grandes interesses.

Neste debate, não faltam malabarismos tecnocrático-herméticos e desfiles linguístico-exibicionistas – alguns absurdos - que defendem o arrocho social e levantam-se contra o arrocho aos privilégios, como via para melhorar as finanças públicas e a vida do povo.

E os privilégios a grupos econômicos são vastos. Vamos a eles.

Num interessante artigo (O dreno financeiro que paralisa o país: a farsa do déficit[3]), Ladislau Dowbor, professor de Economia nas pós-graduações da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), aponta o que ele chama de “drenos financeiros” que desnutrem o Estado.

Dentre os quais se destacam:

  1. dreno dos juros da dívida pública, em 2022 terão sido entre 600 e 700 bilhões drenados;
  2. dreno dos juros praticados no Brasil, que, em 2016, tiravam um trilhão de reais da economia real (16% do PIB);
  3. dreno da evasão fiscal: “em 2020, o Brasil perdeu R$ 562 bilhões devido a práticas ilícitas para evitar o pagamento de impostos”;
  4. dreno das renúncias fiscais, que segundo informe da Câmara dos Deputados, “as renúncias de impostos concedidos pela União a parcelas da sociedade devem chegar a R$ 456 bilhões em 2023, ou 4,29% do Produto Interno Bruto (PIB)”;
  5. dreno dos lucros e dividendos distribuídos que, no Brasil, não pagam impostos. Ou seja, diz Dowbor, “os 290 bilionários que aparecem na Forbes de 2022 são isentos de impostos, com a justificativa de que as empresas que possuem já os pagaram”;
  6. dreno dos impostos de exportação que permite, por exemplo, que  a produção exportada pela Vale do Rio Doce, gere dividendos aos acionistas, mas não receitas para o Estado - trata-se da Lei Kandir, de 1996, que isenta de tributos a produção de bens primários e semielaborados destinados à exportação e
  7. dreno do Imposto Territorial Rural (ITR), onde reina a sonegação irrestrita e declarações fraudulentas, que reduzem ao mínimo do mínimo a arrecadação fiscal.

Há, contudo, nesta pluritemática fiscal, um tema ausente, que é incontornável e desafia a inteligência político-intelectual-fiscal. É o tema da economia informal e os prejuízos fiscal-públicos que ela traz a municípios, Estados e União.

Em 2022, a economia informal brasileira atingiu 17,8% do PIB (Produto Interno Bruto, conjunto de bens e serviços produzidos formalmente pelo país, que chegou a R$ 9,9 trilhões) - algo próximo a R$ 1,7 trilhões de reais.

É o que mostra o Índice da Economia Subterrânea (IES), cálculo feito pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial, o ETCO, em conjunto com o Instituto Brasileiro de Economia (FGV IBRE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

ETCO e IBRE-FGV conceituam a economia subterrânea como “a produção de bens e serviços não reportada ao governo deliberadamente, com o objetivo de sonegar impostos, evadir contribuições para a seguridade social, driblar o cumprimento de leis e regulamentações trabalhistas e evitar custos decorrentes da observância às normas aplicáveis a cada atividade”[4].

Qual o impacto negativo da informalidade na arrecadação dos entes federados em proporção ao PIB? Quanto ela prejudica a economia e a sociabilidade brasileira como um todo? O que fazer diante deste “buraco negro fiscal”?

Em 2018, União, Estados e municípios deixaram de arrecadar R$ 382 bilhões em tributos devido à economia subterrânea, o equivalente a 5,6% do PIB. Os dados constam de levantamento feito pela economista Vilma da Conceição Pinto, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV)[5].

Não há inocentes neste debate sobre a reforma tributária e o marco/arcabouço/âncora fiscal; seja ele um debate acadêmico, parlamentar, partidário ou, principalmente, quando travado no chamado mercado - pois o dinheiro, sob certas circunstâncias, transforma o não em sim e o sim em não.

O debate não é técnico (ainda que contenha inevitavelmente esses elementos, claro!), ele é um debate político, que determinará quem se apropria da renda nacional e quem concentra e exerce de fato o poder político – expressão concentrada da economia.

A saúde fiscal do Estado brasileiro, em suas três dimensões (União, Estados e municípios), tem, assim, vários inimigos por todos os lados e de diversas cepas que lhe atacam e lhe desnutrem financeiramente e, simultaneamente, aumentam a concentração da riqueza e o bem estar social nas mãos de poucos – mantendo a triste e injusta distribuição de renda no Brasil e a infelicidade de milhões de cidadãos e cidadãs.

É necessário o debate que busque soluções para possibilitar a que os entes da Federação (União, Estados e municípios) tenham condições financeiras sustentáveis para promover as políticas públicas previstas constitucionalmente.

Proponho que a questão de como anular e superar os prejuízos fiscais originados pela informalidade econômica seja considerado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pela ministra do Planejamento, Simone Tebet, e pelo Congresso Nacional. Que criem uma comissão com especialistas e com todos que trabalham na informalidade para debater isso.

A economia informal deve entrar de fato no debate nacional-fiscal, pois há, sim, mecanismos para trazê-la, pelo menos em parte, ao mundo fiscal formal. E será isso que abordaremos nos próximos textos.


[1] Hegel, Georg Wilhelm Friedrich. Lecciones sobre la filosofia de la historia universal. 6º ed. Madrid, España. Alianza Universidad: 1997. p. 45

[2] Marx, Karl. O Capital: crítica da economia política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. Tomo 3. p. 1080.

[3]    Dowbor, Ladislau. O dreno financeiro que paralisa o país: a farsa do déficit.  2023. Disponível em:    https://sul21.com.br/opiniao/2023/02/o-dreno-financeiro-que-paralisa-o-pais-a-farsa-do-deficit-por-ladislau-dowbor/ . Acesso em: 14 de abril de 2023.

[4] Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial – ETCO . Economia Subterranea. https://www.etco.org.br/economia-subterranea/ . Acesso em 14 de abril de 2023.

[5] Este cálculo, diga-se, teve por base o crescimento Produto Interno Bruto (PIB) de 1,3% em 2018. No entanto, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revisou o cálculo anterior e anunciou que PIB brasileiro de 2018 passou de 1,3% para 1,8%. Portanto, num cálculo grosso, e obedecendo ao percentual de 5,6% do PIB da economista Vilma da Conceição Pinto, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV, e o matematizarmos aos 1,8%, dá, conservadoramente, uma perda fiscal de R$ 392,2 bilhões. Valor este que prejudica o Brasil nas esferas da educação, saúde, infraestrutura e ciência e tecnologia.

Sobre o autor

Eduardo Rocha é pós-Graduado com Especialização em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi Economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE).

** Artigo produzido para a Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da revista nem da FAP.


Governo Lula: FAP realiza webinar sobre rumos da economia

Comunicação FAP

A Fundação Astrojildo Pereira (FAP) realizará, nesta quarta-feira (26/4), a partir das 19 horas, webinar sobre os rumos do governo Lula na economia. O evento online será transmitido em tempo real, no site e nas redes sociais (Youtube e Facebook) da entidade, para todas as pessoas interessadas.

https://www.youtube.com/watch?v=AWXZ2ACU8ko

Clique aqui e veja série de eventos da FAP

Nova obra destaca propostas para desenvolvimento com inclusão social

Participam do debate o economista Benito Salomão, conselheiro da FAP e doutor em economia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), e a ex-presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) Vanessa Petrelli, que também foi secretária municipal de Agricultura e Abastecimento de Uberlândia. Os dois são professores de economia e relações internacionais na UFU.

Otaviano Canuto, professor na Elliott School of International Affairs da George Washington University, também está confirmado para o debate. Ele ainda é professor afiliado na Universidade Politécnica Mohamed VI e do Center for Macroeconomics and Development em Washington.

A mediação é de Cezar Rogelio Vasquez, engenheiro de Produção pela UFRJ, mestre em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ e membro do Conselho Curador da FAP.

Estadão | Pesquisadores lançam propostas para retomada do desenvolvimento com inclusão social

Correio Braziliense | Livro debate desenvolvimento em várias frentes técnicas e ideológicas


Economia: moeda Real, dinheiro e calculadora | Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

Revista online | Muito além da Selic

Henrique Mendes Dau*, economista, especial para a revista Política Democrática online (52ª edição)

A recente animosidade entre o presidente Lula e Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, despertou um velho e mal resolvido debate na sociedade brasileira: o papel da taxa de juros. As principais instituições de excelência e os mais renomados economistas entendem que a política monetária tem efeito neutro sobre a economia no longo prazo. Ainda assim, há um ruidoso debate sobre o assunto. O objetivo deste artigo não é fazer uma defesa de qualquer uma das duas posições defendidas, nem mesmo opinar sobre as decisões de política monetária que observamos no Brasil de hoje. O intuito é chamar atenção para o fato de que esta discussão sobre política monetária é desnecessariamente barulhenta e estamos negligenciando discussões muito mais urgentes.

Essencialmente, a riqueza de um país é a soma da produtividade de cada indivíduo. A produtividade é uma função de muitas variáveis, como regras tributárias, qualificação da mão de obra e investimentos. A discussão sobre a taxa de juros é ambígua, pois juros menores estimulam investimentos, mas tendem a desvalorizar o câmbio e prejudicar a importação de bens intermediários, fundamentais para o desenvolvimento das atividades econômicas domésticas. Nos países desenvolvidos, observamos juros baixíssimos. Seria esse um argumento contra a elevação da Selic? Não, pois o fato de que os países ricos tendem a ter juros baixos não implica que sejam ricos por esse motivo. O Brasil tem inflação alta, e a elevação da Selic é o principal instrumento de contenção das pressões inflacionárias, que, dentre outros males, agrava a desigualdade e gera estagnação econômica. Entretanto, a apreciação cambial subsequente pode reduzir a competitividade das exportações nacionais.

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Fica evidente que todos os caminhos possíveis apresentam pesos e contrapesos, explicitando a complexidade do assunto. É claro que os bancos centrais utilizam sofisticados modelos econômicos para estimar os efeitos da política monetária e tomar decisões ótimas. Ainda assim, não é um exercício trivial e está sujeito a muitas imprecisões, além de envolver preferências subjetivas que podem gerar conflitos políticos. Diante das ambiguidades inerentes à política monetária, devemos nos concentrar em soluções estruturais para elevar a produtividade e combater a inflação. Como dito antes, a produtividade depende de fatores que vão além da taxa de juros. Precisamos lembrar que a economia é formada por indivíduos, os quais dedicam tempo para trabalhar. Se pagar impostos for uma tarefa árdua, tempo e energia que poderiam ser ocupados com atividades produtivas são desperdiçados com tarefas que não geram riqueza. Da mesma maneira, se a educação vai mal, os indivíduos produzem menos e assim por diante. Além disso, se a elevação da taxa de juros é um instrumento de combate à inflação, devemos buscar entender os motivos para que o país padeça desse mal e como resolvê-lo.

Os problemas econômicos do Brasil são de natureza estrutural e exigem reformas profundas em diversas áreas. Segundo dados do Banco Mundial, o Brasil é um dos países com maior complexidade tributária do mundo, o que além de desperdiçar tempo e recursos, leva à distorção dos preços relativos. Tornou-se corriqueiro para o Estado conceder benefícios tributários a grupos de interesse sob o pretexto de contribuir para o desenvolvimento de um determinado setor. Nesse processo, cria-se a sensação de que a atividade desonerada é mais atraente do que de fato é, induzindo os agentes a empreenderem de forma ineficiente e tornando o país mais pobre no longo prazo. 

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Macroeconomia | Imagem: TarikVision/Shutterstock
Reg. 050-21 Dinheiro. Moedas de Real. 2021/10/86 Foto: Marcos Sa
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Presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, preside sessão que analisa veto sobre orçamento impositivo
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Macroeconomia
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A complexidade tributária também é responsável pelo oceano de contencioso tributário e infindáveis disputas judiciais entre empresas e governo sobre a interpretação dos valores devidos, algo que afeta substancialmente a segurança jurídica brasileira. Com relação à educação, o Brasil não vai nada bem. Segundo dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), o país ocupa a 63ª posição em leitura, a 66ª em matemática e a 59ª em ciências, em um ranking com 77 países. Como consequência desse cenário, enquanto um trabalhador americano produz 74 dólares por hora trabalhada e um francês, 66 dólares, em 2020, a produtividade brasileira foi de 28 dólares. A irresponsabilidade fiscal agrava esse cenário. Gastos excessivos e medidas inconsequentes, como a PEC dos Precatórios, contribuem tanto para a elevação artificial da demanda, como para a desvalorização cambial, ambos causadores de inflação. Até mesmo políticas sociais mal calibradas podem prejudicar justamente os mais pobres, como é o caso do Auxílio Emergencial, cujo elevado valor levou a aumentos de preços nos locais onde havia maior concentração de beneficiários. 

A explicação para que os países desenvolvidos gozem de baixas taxas de juros está relacionada à instituições fortes, que não cedem a pressões de grupos de interesse, e à qualificação da mão de obra. Isso proporciona um ambiente fértil para a alocação eficiente de recursos em atividades econômicas altamente produtivas, exercidas por indivíduos qualificados. Além disso, o controle fiscal garante que não haja inflação, evitando a necessidade de taxas de juros que atrapalhem o surgimento de novos investimentos no país. O Brasil precisa de reformas em questões como a tributária, a fiscal e a educacional. Essas são as discussões que deveriam tomar as capas dos jornais e o debate público, em vez do excessivo debate sobre política monetária, que embora seja importante, certamente não é a solução para os nossos desafios.

Saiba mais sobre o autor

*Henrique Mendes Dau é economista pelo Insper, diretor executivo da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de fevereiro de 2023 (52ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da revista.

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