Dilma

Cristovam Buarque: As causas do desastre

Basta olhar ao redor para perceber o desastre social, econômico, institucional que os líderes deste país, no governo e na oposição, estão deixando como herança maldita para o presente e o futuro. Por ação, omissão ou incompetência, todos somos responsáveis, mas a culpa maior recai sobretudo nos governos liderados pela coalizão PTMDB entre 2003 e 2016. O PTMDB desprezou a gestão pública e entregou os órgãos estatais, Petrobras, fundos de pensão, agências reguladoras e outros, nas mãos de pessoas despreparadas, sem respeito ao mérito e à competência. Até mesmo na escolha do vice-presidente da República, houve desprezo aos interesses maiores do país. Para manter a coalizão, tudo se justificava, inclusive o loteamento do patrimônio estatal.

Ao aliar-se ao PMDB, o PT perdeu também o vigor transformador que caracterizava seu discurso; distanciou-se das promessas reformistas e caiu no assistencialismo com fins eleitoreiros. No lugar de iniciar as transformações na educação para, um dia, os filhos dos pobres estudarem em escolas com a mesma qualidade das dos filhos dos ricos, preferiu vender a ilusão de que o aumento de vagas nas universidades resolveria o triste estado das escolas públicas.

Sem bandeiras transformadoras, aprisionado ao eleitoralismo, caiu na banalização e na institucionalização da corrupção.Deixou-se levar pelo comportamento dos políticos no uso de propinas, como também na definição de prioridades ao construir estádios em vez de melhorar as escolas. As manobras visando ao poder pelo poder, sem bandeiras para o futuro, levou o PTMDB à promiscuidade entre os dois partidos e destes com os empresários. Assumiram que, na política, todos são iguais na falta de propósitos transformadores e na voracidade da corrupção, desmoralizando a política e afastando os jovens da militância.

A corrupção e a falta de gestão teriam sido evitadas se não fosse a surdez às críticas e o culto à personalidade de seus líderes. Não se perguntou por que militantes com solidez ideológica, eticamente respeitados, saíram do partido; nem ouviram os alertas vindos de aliados. Dividiu o mundo político entre nós e eles, colocando do lado “nós” velhos coronéis corruptos e do lado “eles” pessoas sérias, apenas porque os primeiros batiam palmas e os outros criticavam. Políticos com forte tradição de direita viravam esquerda se batessem palmas; esquerdistas críticos eram tidos como de direita, se não aplaudissem.

Esse comportamento levou ao sectarismo, transformando os partidos em seitas, intolerantes com os críticos. Direções e militantes passaram a desconfiar das bases democráticas, da coerência dos partidos, da seriedade dos meios de comunicação, da neutralidade dos juízes. O sectarismo impediu de ver as transformações que ocorrem no mundo, deixando a militância para trás na história. O partido se firmou como defensor de interesses conservadores das corporações e do presente, relegando os interesses nacionais e o longo prazo. Confundiu sindicato com povo, presente com futuro. Não foi capaz de perceber as amarras que impedem o país de avançar.

Para manter-se reacionário sem perder o discurso progressista de antes, optou por falsas narrativas, preferiu marqueteiros a filósofos. Sem substância ideológica, porque os filósofos se transformaram em seguidores, perderam o compromisso com a verdade, passaram a acreditar nas próprias mentiras: “o pré-sal salvaria o Brasil,” o Bolsa Família emanciparia os pobres, “os que divergissem seriam traidores”. Caiu na armadilha dos que acreditam nos dogmas que criou. Tanto que certamente se negará a debater esse artigo, uma vez que só os aliados merecem ser lidos.

A luta do PT foi um dos maiores saltos de toda a história política do Brasil. Seus desvios nos últimos anos foram uma traição à pátria, ao provocar desperdício da esperança e do potencial para realizá-la. O enfraquecimento do PT, pela desconfiança da população, pelo afastamento de muitos de seus militantes e pela prisão mental em que estão os que ainda lhe são fiéis, sem espírito crítico, talvez seja o maior dos erros de suas direções nos últimos anos, além do desastre provocado no rumo do país e do povo ao progresso.

 


“Temer é um governante fraco”, diz Monica de Bolle

Rosana Hessel

A economista Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, em Washington (EUA), não tem medo de demonstrar opiniões e de criticar o atual governo e os equívocos cometidos pelo presidente Michel Temer e a equipe econômica liderada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que serão sacramentados com a mudança das metas fiscais deste ano e do próximo até o fim deste mês. Os 263 votos na Câmara dos Deputados que arquivaram a denúncia de corrupção passiva contra Temer feita pela Procuradoria-Geral da República (PGR) não indicam um recomeço, avalia. Para ela, as prometidas reformas ficarão a cargo do próximo presidente. “A margem estreita de 36 votos que lhe deu vitória, combinada com as rachaduras do PSDB, revela que a batalha pela reforma da Previdência será sangrenta, caso o governo deseje mesmo peitá-la. Temer gastou imenso capital político para manter-se no poder, por meio de concessões diretas e de compra de apoio de ‘aliados’”. Monica, em alguns momentos, compara os erros cometidos pelo atual governo aos praticados pelas equipes da ex-presidente Dilma Rousseff e se surpreende com a calmaria do mercado, porque nada mudará até 2018 do ponto de vista fiscal. “O quadro externo tem ajudado, mas, em alguma hora, os temores de descontrole fiscal que vimos em 2015 retornarão com força expressiva”, alerta. “Está tudo montado para que a bomba fiscal exploda no colo do próximo governo. Essa bomba não pode ser colocada apenas na conta da Dilma, uma parte é do vice dela que assumiu o poder e não está cumprindo o que prometeu fazer, deixou as promessas de lado para continuar no poder”, afirma a economista, que acredita que o Brasil ainda tem jeito. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Correio:

Como o governo vai conduzir as reformas após o resultado da votação da denúncia da PGR contra Temer?
O governo saiu da votação da denúncia anunciando que, agora, o Brasil terá a chance de um “recomeço”. Contudo, a retórica não tem sustentação política ou econômica. A margem estreita de 36 votos que lhe deu a vitória, combinada com as rachaduras do PSDB, revelam que a batalha pela reforma da Previdência será sangrenta, caso o governo deseje mesmo peitá-la. Temer gastou imenso capital político para se manter no poder, além das concessões diretas e compra de apoio de ‘aliados’. Em razão do altíssimo custo pago para evitar a remoção, as metas fiscais de 2017 estão comprometidas, como Meirelles já deu a entender. Portanto, o Brasil provavelmente ficará sem as reformas na forma que foram prometidas, e sem ajuste fiscal, ainda que tenha elevado impostos — algo que dissera que não faria.

 

Qual é o custo da operação orquestrada pelo governo para não deixar o poder? A mudança da meta fiscal é inevitável?
Aumentou sobremaneira o risco de descumprimento da meta. Pelo visto, ficará para o próximo governo, após 2018, a dura tarefa da consolidação fiscal, além da agenda de reformas. Como não temos ideia do que sairá das urnas no ano que vem, surpreende-me a calmaria dos mercados. O quadro externo tem ajudado, mas, em alguma hora os temores de descontrole fiscal que vimos em 2015 retornarão com força expressiva.

 

Há um embate dentro do governo por mudanças na meta deste ano e do próximo. Como os investidores reagirão a isso?
Por ora, dizem que ‘está no preço’. Contudo, acho difícil acreditar que mudanças na meta, somadas à incerteza política relativa ao ano que vem, ajudarão a sustentar a fleuma que hoje caracteriza o comportamento dos mercados.

 

A crise política não dá trégua, mas, a economia indica que está saindo do atoleiro. Dá para esperar crescimento econômico consistente este ano?
A retomada sem reformas ou ajuste fiscal não tem sustentação. É até possível algum crescimento este ano — bem abaixo de 1% — e no ano que vem, mas se trata de voo de galinha sem o respaldo de tudo o que o governo Temer havia prometido antes da realidade solapá-lo no porão do Palácio do Jaburu. O resultado da Câmara muda um pouco, pois acentuou a deterioração fiscal. Pergunto-me o que acontecerá com o teto dos gastos em futuro não tão distante. Como ficarão as coisas para o próximo governo? Está parecendo que herdarão de Temer uma brutal crise fiscal.

 

A equipe econômica assumiu com o selo de excelência do mercado, mas tem repetido erros das equipes de Dilma Rousseff. Não está conseguindo entregar o ajuste fiscal que prometeu e recorre ao caminho mais fácil, o aumento de impostos. Como a senhora avalia isso?
A equipe econômica não é dona de seu destino é está sujeita às vicissitudes da política. Tenho dito isso há meses, desde a discussão e aprovação afoitas do teto de gastos. Não me surpreende que as semelhanças com o fim do governo Dilma tenham começado a surgir. Afinal, quem determina a viabilidade política das reformas e do ajuste é o ocupante do Planalto. A ele interessa proteger-se de acusações mantendo-se no poder. Não é prioridade melhorar de fato as perspectivas do país.

 

A máquina pública está a ponto de entrar em colapso, mas o governo deu aumentos generosos a servidores públicos. A situação pode sair do controle?
Pode, sem dúvida alguma. Temer é um governante fraco, que sangrará até sair do cargo. Temo que, se ele ficar até 2018, o estrago fiscal será considerável. E, já não adianta querer pôr tudo na conta de Dilma. A conta será dele e daqueles que a ele se associaram.

O governo fala em austeridade fiscal, mas, em busca de apoio, liberou mais de R$ 4 bilhões em emendas parlamentares desde o início de junho. Dá para acreditar no compromisso com o ajuste fiscal?
Estamos no vale tudo e no salve-se quem puder. Nesse contexto, não há ajuste fiscal possível.

 

Há divergências entre os integrantes da equipe econômica. Até que ponto a guerra entre Meirelles, de um lado, e Dyogo Oliveira e Romero Jucá, de outro, pode minar a confiança na política econômica?
As rachaduras refletem as pressões políticas que tendem a prevalecer. A aparente ingenuidade dos que não querem enxergar isso é espantosa.

 

Os cortes de gastos são suficientes para o cumprimento das metas fiscais ou os brasileiros terão de conviver com mais aumentos de impostos?
Os cortes de gastos sem uma profunda e cuidadosa reforma da Previdência não serão suficientes para reverter o desmazelo das contas públicas. Desde o início do governo Temer, já havia dito que o foco nas reformas de médio prazo não era suficiente, que era também necessário o ajuste de curto prazo. Não houve ajuste de curto prazo — ao contrário, os gastos aumentaram antes e depois do episódio no porão do Jaburu. Portanto, com o aumento das despesas e a deterioração da arrecadação agravada pela crise econômica, o único jeito de fazer um ajuste de curto prazo é via aumento de impostos. Na verdade, o governo deveria estar discutindo a reversão completa das desonerações da era Dilma — mas isso levaria atuais “aliados” a abandonarem Temer.

 

Com tanto deficit primário consecutivo desde 2014, para onde vai a dívida pública? Existe risco real de o país ficar insolvente?
O próximo governo haverá de herdar situação fiscal para lá de indigesta. A dívida pública deve alcançar patamar próximo aos 80% do PIB até o fim do ano que vem, sem qualquer perspectiva de reversão. Ou seja, do jeito que estamos hoje, caminhamos para algum tipo de crise fiscal no pós-Temer. Evitar que isso aconteça exigiria do governo tudo o que ele não está disposto a fazer: reverter os aumentos de salário do funcionalismo público, congelar emendas parlamentares, acabar com as desonerações da era Dilma. Além, é claro, de conseguir a proeza de passar uma reforma da Previdência abrangente no Congresso.

 

O governo considera fatiar a reforma. Quais os riscos desse fatiamento para o equilíbrio fiscal?
Não sei se haverá reforma alguma, mas supondo que seja fatiada, é quase o mesmo que não fazer nada. Claro que aprovar uma idade mínima para a aposentadoria é importante, mas os problemas fiscais são tão grandes que isso trará pouco alívio.

 

Quais os riscos de a dominância fiscal retornar? Aliás, ela foi dissipada?
A dominância fiscal está dormente, sobretudo, por causa da recessão brutal pela qual ainda atravessa o país. Alguma hora, entretanto, ela tornará a aparecer quando ficar mais visível a insustentabilidade fiscal brasileira. Temer nada fez para mudar o quadro que assombrava o Brasil em 2015, mas os mercados se acalmaram acreditando que a equipe econômica seria capaz de controlar aquilo que, no fundo, era incontrolável: o instinto de autoproteção e sobrevivência dos políticos.

 

O Banco Central cortou os juros em mais um ponto percentual, para 9,25% ao ano. A taxa básica pode cair mais um ponto na próxima reunião do Copom. Diante do forte recuo da inflação, o BC atrasou demais o alívio monetário? O BC está sendo conservador em excesso?
Sim, o Banco Central ficou demasiado atrasado. Contudo, o papel do BC hoje é bem menos relevante do que já foi. Diante da gravidade da recessão e dos imensos desajustes fiscais brasileiros, a política monetária é mera coadjuvante. Ainda que o BC decidisse abandonar o excesso de conservadorismo, não seria ele o salvador da Pátria, não mudaria em quase nada o quadro que enfrentaremos pela frente. Essa irrelevância me parece única na história econômica recente brasileira. Não deixa de ser uma faceta da dominância fiscal.

 

A senhora acredita em outras denúncias contra Temer? Trabalha com alguma mudança no comando do país? O que significaria para a economia a substituição de Michel Temer por Rodrigo Maia?
Por ora, acho mais plausível o cenário em que Temer só sai depois das eleições, o que significa que entregará para o próximo governo não só parte da herança maldita da antecessora de quem foi vice, mas a sua própria, resultante das articulações para permanecer no cargo.

 

O mercado financeiro tem mostrado certa tranquilidade em relação à crise política. Por que não vemos sinais de pânico entre os investidores? Nem as dificuldades na área fiscal estão mexendo tanto com os preços ativos. Qual é a interpretação dos agentes sobre a crise política?
Por enquanto, parece que estão convencidos de que existe um descolamento entre a crise política e a economia, hipótese que creio estar equivocada. Imagino que a situação mude quando os riscos fiscais ficarem mais claros à frente.

 

Qual é a avaliação dos investidores estrangeiros em relação à crise política e a economia?
Para o investidor estrangeiro, o Brasil é lugar para especular e para comprar um ou outro ativo barato. De resto, estão mais interessados nas reviravoltas da Casa Branca e do Congresso norte-americano, na agenda legislativa daqui dos EUA, do que no Brasil.

 

O país perdeu todos os bondes da história para poder virar um país realmente desenvolvido? Estamos condenados a sermos um país de renda média baixa?
Não acho que estejamos condenados a nada. Há chance de o Brasil voltar a crescer, de melhorar a produtividade, de passar reformas importantes. Para que isso aconteça, é preciso que o que aí está se vá — isso ocorrerá naturalmente em 2018. É preciso, também, que a sociedade se mobilize para exigir dos políticos que venham a eleger em 2018 — espero que tenhamos ampla renovação no Congresso — uma agenda de políticas públicas que revelem real compromisso com o futuro do país, não com seus umbigos. Depois do imenso sofrimento dos últimos anos, não acho que seja ingenuidade pensar assim. Mas, vamos ver o que acontece nas urnas.

 

No livro Como matar a borboleta azul, a senhora faz uma analogia ao governo Dilma e como ela conseguiu destruir a saúde das contas públicas com medidas equivocadas, que levaram o país à recessão. Olhando para o governo Temer, que borboleta azul ele está matando?
A metáfora do meu livro é em relação ao crescimento e como se mata a capacidade de um país crescer fazendo coisas em tese bem intencionadas, porém que acabam por ter efeitos horrorosos. E foram essas coisas que mataram o crescimento no Brasil durante os anos Dilma: as políticas de campeões nacionais, o desinteresse pelo controle fiscal, o aumento desenfreado do crédito público, as desonerações tributárias, a ideia de que se podia tolerar um pouco mais de inflação para ter mais crescimento. No fim do livro, há um capítulo que pergunta se os morcegos seriam capazes de ressuscitar a borboleta do crescimento, referência ao recém-empossado Temer. Mas, passado um ano e pouco de governo, dá para dizer que ainda não houve ressurreição. O morcego não conseguiu ressuscitar nada e está matando o crescimento de uma forma muito pior, porque os deficits primários das contas públicas estão maiores do que antes e há um risco considerável de a meta fiscal não ser cumprida. Temer não fez nenhuma das reformas prometidas. A trabalhista que passou foi uma promessa parcialmente cumprida. A fiscal não foi feita porque o teto do gasto não é reforma. A da Previdência não deve passar. Está tudo montado para que a bomba fiscal exploda no colo do próximo governo. Essa bomba não pode ser colocada apenas na conta da Dilma, uma parte é do vice dela, que assumiu o poder e não está cumprindo o que prometeu fazer, deixou as promessas de lado para continuar no poder.

 

Diante desse quadro nada animador, a senhora acha que o Brasil tem jeito? É possível ser otimista?
Apesar de tudo, acredito que o país tem jeito. Prefiro pensar em coisas positivas para parar um pouco com essa negatividade de só falar de coisa ruim. É preciso uma mudança de mentalidade não só dos políticos e dos governantes, mas da sociedade também. Ela precisa se engajar no processo de eleger novas pessoas para o Congresso e para a Presidência nas eleições de 2018. Essa é uma chance de dar um reboot no Brasil, ainda que o país enfrente os problemas que estão aí. É preciso escolher um novo governo razoável, que saiba se articular e comunicar para a sociedade quais são os verdadeiros problemas que precisam ser enfrentados. Assim, as pessoas vão entender que a situação é muito ruim e não dá para fazer mágica. Certas reformas precisam ser profundas e abrangentes. E cabe àqueles que querem concorrer mostrar propostas sérias, apesar de haver muitos oportunistas. Em razão dos oportunistas, é preciso explicar de forma bem clara quais são os problemas e como eles precisam ser enfrentados. Tem gente que não vai querer perder benefícios ou privilégios, mas isso será inevitável. E a sociedade precisará avaliar as prioridades. Tenho esperança de que as pessoas estão preparadas para enfrentar esse desafio desde que seja na mão de um governo confiável, um governo eleito, não herdado. A lição do governo Temer é que nada se faz nas mãos de quem não tem crédito algum, pois, além de não ter sido eleito, está sob suspeita — durante o mandato — de ter se envolvido no que não devia. Temer não é Itamar. Tampouco é Sarney.

*Rosana Hessel é jornalista


A segunda chance de Temer

A vasta e pouco estruturada área democrática do país permanece na expectativa, em stand-by, sem saber o que lhe reservará o dia de amanhã

Não foi a lavada que o governo esperava, mas deu para o gasto, com alguma folga. Foram 263 votos, contra 227. Deram a Michel Temer uma segunda chance.

Conseguida na bacia das almas, a vitória do governo precisa ser relativizada. Não é daquelas que deixam o vencedor dormir o sono dos justos. A articulação que a possibilitou teve de tudo: pressão, promessas, ameaças, troca de favores, negociações, liberação de emendas. O “centrão” nadou de braçada nesse ambiente sem substância democrática e pouco republicano. O PSDB bateu cabeças o tempo todo, fiel a seu estilo desunir para perder. Desqualificou-se. O próprio PMDB não votou unido. Os Democratas de Rodrigo Maia se saíram melhor, trabalhando a boca pequena.

A oposição não caprichou no discurso, não foi persuasiva, não mostrou habilidade, deixou-se levar pelo histrionismo vazio de suas principais lideranças. Subiu no surrado pedestal da moralidade, como se não tivesse que olhar para os próprios pés e fazer sua autocrítica. Manteve a lenga-lenga de que, antes, éramos felizes e não sabíamos, sem nem sequer explicar por quais motivos Temer foi vice de Dilma por duas vezes.

Nada de novo no front. Tem sido assim de forma recorrente.

Foi um dia feio para a democracia brasileira. O governo ganhou porque não teve oposição à altura e porque soube se beneficiar da ideia pragmática e prudencial de que é melhor com Temer do que sem ele, que ao menos está “sabendo reduzir a inflação”.

O cenário mostrou uma Câmara em um de seus piores momentos, extensão daquilo que ocorreu no impeachment, em 2016. Não foi por acaso que Temer se projetou como vice de Dilma. O estrago vem lá de trás e sempre seguiu vias tortuosas, que agora cobram o preço. Tudo medíocre demais, patético demais, como se nada de muito sério estivesse em discussão. O que importava era aparecer para os eleitores, valendo-se da retórica inflamada, de caras e bocas, de apelos passionais, de juras de ódio ou amor. Até tatuagens foram feitas, ou encenadas.

Saberá Temer aproveitar a segunda chance?

Não é de esperar. Ele fez um pacto de sangue com o “centrão”, viu o grupo de Rodrigo Maia crescer em articulação, distanciou-se das correntes que poderiam emprestar alguma credibilidade, alguma dignidade programática e alguns quadros teóricos a seu governo. Não dá para acreditar que, de um dia para o outro, reformulará tudo e se reinventará. Jura que voltará a se empenhar por reformas, mas não mostra ter forças ou votos para isso. Continua a ser puxado para baixo pelo perfil rasteiro do ministério, pela mediocridade parlamentar e pelo discurso chocho do próprio Presidente.

A decisão de ontem deverá ter pouco impacto no processo político que já aponta para as urnas de 2018. Ninguém ganhou com ela.

Temer não ficará sangrando em céu aberto, ainda que parte de suas vísceras estejam expostas. Pesará nada em sua sucessão, com poder zero para influenciá-la. Há uma interrogação flutuando sobre ele: como chegará até o fim? Lula tem imensos problemas e até os passarinhos do Planalto sabem que sua eventual candidatura é mais um problema que uma solução, inclusive para ele próprio. Bolsonaro segue em busca de um partido e de uma plataforma civilizada, fazendo o possível para cortejar a direita, os ressentidos e os incautos. Tucanos estão em revoada, sem saber em que galho pousar. E Marina está, por enquanto, em fase de aquecimento.

A vasta e pouco estruturada área democrática do país permanece na expectativa, em stand-by, sem saber o que lhe reservará o dia de amanhã.


Caetano Araújo: Razões da crise

A crise ocupa há tempo o centro do debate no país. Em poucos anos rachaduras na fachada ética da política e alertas na economia transformaram-se numa situação de extrema instabilidade, que ameaça tragar boa parte do sistema partidário. Discute-se hoje, principalmente, os lances mais recentes do processo, seus impactos já verificados e, principalmente, num quadro de grande incerteza, diferentes prognósticos alternativos sobre o futuro imediato, geralmente na perspectiva de suas consequências políticas e eleitorais.

Menos atenção tem recebido, no entanto, a questão, crucial, da gênese da crise. Em outras palavras, como chegamos ao ponto em que estamos hoje? Procuro desenvolver aqui uma resposta tentativa, o embrião de uma hipótese a ser trabalhada. No meu argumento, a origem da crise deve ser buscada em duas dimensões diferentes: o sistema de regras que regula as eleições e as decisões estratégicas dos principais atores políticos do país nos últimos anos. Falo, nesse caso, dos maiores partidos brasileiros, com o evidente protagonismo do Partido dos Trabalhadores, vencedor das últimas quatro eleições para Presidente da República.

Vamos à regra. Praticamos no Brasil nas eleições para deputados (federais, estaduais e distritais) e vereadores o sistema de voto proporcional com listas abertas. Nele os eleitores podem votar em legendas ou em candidatos das listas apresentadas pelos partidos políticos. As listas não são pré-ordenadas, de modo que o total de votos de cada partido (soma dos votos da legenda e de todos os nomes) determina o número de cadeiras que cada um obteve, enquanto a entrada dos candidatos é definida pela ordem decrescente dos votos obtidos.

Importa lembrar que esse sistema é uma invenção genuinamente nacional. Foi formulado por Assis Brasil, na década de 1930, com o objetivo de conciliar o voto em partidos, característico para ele de democracias modernas, com o voto em pessoas, que vigorou durante o Império e a República Velha. É usado entre nós desde 1945, de modo que muito provavelmente não há eleitores brasileiros vivos que tenham conhecido outro sistema.

Alternativas
Na comparação internacional, o sistema não teve tanto sucesso. Apenas a Polônia e a Finlândia nos acompanham hoje. A grande maioria dos países democráticos escolheu entre três outras alternativas: votar em pessoas, adotando o voto distrital; votar em partidos, com o voto proporcional em listas fechadas ou flexíveis; ou votar em pessoas para uma parte das cadeiras e em partidos para a outra parte, nos sistemas chamados mistos.

São conhecidas as críticas ao nosso sistema: personalização das campanhas, com as contrapartidas inevitáveis de sua despartidarização e despolitização; campanhas caras; influência do poder econômico; déficit de legitimidade junto aos eleitores.

Como sabemos, tudo isso é verdade. Aqui candidatos arrecadam e gastam recursos de forma autônoma e concorrem todos contra todos, principalmente contra seus companheiros de legenda. O foco de suas campanhas não é apresentar uma plataforma partidária comum, mas os pontos de singularidade política que os diferenciam dos demais candidatos de seus partidos.

Os poucos dados disponíveis mostram que as campanhas eleitorais no Brasil são as mais caras do mundo e seu custo foi crescente, pelo menos até a recente exclusão das empresas do universo de doadores de recursos. Não são de surpreender, portanto, as evidências do uso crescente de recursos não declarados, portanto ilegais.

Os legislativos que saem dessa peneira são dispersos, fato que acumula dificuldades para presidentes, governadores e prefeitos construírem suas bases de apoio. Não por acaso, todos os presidentes eleitos depois de 1988 foram favoráveis à reforma política.

Para os eleitores, o resultado da dispersão significa perda em termos de fiscalização e controle sobre os parlamentares. No sistema de voto distrital essa fiscalização é exercida diretamente porque os eleitores sabem exatamente quem é o deputado que os representa. No sistema de voto proporcional com listas fechadas ou flexíveis a fiscalização é feita por intermédio dos partidos, que são eleitos a partir de uma plataforma e zelam pelo cumprimento do pacto eleitoral por parte dos deputados.

Voto
No nosso sistema de voto proporcional com listas abertas, a fiscalização direta dos eleitores é difícil, porque o eleitor não pode determinar quem é o seu representante e a fiscalização partidária impossível, por não haver os partidos fortes de que necessitaria. Em compensação, a fiscalização por parte dos financiadores das campanhas é permanente, uma vez que as duas partes se conhecem, sabem quanto foi aportado e a sua importância para trazer o deputado à cadeira que ocupa. Portanto, tampouco é por acaso que legislativos, parlamentares e partidos são campeões na desconfiança dos eleitores, segundo as pesquisas disponíveis.

Esses problemas foram camuflados no passado, em situações em que o número de eleitores era menor, como no período 1945/1964, e as restrições à liberdade de imprensa maiores, como na ditadura militar posterior a 1964. A Constituição de 1988, contudo, consagrou uma série de avanços democráticos que se revelaram incompatíveis com a continuidade da nossa regra eleitoral: sufrágio universal, liberdade de imprensa e autonomia do Ministério Público.

A contradição entre a regra eleitoral e os avanços da Constituição é demonstrada pela sequência de escândalos ligados ao financiamento da política no país a partir da década de 1990. Para ficar só nos principais, tivemos sucessivamente o impedimento de Collor, os anões do orçamento, as operações Satiagraha e Castelo de Areia, o mensalão e, agora, a lava jato, ainda em curso.
Em síntese, nossa regra eleitoral gera um ambiente de competição na qual partidos e candidatos que recusam qualquer recurso de campanha de origem não legal têm dificuldade crescente de concorrer com aqueles que se integram a esses canais de financiamento. Quando isso ocorre a corrupção política deixa de ser residual, ou seja, algo que pode ou não ocorrer em determinado pleito, e passa a ser estrutural.

Resta indagar as razões da persistência dessa regra por quase três décadas. Penso que a resposta deve ser procurada nas estratégias de alianças desenvolvidas pelos maiores partidos brasileiros, em especial o PT.

Tendência
Hoje a situação parece improvável, mas no período entre a posse e a queda de Collor ganhou corpo uma tendência à aliança entre PT e PSDB para as eleições presidenciais seguintes. Essa tendência começou a perder força com a opção do PT de não participar do governo Itamar e, principalmente, com o lançamento do Plano Real, duramente criticado pelo partido. Nos dois mandatos de Fernando Henrique o PT fez oposição sistemática a toda a agenda modernizante do governo e a possibilidade de aliança ficou mais distante.

No início do governo Lula a situação havia mudado. Depois de uma pauta de campanha que aceitou o processo de estabilização da economia, com todas as suas implicações; de uma transição de governo bem-sucedida; da defesa, ainda que tímida, de uma agenda reformista que contou com o apoio do PSDB, na oposição, e do PPS, então no governo, uma janela de oportunidade para uma nova política de alianças do PT parecia aberta. Contra essa nova política, pesavam dois fatores importantes: a forte resistência das bases do PT, educadas num discurso político salvacionista, e a oferta permanente de apoio, mais fácil e imediato, de uma grande massa de deputados situados politicamente entre o fisiologismo e o conservadorismo.

O momento decisivo para a definição ocorreu no início de 2003, quando a proposta de reforma política apoiada por PT, PSDB, PFL, PDT, PSB e PPS, de listas fechadas com financiamento público de campanha, estava a ponto de ser votada em plenário. Por pressão dos demais partidos, o PT retirou seu apoio ao projeto, enterrou a reforma política e demarcou seu campo de alianças, tendo como principal referência aliada a centro-direita conservadora.

Vale lembrar que esse movimento do PT não apenas assegurou mais 15 anos de vigência à regra eleitoral, mas, como a aliança replicou-se nos estados, deu sustentação política a velhas elites regionais e, consequentemente, a suas bancadas parlamentares, concentradas nos partidos contrários à reforma.

O PT teve uma segunda oportunidade de redirecionar sua política de alianças. Em 2013, na onda das manifestações populares, que tinham na mudança da política um dos pontos centrais de reivindicação, a presidente Dilma poderia ter encabeçado uma ampla concertação parlamentar pela reforma política. Ao invés de fazê-lo, optou por insuflar propostas diversionistas que em nada resultaram, como plebiscito ou constituinte exclusiva.

Parece evidente hoje que essa política redundou num fracasso completo. Poderia ser avaliada como um sucesso parcial se os objetivos do governo fossem manter inalterado o status quo econômico, social e político do país. No entanto, à luz dos objetivos declarados nas campanhas do PT, ou seja fazer avançar a democracia e recuar a pobreza e a desigualdade, essa política de alianças deve ser reprovada em toda linha.

Além disso, nas duas variantes que se sucederam, a aliança com o chamado “centrão” aumentou a vulnerabilidade do partido. A tentativa, no primeiro governo Lula, de governar com o seu apoio do PMDB, mas sem a sua participação proporcional, resultou no mensalão. A incorporação do PMDB no governo, por sua vez, alimentou a lava jato.

Erro
Se essa política deve ser vista com as informações de que dispomos hoje, como um erro colossal, como compreender sua adoção e manutenção por anos a fio? É claro que alguns sucessos do governo Fernando Henrique e do primeiro período de Lula alimentaram a visão da política brasileira como o palco no qual dois partidos programáticos gerenciavam o apoio do fisiologismo. Essa imagem de Werneck Vianna, muito citada por Fernando Henrique, descrevia bem a situação do momento. Nada dizia, contudo, sobre a sustentabilidade desse arranjo no médio prazo.

Podemos especular sobre as motivações pragmáticas do PT para se diferenciar do seu concorrente direto nas disputas presidenciais. Podemos ainda discutir uma tendência possível de interpretar o conjunto da política nacional através do prisma da conjuntura paulista. Penso ser mais produtivo analisar as premissas que podem ser usadas para justificar essa opção. Na minha opinião são três essas premissas, todas devidamente desmentidas pelos fatos.

Em primeiro lugar, a preponderância do estado sobre a sociedade, tributária da ideia antiga que faz depender todo movimento de mudança à condução esclarecida de uma vanguarda, capaz de recolher as demandas populares e processá-las na forma de decisões políticas racionais. Nesse aspecto, as jornadas de 2013 mostraram que alguma coisa não funcionava como previsto.

Em segundo lugar, a preponderância do Executivo sobre o Legislativo. Outra ideia antiga que afirma a capacidade de o Executivo impor sua vontade aos legisladores como uma constante da política. O processo de impeachment desmentiu essa premissa, ao menos na sua versão absoluta.

Em terceiro lugar, a neutralidade política do fisiologismo, do atraso, do centrão, qualquer que seja o nome dado ao grupo de parlamentares que se posiciona na política mais do lado da oferta, menos no da demanda, de apoio parlamentar. Menos expostos às cobranças partidárias, esses deputados tendem a ser, no entanto, mais sensíveis às demandas dos grupos empresariais que financiam suas campanhas, como ficou demonstrado em diversas votações em que os interesses do governo foram contrariados nos últimos anos.


Voto distrital misto x distrital puro

Dê a alguém a prerrogativa de falar em seu nome e esse poder será abusado

Fernão Lara Mesquita

 

Lula, Dilma, Temer, o Ministério Público, a PGR, todos dizem que é armação. E é!

Quanto, em cada episódio, dá pra discutir até o fim dos tempos. Dê a alguém a prerrogativa de falar em seu nome e esse poder será abusado. Transforme uma instituição num gatilho e, mais cedo ou mais tarde, para o bem e para o mal, ele será acionado.

A legitimação do poder é a questão essencial da democracia. O melhor a fazer nesse quesito é não delegar nada: só o eleitor põe, só o eleitor despõe. A questão é como montar um sistema que viabilize isso com a necessária agilidade e economia de traumas. Há duas variações. Os sistemas de voto distrital puro com “recall” ou “retomada” de mandatos e o voto distrital misto com governo parlamentarista.

Aos exemplos. A Carolina do Norte elege 13 deputados federais e 170 estaduais. Toma-se o número total de eleitores e se divide pelo número de vagas dos Legislativos municipal, estadual ou federal. Isso dá o tamanho de cada distrito eleitoral. Cada distrito – nas eleições municipais, um bairro ou conjunto de bairros – elege apenas um representante. Como os candidatos só têm de pedir voto naquele distrito, acaba o problema do custo das campanhas e doenças correlatas. Nas eleições estaduais cada distrito (o número de eleitores dividido por 170 neste exemplo) será a soma de “N” distritos municipais. Ou, nas federais, quando o Estado será dividido em 13 distritos, eles serão a soma de “N” distritos estaduais.

Só senadores são eleitos pelo Estado inteiro. A conta, aí, é nacional: o número total de eleitores dividido pelo número total de vagas. Como representam pessoas, e não paisagens, onde houver mais população haverá mais senadores. Os demais representantes em Washington também não são deputados do Estado “tal”, são deputados “do distrito n.º tal do Estado tal”. Cada deputado de cada instância pode, se quiser, saber o nome e o endereço de todos os seus representados. Se alguém morrer ou cair, só haverá eleição para reposição no distrito dele. Nada de suplente.

As fronteiras de cada distrito são redefinidas a cada dez anos com base no censo. A Federal Election Comission é a única que pode legislar sobre financiamento de campanhas. Todo candidato é obrigado a prestar contas até 15 dias depois de receber cada contribuição ou fazer despesas iguais ou superiores a US$ 5 mil. Daí para baixo cada um pode ter a sua regra.

36 Estados adotam o “recall” ou “retomada” de mandato para representantes eleitos. 19 estendem o “recall” a todo funcionário eleito (e todos os que têm por objeto fiscalizar governos ou prestar serviços diretos à população, começando pelos promotores do equivalente ao Ministério Público, são diretamente eleitos).

Na maioria dos municípios nem se vota mais em prefeito. Elege-se uma “diretoria” colegiada (“Council”) de cinco ou seis membros, coordenada por um CEO, com metas a cumprir. Não cumpriu, rua! Só as megacidades têm prefeitos e Câmaras Municipais e, mesmo assim, nem todas. Cada uma faz como quiser. As eleições municipais são apartidárias. Concorre quem quiser, sem pedir ordem a ninguém. As grandes cidades têm até Constituições próprias regulando instrumentos como referendo, recall, leis de iniciativa popular, penas para crimes, gestão de escolas públicas, regras para endividamento, etc. Não estando em confronto com os 7 artigos e 28 emendas da Constituição (aqui a soma é de 330!), valeu.

Todo assunto sensível vindo dos Legislativos ou de iniciativas populares vai a referendo. Entra na cédula da próxima eleição pedindo sim ou não do eleitorado inteiro. Nada de “consultas a movimentos sociais” valendo decisão e outras tapeações do gênero. Voto, sempre, e de todos os afetados, sempre.

Todo e qualquer eleitor – até o morador de rua – pode derrubar seu representante. Basta iniciar uma petição. Não precisa haver razão específica ou crime. Um simples “não me representa” é suficiente. Se conseguir a assinatura de 5% dos eleitores do seu distrito, convoca-se uma votação de todo o distrito para destituí-lo, ou não, e eleger seu substituto. O resto do país pode continuar trabalhando em paz.

O voto distrital puro põe o eleitor mandando diretamente em cada pedacinho do país, o que lhe dá poder, mas não para tudo. Juntando grupos majoritários de pedacinhos do país, ele manda no país inteiro sem, no entanto, ganhar caminhos fáceis para golpes. Tudo tem sempre de ser aprovado passo a passo, na ida ou na volta, por todos os eleitores de cada pedacinho do país.

Agora vamos ao distrital misto. Ele também delimita a área em que cada candidato pode pedir votos. No resto, tudo fica meio como é no Brasil. Você vota diretamente num candidato, mas dá mais um voto ao partido que vai pro candidato que ele puser numa lista lá dele. Você nunca sabe ao certo representante de quem cada deputado é: de um pedaço “X” do eleitorado ou de um grupo dentro de um partido com poder para montar a tal da lista.

Para remover quem se comportar mal tem de parar o país, convocar eleições gerais e votar numa nova mistura de partidos que, somados, deem maioria e elejam um primeiro-ministro. Ou seja, você até pode expulsar o ladrão, mas tem de deixar para a quadrilha a escolha do novo chefe.

A pretexto de baratear o custo da eleição e fazer representar todas as “tendências” da população nas suas mínimas expressões temáticas, o voto distrital misto mantém um monte de partidos e caciques decidindo quem pode ou não se candidatar a quê e legislando sobre tudo dentro e fora da sua casa e até da sua cabeça.

Resumindo: com voto distrital puro com “retomada” e referendo, os políticos deixam de mandar e passam a obedecer. A partir daí você decide quais reformas fazer e quando. Com distrital misto com parlamentarismo, os políticos – índios e caciques – entregam alguns anéis, mas não os dedos com que continuarão te agarrando por todos os lados, especialmente na região do bolso.

Não é por outra razão que 9,99 entre 10 políticos preferem o voto distrital misto. É muito chato ter patrão!

* Fernão Lara Mesquita é jornalista

 


Roberto Freire: A ‘herança maldita’ e o futuro

O tamanho do desafio que se coloca diante do atual governo – recuperar o Brasil e fazê-lo superar a mais grave crise econômica de sua história – é diretamente proporcional ao legado perverso deixado pelo lulopetismo após 13 anos de desmantelo e irresponsabilidade na condução do país. Em 2003, quando assumiu a Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva atacou injustamente o seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, ao apontar a suposta “herança maldita” que recebia da gestão anterior. Pois a história provou que os responsáveis pela derrocada brasileira, especialmente no campo econômico, foram Lula, Dilma e o PT, e por onde se queira analisar não faltam dados para comprovar tamanho desastre.

Como se não bastassem os 14 milhões de desempregados que hoje retratam a penosa realidade brasileira, é necessário enfrentar uma outra faceta do problema que ameaça, inclusive, o futuro do país. Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade (Iets), publicada no último domingo (4) pelo jornal “O Globo”, o índice de desemprego entre os jovens de 14 a 24 anos já é de 30%, o que corresponde a quase 10% do total de brasileiros sem ocupação profissional, de acordo com o IBGE. Em números absolutos, o percentual representa nada menos que 1,265 milhão de jovens e adolescentes em capacidade de trabalho.

O levantamento, cuja responsável é a economista e pesquisadora Sonia Rocha, apontou ainda que a pobreza entre crianças e adolescentes de até 14 anos aumentou de 25,8% para 29% em apenas um ano, de 2014 a 2015. A situação é ainda mais preocupante quando se observa o grupo de pessoas entre 15 e 19 anos, que registrou um crescimento no percentual de pobres de 17,9% para 22,3% no mesmo período.

Outro relatório que escancara o quanto os governos do PT foram danosos ao Brasil foi publicado pelo prestigiado International Institute for Management Development (IMD), uma das mais respeitadas escolas de administração do mundo, em parceria com a Fundação Dom Cabral. De acordo com o World Competitiveness Yearbook, publicado desde 1989, o país perdeu 23 posições no ranking de competitividade mundial desde 2010 – quando Dilma foi eleita presidente –, despencando da 38ª para a 61ª posição em uma lista com 63 nações. Para que se tenha dimensão do estrago, o verdadeiro tsunami da incompetência lulopetista nos deixou à frente apenas de dois países: Venezuela e Mongólia.

A “pátria educadora”, slogan criado pelo marqueteiro oficial do PT durante o segundo governo Dilma, amarga a vexatória 62ª e penúltima colocação no ranking quando o critério é a qualidade da educação – embora o país seja o oitavo colocado em gastos públicos com ensino. Trata-se de mais um indicativo claro de que, se os governos lulopetistas deixaram algum legado ao Brasil, este foi altamente negativo sob todos os aspectos. Tudo isso só mostra o quão necessário foi o impeachment da ex-presidente, consumado em absoluto respeito à ordem democrática e constitucional e com amplo apoio da sociedade brasileira.

É importante lembrar que, apesar de ter contribuído decisivamente para levar o país ao atoleiro, Dilma não é a única responsável por tal descalabro. A irresponsabilidade teve origem ainda no governo Lula, que não soube aproveitar um momento de forte expansão da economia mundial e fez uma opção profundamente equivocada ao incentivar o consumo desenfreado, o que gerou um endividamento recorde das famílias. O PT não pensou em um projeto nacional de desenvolvimento; apenas pôs em prática um projeto de poder. O resultado, ao fim e ao cabo, é a maior crise econômica de nossa história – para não citarmos os infindáveis escândalos de corrupção e o saque aos cofres públicos.

A árdua tarefa de reerguer o Brasil e reconduzir o país aos trilhos do crescimento, a cargo do governo de transição, deve ser compartilhada por todos os que temos espírito público, responsabilidade e compromisso com o futuro. Independentemente do recrudescimento da grave crise política e moral que o país enfrenta neste momento, é preciso reunir forças em torno das reformas em tramitação no Congresso Nacional, propostas modernizadoras que nos levarão a um novo patamar de desenvolvimento. Superar a verdadeira herança maldita deixada por Lula e Dilma não é fácil, mas estamos no caminho certo e temos a obrigação de avançar.

* Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS

 


Fonte: http://noblat.oglobo.globo.com/artigos/noticia/2017/06/heranca-maldita-e-o-futuro.html

Fonte: http://www.diariodopoder.com.br/artigo.php?i=54628679732


Luiz Carlos Azedo: Os quadrantes de 2018

Criou-se um enorme espaço vazio, o que está permitindo o avanço de Lula no quadrante da centro-esquerda e a progressão de Bolsonaro para ocupar todo o quadrante da direita

Na geometria, quadrante é qualquer das quatro partes iguais em que se pode dividir uma circunferência. Na navegação, isso corresponde a um arco de 90º, ou seja, um quarto do círculo. Num esquema tradicional de distribuição de forças políticas, teríamos uma divisão teórica do eleitorado em direita, centro-direita, centro-esquerda e esquerda. Na prática, porém, muitas vezes, essa divisão é atropelada pela polarização antecipada, digamos, esquerda versus direita, como, às vezes, acontece na Europa. Nos Estados Unidos, ela é inerente ao sistema bipartidarista, isto é, ocorre sempre entre republicanos e democratas.

No Brasil, durante o período que vai da redemocratização ao golpe de 1964, a polarização era muito pautada pela guerra fria, embora houvesse três grandes partidos se digladiando, o PSD, o PTB e a UDN, os dois primeiros aliados de Vargas e o terceiro, de oposição empedernida. A quarta força política era o Partido Comunista, que atuava na clandestinidade. Havia outros partidos menores, como o PSB e o PRP. Durante a ditadura, com a reforma partidária imposta pelos militares, tentou-se impor um sistema partidário americanizado, com a Arena, o partido governista, e o MDB, de oposição, mas no fundo o regime queria “mexicanizar” a política brasileira. Após sucessivas derrotas eleitorais da Arena, os militares aceitaram uma anistia negociada e promoveram nova reforma partidária, em 1979.

A Constituição de 1988 consagrou o atual calendário eleitoral, o presidencialismo, o sistema eleitoral proporcional uninominal e o atual sistema partidário, que foi sendo progressivamente ampliado, até chegar aos 36 partidos hoje existentes. Hoje se discute uma reforma política que altere isso. Com as eleições majoritárias em dois turnos, mais pra lá ou mais pra cá, o esquema de quadrantes acabou predominando. Mesmo com a reeleição dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT), que não completou o segundo mandato por que houve o impeachment.

Não seria nada estranho que o presidente Michel Temer se lançasse candidato à reeleição, pois teria esse direito com base na legislação atual. Não o faz, porém, por causa da sua impopularidade, que também é uma herança do governo Dilma, mas que vem se mantendo e até aumentando por causa da Operação Lava-Jato e das reformas da Previdência e trabalhista. Um presidente da República com a caneta cheia de tinta nunca é um cachorro morto, mas isso não impede que possa morrer. Foi o que aconteceu com Dilma. Não ocorre com Temer por causa de dois fatores: a política econômica, radicalmente oposta à da desastrada e infortunada antecessora, o que lhe garante maciço apoio do mercado, e a ampla maioria parlamentar no Congresso. Isso não basta, porém, para que Temer seja protagonista da própria sucessão se não for candidato.

Ocupar o centro

É aí que voltamos ao esquema dos quadrantes. Apesar da Lava-Jato e da emergência de setores de esquerda mais radical como PSol, o ex-presidente Lula nunca perdeu o controle de um dos quadrantes da política brasileira, o campo da esquerda. Isso manteve sua candidatura competitiva mesmo nos piores momentos das crises política, ética e econômica. No outro lado do círculo, o quadrante da direita está sendo progressivamente ocupado pela candidatura de Jair Bolsonaro (PRB). Os demais quadrantes, após a reeleição de Dilma, eram ocupados por Marina Silva (centro-esquerda) e Aécio Neves (centro-direita). Em circunstâncias normais, com o impeachment, os dois disputariam a sucessão de Temer.

Mas não foi isso que aconteceu. Marina Silva (Rede) eclipsou-se durante a crise tríplice (ética, política e econômica), como quem aparentemente não deseja ser identificada com o espectro político que está aí (uma tática de risco). Aécio Neves (PSDB) foi volatilizado pela Operação Lava-Jato, o que poderia servir para consolidar a candidatura do governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB), mas ele está sendo eclipsado pela sua criatura, o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB). Criou-se um enorme espaço vazio, o que está permitindo o avanço de Lula no quadrante da centro-esquerda e a progressão de Bolsonaro para ocupar todo o quadrante da direita. Com isso, o espaço para uma candidatura de centro-esquerda, como a de Marina Silva, diminui; em contrapartida, o de centro-direita se mantém e abre espaço para uma candidatura se consolidar e crescer.

Luiz Carlos Azedo é jornalista


Fonte: http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-os-quadrantes-de-2018/


Luiz Carlos Azedo: Ossos do ofício

Vamos raciocinar friamente: para uma “greve geral” na qual supostamente 40 milhões de trabalhadores cruzaram os braços, as manifestações do Primeiro de Maio de ontem não passaram de protestos tradicionais. Com a diferença de que milhões de diaristas e outros trabalhadores informais rogaram aos patrões que os deixassem trabalhar no feriado, para recuperar o dia em que faltaram ao serviço, contra a própria vontade, porque os ônibus não circularam nas periferias.

Isso significa que as paralisações, os protestos, os vandalismos e os excessos policiais devem ser subestimados? Não, de forma alguma, são sintomas de um processo de radicalização política que complica mais do que ajuda a resolver as questões. A violência nas manifestações do dia 28 de abril reforçou a narrativa do golpe contra a Dilma Rousseff e de que o país caminha por uma via autoritária, o que é completamente falso, mas está colando na mídia internacional.

Ossos do ofício para o governo Temer, que resultou de um processo de impeachment e herdou a baixíssima popularidade da ex-presidente Dilma. Considerando também o fato de que vários ministros estão sob investigação da Operação Lava-Jato, até que o balanço dos protestos não é tão desfavorável. As votações das reformas da Previdência, na Câmara, e trabalhista, no Senado, para onde convergem as pressões da oposição, serão a prova dos nove. As duas reformas são uma espécie de rubicão, tanto para o governo Temer como para o país.

O governo Temer tem três pontos de sustentação: o primeiro é a Constituição, que lhe garante o respaldo das Forças Armadas e o reconhecimento dos demais poderes da República; o segundo, a política econômica e a blindagem da equipe que a conduz; o terceiro, a ampla base parlamentar no Congresso, que está sendo posta à prova. É como uma mesa que se mantém de pé sem uma perna, porque o peso que suporta está sobre a superfície escorada. Se perder um desses pés ou o peso se deslocar para o outro lado, ela cai.

A perna que lhe falta é o apoio da opinião pública, que está à deriva. A oposição está pior das pernas do que o governo, porque sofreu uma dupla derrota no ano passado: a perda do poder central, com o impeachment de Dilma; e, logo depois, a fragorosa derrota nas eleições municipais. O imponderável são as reformas da Previdência e trabalhista, que estão mexendo com a opinião pública; as forças derrotadas pelo impeachment estão se aproveitando disso, principalmente o PT, que procura renascer das cinzas, apesar da imagem carbonizada.

As reformas

Quem está contra a reforma da Previdência são os servidores públicos que têm aposentadorias privilegiadas, entre os quais se incluem algumas poderosas corporações das carreiras de Estado. Num país cujas instituições mais importantes foram criadas por uma elite escravocrata, mexer em certos privilégios é verdadeira blasfêmia. Além disso, certas categorias de servidores, ao passar dos anos, foram realmente aviltadas, o que faz das aposentadorias e pensões com salários integrais uma espécie de compensação de toda uma vida. O problema é que a Previdência, com a mudança do perfil demográfico da população, se tornou insustentável. Entretanto, ninguém espere uma rendição dos privilegiados. Não sabem o que é derrota, sempre ganharam a queda de braços.

No caso da reforma trabalhista, a questão é parecida. Escorada na velha CLT do Estado Novo, de inspiração fascista, formou-se uma enorme burocracia na estrutura sindical, que dispõe de recursos cativos que não dependem do desempenho de seus dirigentes nas campanhas salariais. Há também um pacto perverso entre sindicalistas e patrões quanto ao imposto sindical, que também é recolhido em favor das entidades patronais. São 16 mil sindicatos, com dezenas de diretores e centenas de empregados cada, um exército de centenas de milhares de ativistas, cujos piquetes profissionalizados são capazes de paralisar os transportes e tumultuar a vida das cidades.

A reforma da Previdência e a reforma trabalhista não são um capricho de Temer para passar à história como estadista, são exigências urgentes da economia. Estamos vivendo o esgotamento de um modelo de capitalismo no Brasil, que se baseava na brutal transferência de recursos públicos para os monopólios privados, pela via dos contratos de obras e serviços, dos privilégios fiscais, dos empréstimos camaradas, tudo isso acompanhado de mecanismos de financiamento político dos partidos no poder e reprodução das oligarquias, além do enriquecimento pessoal de seus operadores. Esse modelo foi desnudado pela Operação Lava-Jato, mas seu colapso também tem a ver com uma revolução tecnológica que pôs em xeque os meios de produção e as relações de trabalho tradicionais. Ela é irreversível.

* Luiz Carlos Azedo é jornalista.

 

 

 


Carlos Alberto Torres: A greve geral do estertor do sindicalismo pelego

Precisamos, os democratas de todos os matizes, de objetivos claros

 

A greve geral convocada para hoje (28/04/17) é um equívoco. O seu objetivo fundamental não é resistir às mudanças em andamento nas reformas trabalhista e previdenciária; este é apenas um objetivo de agitação, como “surfar” numa boa onda. É preciso que se diga, o seu objetivo estratégico é viabilizar a candidatura de Lula em 2018, impedindo que ele seja condenado e pague por seus crimes.

O governo Temer - com os seus ministros enrolados - representa bem o sistema de poder político que afundou o país nesta profunda crise. As suas raízes são essencialmente políticas e éticas. Estes são os elementos de continuidade com os governos do PT, os quais o PMDB apoiou, e com os quais se locupletou em sua particular forma fisiológica e patrimonialista de se acercar do poder.

Mas, é preciso que se diga, existem no governo Temer elementos de ruptura com o passado: (1) para chegar em 2018, dentro das premissas do Estado Democrático de Direito, não existe melhor alternativa para os brasileiros, incluídos trabalhadores, empresários e aposentados; (2) As medidas severas no plano fiscal, já encaminhadas, são a base para a recuperação da economia; (3) as complexas reformas trabalhista e previdenciária em votação tornaram-se uma necessidade inadiável, e vêm sendo defendidas desde os governos do PT como indispensáveis.

Mas, por complexas, todas essas reformas, quem não tem dúvidas sobre as suas consequências?

 

Quanto à trabalhista, de alta sensibilidade, ela vem sendo feita, já, a conta-gotas desde os governos Lula e Dilma. Embora estes não tenham tido a coragem de assumi-la às claras, exatamente para não confrontar sua base sindical. Mas, se se for observar com atenção, desde os governos Lula se intensificou uma nova relação com o mundo empresarial, infelizmente promíscua, de um capitalismo de laços, para estabelecer novas relações de trabalho.

Entretanto, muito além da esperteza, o que está em jogo é a necessidade de que surjam novas relações sociais de trabalho que correspondam aos avanços tecnológicos e ao objetivo de dinamizar a economia privada no campo e nas cidades. O fim da contribuição sindical obrigatória, p.ex., sempre foi uma proposta dos setores mais avançados da esquerda, e do sindicalismo, para torná-lo menos corporativista, pelego e corrupto. Agora, a própria CUT, majoritariamente petista, é a que mais resiste ao seu fim, e tem o desplante, para isso, em busca de aliados, de transformar Renan Calheiros em “guerreiro do povo brasileiro".

Quanto à reforma previdenciária, também Lula e Dilma já a vinham intentando. A sua questão central é a idade mínima de aposentadoria em suas diversas fórmulas. Esta não é apenas uma questão de qualidade de gestão, como a cobrança eficaz dos inadimplentes, ou os vazamentos provocados pela corrupção. Trata-se de como financiar a previdência em uma sociedade majoritariamente urbana onde as pessoas passaram a ter cada vez maior expectativa de vida.

O caminho mais concreto, neste momento, dado que essas reformas são indispensáveis para superar a crise, é usarem o legítimo e indispensável poder de pressão sindical para melhorar e emendar os projetos que estão em vias de serem aprovados. Mas, não, preferem queimar pneus e impedir que os trabalhadores mais simples e mais necessitados cheguem ao seu trabalho. Essa greve geral, condenada ao fracasso, apenas servirá para o maior isolamento político e social dos que a organizam e apoiam!

E não é surpresa que, enquanto a grande maioria dos brasileiros apoia a Lava-Jato, os organizadores da greve geral engrossam e tentam fortalecer a "santa aliança" dos que a temem e combatem. Preferem comprometer-se com objetivos inconfessáveis, que em nada contribuem para a superação da crise.

*Carlos Alberto Torres é professor aposentado. Durante 40 anos foi professor no Departamento de Administração da Universidade de Brasilia (UNB)


Fonte: http://www.decisoesinterativas.com.br/2017/04/a-greve-geral-do-estertor-do.html?m=1


Denis Lerrer Rosenfield: O impasse

Analisando o cenário político, torna- se inevitável utilizar conceitos militares: a elite da classe política está sendo dizimada. Os mais importantes partidos estão envolvidos nas delações agora vazadas e tornadas públicas. PT, PMDB, PSDB, PRB, PP e outros foram delatados, em depoimentos bastante verossímeis, cujas provas serão logo apresentadas.

Ex-presidentes entraram também na lista, com grande destaque para Lula e Dilma Rousseff. O primeiro terá pouquíssimas chances de ser candidato novamente, apesar de sua demagogia e da estridente defesa de seus advogados, diretos ou indiretos. Oito ministros do presidente Michel Temer foram acusados, levantando uma pesada sombra sobre seu governo. Seu afastamento da sociedade tende a aumentar se mantiver o status quo. Um terço do Senado foi acusado, bem como expressivo número de deputados, embora proporcionalmente menor.

Como pode um país seguir adiante com tal falta de representatividade de sua classe política? A sociedade não se reconhece em seu governo nem em seus parlamentares. Na verdade, nem os considera “seus”, mas deles mesmos, por estarem envolvidos na corrupção, agindo de costas e à revelia do conjunto da Nação. Desconhecem o significado de bem coletivo, do que é a coisa pública.

É bem verdade que estamos na etapa de abertura de inquéritos, ainda vai ser decidido quem é culpado ou inocente. Não se pode prejulgar juridicamente o desenlace das denúncias e dos posteriores julgamentos. Todavia a defesa dos envolvidos é por demais precária, todos repetem o mesmo mantra de que são inocentes ou ainda não foram julgados… Poucos se voltam para o real esclarecimento dos fatos que os incriminam.

Um olhar desavisado levaria a acreditar que todos são santos e os delatores, mentirosos, como se estes não corressem o risco de perder os benefícios da colaboração premiada se não respeitarem a verdade. Os políticos só aumentam a sua falta de credibilidade. Não transmitem confiança à sociedade. E assim propiciam um julgamento político, irreversível, de que são culpados. Seriam péssimos atores. A sociedade clama por mudanças e reafirma com força a moralidade pública, valor que ela percebe como inexistente em nossos governantes e representantes.

Acontece que o País não pode parar. Se o fizer, acoplar-se-á a essa enorme crise política, agravando a crise econômica e social, isso quando começamos a observar certas tendências que estão revertendo a curva no que diz respeito a inflação, PIB, investimento e desemprego. Tudo é ainda muito incipiente, continuando tributário das turbulências políticas. Em pouco tempo o novo governo muito fez na área socioeconômica, embora pouco tenha apresentado no quesito da moralidade pública. Vivemos um impasse que se pode traduzir tanto num avanço quanto numa reversão das expectativas.

As reformas aprovadas pelo governo Temer, como as do teto do gasto público e da terceirização, são estruturantes no que diz respeito ao presente e ao futuro do País. Devem ser necessariamente complementadas pelas da Previdência e da modernização da legislação trabalhista. Se estas não forem feitas por causa da crise política, não só o governo se fragiliza, como o País terá sérios problemas, ainda mais agudos, nos próximos anos. E qualquer que seja o próximo presidente, de “esquerda” ou de “direita”, terá inevitavelmente de enfrentar essas questões. Melhor fazê-lo agora, pois seu custo será menor; caso contrário vai aumentando com o correr do tempo e com a inércia governamental, política e partidária. O resto é mera encenação demagógica.

Dentre os sérios problemas do atual governo está o seu déficit de comunicação, pois não tem conseguido transmitir à sociedade a necessidade dessas mudanças. Termina se consolidando na opinião pública a ideia de que elas ferem “direitos” e seriam de natureza “neoliberal”. Os eleitores, capturados pela desinformação, exigem de seus parlamentares, por exemplo, que votem contra a reforma da Previdência. Tal discurso acaba por disseminar essa percepção, como se tudo dependesse de vontade política na distribuição dos recursos públicos.

Na perspectiva da esquerda e de uma direita irresponsável, toda a discussão passa a ser focada na estrita esfera distributiva, não levando em conta a produtiva. Discute-se a ampliação dos benefícios sociais, os ditos “direitos” das corporações, a criação de novos privilégios, e assim por diante, como se os recursos do Tesouro fossem inesgotáveis. Daí, pode vir a tornar-se encarniçada a luta entre as corporações incrustadas no Estado e o restante da população, que não goza os mesmos benefícios. Assim sendo, os dispêndios do Estado logo se tornarão muito superiores às suas receitas, levando a uma situação de insolvência que, por sua vez, aguça ainda mais os conflitos sociais.

As políticas públicas, e os partidos, deveriam estar mais voltados para as condições de produção de riquezas, de tal modo que os recursos à disposição do Estado possam também aumentar. Quanto mais rica for a sociedade, maior será a sua capacidade distributiva. Quanto mais insistir num distributivismo social sem amparo produtivo, menor será a sua própria capacidade distributiva, além de hipotecar a riqueza presente e a futura. Criam-se, dessa forma, condições de asfixia da capacidade produtiva, que seriam concretizadas por aumentos de impostos e contribuições voltadas para financiar os déficits previdenciários.

O Estado de bem-estar, também dito previdenciário, deve enfrentar o problema de financiamento da sua Previdência, uma vez que o seu crescimento exponencial não cabe mais dentro de suas disponibilidades de financiamento. Não se trata, como se alardeia, de um problema de “direitos”, mas de como o Estado é capaz de gerir os seus recursos. O bolo é limitado. Uma fatia maior para a Previdência significa fatias menores para saúde, saneamento, educação e habitação.

 

Fonte: O Estado de S. Paulo – 17/04/2017

Foto: Antonio Cruz/EBC


Míriam Leitão: Resposta ao desemprego

O principal problema da economia brasileira hoje é o desemprego. Ele é o fruto mais amargo da grave crise na qual o país entrou por má condução da política econômica. Foi o governo Dilma que jogou o emprego nesta queda livre, mas o governo Temer não tem sabido dar uma resposta efetiva. O mercado de trabalho terá outro ano difícil em 2017, mas começará a colher algumas boas notícias. 

O país passou nos últimos dois anos pela maior destruição de empregos da história recente. Só no ano passado, foram 3,3 milhões de desempregados a mais. Desde a eleição presidencial, 5,78 milhões. A taxa pulou de 6,8% no final de 2014 para 12% no fim de 2016. Na média do ano passado, ficou um pouco menor, 11,5%, mas isso não chega a reduzir o problema. Há vários sinais dessa deterioração: no emprego, na renda e no trabalho de qualidade. Segundo o IBGE, houve uma queda de 2,3 milhões de pessoas com carteira assinada. Os empregos criados no fim do ano foram temporários e sem carteira. E mesmo em período em que sazonalmente se cria mais postos de trabalho não está havendo uma recuperação da taxa.

Este ano haverá alguns paradoxos. Segundo o economista Bruno Ottoni, do Ibre/FGV, a população ocupada vai crescer ao longo dos meses, mas a taxa de desemprego cairá pouco. Parece contraditório, mas é um fenômeno que já ocorreu em outras saídas de crise. Como há muito desemprego por desalento — gente que não procura emprego porque acha que não vai encontrar — quando a economia começar a melhorar, haverá uma procura maior por vagas. Por isso, haverá elevação da população ocupada, porém a taxa de desemprego cairá pouco, porque mais pessoas estarão voltando ao mercado de trabalho.

— O indicador que vai determinar o ponto de virada no mercado de trabalho é o da População Ocupada, porque ele vai medir o número de empregos gerados na economia. A taxa de desemprego terá uma influência muito grande do desalento, pessoas que hoje estão tão desanimadas que nem sequer saem de casa para procurar emprego — explicou Ottoni.

Pelas estimativas da FGV, a População Ocupada aumentará em 1,2 milhão ao longo do ano. Já a quantidade de desempregados, na mesma comparação, cairá de 12,3 milhões para 11,9 milhões, uma queda de apenas 400 mil. Outro fenômeno é a falta de confiança das empresas na recuperação.

— O número de horas trabalhadas nas empresas ainda está baixo. E, antes de os empresários voltarem a contratar, eles vão aproveitar ao máximo a mão de obra empregada. Além disso, será preciso ter mais certeza de que a recuperação é duradoura. Em um primeiro momento, as vagas devem ser temporárias, com uma remuneração mais baixa — disse.

A recessão ajudou a criar esse quadro e ele foi resultado dos erros de condução da política econômica no governo Dilma. Mas uma parte do problema é estrutural. A economia, em qualquer país do mundo, não está conseguindo criar emprego de qualidade. O desafio é global e até em países onde a taxa está baixa, como os Estados Unidos, o assunto é uma agenda permanente da sociedade. Um dos paradoxos do momento atual é o presidente Donald Trump que, num país com índice de apenas 4,7% de desemprego, se elegeu com a promessa de trazer de volta as vagas supostamente roubadas por outros países através do comércio.

A economia hoje cresce, em qualquer setor, criando menos emprego do que no passado, pelo avanço da tecnologia e pela mudança nos processos de produção.

Os governos petistas apostaram que se dessem forte volume de subsídio estatal para as empresas elas criariam emprego. O resultado durou pouco e os efeitos colaterais ficaram. O governo Temer precisa ter uma agenda de políticas de apoio à criação de vagas que não repitam os erros do passado recente.

Uma parte dessa agenda é sem dúvida a reforma trabalhista. Mercados mais flexíveis criam emprego em maior volume e saem mais rapidamente das crises. E a regulação excessiva do mercado brasileiro encolhe a oferta das vagas formais e expõe mais trabalhadores à total falta de proteção do mercado informal. A reforma trabalhista é uma parte da política pró-emprego, mas não pode ser a única. A esta altura o governo Temer precisa dar uma resposta, independentemente de quem tenha criado o problema.

* Miriam Azevedo de Almeida Leitão é uma jornalista e apresentadora de televisão brasileira.


Fonte: http://gilvanmelo.blogspot.com.br/2017/02/resposta-ao-desemprego-miriam-leitao.html


Luiz Eduardo Soares: Tranquila e infalível como Bruce Lee

Os primeiros nove meses do governo Dilma, na segurança pública, foram decepcionantes.

A decepção decorre do contraste entre as expectativas suscitadas pelos excelentes nomes escalados para enfrentar o desafio e a postura da presidente, que prefiro descrever a qualificar, por respeito ao cargo e à sua biografia.

O começo foi alvissareiro, com a nomeação do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que encheu de esperança até os céticos.

O primeiro ato do novo ministro justificou o otimismo. Foram convidados Regina Mikki e Pedro Abramovay para as secretarias de segurança e de políticas para as drogas.

Escolhas irretocáveis, cujos significados prenunciavam avanços. Some-se a isso uma vitória do ministro ao obter o deslocamento da secretaria responsável pela política sobre drogas para o Ministério da Justiça. Ainda que o ideal fosse inseri-la no Ministério da Saúde, tratava-se de um passo positivo da maior importância.

Na sequência, mais um alento: em entrevista a O Globo, Pedro mostrava quão perversa vinha sendo a escalada do encarceramento no Brasil, cujas taxas de crescimento já eram campeãs mundiais: desde 2006, o tipo penal que concentrava o foco das ações repressivas correspondia à prática da comercialização de drogas ilícitas sem armas, sem violência, sem envolvimento com organizações criminosas.

De meados dos anos 90 até hoje, passamos de 140 mil a mais de 500 mil presos. Em termos absolutos, só perdemos para a China e para os Estados Unidos. Era preciso mudar a abordagem do problema.

Por aí ficou Pedro, mas já era suficiente para disseminar o entusiasmo em tantos de nós.

Enquanto a taxa média nacional de esclarecimento de homicídios dolosos é de 8% (92% dos homicidas permanecem impunes, nem sequer são identificados nas investigações policiais), o país entope penitenciárias de jovens pobres, com baixa escolaridade, não violentos, que negociavam drogas no varejo.

Ao condená-los à privação de liberdade em convívio com grupos profissionais e organizados, que futuro estamos preparando para eles e para a sociedade?

Não há uso mais inteligente para os R$ 1.500 mensais gastos com cada jovem preso que não cometeu violência? É preciso impor limites, mas também ampará-los na construção de alternativas.

Veio a primeira frustração: a presidente ordenou ao ministro que desconvidasse Pedro Abramovay. A ordem presidencial caiu como um raio, fulminando a confiança que se consolidava e expandia.

Enquanto isso, o Brasil continua sendo o segundo país do mundo em números absolutos de homicídios dolosos — em torno de 50 mil por ano —, atrás apenas da Rússia.

Para reverter essa realidade dramática, uma equipe qualificada do ministério trabalhou todo o primeiro semestre na elaboração de um plano de articulação nacional para a redução dos homicídios dolosos, valorizando a prevenção mas com ênfase no aprimoramento das investigações.

Um plano consistente e promissor, que não transferia responsabilidades à União, mas a levava a compartilhar responsabilidades práticas. Em meados de julho, chegou a data tão esperada: o encontro com a presidente. O ministro passou-lhe o documento, enquanto o técnico preparava-se para expô-lo.

Rápida e eficaz, tranquila e infalível como Bruce Lee, a presidente antecipou-se: homicídios? Isso é com os Estados. Pôs de lado o documento e ordenou que se passasse ao próximo ponto da pauta.

Luiz Eduardo Soares é antropólogo e autor, entre outros, de Justiça (Nova Fronteira, 2011). Foi secretário nacional de Segurança Pública (2003).


Fonte: http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=1422