democracia
Alberto Aggio: Unesp, 40 anos e uns tantos sinais
Meio ano se passou e mesmo em meio à turbulência política que nos acompanha cotidianamente, dentro e fora do País, não podemos deixar de lembrar que uma de nossas mais importantes universidades, a Unesp, completa 40 anos. Não é muito tempo para que uma universidade alcance a maturidade e por ela seja reconhecida, se tivermos como parâmetro as mais importantes universidades do mundo. A Unesp é filha e protagonista de um tempo vertiginoso que tem conduzido o País pelos caminhos da modernidade, cujo saldo, apesar de problemas de toda ordem, é largamente positivo. Depois de 40 anos é justo saudar o percurso realizado por essa universidade que, ao consolidar o seu perfil multicâmpus, se tornou modelo para instituições de ensino superior que foram criadas depois dela em outros Estados.
Por suas origem e trajetória, a Unesp representa o êxito e as vicissitudes do processo de modernização do Estado de São Paulo. Hoje ela está presente em 24 cidades por meio de 29 faculdades e institutos, que abrangem todas as áreas do conhecimento e oferecem 155 cursos de graduação a cerca de 37 mil alunos, além de 146 programas de pós-graduação a outros 13.500 alunos, sendo 112 deles em nível de doutorado. Abriga em seus quadros cerca de 3.800 docentes e 6.700 servidores técnico-administrativos. Seus professores participam de centenas de pesquisas e são responsáveis por parte significativa da produção científica do País.
A Unesp guarda em si os elementos essenciais que compõem a visão que o mundo moderno reserva à universidade – essa notável sobrevivente do medievo europeu, ainda legitimada entre nós. No centro dessa visão está o entendimento de que uma universidade deve afirmar-se na justa relação entre o ideal do conhecimento e uma instituição organizada para sua produção. Essas duas dimensões muitas vezes andaram juntas na História e outras vezes se distanciaram, chegando a segunda a se sobrepor à primeira por questões religiosas, ideológicas ou por imposição de regimes autoritários.
Como ideal, a universidade nutre-se da inquietação de homens e mulheres dedicados às ciências, ao pensamento, às artes, à investigação. Mas essa instituição também é uma relação social que se funda e se reproduz tendo como base aquilo que a sociedade demanda dos que procuram saber mais, buscam conhecer melhor a realidade material e espiritual dos homens, seus desafios e limites. Ela forma profissionais que procuram responder às suas necessidades e, ao mesmo tempo, se esforçam para superar o conhecimento já produzido.
A universidade não pode viver sem uma íntima conexão com os problemas do seu tempo. Ela precisa apurar a sua percepção a respeito das demandas da sociedade, dialogar com ela, mas também refletir criticamente sobre seus impasses e descaminhos. Como instituição, deve procurar ainda estabelecer novas orientações organizacionais quando isso se impuser como uma necessidade.
Criada e consolidada a partir dessa perspectiva, a Unesp seguiu o modelo das grandes universidades públicas multifuncionais, vocacionadas para a unidade entre ensino e pesquisa. No mundo ocidental, esse tipo de universidade, nem sempre gratuita, é essencialmente mantida com recursos governamentais. Atualmente, há um reconhecimento quase generalizado de que esse modelo deve passar por reformas. A autonomia acadêmica e financeira parecem ser duas teses já assimiladas. No entanto, há questões que precisam ser enfrentadas, tais como sua expansão, os critérios de acesso, a modernização de sua gestão e, por fim, o problema do seu financiamento. No Brasil, a questão do financiamento é reconhecidamente dramática em função da gritante desigualdade social, da injustificada gratuidade para determinados segmentos sociais, além das determinações constitucionais.
Por quase um século a adoção daquele modelo possibilitou que o País produzisse um conhecimento de alta qualidade, que não pode ser negligenciado. Nas últimas décadas a universidade assumiu uma tarefa cidadã da maior relevância, tornando-se parte integrante das lutas para fazer avançar a democracia na sociedade brasileira.
Como resultado, a universidade foi gradativamente se tornando de massa, aberta cada vez mais à cidadania e preocupada com o bem comum. A essas afirmações veio a somar-se o paradigma da sociedade do conhecimento como mais uma referência importante da nossa contemporaneidade. Mas todas essas mudanças foram acompanhadas de transformações sociais marcadas por intenso processo de individuação, que acabaram produzindo uma espécie de mescla paradoxal de democratização social e de imposição do mundo dos interesses privados, sem que ainda possamos saber qual deles vai vingar ou que combinação entre eles poderá emergir no futuro. Tudo isso invadiu o espaço acadêmico, alterando a sociabilidade universitária.
Não há dúvida que a universidade brasileira e a Unesp, em particular, seguiram um curso democrático e republicano nos últimos tempos, obedecendo aos anseios da sociedade. Um processo de mão dupla que instituiu no País uma universidade ideológica e politicamente plural, aberta a vocações diferenciadas e atenta às necessidades da comunidade em que atua.
São 40 anos de uma história positivamente inconclusa e aberta. Contudo, dado o estado de ruínas que o País vivencia, os riscos de uma regressão não estão fora do radar. Corporativismos e ideologismos ancilosados e anacrônicos, que povoam o ambiente universitário, são cada vez mais ameaçadores, visíveis na Unesp e em suas coirmãs. Não é demais lembrar que, em termos éticos, racionais e profissionais, é imperioso impedir a fratura entre o ideal do conhecimento e a instituição que o alberga. Trata-se de um requisito essencial para que a universidade continue a ser produtivamente desafiada pelo seu presente. (O Estado de S. Paulo – 05/07/2016)
Alberto Aggio é historiador e professor titular da Unesp
Um caminho sem volta
"Por acaso existe alguém capaz de pensar que a democracia, depois de ter destruído o feudalismo e vencido os reis, retrocederá diante dos burgueses e dos ricos? Será possível que interrompa sua marcha justamente agora que se tornou tão forte e seus adversários tão fracos?"
Alexis de Tocqueville.
Marco Aurélio Nogueira: A cultura, a pressão e o governo Temer
O anúncio de que o governo Temer recriará o MinC provocou surpresa, aplausos e reações entre defensores e adversários da ideia. Além de ter mostrado o modo de ser e proceder do governo interino, abriu nova oportunidade para que se volte a discutir, depois de muitos anos de silêncio, o papel da cultura nas ações governamentais e na sociedade.
O recuo deixou claro que o governo Temer não assumiu com um plano de voo bem definido e vigoroso. Está batendo cabeça nos primeiros dias e tenderá a continuar assim, porque suas bases de sustentação o empurram nessa direção.
O governo mostrou, porém, capacidade de reação, o que conta muito depois do ano e meio em que o país assistiu à passividade governamental explícita. Foi uma reação tópica, localizada, forçada pela pressão de muita gente, não só da área cultural em sentido estrito. Muitos políticos ajudaram a formar uma opinião que alterou o entendimento que o governo fazia de que a medida não encontraria resistência. O erro de avaliação ficou evidente e acabou impulsionando um movimento de revisão de rota que foi praticamente imposto pela pressão social. Em suma, a ação política nos espaços físicos e nas redes mostrou ser um bom instrumento de atuação, até por ter dado um alerta ao governo e o ter forçado a fazer política com os olhos para além do Congresso.
Conservadores de carteirinha e antipetistas açodados acharam que o governo foi “frouxo” por ter voltado atrás, como disse o deputado Alberto Fraga (DEM-DF). Para eles, recriar o MinC é ceder à chantagem de uma “classe” infestada de comunistas e oportunistas, que não está disposta a fazer sacrifícios e ajudar a reduzir os gastos públicos. Tal atitude, reacionária e mesquinha, não tem noção do significado e da importância da cultura e está longe do espírito democrático. O nome certo a ser dado à atitude do governo não é “frouxidão”, mas flexibilidade, capacidade de voltar atrás ao perceber o erro de uma decisão.
Pressão é sempre fundamental. Sem ela não se teria conseguido nem sequer dar visibilidade ao tema. Mas uma pressão, para se completar, precisa se desdobrar em programas de ação que se estendam no tempo. Não se trata de um “evento”, de algo feito para acender um fogo que se apaga com o fechar das cortinas de um “espetáculo”. Os que ganharam com a volta do MinC, e que se empenharam por ela, terão agora de aproveitar a oportunidade.
Será ruim se houver um movimento de refluxo, provocado ou por cansaço, ou por desinteresse ou em nome da ideia de que o importante é continuar lutando até a “derrubada de Temer”, como disseram alguns ativistas nas ultimas semanas. Todos ganharão se a mobilização pelo MinC não tiver sido contra Temer, mas sim em favor da cultura — o início de um esforço para que se ande para frente e se possa dar curso a um debate denso e consistente, que até agora não aconteceu nem foi promovido pelos que defenderam a manutenção do órgão.
Especialmente os que foram favoráveis à extinção do MinC demonstraram profundo desconhecimento do significado da cultura e das políticas culturais públicas, sobretudo em um país como o Brasil, cortado por desigualdades sociais e desequilíbrios regionais. A cultura une, organiza e identifica, e é difícil imaginar expansão da democracia e da igualdade social sem uma área cultural ativa. Países com boas políticas culturais tendem a ter melhor estrutura social, sabem mais a respeito de si próprios, têm identidades mais bem definidas e costumam ter maior capacidade de ocupar espaços no mundo, convertendo-os até mesmo em oportunidades de negócios e formação de divisas.
Em vez de levar em conta estes fatos elementares, os adversários mais conservadores do MinC sacaram do bolso argumentos banais, grosseiros e superficiais, movidos pela empolgação acrítica, pelo revanchismo e pela ignorância.
Teria sido possível até admitir a fusão do MinC com a Educação, mas desde que isso fosse respaldado por uma discussão consistente a respeito do que se poderia alcançar em termos educacionais e sobretudo culturais. Ou seja, se a ideia tivesse sido apresentada para debate junto com uma proposta de política cultural, algo que há tempo não está posto na mesa. Em vez disso, o foco foi direcionado para a questão orçamentária e administrativa, que seguramente é o pior jeito de discutir cultura. Jogou-se luz para o que se poderia obter de “economia”, sem considerar, por exemplo, que os gastos com a estrutura do MinC são irrisórios, são compartilhados com a iniciativa privada e, na verdade, nem deveriam ser vistos como gastos propriamente ditos e sim como investimento.
Falou-se, com cinismo, desfaçatez e facilidade, que ações culturais são custosas e dão pouco retorno, que Cultura é menos importante que Desenvolvimento, Saúde e Educação, que há gente passando fome e cultura não enche a barriga de ninguém. Para completar, atacou-se o MinC como se ele fosse um “aparelho” comunista, como se Cultura fosse coisa de esquerda, que só interessaria meia dúzia de apaniguados e de apoiadores do PT.
Uma baixaria completa, que com certeza, ao ser vocalizada, alertou o governo e ajudou Temer a perceber o tamanho do erro cometido.
O conservadorismo está à espreita, no Congresso e em parte das ruas. Não chegou a tomar de assalto o governo, que, até agora, nada fez de concreto que possa ser avaliado como representando concessões à agenda conservadora, sobretudo nos estratégicos temas éticos, morais e culturais, e mesmo nas políticas sociais. Mas é prudente manter os olhos bem abertos.
Se a mesma pressão que se manifestou no caso do MinC for ampliada e alcançar outras áreas poderá se formar uma rede de proteção aos setores democráticos e progressistas do governo, auxiliando-o a medir forças com o conservadorismo.
É bom não esquecer que, ao menos no Congresso, os conservadores, junto com o baixo clero, foram devidamente “empoderados” pela política de alianças do PT, que acreditou que seria possível monitorar os setores atrasados e “enquadrá-los” na “governabilidade” de que se necessitava. A expressiva força que este setor tem hoje foi alimentada ao longo dos anos. Não há como reduzi-la de um só golpe. Mas há como moderá-la politicamente, coisa que Temer poderá ou não fazer, conforme for a pressão democrática e segundo o padrão de negociação que adotará.
Marco Aurélio Nogueira é professor titular de Teoria Política e coordenador do núcleo de Estudos e Análises Internacionais (Neai) da Unesp.
Alberto Aggio: As falácias vão ficando pelo caminho
Mesmo antes de ser aprovada a admissibilidade do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, o caudal de argumentos contra o impeachment, na imprensa e na opinião pública, adensou-se de maneira impressionante, ganhando parâmetros discursivos que ultrapassavam a fábula do golpe, ainda que este tenha permanecido como o eixo principal da retórica esgrimida pelo petismo para obter apoio, dentro e fora do País, a uma presidente sub judice.
No mais paradoxal de todos os argumentos, afirmava-se que uma possível vitória do impeachment não mudaria em nada a situação do País; não aplacaria a crise econômica e não possibilitaria a retomada do crescimento; não se conseguiria sustar a crise social que bate às portas dos lares brasileiros e, portanto, o desemprego seguiria crescendo.
E que o impeachment tampouco daria fim à corrupção, muito ao contrário: a presença do presidente da Câmara na condução do processo era o sinal de que um futuro governo Michel Temer exterminaria por completo as operações da Lava Jato. O curioso é que, ao se negar qualquer positividade ao impeachment, também se espera tudo dele. No fundo, retoricamente, cobra-se o restabelecimento in acto de um País novamente republicano, próspero e democrático. É um argumento de pés de barro. Como se sabe que, do ponto de vista do realismo político, se trata de uma expectativa inalcançável, pelo menos na dimensão imediata, denota-se que o impeachment, mesmo sendo bem-sucedido, apenas causaria aos brasileiros uma “frustração coletiva”, já que não solucionaria as profundas crises que assolam o Brasil.
Essa narrativa está centrada na interpretação de que o País entrou num beco sem saída, mas governo Dilma Rousseff estaria eximido de qualquer responsabilidade, tendo sido a oposição a causadora de toda a crise. Supostamente, a crise política teria sido iniciada no pedido de recontagem de votos e, em seguida, na cândida ideia de que a oposição não deu trégua à presidente reeleita, apostando no caos e prejudicando a Nação, especialmente os mais pobres. Esse argumento, por demais conhecido, oculta o fato de que o PT nunca admitiu sofrer oposição, mas especializou- se em fazê-la de forma contundente, já que se julga o único portador de uma política social digna do nome, o que é flagrantemente contestado por qualquer pesquisa séria a respeito da realidade nacional recente, desde a redemocratização.
Quando a admissibilidade do impeachment foi aprovada na Câmara, a falácia do golpe ganhou a companhia de discursos laterais: a vitória da “vingança” de um político corrupto, em referência ao deputado Eduardo Cunha, presidente daquela Casa, e a imposição à Nação de uma “eleição indireta” para presidente, representado no embate Dilma versus Temer. Essas avaliações falaciosas se combinaram com ameaças de violência e a busca de “alternativas” políticas à débâcle do governo petista. O ponto nevrálgico dessas alternativas emergiu na proposta, primeiro, de “eleições gerais” e, depois, de “novas eleições” para presidente, expressa na consigna “nem Dilma, nem Temer”.
Duas alternativas inviáveis do ponto de vista constitucional, sem levar em conta a oposição que teriam nas duas Casas do Congresso e, ao que parece, entre as lideranças das bases sociais do PT. Vê-se claramente que não se trata mais de defender o governo Dilma. O que sustenta a inflação de falácias do petismo é a perspectiva de garantir algum futuro ao PT como ator político, levando a conjuntura a um grau extremo de polarização por meio de discursos que afrontam as instituições de representação da cidadania e visam à radicalização das ruas. Derrotado, o PT passou a adotar todo e qualquer casuísmo a fim de evitar que o impeachment devolva normalidade ao País e credibilidade ao novo governo.
Daí as artimanhas, as ameaças e, por fim, a negativa de um processo de transição administrativa, sonegando informações aos futuros governantes. O PT tanto falou em golpe que agora pretende aplicá-lo, com requintes de vingança, em relação ao futuro governo. Já se tornou exaustivo explicar que o processo de impeachment está plenamente justificado em termos legais e que sua legitimidade é indiscutível. Dilma violou a Lei de Responsabilidade Fiscal por meio de mecanismos fraudulentos para esconder, no período eleitoral e depois dele, que não tinha sustentação financeira para manter a economia em bom curso e evitar a crise. Uma política econômica desastrosa se somou a níveis de corrupção jamais vistos, jogando o Brasil numa crise inaudita e de grande profundidade.
Dilma é, portanto, o nome do “retrocesso” que o País está vivendo, em termos econômicos, políticos e até mesmo de convivência democrática. Assim como não há espaço vazio em política, também não há a possibilidade de deixarmos de atribuir a responsabilidade por todo este estado de coisas. Os verdadeiros culpados são mais do que evidentes. Um novo governo pós-impeachment, legítimo em termos constitucionais e necessariamente de transição até 2018, terá como missão primeira tentar paralisar o desastre e de nenhuma forma poderá ser inculpado pela situação do País.
As encruzilhadas da História brasileira invariavelmente encontraram soluções sustentadas pela “via autoritária”. Pode ser que esta seja a primeira vez que estejamos enfrentando um impasse condicionado e determinado pela democracia, que já é, entre nós, uma experiência concreta em termos constitucionais e institucionais, embora nos falte um lastro maior de cultura política democrática.
A insistência na falácia do golpe, com o seu vitimismo, sua artificialidade e suas ameaças, atua no sentido de enfraquecer e virtualmente bloquear a democracia. Desmistificar as falácias do petismo e superar a “herança maldita” do governo Dilma assumem hoje o mesmo significado. (O Estado de S. Paulo – 07/05/2016)
ALBERTO AGGIO É HISTORIADOR, É PROFESSOR TITULAR DA UNESP
OEA e PNUD lançam guia sobre gestão de conflitos sociais
Novo documento propõe mecanismos de prevenção e resolução de conflitos para fortalecer a democracia.
do PNUD
Washington, DC, 31 de março de 2016 – Melhorar a capacidade de gestão das instituições locais e nacionais é crucial para prevenir e promover a resolução pacífica de disputas e conflitos, ressaltaram hoje a Organização dos Estados Americanos (OEA) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para América Latina e o Caribe, quando apresentaram um novo guia intitulado “Sistema de Alerta e Resposta Antecipada de Conflitos Sociais”.
O guia da OEA-PNUD busca ajudar servidores públicos e as organizações da sociedade civil na criação de mecanismos de prevenção e melhorar a resolução de conflitos para poder evitar escaladas de violência que possam pôr em risco as pessoas, grupos e a governabilidade democrática em conjunto.
“Os sistemas de alerta e resposta antecipadas são só uma das tantas ferramentas dentro do arsenal de ações durante a prevenção e abordagem dos conflitos sociais, já que é melhor investir na prevenção dos mesmos e não pagar os altos custos políticos, sociais e humanos que eles podem causar. Isso é indispensável em tempos de incerteza e quando existe uma desaceleração da atividade econômica, enquanto que as demandas sociais continuam aumentando”, disse o Secretário-Geral da OEA, Luis Almagro.
A publicação lançada hoje, além de ser de natureza única no mundo, sistematiza as lições aprendidas durante experiências passadas em países latino-americanos com sistemas de alerta antecipada, mostrando princípios orientadores que sirvam para pôr em andamento mecanismos eficazes.
O guia fomenta a busca de sistemas de boa governança, oferecendo orientações necessárias para a análise adequada de conflitos que permitam entender os cenários de potencial de conflito, gerar ações de como proceder e de elaborar estratégias e políticas viáveis para a prevenção e gestão de conflitos sociais.
A Subsecretária-Geral da ONU e Diretora Regional do PNUD para a América Latina e o Caribe, Jessica Faieta, ressaltou que “tratar de forma construtiva os conflitos sociais, prevenir e resolvê-los de um modo pacífico, além de incluir os principais grupos e populações na tomada de decisões, são elementos essenciais para um nova geração de políticas em consonância com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”. “Os sistemas de alerta antecipada devem fazer parte de uma estratégia integral de prevenção junto com outras abordagens como a conciliação, a mediação ou o diálogo; a coordenação interinstitucional de atores responsáveis na intenção e a promulgação de uma cultura de paz em funcionários e cidadãos”.
Cada sistema deve ser desenhado e implementado de acordo com os contextos locais e as suas particularidades. Para isso, é necessário levar em consideração questões de gênero e identidades étnicas, ajudar os cidadãos e funcionários públicos a compilar e analisar informação para advertir os tomadores de decisões no momento oportuno sobre a formulação de propostas de ação, assim como avaliar o impacto do sistema de advertências e a qualidade das respostas. Os sistemas eficazes implicam cooperação entre os diferentes organismos locais, estaduais e nacionais, e devem contar com o respaldo dos níveis mais altos de tomada de decisão, além dos principais atores que demandam uma mudança social.
As redes sociais e os meios on-line em geral desempenham papel fundamental como fontes de informação, ajudando a avaliar as causas dos conflitos e promovendo o diálogo e a sensibilização para encontrar soluções construtivas.
Baixe o Guia em espanhol e inglês.
Para mais informação, entre em contato com:
Carolina Azevedo: carolina.azevedo@undp.org
Vanessa Hidalgo: vanessa.hidalgo@undp.org
Gonzalo Espáriz: gespariz@oas.org
Sandino Martínez: psmartinez@oas.org
1964: A luta política pela democracia - Raimundo Santos
O golpe de 1964 depôs João Goulart e interditou as liberdades democráticas. O seu governo refletia as lutas em favor das "reformas de base" e pela ampliação de direitos. Crescia o movimento de opinião pública em defesa da economia e das riquezas nacionais, inclusive com repercussão nas Forças Armadas. Fortaleciam-se o sindicalismo urbano, os sindicatos rurais, as ligas camponesas e o associativismo de diversas categorias. Intelectuais, áreas do mundo da cultura e estudantes dinamizavam o campo progressista dessa época.
Goulart enfrentou dura oposição da União Democrática Nacional (UDN) e de setores reacionários. Áreas da sua base de apoio, nucleada pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e pelo Partido Social Democrático (PSD), oscilavam diante das dificuldades, sobretudo econômicas. As esquerdas se dividiram, parte dela se radicalizou, passando a combater o que chamava de “conciliação” do governo com os conservadores. Goulart chegou ao final de março de 1964 politicamente isolado.
Diferentemente dessa experiência da frente nacional e democrática (expressão daqueles anos), o campo da resistência ao regime de 1964 iria ter como norte as liberdades democráticas (cf. Resolução política do PCB, maio de 1965) e iria se firmar a valorização da democracia política como caminho para alargar direitos e realizar reformas estruturais.
A ditadura logo se deparou com oposição. Em 1965, foi derrotada nos estados da Guanabara e Minas Gerais nas eleições para governador. Entre 1966 e 1968 se formou um campo oposicionista ativado pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), pelas ações de intelectuais e de áreas da vida cultural e artística e pelos estudantes. Os sindicatos recuperavam suas entidades sob intervenção. Essa animação teve o seu ponto alto na passeata dos 100 mil no Rio de Janeiro.
A ditadura impôs o Ato Institucional n. 5 (AI-5) em 13/12/68, fechou o Congresso, cassou mandatos e direitos políticos e extremou a repressão. Nos anos de chumbo (1969-1975), a tortura teve uso sistemático, numerosos opositores desapareceram e os exílios aumentaram.
Ao contrário das correntes que não viam saída que não fosse o confronto direto, na frente democrática se acreditava, principalmente no Partido Comunista Brasileiro (PCB), que o endurecimento do AI-5 poderia ser barrado por meio da política. O MDB amplia sua atividade nas eleições controladas e até na eleição indireta para Presidente da República de 1973, quando Ulisses Guimarães e Barbosa Lima Sobrinho se lançaram anticandatos. A oposição se fortalece com outras mobilizações (trabalhistas, sobretudo do ABC paulista e do associativismo variado (professores, servidores públicos, comunitário etc.), e com as Diretas Já, até derrotar a ditadura ao eleger em 1985, no Colégio Eleitoral, Tancredo Neves e José Sarney. Em 1988, a nova constituição consolidou a forma democrática de vida dos brasileiros e definiu marcos para as mudanças.
Ir a esse passado ajuda a defender a cultura democrática neste tempo de desvalorização da política e da democracia representativa e suas instituições. E traz até nossos dias um padrão de agir das esquerdas referido ao conjunto da sociedade brasileira, cujos marcos se desenvolveram no contexto da frente democrática de resistência ao regime de 1964.
Raimundo Santos, professor do UFRRJ
Fonte: gilvanmelo.blogspot.com.br
Alberto Aggio: A democracia e a ‘cidade futura’
Apesar das circunstâncias que atormentam a vida da maioria dos brasileiros em razão da crise que assola o País, as eleições municipais de outubro próximo, como sempre foi no passado, não deixarão de demarcar a sua importância. Se as instituições da República suportarem a carga das crises que se avolumam a cada dia, provocada pelo desgoverno de turno, estaremos todos convocados a eleger ou reeleger os dirigentes das nossas cidades, desde as menores até as grandes metrópoles.
Apesar de tudo, os brasileiros, com a sua costumeira “desesperança esperançosa”, ainda creem no poder da sua participação por meio do voto. Pela via da política, estas eleições têm o poder de definir, mesmo que parcialmente, se o futuro imediato será ou não melhor do que os desencantos, as desilusões e as carências do presente.
O Brasil segue a tendência mundial de se afirmar como parte de um planeta cada vez mais urbano. É cada vez mais evidente que as cidades brasileiras devem ser pensadas de acordo com um tempo de mudanças aceleradas, mas de crise profunda e extensiva. Por isso elas necessitam de uma política que, além de enfrentar seus problemas setoriais com a eficiência requerida – como saúde, educação, segurança, mobilidade urbana, habitação e infraestrutura de saneamento básico -, se estruture a partir de uma orientação consonante com o tempo de grandes transformações que vivemos, especialmente na esfera da comunicação entre pessoas, corporações e instituições públicas e privadas.
Mas há alguns obstáculos que se antepõem a essa estratégia. O primeiro deles, e que faz parte do senso comum do brasileiro, é a visão de que as pessoas vivem nos municípios, e não nos Estados ou na Federação. Trata-se de uma meia-verdade. Os problemas das cidades brasileiras não se restringem apenas ao que ocorre cotidianamente nelas. É preciso entender que os municípios são entes federativos.
O vice-presidente Michel Temer, em artigo recente neste espaço, afirmou acertadamente que a nossa Federação é composta de Estados e municípios. As cidades brasileiras vivem sob o influxo de determinações políticas e financeiras dos três entes federativos (municipal, estadual e federal) que compõem o Estado brasileiro. E, como se sabe, uma das principais repercussões da crise hodierna do Estado brasileiro se manifesta pela crescente concentração de recursos no plano federal. Hoje, as finanças públicas dos municípios estão esgarçadas, provocando um desequilíbrio crescente que ameaça sua capacidade administrativa. É urgente repensar, portanto, um novo federalismo, que estabeleça uma nova divisão dos recursos públicos amealhado dos brasileiros.
As cidades brasileiras engendram historicamente exclusões e desigualdades, bolsões de segregação social e graves problemas ambientais. Essa realidade é conhecida dos especialistas e governantes, mas deve-se registrar que não há monopólio de nenhuma corrente intelectual ou força política a respeito das possíveis soluções para esses graves problemas. Por essa razão, é justo e imprescindível que se faça uma avaliação crítica do chamado “orçamento participativo”, uma política que, além de lidar com um porcentual irrisório de recursos do município, provocou ilusões e muitas distorções. Ela não foi efetivamente uma política democrática de participação e acabou cedendo espaço ao paternalismo, ao clientelismo e ao assistencialismo, impulsionando mais ainda elementos extremamente negativos na prática da política municipal.
A gestão democrática da cidade mostrou-se como uma questão de muito maior complexidade do que pensavam os arautos do “orçamento participativo”. Em artigo recente, a socióloga Maria Alice Rezende de Carvalho nos chama a atenção para o fato de que, no processo de modernização do Brasil das últimas décadas, passou-se da “cidade da ditadura”, com seus desastres habitacionais, de mobilidade e ecológicos, para a “cidade financista”, que elevou o mercado como a referência para o redesenho das necessidades urbanas e sociais básicas. O que nos leva a concluir que, no Brasil, a “cidade da democracia”, uma “polis contemporânea verdadeira”, não se tornou entre nós uma construção efetiva nestes últimos anos.
Recentemente, diversas mobilizações, tais como a Occupy Wall Street, os “indignados” ou as jornadas de junho de 2013 no Brasil, alimentaram a expectativa de que essa conquista emergiria das “cidades rebeldes”, numa difusa antevisão da “cidade futura”. No mundo intelectual, há tempos se fala em “cidades tecnológicas”, “inteligentes” ou “sustentáveis”, mas em todas as formulações a perspectiva de uma “cidade democrática” permanece distante e frágil como nexo fundante da acalentada “cidade futura”.
Alguns urbanistas qualificam as cidades brasileiras como “cidades cindidas, desiguais e insustentáveis”. Mas isso não é um destino. E a melhor maneira de enfrentar essa realidade talvez seja conectar democracia representativa e ativismo cidadão. O urbanista espanhol Josep Pascual chama essa estratégia de “governança democrática”, um modo de governar a “crescente complexidade e diversidade das sociedades contemporâneas, que se caracterizam pela interação de uma pluralidade de atores, pelas relações horizontais, pela participação da sociedade no governo e sua responsabilidade de fazer frente aos desafios socialmente colocados”.
Trata-se de uma proposta que pressupõe uma cidadania ativa, envolvida com a solução dos desafios sociais e que compartilha valores cívicos e públicos, a revalorização da política democrática e do governo representativo, além do fortalecimento do interesse geral, entendido como “construção coletiva”. O entendimento é que a “cidade futura” é sempre um arranjo inconcluso no qual não deve haver nem ganhadores nem perdedores definitivos. (O Estado de S. Paulo – 05/02/2016)
ALBERTO AGGIO É HISTORIADOR, PROFESSOR TITULAR DA UNESP E PRESIDENTE DA FAP (FUNDAÇÃO ASTROJILDO PEREIRA)
Fonte: PPS