Cristovam Buarque

Cristovam Buarque: Um órfão chamado Brasil

O Brasil está órfão: sem oxigênio, sem responsável para cuidar do tratamento que precisa, nem tem quem lhe assegure vacina. Não teve um responsável que alertasse com autoridade que a doença era grave. Não recebeu as recomendações preventivas, nem os cuidados no período inicial. O Brasil não teve um responsável que lhe alertasse dos riscos. Ao contrário, ouviu “não fique em casa”, “vá para a rua”, “é uma gripezinha”. O oposto do que dizem pai e mãe preocupados com filho.

O Brasil não teve um responsável, um líder, um governante que o protegesse da doença e estivesse atento para obter e aplicar a vacina. Qualquer pai ou mãe ou tio ou padrinho protege o filho, natural ou adotado, cuida para ele ficar em casa, usar máscara, álcool em gel, e o leva para tomar a vacina.  O Brasil não tem quem cuide dele neste momento em que está sofrendo os horrores de uma epidemia. A orfandade não decorre apenas da falta de governante que cuide dele com amor e competência neste momento de epidemia. O atual governante não cuida do presente, nem formula rumos para o futuro.

O Brasil está órfão. Mas a orfandade é anterior. Se o Brasil não fosse órfão antes, não teria preferido o atual governante. Foi o órfão que buscou ser adotado por ele, com o voto de milhões de eleitores descontentes. O Brasil sentia-se abandonado: 12 milhões de analfabetos, 100 milhões sem rede de esgoto, 35 milhões sem água, 12 milhões de desempregados, a mesma concentração de renda e persistência da pobreza de que sofre desde sua origem.

Os moradores da periferia das grandes cidades já estavam órfãos há décadas, os jovens sem perspectiva, as crianças sem escolas de qualidade. Desde a escravidão, a população negra é órfã. Os desempregados, as vítimas de violência, os doentes sem dinheiro, todos são partes do órfão chamado Brasil. Seus líderes o deixaram órfão de ética, diante da corrupção. O Brasil é órfão por falta das reformas em suas estruturas arcaicas, que persistem desde a escravidão.

De todos os erros e crimes cometidos pelos políticos, o mais grave foi não perceber e não agir para impedir que o Brasil escolhesse o atual governo. E agora cometem erro ainda maior ao não apresentar aos eleitores uma alternativa que empolgue, que mereça confiança e mais: que impeça a continuação da orfandade atual. Em vez de reconhecerem os erros e pedirem desculpas aos brasileiros, de se apresentarem unidos com uma proposta alternativa, nossos líderes estão se acusando mutuamente. Parecem imaginar que o erro foi dos eleitores em 2018. Como se o órfão fosse culpado da escolha que fez na busca por quem o adotasse.

Todos que ocupamos cargos ao longo dos 130 anos da República, temos parte de responsabilidade, por omissão, por incompetência ou por corrupção nas prioridades ou no comportamento. Sobretudo, responsabilidade pela eleição do atual governo que aprofunda a orfandade por seu comportamento que nega a ciência, desmoraliza o país no exterior, degrada o meio ambiente, descuida das prioridades do povo, defende o armamentismo e consequente violência, regride no respeito aos direitos humanos, ameaça as conquistas democráticas.

O Brasil precisa de líderes que cuidem dele com novas ideias, propostas e comportamento. Não teria sido difícil acabar com a orfandade do Brasil: bastaria adotar uma geração de suas crianças, de todas as raças, em todos os endereços e de todas as rendas. Esta geração adotada adotaria depois o Brasil com competência e ética. A orfandade do Brasil começa na orfandade como suas crianças pobres são tratadas.

Mas o momento é para levarmos à Presidência alguém comprometido com a continuação das conquistas democráticas das últimas décadas. Para isso, é preciso barrar a marcha ao desastre de mais quatro anos desta orfandade desastrosa. Para isso, os que desejam um novo rumo precisam entender que a hora é de coesão. Em tempo de tormenta, a âncora é mais importante que a bússola e a vela.

Precisamos unir os democratas, já no primeiro turno de 2022, com um candidato que transmita ao eleitor a capacidade de unir e manter as conquistas democráticas e presidir o debate dos candidatos que em 2026 apontarão suas propostas para o eleitor escolher o rumo que o Brasil deve seguir em direção ao futuro democrático, eficiente, justo, sustentável.

*Cristovam Buarque, professor Emérito da Universidade de Brasília (UnB)


Cristovam Buarque: Labirinto de espelhos

Brasil está ficando para trás na marcha do progresso

Por nossos erros ao longo de décadas, o Brasil está ficando para trás na marcha do progresso. Em decadência pela desigualdade social, pobreza, fracasso educacional, sem produtividade nem inovação, um Estado esgotado fiscal, gerencial e moralmente, sistema de ciência e tecnologia insuficiente, democracia e instituições políticas frágeis, sociedade violenta e armada, cidades “monstropolitanas”. Para agravar, com governo despreparado, desumano, sem bússola, antidemocrático, antissocial, sem empatia, reacionário, armamentista, preconceituoso, negacionista do valor do conhecimento, desmoralizado no cenário internacional.

O Brasil precisa de um rumo para orientar-se no seu terceiro centenário, que se inicia no próximo ano. Mas antes mesmo de formular este rumo, o Brasil precisa de coesão no presente e evitar o desastre previsível para os próximos. Ao observar os movimentos dos candidatos a presidente em 2022, a sensação é de que eles estão passeando em um labirinto de espelhos: nenhum sabe o caminho e cada um olhando para si ou seu partido, não para o país. Não reconhecem os erros cometidos que levaram à derrota em 2018, nem assumem responsabilidade pelas consequências de reeleição do atual presidente. Ao final do labirinto de espelhos, os candidatos imaginam a cadeira presidencial lhes esperando, sem perceberem que os caminhos labirínticos podem levar a um abismo.

Além de não perceberem o labirinto de espelhos, os candidatos não estão buscando construir uma base eleitoral capaz de vencer e impedir à maldição de um segundo mandato de Bolsonaro. Evitando ficarmos ainda mais divididos e desiguais internamente, isolados internacionalmente, armados miliciamente, enganados pelo negacionismo. E ainda ameaçados de reforma constitucional para permitir mais de uma reeleição depois.

Nossa função imediata consiste em unir os candidatos e escolher aquele com mais condições de atrair o voto do eleitor, com a menor rejeição. Na tormenta, a âncora é mais importante que a vela. Precisamos de quatro anos que permitam o debate entre os candidatos, buscando um projeto de nação para o terceiro centenário da independência. Até lá, precisamos quebrar os espelhos: os candidatos olharem menos para seus partidos e mais para o país, se preocuparem menos com seus programas, visões e interesses pessoais e mais com a tarefa do presente, menos divisão personalista e ideológica e mais unidade democrática, desde o primeiro turno.

*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador


Cristovam Buarque: O Fator Confiança

Independência do Banco Central

Quatorze deputados votaram pela independência do Banco Central, contrariando orientação de seus partidos.

Deram voto lúcido, porque a história do Brasil mostra o desastre de anos do Banco Central sob a vontade do capitão, do general ou do líder civil no governo. O resultado é conhecido: somos campeões em juros altos, inflações demoradas, número de moedas. Qualquer dirigente, sobretudo na véspera de eleição, é tentado a usar política monetária para financiar os gastos de seu governo, deixando de respeitar os limites fiscais. Alguns podem usar os recursos para bons projetos, outros para financiar mordomias, privilégios, subsídios, corrupção. Jogando a conta para o povo e as gerações futuras. Desorganiza a economia, sacrifica aos pobres, aos assalariados e aos aposentados e engana aos eleitores. .

A história mostra a lucidez do voto, mas o presente e o futuro mostram a responsabilidade do voto. Algumas décadas atrás, a economia dependia dos fatores Capital, Trabalho e Recurso Natural. Depois a Tecnologia, como fazer, passou a ser um novo fator, recentemente, a Inovação, o que fazer, virou outro. Nos últimos anos, devido à globalização, a Confiança dos consumidores e dos investidores passou a ser um fator fundamental para o crescimento. A inflação, taxas de juros, endividamento são causas para perda de confiança em uma economia A moeda de um país deve ser um patrimônio do povo, da nação, não do governo. Por isto, a independência do Banco Central é uma questão de responsabilidade com o valor da moeda.

Apesar disto, por crendice ou imaginando que um dia serão governo e querem poder nomear o guardião do valor da moeda, alguns partidos tomaram posição contrária à independência do Banco Central, exigindo coragem dos seus parlamentares com lucidez e responsabilidade.

Estes deputados demonstraram lucidez, ao entenderem a importância da decisão para o futuro; responsabilidade com os interesses do pais na frente dos interesses partidários; e coragem por enfrentarem os seus partidos que têm visão atrasada na economia, irresponsabilidade social ao sofrimento com inflação, e olham para a próxima eleição, não para as próximas gerações.

*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador


Cristovam Buarque: É preciso saltar

O Brasil assiste, nestes dias, às tragédias da epidemia e da educação, e das duas entrelaçadas asfixiando o futuro do país. Mas o presidente da República apresentou ao Congresso Nacional ações que deseja aprovadas como seu legado ao futuro sem a presença desses assuntos. O presidente quer que o Brasil tenha milícias com indivíduos cada vez mais armados, substituindo polícias e Forças Armadas. Ele propõe também reduzir a proteção aos nossos povos indígenas e inocentar previamente policiais que matam civis durante operações.

Ele não põe a educação como prioridade, salvo desobrigar os governos de oferecerem escola e transferir essa responsabilidade para que as famílias possam dar instrução em casa. Ignora 50 milhões de crianças em idade escolar cujas famílias não têm condições de educar os filhos em casa, como era no período medieval, com tutores, e ainda despreza o futuro da nação a ser construído por elas.

A análise das propostas do presidente assusta pela ausência de preocupação com a educação nos dois anos iniciais do governo. A ponto de isentar importações de armas e taxar importação de livros, porque seus ministros dizem que livros são comprados por ricos e armas por pobres. Se tivesse interesse em fazer com que o Brasil desse o salto na educação, ele teria apresentado as propostas já conhecidas, mas é forçoso dizer que seus antecessores também não quiseram pôr em prática. Apresentar uma estratégia para que em alguns anos, ou décadas, o Brasil atinja duas metas: ter um sistema educacional com máxima qualidade e que a educação tenha a mesma qualidade, independentemente da renda e do endereço da criança. Para tanto, seriam necessários alguns passos.

É preciso concentrar o trabalho do MEC na educação de base. Instalar uma agência para a proteção da criança e do adolescente capaz de cuidar desse público em todos os setores como saúde, cultura e bem-estar. Educação é mais que um direito de cada brasileiro, é também o vetor fundamental do progresso, sobretudo nestes tempos da economia e segurança nacional baseadas no conhecimento e a justiça social dependente da distribuição de conhecimento a todos, com a mesma qualidade.

É necessário retomar a implantação de um sistema nacional de educação de base, com proposta de adotar as escolas das cidades sem condições de oferecer a educação que suas crianças necessitam e merecem. Assumir para o governo federal a responsabilidade pela educação de base nas cidades que assim desejassem e na velocidade que os recursos federais permitirem, enviando professores de uma carreira federal, muito bem remunerados, selecionados com rigor depois de cuidadosa formação,

todos com dedicação exclusiva à escola onde estiverem lotados, aceitando substituir a estabilidade plena por estabilidade com responsabilidade, sujeita à avaliação periódica.

 Nessas cidades, as novas escolas seriam construídas com as instalações necessárias no padrão das escolas federais, especialmente as militares federais. Essas escolas iniciariam a evolução das atuais “aulas teatrais”, do professor com quadro e giz, para “aulas cinematográficas”, onde o professor utilizaria bancos de dados e de imagens. Todas as escolas das cidades adotadas teriam horário integral.

É possível fazer isso em dois anos em algumas cidades pequenas e, em 20 ou 30 anos, em todas as escolas do Brasil para todas as crianças brasileiras. É possível e é preciso. Os governos anteriores deram passos proativos, mas tímidos ainda na educação de base.

Ao longo dos últimos 30 anos, o Brasil foi melhorando sua educação, mas aumentando quatro brechas que nos fazem melhorar ficando para trás: brecha entre a educação dos ricos e pobres, entre cidades ricas e cidades pobres, entre os outros países e o Brasil e entre o que é preciso conhecer e o que é ensinado.

O atual governo parece decidido a piorar nossa educação. Os governos anteriores optaram por apenas melhorar, não saltar. O Brasil precisa interromper a marcha insana do atual governo sacrificando o progresso, a segurança e a sustentabilidade do país, mas também substituir a melhoria lenta, que nos deixa para trás, e adotar uma estratégia que permita saltar aos padrões de qualidade das melhores do mundo, com equidade para todas as crianças.

Para dar o salto necessário precisamos saltar este governo. Mas a simples substituição dele não basta se os próximos vierem com a mesma perspectiva de apenas melhorar nos deixando para trás e com brechas ampliadas.

*Cristovam Buarque, Professor Emérito da Universidade de Brasília


Cristovam Buarque: Desorientação dos terracubistas

Os partidos progressistas não sabem para onde ir

Em recente entrevista, o ex-presidente Fernando Henrique disse temer que o PSDB esteja em decadência. Na verdade, seu partido está desorientado, tanto quanto os demais partidos democratas progressistas, de centro ou de esquerda. Eles não entendem, ou não aceitam, que suas ideias e propostas perderam prazo de validade diante das mudanças que ocorrem na história; ou tentam se adaptar de maneira incompleta.

Percebem que o Estado tem limitações de recursos, mas não sabem como atender às necessidades sociais sem gastar além dos limites responsáveis. Não sabem como colocar a solidariedade necessária dentro da aritmética possível.

Descobriram os limites ecológicos ao crescimento, mas não conseguem oferecer um tipo de bem-estar que substitua a ânsia pelo consumo. Não conseguem colocar o PIB dentro da ecologia.

Entendem que uma das causas de nosso atraso está no desprezo à educação de base com qualidade para todos. Mas não assumem que a educação de qualidade para todos é mais do que o direito de cada pessoa, é o vetor do progresso econômico e da justiça social. Não acreditam, nem sabem como fazer para que o Brasil tenha uma educação tão boa quanto às melhores do mundo e que o filho do mais pobre estude em escola com a qualidade do filho do mais rico.

Perceberam que os partidos já não existem e as siglas pouco significam, mas não sabem que tipo de organização colocar no lugar. Nem como fazer política nos tempos das comunicações de massa.

Se surpreendem que perdemos velocidade no ritmo de crescimento, mas não entendem ainda, ou se assustam, com a ideia de que o problema não é a velocidade do progresso, é do caminho escolhido para ele. O problema não está na saída da Ford, mas na opção pela indústria automobilística como carro chefe da economia.

Continuam nacionalistas em um tempo de globalismo, mas não sabem como tirar proveito da globalização e evitar os problemas do livre comércio sem cair no protecionismo.

Os partidos progressistas estão desorientados do ponto de vista filosófico e em consequência decadentes do ponto de vista político e eleitoral, seu progressismo tem a cara, a cor e o cheiro do passado. Não veem a realidade em toda sua complexidade esférica, global e dinâmica. São partidos terracubistas. Os conservadores levam vantagem, porque o passado e o reacionarismo é a “praia” deles. A nostalgia é uma qualidade no discurso da direita, que defende “grande outra vez”; mas a nostalgia é um pecado entre os progressistas, que deveriam propor “melhor em frente”. Os conservadores não se desorientam porque desejam ficar parados; os progressistas se desorientam porque desejam avançar, mas olhando para trás, sem bússola, sem estradas e no meio do terremoto civilizatório.

Os progressistas não aceitam a Terra Plana, mas ainda não têm propostas pela a Terra Global no tempo da crise ecológica, da robótica e do esgotamento do Estado. Felizmente, a percepção de que a decadência é uma desorientação, possibilita o surgimento de mapas para futuros progressistas.

*Cristovam Buarque foi ministro, senador e governador


Cristovam Buarque: Unidade e Transição

Para eleger um presidente que nos conduza ao futuro é preciso primeiro impedir um presidente que só vê o passado

Na véspera de iniciar nosso terceiro centenário, precisamos mais que nunca de um presidente capaz de inspirar coesão no presente e rumo para o futuro. Estamos divididos em grupos que não se reconhecem como partes de um mesmo povo, seja pela desigualdade na renda ou pelo sectarismo nas ideias. Estamos ficando para trás na história, sem sintonia com o mundo, por falta de base científica e tecnológica, de capacidade de produzir e poupar, falta de infraestrutura econômica, de solidariedade social e nacional, sobretudo de educação de qualidade para todos. Mas, apesar destes desafios para o terceiro milênio, nossa tarefa imediata é impedir a continuação do atual quadro de divisão sectária, negação da realidade, incompetência gerencial e falta de visão de futuro.

Em 1985, consciente da responsabilidade de impedir a continuação do regime militar, os democratas se uniram, desde os mais progressistas aos mais conservadores, com exceção do PT, que preferiu não votar em Tancredo Neves. A união permitiu cinco anos de democracia, com sucessivas eleições para escolher rumos conforme a proposta de cada candidato. Por nossos erros, nossas divisões, por prioridades e comportamentos equivocados, deixamos que forças autoritárias e retrógradas voltassem ao poder com o voto dos eleitores. Corremos o risco desta interrupção de nossa marcha ao futuro continuar, reeleita pelo eleitor.

Para eleger um presidente que nos conduza ao futuro é preciso primeiro impedir um presidente que só vê o passado e destrói o presente construído nos últimos 35 anos de democracia. Nossa tarefa imediata é impedir a continuação do retrocesso. Elegermos um presidente que permita retomar o debate democrático com bom senso, respeito à verdade e ao contraditório, e então ganharmos impulso para os anos adiante.

Entre 1985 e 1919 fomos capazes de construir uma democracia sob Constituição duradoura; estamos no mais longo período de estabilidade monetária, com uma única moeda; implantamos programas de solidariedade com transferência de renda para os pobres; colocamos quase todas nossas crianças em escolas; mais que dobramos o número de estudantes universitários; conseguimos presença internacional respeitada; demos substanciais avanços nos direitos humanos; mas estamos ameaçados de perder tudo isto.

Temos a obrigação de voltarmos a nos unir em 2022, para elegermos um presidente comprometido em recuperar as conquistas dos últimos 35 anos. Para enfrentar o presidente atual, precisamos apresentar um candidato único, desde o primeiro turno, com baixa rejeição entre os eleitores. Os atuais candidatos precisam deixar seus projetos, metas e interesses nacionais e pessoais para a eleição seguinte; se unirem agora em torno àquele que assuma o compromisso de manter os acertos da democracia e que tenha as melhores condições para atrair os eleitores, graças à menor rejeição ao seu nome, e assuma o compromisso de apenas um mandato. Os demais candidatos adiam suas disputas para 2026 ou assumem o risco de verem 2022 repetir 2018. Os candidatos naturais em 1985, grandes líderes, entenderam o que a história precisava e adiaram suas candidaturas para 1989, dentro do marco democrático. Fizeram unidade e garantiram transição.

*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador


Cristovam Buarque: Monumento aos livros

Brasília discute sobre ser oportuno ou não termos o Museu à Bíblia, no Eixo Monumental. Faz 25 anos, a Câmara Legislativa tomou a iniciativa e aprovou uma lei com dois artigos determinando a construção desse monumento. À época, como governador, sancionei o artigo autorizando o local, mas vetando o outro que se referia a aspectos da construção. Tomei a decisão em respeito ao Poder Legislativo da capital e ao sentimento religioso de parte da população. Mas também por entender o valor cultural do museu e monumento.

O Eixo Monumental deve ser espaço para museus e homenagens que formam e formarão a mente brasileira. Como o Museu ao Índio, o Monumento a JK, o Panteão aos Próceres do Mundo (em frente ao Buriti), a Biblioteca e o Teatro Nacional, o Monumento aos Heróis da Pátria e a Oscar Niemeyer. Mas as homenagens devem ser não apenas à história política e às artes, mas também às ideias. Por isso, é justificável um museu à Bíblia e também outro ao Corão, à Torah, e às religiões sem livros sagrados, como as de origem afrodescendente, as espiritualistas, ao Budismo e mesmo ao pensamento ateu e agnóstico.

Aos que lembram a laicidade do Estado, cabe lembrar que há um templo católico no Eixo Monumental, a Catedral Militar Rainha da Paz, e que a Catedral Metropolitana de Brasília está na própria Esplanada dos Ministérios. Todos os grandes livros merecem monumentos ou um Monumento ao Livro, em geral - a história, desde Gutenberg a Jobs. Um monumento para lembrar o holocausto da escravidão e a luta abolicionista, que ainda não terminou - só terminará quando não houver desigualdade na qualidade da escola oferecida às crianças brasileiras, por causa da renda ou do endereço. Assim, seriam válidos monumentos a educadores e educacionistas, como Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira e João Calmon. Como lembrou Severino Francisco, em artigo recente publicado no Correio Braziliense, precisamos levar adiante o Museu a Athos Bulcão.

Todavia, esses monumentos não terão legitimidade se forem construídos aceitando três tipos de corrupção: no comportamento dos políticos, cobrando propinas; no desperdício de recursos, por arquitetura suntuosa; ou na falta de ética, nas prioridades da política. Especialmente um monumento ao livro dos cristãos não pode tolerar que haja roubo por superfaturamento, tampouco roubo por ostentação ou por desvio de obras mais urgentes, do ponto de vista das necessidades imediatas da população pobre.

Independentemente do Museu da Bíblia ser construído com recursos públicos ou privados, é injustificável, neste momento, investir em uma nova obra como essa, se ela exigir gastos elevados para uma construção suntuosa. Mesmo que os recursos fossem enviados por um governo estrangeiro para fazer um monumento faraônico ao Corão, por exemplo, esta não é a hora. Tanto pelos outros museus e monumentos que se ressentem de recursos, quanto pelas necessidades mais imediatas de nossa população. Como lembrou Vladimir Carvalho em Carta aos Leitores, neste Correio Braziliense, nosso Teatro Nacional Claudio Santoro está fechado, há anos, degradando-se. A poucos quilômetros de distância, há famílias sem saneamento, crianças sem escola de qualidade, pessoas sem renda.

É inaceitável fazer museus caros neste momento. Sobretudo, para lembrar a Bíblia e o pensamento de Cristo, que defendeu a simplicidade e a solidariedade. Também a Lutero, que fez a Reforma para se insurgir contra a ostentação na Roma medieval.

Será educativo para nossas crianças ter contato com museus às ideias, sejam filosóficas, científicas, artísticas, ou religiosas, às ideias da ética, da lógica e da estética. Mas que os museus e monumentos sejam construídos com estilo bonito e austero, que mostre a nova arquitetura que o mundo precisa nestes tempos de limites ecológicos e fiscais.  Monumentos cujas construções não signifiquem prioridades indecentes, em um momento em que os recursos deveriam ter sido usados para atender necessidades mais urgentes; e que se assegure não ocorrer roubo de dinheiro público durante a construção.

Se não tomarmos estes cuidados, corremos o risco de repetir o erro do templo à religião do futebol, o Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha, que hoje serve como monumento às corrupções da ostentação, nas prioridades e no comportamento dos políticos do tempo de sua construção.

Bem-vindos monumentos educativos, como museus ao pensamento, mas ao custo certo, no momento certo e coerentes com as necessidades sociais do momento.

*Cristovam Buarque, professor Emérito da Universidade de Brasília


Cristovam Buarque: Nossos Bolsuellos

Este governo joga contra o Brasil

Um bom governo depende do presidente usar sua vontade política e contar com a competência de seus ministros, e realizarem os projetos que o país necessita para caminhar com coesão e rumo. Esta combinação da vontade política com a competência gerencial cria a sinergia necessária para fazer o país avançar deixando legados dos presidentes.

O atual presidente não demonstra vontade política nem conta com ministros que permitam deixar um legado para o Brasil. Ele não se preparou para deixar legado e se rodeou de ministros que se dedicam a bajular e atrapalhar. Estamos sem propostas, sem liderança e sem competência.

O melhor exemplo é a saúde. Bolsonaro não se preparou. Não tinha projeto para superar as dificuldades que recebeu, e não sabe o que fazer diante da epidemia. Ele usa sua vontade política para negar o problema, para recusar o uso da ciência e substituiu os ministros competentes por um que deseja apenas agradar ao chefe e sem competência técnica, nem gerencial.

Em vez de se ajudarem, se atrapalham, porque são atrapalhados. Em vez de sinergia temos uma entropia: um governo autofágico e que engole o Brasil.

Para ameaçar ainda mais o futuro do Brasil, esta situação não é apenas na saúde. Nas relações exteriores tem um ministro antidiplomático, despreparado, capaz de dificultar, no lugar de ajudar, inclusive com BRICS, aliança criada pela vontade do presidente Lula e a competência do ministro Celso Amorim, que agiam com a sinergia de um time Lulamorim, quando agora temos a entropia do Bolsuello. Na economia, o Guedes diz coisas que não deveria e é obrigado a se desdizer, ou a corrigir o presidente depois do estrago feito. No meio ambiente, o ministro é anti-ecológico. Além de fazer o contrário do que o país precisa, agrava as relações internacionais.

Este governo joga contra o Brasil, tropeçando no presente, em vez de caminhar para o futuro. Pior, aue não se vislumbra luz, nem sinergia no lado da oposição, onde o Brasil também tem seus bolssuelos. No final do regime militar, assistiu-se sinergia entre os líderes da época. Ulisses, Arraes, Brizola, Tancredo jogavam com a vontade certa e a competência necessária. Apesar de visões e interesses próprios, jogaram unidos a favor da democracia no país.

Nossos líderes atuais ainda não demonstraram esta vontade, nem competência para o diálogo. Não vemos Ciro, Marina, Lula, Huck, Dória, Dino lutando de forma combinada para livrar o Brasil do governo entrópico dos bolsuellos. Cada um é candidato a ser o próximo presidente, não a barrar os desastres do atual. O resultado é que dificilmente o Brasil conseguirá o impeachment e possivelmente a oposição chegará dividida no primeiro turno, repetindo 2018 e reelegendo um governo sem vontade nem competência para deixar um Brasil melhor.

*Cristovam Buarque foi ministro, governador e senador


Cristovam Buarque: O presidente asfixiador

A falta do oxigênio é consequência do colapso político de um governo despreparado para cuidar do Brasil.

Política é a arte de um povo para definir seu caminho com coesão e rumo, por meio de dirigentes escolhidos. O colapso do sistema de saúde em Manaus é prova do fracasso da política. Irresponsabilidade, incompetência, insensibilidade dos governantes que nós elegemos, sobretudo o obscurantismo deles provocaram a tragédia da asfixia de doentes por falta de oxigênio. A imagem de brasileiros se afogando nos corredores de hospitais, por falta de um balão de oxigênio, é uma metáfora real de um governante com o pé no pescoço do país inteiro.

A falta do oxigênio é consequência do colapso político de um governo despreparado para cuidar do Brasil. O sofrimento e morte no Amazonas, previsto por todos os cientistas e pelos ministros de saúde que foram demitidos porque alertaram, é consequência do descuido do presidente com o sofrimento, seu apego à feitiçaria no lugar da ciência, sua mesquinharia ao politizar a saúde pública e seu despreparo gerencial e sua falta de patriotismo. A crise sanitária é apenas um dos males que ele está provocado.

Nestes seus dois anos, ele conseguiu nos transformar em uma nação ridicularizada e desprezada no cenário internacional, está asfixiando o país em função de seu constante incentivo à destruição das florestas, seu descuido e até repulsa à educação de base, ensino superior, ciência e tecnologia e aos artistas faz dele o asfixiador do conhecimento e do espírito nacional, até mesmo esta conseguindo desmoralizar o Exército brasileiro ao dar-lhe tarefas para as quais seus generais demonstram despreparo. Bolsonaro é o asfixiador do Brasil.

Mas lamentavelmente ele não é o único. A asfixia também é feita pelos que não conseguem barra-la. Há dois anos nosso divisionismo permitiu a eleição deste asfixiador. E agora a divisão não nos dá a força necessária para seu impeachment por crime contra os brasileiros e o Brasil. Daqui a dois anos ele pode ser reeleito, se não nos unirmos e oferecermos uma proposta e um nome confiável nas eleições de 2022.

Bolsonaro é o asfixiador, mas o Brasil não nos perdoará se não encontrarmos os meios para impedir sua maldade e sua incompetência. Um país caminha errado, quando seu governo é ruim, mas entra em colapso quando as oposições também são ruins ou quando não se unem.

*Cristovam Buarque foi senador, governador e ministro


Cristovam Buarque: Futuro para a esquerda

''Critico a esquerda com a esperança que se atualize. Para isso, seguem algumas das minhas sugestões''

O artigo “É o futuro, esquerda”, publicado nesta página, em 15 de dezembro, foi criticado por ter aplicado os conceitos de “direita” e “esquerda” a conservadores e progressistas, respectivamente. Também por ter sido mais duro com os progressistas. No entanto, no texto, afirmo que a “direita” ainda nem aceitou a Lei Áurea e que a “esquerda” deve fazer sua revolução para ter futuro. Critico a esquerda com a esperança que se atualize. Para isso, seguem algumas das minhas sugestões.  

1. Acreditar em utopias.   

Os progressistas precisam recuperar sonhos utópicos, aceitando a marcha da história: automação, inteligência artificial, limites ecológicos, o valor da natureza, o esgotamento do Estado, a globalização, a mudança no perfil etário da população. Não devem mais prometer a ilusória e autoritária igualdade de renda e consumo. De fato, devem buscar que, graças a um piso social, todos, mesmo aqueles com baixa renda, tenham acesso a todos os bens e serviços essenciais; e que, graças a um teto ecológico, ninguém, mesmo aqueles com renda alta, possa consumir bens e serviços que desequilibrem o meio ambiente. Os progressistas também devem assegurar igualdade na qualidade dos serviços de saúde e educação, permitindo que cada pessoa use seu mérito para ascender socialmente.  

2. Modificar o entendimento da realidade social e econômica.   

É preciso livrar-se de falsas narrativas, negacionismos e preconceitos que impedem entender a realidade em sua marcha ao futuro, e perceber que o Brasil é uma sociedade com apartação. E o primeiro compromisso moral é com o combate à exclusão social. Diferenciar direitos de privilégios, mesmo quando estes beneficiam assalariados. Nas disputas entre servidores e o público, é preciso ficar do lado deste. Entender que, na Era do Conhecimento, o capital não é gerado pela acumulação de dinheiro, mas de conhecimento que vem, sobretudo, da escola. Por isso, educação é mais do que um direito de cada pessoa, é o vetor do progresso nacional, tanto econômico quanto social. A revolução está na garantia dos filhos dos trabalhadores e pobres nas mesmas escolas que os filhos dos patrões e ricos.   

É imperativo entender que estatal não é sinônimo de público, renda não é sinônimo de bem-estar, e no “neoliberalismo social”, as bolsas e cotas são necessárias, mas não representam as transformações necessárias para trazer eficiência, justiça e sustentabilidade. Temos que reconhecer que a inflação é uma corrupção que rouba todos, especialmente os assalariados, aposentados e pobres. Portanto, a irresponsabilidade fiscal é um crime contra os interesses de longo prazo da população e do país.   

É essencial reduzir a importância das siglas partidárias e valorizar alianças para abolir a exclusão social, reduzir a desigualdade, equilibrar a ecologia, assegurar democracia, liberdade e direitos humanos, lutar contra a corrupção e a defesa do meio ambiente. Saber que alguns membros de siglas de “direita” têm mais compromissos progressistas do que muitos filiados a siglas que se consideram de “esquerda”, mas defendem privilégios.  

3. Bandeiras transformadoras 

A “esquerda” não deve continuar no acomodamento da luta limitada apenas a reivindicações por pequenos ganhos para os trabalhadores e insuficientes políticas compensatórias para os pobres. Deve lutar para o Brasil completar a Abolição e a República, por meio de bandeiras transformadoras.  

É necessário implantar sistemas públicos únicos de educação e saúde, com a mesma e máxima qualidade para todos; erradicar o analfabetismo de adultos; garantir sistema de água e esgoto para cada família, com o direito a um endereço onde estabelecer sua moradia; oferecer amplo programa de incentivos sociais que empregue para produzir o que as camadas pobres precisam para sair da pobreza, tal como estudar, melhorar a moradia, urbanizar e florestar; respeitar o rigor fiscal e equilibrar o orçamento por meio de mais eficiência dos governos e mais impostos sobre as rendas altas;  eliminar privilégios, mordomias e vantagens financiadas com recursos públicos, inclusive subsídios ao consumo das camadas ricas; defender o meio ambiente; comprometer-se e defender a liberdade, a democracia, a diversidade e os direitos humanos; e ser radicalmente intolerante com a corrupção no comportamento dos políticos e na definição das prioridades.  

*Cristovam Buarque, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)


Cristovam Buarque: Basta e basta

União contra Bolsonaro

Basta do governo insano e da oposição dividida. O maior erro dos democratas foi não manterem a unidade da luta contra a ditadura, na hora de construir a democracia, com eficiência econômica, justiça social, sustentabilidade ecológica, fiscal e educacional. Continuamos divididos, mesmo diante do risco de reeleger um regime miliciano no lugar do antigo regime militar.

Em 1985, os democratas se uniram para barrar a continuação do regime militar com o civil Maluf; com exceção do PT, que não votou contra a ditadura, para não se aliar a democratas conservadores. Com poucos deputados, sua opção não impediu a vitória da democracia. Quase quarenta anos depois, outra vez os democratas têm a chance de deixar suas divergências para barrar um regime militarista, obscurantista, candidato a autoritarismo. Desta vez o PT não é mais o pequeno partido de antes. Apesar de todo seu desgaste, por seus erros ou por manipulações na justiça, o PT é um partido grande o suficiente para definir o rumo das eleições em 2022: unindo-se aos demais democratas para barrar a continuação do atual governo, ou repetir o isolamento e correr o risco de reeleger o governo atual, com todas as consequências.

Se repetirmos agora o divisionismo, seja porque o PT não se alia aos demais democratas ou porque estes não aceitam se unir ao PT, há grande chance de outra vez chegarmos ao segundo turno com um nome que não entusiasma ao conjunto dos democratas, e, ainda mais grave, um nome ou um partido com mais rejeição do que o atual presidente. Como aconteceu em 2018, onde Fernando Haddad era muito mais preparado, mas perdeu por causa da rejeição ao PT.

Basta deste governo insensato.

Basta também da insensatez dos democratas que se dividem.

Em 1985, Brizola, Arraes, Ulisses, deixaram de lado suas divergências mútuas e abriram mão da proposta nobre das eleições diretas, adiando-a por quatro anos; se aliaram a Sarney e Marco Maciel, que até a véspera estavam aliados a ditadura mas aceitaram a aliança com seus adversários para iniciar a redemocratização, que sem eles teria sido adiada por anos. Foi a aliança entre adversários discordantes e o nome sem rejeição, do Tancredo, que permitiu barrar a ditadura. Outra vez precisamos que nossos líderes de hoje barrem a reeleição deste presidente que se reelegeu por causa de nossa divisão em 2018. Para tanto, precisam fazer como fizeram aqueles outros 40 anos atrás: explicitarem a unidade, os motivos dela, e escolherem um nome com pequena rejeição na opinião pública. Que assuma o compromisso de abolir o negacionismo, aceitar diálogo e tolerância, respeitar a democracia, rechaçar o armamentismo e conduzir o país por quatro anos. É como se estivéssemos outra vez adiando as Diretas, mas abrindo o debate sobre o progresso futuro, graças a barrar a decadência que o Brasil sofre.

Basta da insanidade do desgoverno ou do divisionismo das oposições.


Cristovam Buarque: A irresponsabilidade da divisão

Bolsonaro já provou seu despreparo técnico e psicológico para cuidar do presente

O presidente eleito em 2018 surpreende sempre para pior. Nesta semana, foi o deboche para se referir à tortura sofrida por sua antecessora, a presidente Dilma Rousseff, quando jovem militante contra a ditadura. Só este gesto demonstra sua psicologia política doentia. Mas na mesma semana, disse “estar nem aí” para a demora em aprovar e distribuir a vacina contra o corona vírus, debochando também do sofrimento de milhões e da morte de 200 mil pessoas, que o elegeram para gerenciar nossa saúde.

Bolsonaro já provou seu despreparo técnico e psicológico para cuidar do presente e conduzir ao futuro, mas também provou estar preparado para a politicagem que elege os populistas irresponsáveis. Devido a este preparo cínico, ele pode se reeleger apesar do péssimo desempenho de seu governo em todas setores, até mesmo com a possível volta da inflação, se as forças democráticas não se unirem com uma alternativa e um nome que não sofra maior rejeição que ele.

Com seu despreparo e maldade, Bolsonaro foi eleito sobretudo pelos democratas-progressistas que estiveram no poder por 26 anos. Por nossos erros, especialmente pelo PT, o eleitor queria “outro”, qualquer que fosse. Bolsonaro conseguiu usar uma máscara de “outro”. E por nossa divisão que permitiu colocar no segundo turno um nome que seria melhor presidente do que o eleito, mas que provocava rejeição no eleitor.

O Brasil e seus eleitores não merecem que as lideranças democráticas, de direita ou esquerda, repitam os erros da divisão que leve ao segundo turno um nome com rejeição maior do que o presidente com apesar de sua psicológica política doentia. Bolsonaro contará com um núcleo duro de simpatizantes que o colocarão no segundo turno.

Seria uma traição, que os democratas apresentem tantos nomes, que leve um núcleo duro de simpatizantes colocar no segundo turno um nome contrário ao Bolsonaro, mas que o elegerá na disputa entre os graus de rejeição e não de esperança. Não temos o direito de correr o risco de facilitar sua eleição pela rejeição ao seu concorrente. As lideranças democráticas lúcidas e responsáveis precisam se unir para construir uma alternativa capaz de chegar ao segundo turno e barrar a reeleição de Bolsonaro. Promover uma aliança com base em compromissos para um governo de transição que deixe as diferenças aflorar em 2026. Fizemos isto com Tancredo em 1985. Em 2022, temos a obrigação de repetir aquela unidade. Podemos exigir que o nome escolhido assuma o compromisso de não tentar a reeleição, que seu governo seja uma espécie de frente com compromissos básicos em comum.

Até aqui, a aliança para eleger o novo presidente da Câmara dos Deputados, a unidade na defesa do uso da ciência e a solidariedade à ex-presidente Dilma nos permitem esperança na possibilidade de uma unidade por uma presidência com sanidade mental e valores democráticos.

*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador