Brasília discute sobre ser oportuno ou não termos o Museu à Bíblia, no Eixo Monumental. Faz 25 anos, a Câmara Legislativa tomou a iniciativa e aprovou uma lei com dois artigos determinando a construção desse monumento. À época, como governador, sancionei o artigo autorizando o local, mas vetando o outro que se referia a aspectos da construção. Tomei a decisão em respeito ao Poder Legislativo da capital e ao sentimento religioso de parte da população. Mas também por entender o valor cultural do museu e monumento.
O Eixo Monumental deve ser espaço para museus e homenagens que formam e formarão a mente brasileira. Como o Museu ao Índio, o Monumento a JK, o Panteão aos Próceres do Mundo (em frente ao Buriti), a Biblioteca e o Teatro Nacional, o Monumento aos Heróis da Pátria e a Oscar Niemeyer. Mas as homenagens devem ser não apenas à história política e às artes, mas também às ideias. Por isso, é justificável um museu à Bíblia e também outro ao Corão, à Torah, e às religiões sem livros sagrados, como as de origem afrodescendente, as espiritualistas, ao Budismo e mesmo ao pensamento ateu e agnóstico.
Aos que lembram a laicidade do Estado, cabe lembrar que há um templo católico no Eixo Monumental, a Catedral Militar Rainha da Paz, e que a Catedral Metropolitana de Brasília está na própria Esplanada dos Ministérios. Todos os grandes livros merecem monumentos ou um Monumento ao Livro, em geral – a história, desde Gutenberg a Jobs. Um monumento para lembrar o holocausto da escravidão e a luta abolicionista, que ainda não terminou – só terminará quando não houver desigualdade na qualidade da escola oferecida às crianças brasileiras, por causa da renda ou do endereço. Assim, seriam válidos monumentos a educadores e educacionistas, como Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira e João Calmon. Como lembrou Severino Francisco, em artigo recente publicado no Correio Braziliense, precisamos levar adiante o Museu a Athos Bulcão.
Todavia, esses monumentos não terão legitimidade se forem construídos aceitando três tipos de corrupção: no comportamento dos políticos, cobrando propinas; no desperdício de recursos, por arquitetura suntuosa; ou na falta de ética, nas prioridades da política. Especialmente um monumento ao livro dos cristãos não pode tolerar que haja roubo por superfaturamento, tampouco roubo por ostentação ou por desvio de obras mais urgentes, do ponto de vista das necessidades imediatas da população pobre.
Independentemente do Museu da Bíblia ser construído com recursos públicos ou privados, é injustificável, neste momento, investir em uma nova obra como essa, se ela exigir gastos elevados para uma construção suntuosa. Mesmo que os recursos fossem enviados por um governo estrangeiro para fazer um monumento faraônico ao Corão, por exemplo, esta não é a hora. Tanto pelos outros museus e monumentos que se ressentem de recursos, quanto pelas necessidades mais imediatas de nossa população. Como lembrou Vladimir Carvalho em Carta aos Leitores, neste Correio Braziliense, nosso Teatro Nacional Claudio Santoro está fechado, há anos, degradando-se. A poucos quilômetros de distância, há famílias sem saneamento, crianças sem escola de qualidade, pessoas sem renda.
É inaceitável fazer museus caros neste momento. Sobretudo, para lembrar a Bíblia e o pensamento de Cristo, que defendeu a simplicidade e a solidariedade. Também a Lutero, que fez a Reforma para se insurgir contra a ostentação na Roma medieval.
Será educativo para nossas crianças ter contato com museus às ideias, sejam filosóficas, científicas, artísticas, ou religiosas, às ideias da ética, da lógica e da estética. Mas que os museus e monumentos sejam construídos com estilo bonito e austero, que mostre a nova arquitetura que o mundo precisa nestes tempos de limites ecológicos e fiscais. Monumentos cujas construções não signifiquem prioridades indecentes, em um momento em que os recursos deveriam ter sido usados para atender necessidades mais urgentes; e que se assegure não ocorrer roubo de dinheiro público durante a construção.
Se não tomarmos estes cuidados, corremos o risco de repetir o erro do templo à religião do futebol, o Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha, que hoje serve como monumento às corrupções da ostentação, nas prioridades e no comportamento dos políticos do tempo de sua construção.
Bem-vindos monumentos educativos, como museus ao pensamento, mas ao custo certo, no momento certo e coerentes com as necessidades sociais do momento.
*Cristovam Buarque, professor Emérito da Universidade de Brasília