crise econômica

Roberto Freire: A recessão ficou para trás

Apesar de todas as dificuldades próprias de uma quadra especialmente tumultuada da vida nacional e dos problemas advindos da política e, eventualmente, da própria Justiça, o governo de transição vem conseguindo tirar o Brasil da crise.

Após três anos sofrendo com a mais profunda recessão econômica de nossa história, o país começa a sentir os efeitos da retomada, com a queda consistente da inflação e da taxa básica de juros, além do aumento do poder de compra das famílias e do início de um processo de recuperação em setores fundamentais da economia.

Um estudo divulgado pelo Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace), que integra o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV), mostra que já se pode afirmar que a recessão iniciada no segundo trimestre de 2014 chegou ao fim em dezembro do ano passado.

Nesse período, de acordo com o colegiado formado por sete economistas do primeiro time – Affonso Celso Pastore, Edmar Bacha, João Victor Issler, Marcelle Chauvet, Marco Bonomo, Paulo Picchetti e Regis Bonelli –, foram nada menos que 11 trimestres consecutivos de retração da economia brasileira, o que significou uma queda acumulada de 8,6% do PIB nacional.

Trata-se, ao fim e ao cabo, da recessão mais longa e intensa da história recente do país, segundo os dados do Codace, superando os períodos entre 1989 e 1992 (11 trimestres de queda, com perda de 7,7% do PIB) e de 1981 a 1983 (retração de 8,5% por nove trimestres).

Criado em 2004, o comitê estipulou uma espécie de cronologia dos ciclos econômicos no Brasil a partir da década de 1980, mas estimativas indicam que a recessão mais grave ocorrida no país até então datava do período entre 1930 e 1931, com uma contração de 5,3% do PIB.

O tamanho da herança nefasta deixada pelos governos lulopetistas, que pode ser medida pelos 11 trimestres em que o PIB despencou quase 9%, reforça o quanto foi fundamental levar a cabo o impeachment de Dilma Rousseff. Se o PT ainda estivesse à frente do governo, não conseguimos sequer imaginar em que estágio de degradação econômica, política, moral e social estaria o Brasil, provavelmente em absoluta conflagração.

Apesar dos obstáculos, das resistências e de todo o desgaste provocado por um processo lento e traumático, o afastamento da ex-presidente e a ascensão do governo de transição foram essenciais para que o país desse os primeiros passos em direção ao crescimento e voltasse aos trilhos do desenvolvimento.

A verdade é que, naquela ocasião, apesar de plenamente conscientes da necessidade do impeachment, não tínhamos a exata dimensão do tamanho do buraco em que Lula, Dilma e o PT haviam metido o Brasil.

O fundo do poço, lamentavelmente, era mais fundo do que imaginávamos, o que explica certa demora para que o país superasse a fase mais aguda da crise.

Há uma diferença fundamental entre o atual cenário e o governo de Itamar Franco – também resultante de um processo de impeachment –, do qual honrosamente fui líder na Câmara dos Deputados.

Naquele momento, para enfrentarmos uma crise fiscal tão grave quanto esta com a qual o país hoje se depara, o governo teve condições políticas de criar um imposto que, posteriormente, viria a ser a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira).

O governo de Michel Temer, por sua vez, não teve, não tem nem terá essa oportunidade, pois a sociedade hoje rejeita discutir qualquer tipo de aumento da carga tributária.

Voltando ao momento presente, superada a recessão e já com vistas ao próximo ano, uma constatação é inescapável. Ao contrário do que alguns analistas mais apressados poderiam imaginar, é certo que as forças políticas associadas ao atual governo e que exercem papel fundamental no cumprimento da agenda de reformas terão um papel de certo significado a desempenhar na sucessão presidencial.

Afinal, a frase tornada célebre por James Carville, estrategista eleitoral da campanha de Bill Clinton nas eleições presidenciais dos EUA em 1992, até hoje se comprova no dia a dia da política: “é a economia, estúpido!”.

Karl Marx, por sua vez, também afirmava que a infraestrutura (os meios materiais de produção e a força de trabalho) determina a superestrutura (as esferas política, jurídica, religiosa, enfim, as instituições). Em 2018, uma vez mais, a economia será um dos fatores decisivos no processo eleitoral brasileiro.

Com o fim da recessão que tanto infelicitou o país nos últimos três anos, esperamos que a retomada da economia brasileira se consolide de forma ainda mais acelerada. Temos de continuar apoiando as reformas e a agenda econômica, que vêm avançando e levando o Brasil a um novo patamar. Se prosseguirmos nesse caminho, os brasileiros terão uma nova perspectiva já a partir de 2018, com menos inflação e mais emprego e renda. É hora de mirar o futuro.


Míriam Leitão: Desfazer o nó

O Tribunal de Contas da União é que definirá que tipo de solução o Banco Central pode aprovar em relação à Caixa Econômica (CEF). Ela precisa de capital para se enquadrar nas resoluções de Basileia. A direção executiva da CEF havia sugerido soluções que não agradaram ao BC e ao Tesouro. Agora se discute uma ideia que terá que ser aprovada pelo Conselho do FGTS, e, depois, pelo TCU.

A proposta é transformar R$ 10 bilhões da dívida do FGTS em capital, tornando o Fundo dono de uma parte do banco. Sendo capital, pode ser mais bem remunerado, mas ao mesmo tempo há mais riscos, afinal pode ter que absorver perdas inesperadas. Por isso terá que ser aprovado pelo credor, no caso o Conselho do FGTS, mas precisa ainda de que o TCU considere que a solução se enquadra nas regras existentes.

Essa consulta informal ao TCU tem se tornado rotina no governo, exatamente para evitar que se crie novos problemas como as pedaladas ou soluções criativas inventadas pelo governo passado e que até hoje estão tendo desdobramentos.

A Caixa já está fora de enquadramento de Basileia, que estabelece parâmetros para a solidez dos bancos, e agora terá ainda que devolver recursos que recebeu do Tesouro de forma pouco usual. Como explicou o “Valor” ontem, as transferências do Tesouro para outros bancos públicos, além do BNDES, no valor total de R$ 39 bilhões, podem ter que ser devolvidas. Não foram declaradas como capitalização, para não impactar as contas do Tesouro, e por isso as operações foram feitas através do que eles chamaram de instrumentos híbridos de capital e dívida. Segundo o jornal, o parecer técnico do TCU é pela devolução desse dinheiro, estabelecendo-se um prazo para haver um cronograma. Falta apenas a discussão em plenário.

A Caixa fica assim numa situação complexa. Tem necessidade de mais capital pelos desequilíbrios provocados pelos erros de gestões passadas. Foi nos governos Lula e Dilma que a Caixa comprou um banco quebrado, o Panamericano, teve que investir em projetos que não deram retorno, como a Sete Brasil, e financiar projetos de empresas hoje envolvidas em investigação de corrupção. Em alguns casos, emprestou com capital próprio, em outros, fez as operações com recursos do FI- FGTS. Acabou sendo so- corrida por recursos transferidos pelo Tesouro mas que não eram oficialmente capitalização. Agora ela tem dois problemas para resolver: cumprir os parâmetros internacionais de solidez bancária e devolver o que recebeu por estas vias criativas.

Pedalar foi fácil, mas tem sido difícil desfazer os nós deixados nas contas públicas. O governo passado criou no Ministério da Fazenda uma usina de criaturas contábeis. Algumas delas foram descobertas. Os empréstimos camuflados dos bancos públicos ao governo, através do pagamento de despesas orçamentárias, levaram ao impeachment da presidente Dilma. Outras operações têm sido desfeitas lentamente, como as transferências do Tesouro aos bancos públicos através desses “instrumentos híbridos de capital e dívida”. O BNDES está devolvendo os recursos. Se o TCU decidir pela devolução também, isso será mais um problema para os bancos, principalmente a Caixa.

A falta de liquidez da Caixa poderá atrasar a recuperação do mercado imobiliário porque o banco financia cerca de 70% das operações do setor no país. O limite para financiamento de imóveis usados foi reduzido para 50%, e dos imóveis novos, para 80% do total. Além disso, linhas mais baratas, como a pró-cotista FGTS, foram suspensas este ano. Até o financiamento do Minha Casa, Minha Vida, voltado para baixa renda, foi atingido.

De um lado, a não devolução dos recursos terá impacto sobre a dívida bruta, que saltou de 52% para 76% do PIB desde 2011. Mesmo com a queda da Selic, o déficit nominal do governo foi de 8,75% do PIB em 12 meses até setembro. Ou seja, se o Tesouro puder reduzir a sua dívida com a devolução dos recursos dos bancos públicos, o gasto com juros será menor. Mas, por outro lado, restringir o poder de financiamento da Caixa irá dificultar a retomada da construção civil, que é um dos setores que mais geram empregos na economia.

As pedaladas criaram dilemas que ainda não foram resolvidos.

 


Everardo Maciel: As microrrupturas institucionais

Em algum momento, é preciso dar curso a um processo de repactuação dos limites dos Poderes

Uma obra da engenharia civil, salvo em casos de imprevisíveis desastres naturais, não desmorona sem antes emitir sinais, que isoladamente podem nada significar, mas que, no conjunto, constituem evidências de algum comprometimento. Por analogia, o tecido institucional brasileiro vem revelando disfunções que, conquanto não sinalizem uma indesejada ruptura, inviabilizam, no médio prazo, qualquer perspectiva de desenvolvimento e paz social. São as microrrupturas institucionais. Destaco algumas dessas disfunções.

A Constituição de 1988, por uma manobra política, afastou-se da pretensão originalmente parlamentarista para fixar-se no presidencialismo, sem dispensar, contudo, instrumentos próprios daquele regime, como a medida provisória, que findou sendo uma versão piorada do execrado decreto-lei.

Os requisitos de relevância e urgência da medida provisória jamais foram verdadeiramente apreciados no Legislativo, exceto em raríssimos episódios com incidental motivação política.

Esse instituto desmotivou a iniciativa de projetos de lei no âmbito do Poder Legislativo e ensejou, na aprovação dos projetos de lei de conversão, uma abjeta barganha para liberação das emendas parlamentares.

A essa disfunção se juntou o ativismo judicial, que prospera em virtude da mora legislativa, como no disciplinamento da greve no setor público, e de princípios constitucionais demasiado abertos, sem regras que fixem sua aplicabilidade para casos concretos, como no acesso aos serviços públicos de saúde, cuja judicialização encerra, frequentemente, conflitos com o princípio universal da escassez.

O ativismo judicial aprimorou-se a ponto de dispor sobre normas regimentais do Legislativo, ainda que não raro estimulado por demandas dos parlamentares insatisfeitos com reveses em sua própria Casa. Apenas para argumentar, qual seria a reação se a algum parlamentar ocorresse a insana ideia de, mediante lei, estabelecer regras aplicáveis aos regimentos do Poder Judiciário?

São kafkianas as normas processuais aplicáveis à responsabilização do presidente da República, nos crimes de responsabilidade e nas infrações penais comuns de que tratam os artigos 85 e 86 da Constituição.

O processo de impeachment da deposta presidente Dilma foi uma tediosa e infindável sequência de julgamentos burocráticos, que beiravam o ridículo. De igual forma, as acusações recentes contra o presidente Temer revelam um poder desproporcional do chefe do Ministério Público Federal, capaz de paralisar o País ao promover um patético julgamento político, com enormes e desnecessários custos para o País.

Acompanhando uma tendência mundial, acolhemos na legislação pátria instrumentos poderosos de combate à corrupção, com especial destaque para a colaboração premiada e para os acordos de leniência. É certo que a colaboração premiada permitiu desmontar organizações criminosas enraizadas na administração pública brasileira, mas não se pode esquecer de que é tão somente um instrumento de investigação. Quando procedente a colaboração, a premiação deveria seguir parâmetros objetivos a serem aplicados pela Justiça, vedada qualquer possibilidade de “indulto”.

Lamentavelmente, ela é, quase sempre, acompanhada de vazamentos, autorizados ou não pela Justiça, confundindo a sociedade, que a entende como prova. Os vazamentos se inserem num ambiente de espetacularização, que assume enredo de novela animada por uma mórbida alegria popular pela desgraça alheia (Schadenfreude, em alemão). E, quando a colaboração se revela ineficaz, por ausência de prova, transparece para a sociedade que houve impunidade.

Acordos de leniência, por sua vez, estão envoltos em furiosos conflitos corporativos, que comprometem seus objetivos. A pertinente legislação é malfeita e demanda revisão.

São muitas as microrrupturas institucionais. Em algum momento, é preciso dar curso a um preventivo processo de repactuação dos limites dos Poderes e dos instrumentos de combate à corrupção, sem receio das previsíveis e indevidas reações corporativas.

* Everardo Maciel é consultor tributário e foi Secretário da Receita Federal (1995-2002)

 

 


Monica de Bolle: O Brasil potencial

Há ainda muito pouca reflexão sobre nosso problema de fundo, o acesso às oportunidades

Longe de Brasília, há uma adolescente guarani que sonha em ser advogada para defender os direitos de seu povo, que ela julga não estarem sendo respeitados. Longe de Brasília, há jovens negros tentando fugir do racismo e das terríveis estatísticas sobre mortes prematuras por meio da música. Longe de Brasília, há idosos produtivos, idosos com enorme potencial e vitalidade, que veem com assombro a perspectiva de ficarem parados depois da aposentadoria.

Esses são alguns retratos da realidade brasileira, da rica diversidade brasileira abordada no segundo episódio da série de Miriam Leitão sobre seu livro, História do Futuro. O programa leva a uma profunda reflexão sobre os rumos do País, sobre o que deveríamos almejar a partir do ano que vem.

Se restava alguma dúvida, a adolescente guarani, os jovens músicos do Neojiba – um dos programas prioritários do governo da Bahia –, os idosos dinâmicos de Santa Catarina e de outras partes do País revelam que o potencial do acesso às oportunidades para destravar a criatividade e a produtividade é imenso. O que falta é o princípio do acesso às oportunidades como regra, como parte integral das políticas públicas articuladas para qualquer esfera socioeconômica.

A jovem guarani tem pela frente árduo caminho para se tornar advogada, haja vista as dificuldades de acesso à educação. Os jovens do Neojiba vêm de comunidades extremamente carentes, onde a música é forma eficaz de mantê-los distantes da criminalidade, mas não é suficiente para integrá-los à sociedade. Os idosos, como bem observou um amigo, são cada vez mais jovens para se aposentar, porém velhos para trabalhar. Conhece essa realidade quem já teve de procurar emprego depois dos 60 anos (ou mesmo depois dos 45 anos): simplesmente, não há acesso ao mercado de trabalho.

Enquanto imperam essas dificuldades e obstáculos, limitamo-nos como economistas a entoar a liturgia do livre mercado, como se ele tudo resolvesse, como se as liberdades individuais e as desejadas conquistas de gente real pudessem ser resolvidas por meio da remoção de entraves criados pelo “Estado Grande”.

É evidente que o Estado inchado que temos traz mazelas e ineficiências – basta ver o último relatório do Banco Mundial sobre os obstáculos institucionais do País (o Doing Business 2018, recém-publicado). Amargamos a 125.ª posição entre 190 países, atrás do Irã, da Suazilândia, das Ilhas Salomão, de Honduras – e, sim, da Argentina. Contudo, as ineficiências do Estado inchado e de políticas que reproduzem essas ineficiências indefinidamente não significam que o mercado, sozinho, seria capaz de gerar o acesso às oportunidades de forma ampla e irrestrita.

O livre funcionamento dos mercados é condição necessária para a melhoria na alocação de recursos, mas ele precisa ser complementado por um Estado com visão moderna e realista a respeito dos problemas enfrentados pela sociedade brasileira. Entre os candidatos às eleições de 2018, entre novos partidos e velhos conhecidos, nada vi sobre essas questões.

Preocupados estão os mercados e os economistas com a continuidade das reformas, mas pouca reflexão existe sobre nosso problema de fundo, o acesso às oportunidades. A reforma trabalhista, necessária e importante, não resolverá o problema dos idosos, da falta de oportunidade no mercado de trabalho para parcela da população que tende a crescer vigorosamente nos próximos anos. A reforma da Previdência – caso seja em algum momento aprovada em sua forma original, não no amontoado diluído pelo governo Temer – poderá abrir espaço nas contas públicas para iniciativas que ajudem os jovens de origens diversas a integrar-se à economia. Mas, para isso, será preciso direcionar intencionalmente os recursos para tal finalidade.

Aguardo, não sem alguma aflição, o surgimento de alguém que faça da plataforma de acesso uma narrativa de campanha com propostas e substância. Gente para ajudar é o que não falta, como escrevi na semana passada sobre o Movimento Agora! e outras iniciativas que buscam não apenas a renovação, mas, sobretudo, a inovação.

* Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University

 


Míriam Leitão: Ainda em crise

Treze milhões de brasileiros estão procurando emprego e não encontram. Por incrível que pareça, essa é a notícia boa, porque de março deste ano a setembro caiu em 1,2 milhão o número de desempregados, segundo o IBGE. Mesmo na queda de 13% para 12,4% da taxa de desemprego, em três meses, há pontos negativos, como o aumento da informalidade.

“O mercado de trabalho está em recuperação. Mas qualitativamente ela é muito ruim, com muito trabalho por contra própria e informal. São empregos de menor qualidade”, diz o economista Bruno Ottoni, da FGV.

Na visão do economista, especialista em mercado de trabalho, o ritmo de recuperação do emprego está muito abaixo do necessário para o país sair da crise em que está, até porque os empregos criados são no mercado informal. Os números do IBGE mostraram queda de 810 mil vagas com carteira assinada em relação há um ano e aumento de 1,1 milhão de trabalho por contra própria, no mesmo período. Nem sempre o trabalho por contra própria é precário, porque pode ser o resultado do desejo de empreender. Mas, numa conjuntura como esta, a criação de negócios próprios é, em geral, decorrente das muitas demissões.

A FGV tem projeções de melhora do mercado de trabalho, mas elas foram ficando piores nas últimas revisões. Haverá queda do desemprego, mas será lenta. A Fundação prevê 12,2% no fim deste ano e 11,7% em dezembro do ano que vem. O país chegará ao fim do governo Temer com 12,3 milhões de desempregados, pouco abaixo do nível atual.

Mas, antes de melhorar, piora de novo. É que nós estamos agora em plena temporada de recuperação de vagas no mercado de trabalho. Sazonalmente, o desemprego cai no segundo semestre e volta a subir no começo do ano, quando são dispensados os temporários do comércio e novos profissionais recém-formados chegam ao mercado de trabalho. No começo do ano que vem, segundo Ottoni, o desemprego pode voltar a atingir a marca dos 14 milhões.

Este é um tempo misto de boas e más notícias. Neste momento, há vários indicadores de melhora da economia. A FGV já comunicou oficialmente que o Brasil saiu da recessão. A melhora da atividade econômica normalmente demora a chegar ao nível de emprego. Na conjuntura atual, em que o país vive um grau elevado de incerteza política, a recuperação dos postos de trabalho será mais devagar.

O Banco Central divulgou ontem a ata do Copom deixando a indicação de que os juros vão continuar caindo na última reunião do ano. Ainda que em um ritmo menor. Se caírem 0,5 ponto já será a menor taxa de juros da era do real. Mesmo assim, os juros são altos, principalmente na ponta do tomador do crédito.

Um dado positivo dos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios foi o crescimento de 3,9% da massa de rendimento real. Esse indicador é a soma de todos os salários da economia. Em um ano, houve aumento de R$ 7 bilhões, o que ajudará o consumo e também a redução das dívidas das famílias. Se a queda dos juros chegasse à ponta do consumidor, ajudaria bastante essa retomada.

A deterioração do mercado de trabalho foi avassaladora. O país tinha pouco mais de seis milhões desempregados ao fim de 2014. Logo depois começou uma escalada que foi até 14 milhões. De lá para cá, tem caído muito lentamente. Mas os números confundem. O desemprego caiu nos últimos meses. Estava em 13% em junho. Mas quando a comparação é feita contra o ano passado, nesta mesma época, há um aumento do percentual de pessoas desocupadas. Em setembro de 2017 a taxa de desemprego estava em 12,4%, no mesmo período de 2016 era de 11,4%. Pode parecer estranho, mas nesta comparação anual houve aumento do desemprego e elevação de pessoas trabalhando, ao mesmo tempo. É que a população economicamente ativa subiu, com a entrada de novos jovens no mercado.

Toda a comemoração deve ser relativa quando o assunto é mercado de trabalho. Ele permanece em instabilidade. De agora até o final do ano vai melhorar um pouco pelos temporários e pela sazonalidade. Mas o mercado de trabalho continua sendo o maior drama da economia brasileira, apesar de os dados mostrarem o aumento da população empregada.

 


Míriam Leitão: Mentiras convenientes na era da pós-verdade

Na era da pós-verdade, é bom o retorno a algumas realidades: a ex-presidente Dilma provocou surto inflacionário, recessão e desrespeitou as leis fiscais. Mereceu o impeachment que sofreu. Seu vice foi escolhido por quem formou a chapa e votou nela. Dilma e Temer são frutos da mesma escolha partidária e eleitoral. Criticar um não é apoiar o outro, e vice-versa.

O ex-presidente Lula, que escolheu Dilma sem ouvir o partido, usando seu poder majestático, diz agora que o povo se sentiu traído quando ela fez o ajuste fiscal e quando aprovou as desonerações para as empresas. Está querendo se descolar da ex-presidente, que deixou o governo com baixo nível de popularidade. Como a aprovação do presidente Temer é ainda mais baixa, muita gente esqueceu que ela chegou a ter apenas 10% de ótimo e bom.

Lula conhece esses números e estava esperando um bom momento e lugar para fazer essa separação de corpos entre ele e a sua sucessora. Escolheu um jornal estrangeiro, para ter menos contestações às suas invenções. Escolheu criticar dois pontos que acha que são antipáticos: o ajuste fiscal e a transferência de dinheiro para empresários. Ajuste, como as dietas, ninguém gosta de fazer. É apenas necessário quando há um descontrole como o criado pela Dilma. Ela recebeu o país com 3,5% do PIB de superávit primário, entregou com 2,4% de déficit e colocou a dívida pública numa rampa na qual ela continua subindo.

Parte desse desarranjo foi consequência das desonerações e subsídios para os empresários. Lula agora diz que foi um erro. Mas foi ele que começou a política junto com o seu ministro Guido Mantega. Dilma manteve o ministro e aprofundou as medidas. Foi no governo Lula que começaram as transferências para o BNDES, a ideia de recriar os campeões nacionais, os subsídios, o uso dos bancos públicos e tudo aquilo que favoreceu empresários em geral, e alguns em particular, como Joesley Batista, Eike Batista e Marcelo Odebrecht.

Temer conspirou abertamente contra Dilma, mas foi ela que criou o ambiente que desestabilizou seu governo, quando provocou um choque inflacionário e uma queda livre do PIB. É difícil um governo sobreviver a essa dupla. Foi eleita mentindo sobre a situação da economia, com a ajuda dos magos em efeitos especiais João Santana e Monica Moura, que montaram um país cenográfico. Quando a verdade apareceu, sua aprovação despencou e sua base se esfarinhou. Foi nesse ambiente que a conspiração de Temer teve espaço. E ocorreu dentro do grupo que estava no poder. A ex-presidente detestava o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, mas deu a ele acesso direto ao dinheiro do trabalhador, no FI-FGTS.

Geddel Vieira Lima e seus 51 milhões de “dinheiros” não traiu ninguém. Serviu a vários senhores. Esteve sempre perto dos governos, é íntimo do presidente Temer, mas teve cargos poderosos nos governos Dilma e Lula. Foi ministro de Lula e teve uma vice-presidência da Caixa no governo Dilma. As malas e caixas de Geddel apareceram mais de três anos depois de iniciada a mais ampla operação de combate à corrupção. É por isso que o juiz Sérgio Moro diz que não está julgando o problema da altura da saia, mas sim a corrupção. É com criminosos seriais que o país está lidando.

Vários deputados petistas votaram contra Temer afirmando estar fazendo isso porque são contra a reforma da Previdência. O ex-presidente Lula também fez uma reforma da Previdência, que levou inclusive um grupo a sair do partido e formar o PSOL. A ex-presidente Dilma prometeu fazer uma reforma e aprovou mudanças no pagamento das pensões das viúvas jovens. Qualquer um que governar o Brasil terá que enfrentar esse desequilíbrio. O relatório da CPI da Previdência dizendo que o déficit não existe é tão verdadeiro quanto uma nota de três reais.

Muitos dos deputados que foram ao microfone gritar contra a corrupção de Temer sustentam que as acusações feitas ao ex-presidente Lula e outros petistas são falsas e fruto da perseguição que eles sofrem do juiz Sérgio Moro e dos procuradores. A mentira e a manipulação passaram a ser a ordem do dia. São a pós-verdade dos tempos atuais ou a velha mentira conveniente.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)

 


José Anibal: Lula não muda, mas o Brasil muda, sim!  

Atribui-se ao economista John Maynard Keynes a frase: “Quando os fatos mudam, eu mudo de opinião”. Seria uma resposta a uma provocação de Winston Churchill, tampouco comprovada, na qual se teria duas opiniões diferentes se fossem ouvidos dois economistas, e três se um deles fosse Keynes. Ainda que se trate de mero folclore da vida pública britânica, é possível tirar lições dessa anedota de 80 anos atrás.

Não há demérito algum em se mudar de opinião diante da constatação de uma medida que se revela ineficiente, de um erro de avaliação ou de uma mudança de cenário. Ao contrário, é sinal de maturidade, capacidade e honestidade intelectual. Por que um governo manteria uma política pública cujos resultados não são os esperados? Faz sentido manter normas e leis de décadas atrás que não atendem mais as demandas do mundo contemporâneo?

Por outro lado, intransigência e intolerância são características típicas dos reacionários e obstáculos ao avanço das sociedades. São marcas também dos falsos salvadores da pátria que, por ora, encontram receptividade auferida em pesquisas de opinião, mas que simplesmente não oferecem nada de concreto ou pertinente para os desafios que o Brasil precisa enfrentar.

Pior do que isso, temos visto a desfaçatez do lulopetismo em atribuir aos outros o que é obra exclusivamente sua: a maior recessão econômica da história, a dilapidação do patrimônio público e a radicalização do debate político. Não foi outro que não Lula a dividir o país em “nós” e “eles”, a renegar o bom legado deixado por Fernando Henrique Cardoso, sem o qual não seria possível adotar políticas como o Bolsa Família, surfar a onda das commodities da década passada nem atingir o grau de investimento posteriormente jogado no lixo por Dilma Rousseff.

Agora, em entrevista recente, Lula admite a traição sentida pelo eleitorado de 2014, ludibriado pelo estelionato da campanha petista e das práticas pouco republicanas do governo. Ao contrário do capo do lulopetismo, o brasileiro sabe mudar de opinião quando os fatos mudam – ou melhor, quando a mudança dos fatos deixa de ser mascarada pela sede de um projeto de poder intransigente e intolerante.

A ameaça de Lula de reverter as boas políticas econômicas e administrativas tomadas após o impeachment é um flerte com um novo risco de retrocesso. Nada seria mais danoso ao Brasil do que a recondução ao poder daqueles que destruíram quase 10% da produção nacional, jogou de volta milhões de famílias à pobreza e fez a renda per capita do brasileiro cair pela primeira vez desde a criação do Plano Real.

É isso que precisa ficar claro – e ficará – no debate eleitoral de 2018. Diante de um quadro fiscal ainda frágil, da rápida mudança do perfil demográfico e dos desafios colocados pela revolução tecnológica, não podemos nos dar ao luxo de apostar em aventuras populistas ou de consistência questionável.

Consolidar uma força política coesa, democrática e republicana é medida urgente e prioritária para a viabilidade de um projeto para o país que tenha como premissa um compromisso com as brasileiras e os brasileiros baseado em responsabilidade, equilíbrio, confiança e coragem, além de experiência testada e reconhecida. Tão logo os brasileiros sejam apresentados a esse fato novo, não tenham dúvida: as opiniões – e as pesquisas de opinião – vão mudar!

- Blog do Noblat

* José Aníbal é presidente nacional do Instituto Teotônio Vilela. Foi deputado federal e presidente nacional do PSDB

 


Míriam Leitão: O sinal da Petrobras  

A melhora do risco da Petrobras anunciada pela Moody's teve repercussão imediata nos bônus da empresa, com a queda das taxas de juros cobradas pelo mercado. O diretor financeiro da companhia, Ivan Monteiro, comemorou não apenas a redução do custo do financiamento, mas também o relatório da agência de risco que apontou avanços nos quatro pontos que a nova gestão tinha escolhido como prioritários.

“Um papel de cinco anos que em outubro, novembro de 2015 pagava 15%, antes do upgrade da Moody's estava em 4,11%, e no dia seguinte ao anúncio, de manhã, abriu a 3,96%. Isso baliza o custo cobrado da Petrobras”, disse.

A dívida bruta da empresa já foi US$ 145 bilhões, caiu para US$ 115 bilhões, com a líquida chegando a US$ 90 bi, mas a melhor forma de ver isso é por outra medida: a relação entre o endividamento e a geração de caixa. Quando essa diretoria assumiu era de 5,2 vezes, hoje está em 3,2 e a meta é 2,5 até dezembro de 2018:

— Vamos atingir, mas mesmo assim será uma dívida alta para os parâmetros da indústria que é hoje de 1,5. É preciso não relaxar e manter a disciplina. O que é mais interessante no relatório da Moody's é que ela reconheceu que há uma nova política de preços em vigor, há disciplina administrativa, tem havido esforços de administrar a dívida, e uma nova governança na empresa. Vários projetos de retorno longo, ou que ainda nem aconteceram, como o Comperj, por exemplo, foram financiados com dívidas curtas. Estamos renegociando essas dívidas e trocando papéis para ter um novo perfil da dívida. Tudo isso estava no plano de gestão e estamos executando.

Nenhuma outra empresa foi mais violentamente atingida pelo processo de corrupção do que a Petrobras e, a partir da nova diretoria, com boa gestão, ela tem aos poucos saído da situação dramática em que estava. Mesmo assim, a companhia ainda está distante de algumas metas, como a de conseguir US$ 21 bilhões de desinvestimentos até o fim de 2018. Até agora não conseguiu nada.

A agência minimizou as dificuldades da empresa em vender ativos, justamente porque o fluxo de caixa está mais forte e já houve queda do endividamento. O risco jurídico também diminuiu, segundo a Moody's, porque a companhia mudou sua governança, como consequência da Lava-Jato, e já conseguiu chegar a acordos com 21 dos 27 investidores individuais que haviam processado a companhia por causa da corrupção. A petrolífera também está mais preparada financeiramente para honrar com as multas que ainda podem ser aplicadas.

No seu comunicado, a Moody's ressaltou que a Petrobras captou US$ 19,2 bilhões em títulos, reduziu a sua dívida em cerca de US$ 10 bilhões e ainda conseguiu manter US$ 24,5 bi em caixa. Considera que é factível atingir a meta de redução do endividamento.

Se o rating do governo brasileiro sofrer mais um corte, e a Petrobras subir mais um, a companhia passará a ser mais bem avaliada que o governo. Isso porque a petrolífera tem conseguido fazer o seu ajuste, enquanto em Brasília as reformas estão paradas. O rating do governo brasileiro está com viés negativo, e isso, segundo a Moody's, dificulta uma melhora mais rápida da nota da Petrobras.

O analista da Ativa Corretora Phillip Soares diz que hoje a petrolífera é outra empresa. Se há pouco tempo muita gente no mercado dava como certa a necessidade de aporte do Tesouro para socorrer a companhia, isso agora está totalmente descartado.

— A Petrobras já é uma empresa totalmente diferente. E as principais decisões foram tomadas no ano passado, quando a atual diretoria assumiu. Teve a nova política de preços, a venda de ativos menos rentáveis, a governança corporativa que agora está no estatuto. Ninguém fala mais em socorro do governo — explicou.

O valor de mercado da Petrobras saltou de US$ 16,4 bilhões, em janeiro de 2016, para US$ 67,5 bilhões, hoje. Com isso, a empresa voltou a ter condições de participar dos leilões de petróleo, como já aconteceu no mês passado, quando a companhia adquiriu seis campos em parceria com a ExxonMobil.

Soares aponta que hoje as ações da Petrobras voltaram a ter relação mais forte com o preço do petróleo, como acontece com outras empresas de commodities. E isso significa uma volta à normalidade. Conseguiu isso em pouco tempo e apesar da turbulência que atingiu o governo.

 


Míriam Leitão: concentração bancária atinge recorde no Brasil

O mistério dos juros altos no Brasil, mesmo com a queda da Selic, pode ser desvendado por um indicador que o Banco Central acaba de divulgar: a concentração bancária no país atingiu recorde histórico. Juntos, Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica e Itaú Unibanco detêm 72,98% de todos os ativos financeiros. Em 2007, a taxa era de 52,58%. O sistema financeiro andou para trás nos últimos 10 anos.

Em evento esta semana em São Paulo, o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, foi perguntado sobre o motivo de a Selic ter caído 600 pontos e as taxas bancárias terem continuado elevadíssimas para empresas e famílias. O BC nunca tem uma resposta clara para essa pergunta. De forma geral, economistas culpam as taxas de risco, inadimplência, impostos e o recolhimento compulsório pelos spreads elevados. Mas talvez a melhor explicação seja, na verdade, a concentração bancária, que cresceu muito nos últimos anos, como se pode ver no gráfico abaixo.

A concentração aumentou 38% desde 2008. Juntos, os quatro maiores bancos do Brasil, dois estatais e dois privados, têm 16.937 das 21.579 agências do país, ou seja, 78% do total.

No Relatório de Estabilidade Financeira, divulgado ontem, o BC disse que os testes de estresse indicaram que os bancos tiveram um aumento da sua resiliência. Estão mais preparados para enfrentar crises. O que é bom, porque bancos com fragilidades podem produzir uma crise generalizada. Mas é ruim quando bancos não cumprem bem seu papel de intermediação financeira, principalmente em períodos de recessão. Os bancos brasileiros, além de não reduzirem os juros, estão elevando a restrição de crédito, em pleno período de recuperação econômica. É como se os departamentos de crédito das instituições não falassem com os departamentos econômicos, que andam revendo para cima as previsões de crescimento.

De acordo com o BC, os testes de estresse têm nova metodologia e agora estão mais capazes de detectar fragilidades. Mesmo assim, ficou claro que os bancos brasileiros estão preparados para absorver choques porque têm “confortável nível de capitalização” e baixo nível de insolvência. Isso é bom, claro, já que o Brasil está saindo de um período de três anos de recessão. Além disso, o combate à corrupção revelou esquemas criminosos em grandes empresas que tiveram, em consequência disso, graves perdas econômicas. Isso elevou o número de grupos com desequilíbrios financeiros e até em recuperação judicial. Se, mesmo assim, os bancos estão sólidos, com capacidade de absorver choques, alta capitalização, grande resiliência e baixa inadimplência, é prova de eficiência.

O problema todo é constatar que os bancos tiveram queda no nível de oferta de crédito mesmo em época de recuperação, e seus juros não foram reduzidos de forma significativa, apesar do grande corte na taxa básica do Banco Central. No mínimo, se pode dizer que não estão fazendo bem seu papel na economia.

O que parece muito sólido pode se dissolver no ar porque novas tecnologias estão permitindo outras formas de intermediação financeira. Essa concentração toda e esse comportamento defensivo podem ampliar a força que as Fintechs começam a ter na economia. O jornal “O Estado de S. Paulo” publicou na segunda-feira, 16, reportagem mostrando que o crédito para as empresas está atingindo o menor nível dos últimos oito anos e que em agosto a carteira de crédito teve a vigésima queda consecutiva. Bancos sólidos deveriam emprestar mais e não menos.

 


Míriam Leitão: Chamada de risco

Solução para a Oi não pode envolver recurso público. Qualquer solução para a Oi que signifique colocar dinheiro público ou vantagens especiais no pagamento de dívidas com credores estatais é inaceitável. A empresa tem no seu DNA o intervencionismo estatal e isso é parte do problema. Apesar de a companhia estar arruinada, salários e bônus de diretores superam os de concorrentes mais saudáveis. Sua dívida é tal que estoura qualquer limite aceitável.

O assunto se arrasta. A quem interessa tanta demora? Nos formulários que a companhia entrega à CVM há alguns indícios. Os ocupantes das três diretorias estatutárias receberão neste ano R$ 45,8 milhões, incluídos aí R$ 21,6 mi em bônus. Levarão para casa 50% a mais do que no ano passado, quando a Oi registrou prejuízo líquido de R$ 7 bilhões. A Telefonica, dona da líder Vivo, pagará bem menos, R$ 10,9 mi. Uma mudança na gestão da Oi é uma medida tão urgente quanto o acordo com credores.

A dívida é astronômica: R$ 64,5 bilhões contando os cerca de R$ 20 bi devidos a bancos públicos e à Anatel. Para honrar os compromissos, a companhia precisa de 10 anos de geração operacional de caixa, que está em R$ 6,5 bi, nos números da consultoria Economatica. Em empresas saudáveis, a relação entre dívida e Ebitda chega a, no máximo, três vezes.

Ontem, credores contestaram os termos do acordo apresentado. O plano é que um grupo, que detém R$ 32,5 bi em dívidas da Oi, troque seus títulos por ações. Se a proposta prosperar, o grupo terá que aportar R$ 3,5 bi para investimentos, e os atuais acionistas investiriam apenas R$ 2,5 bi. A crítica é que, desse modo, os acionistas atuais seriam beneficiados. A assembleia decidirá sobre a proposta dia 23. Se aprová-la, os que detém ações serão diluídos. Nesse grupo está a BNDESPar, que ainda mantém 4,6% do capital da operadora. O BNDES, o BB e a Caixa tinham créditos de R$ 10 bi com a Oi no início da recuperação judicial; a empresa responde por 17,8% de todo o saldo inadimplente no banco de fomento. Um movimento de acionistas pressiona o Planalto para transformar as multas de R$ 11 bi com a Anatel em investimentos. A Advocacia Geral da União diz que nenhuma hipótese foi descartada, nem a intervenção. Fundos acompanham o caso.

O uso de dinheiro público seria mais uma vez para proveito privado. Tem sido assim na longa história de erros da Oi. Ela começou apelidada de “Telegangue” quando foi arrematada no leilão por um consórcio formado às pressas por empreiteiras e empresas que não eram do ramo. Depois, no governo Lula houve um esforço direto para transformá-la na grande tele brasileira. Foi o pior erro. Em 2008, o governo mudou a lei que impedia a concentração e empurrou bancos públicos para financiar a compra da Brasil Telecom. Em 2010, a Portugal Telecom comprou parte da companhia e levou seus próprios problemas para dentro da Oi. A dívida continuou a crescer e no ano passado foi feito o pedido de recuperação judicial, o maior da história do Brasil.

— A reestruturação não deve se resumir à dívida. A Oi precisa melhorar sua operação. Hoje, ela é uma fábrica de prejuízos. A demora no acordo faz a dívida aumentar e deixa o plano de recuperação ainda mais caro — diz Luiz Alberto de Paiva, da Corporate Consulting.

Uma das possibilidades seria a venda de ativos, de partes da Oi. A lei de recuperação judicial, inclusive, prevê que “unidades produtivas isoladas” possam ser negociadas no processo, sem carregar as dívidas trabalhistas e tributárias da empresa em apuros. Mas nada parecido foi proposto até agora.

— Ao menos dessa vez, a solução tem que passar longe do dinheiro público. Ajuda do governo já não é recomendável em tempos de bonança. Hoje não há sequer espaço fiscal — alerta Sergio Lazzarini, do Insper.

A empresa ainda é grande, mas tem perdido participação no mercado e é campeã de reclamações. Perdeu a liderança na rede fixa para a Vivo. Em São Paulo, tinha 17% das linhas móveis e agora tem 12,5%. Mesmo assim a companhia é relevante em vários mercados. Entre as 10 maiores capitais, a Oi é líder na telefonia móvel em Salvador, Fortaleza e Recife. Pelo interior, há centenas de cidades só atendidas por sua rede. Mas a crise ameaça a qualidade do serviço. Na tecnologia moderna de internet móvel, a 4G, a Oi atende a apenas 284 cidades, pouco mais de 10% da líder TIM. Em um mercado tão competitivo, a necessidade de investimento é intensa. E a empresa está parada no tempo.

 


Samuel Pessôa: Defasagens na política econômica

Laura Carvalho, na quinta-feira (5), sugeriu que não há evidências de que a aceleração do crescimento nos anos 2000 deveu-se à maturação das reformas liberalizantes iniciadas nos anos 90, que terminaram depois da saída do governo de Antonio Palocci, ministro da Fazenda do primeiro mandato de Lula.

Três são as dificuldades apontadas por Laura. A primeira é que levou muito tempo para que o longo ciclo de liberalização aparecesse no crescimento econômico.

A segunda é que o crescimento se acelerou ainda mais em seguida à mudança na formulação da política econômica, com a troca de guarda na Fazenda no início de 2006. E a terceira é que os efeitos negativos da alteração do regime de política econômica em 2006 sobre o desempenho da economia tiveram defasagem muito menor que as políticas liberalizantes.

Os seus questionamentos são válidos. Há limites à nossa capacidade de conhecer, principalmente em ciência social. Além disso, é difícil separar movimentos causados pelos nossos fundamentos domésticos daqueles decorrentes da dinâmica internacional.

A passagem do tempo, porém, reduz a incerteza. Parece-me ser quase consensual, por exemplo, a tese de que o milagre brasileiro é tributário das reformas liberalizantes do governo Castelo Branco.

Laura deveria acompanhar a pesquisa acadêmica sobre o impacto de várias reformas. João Manoel Pinho de Melo, Vinícius Carrasco, Juliano Assunção, Jacob Ponticelli e seus coautores publicaram diversos artigos nas mais respeitadas revistas acadêmicas internacionais mostrando o impacto das reformas no primeiro governo Lula sobre a produtividade de diversos setores.

Além disso, ao contrário do que afirma Laura, não há evidência de que o segundo mandato de Lula tenha implementado uma política de reajuste do salário mínimo mais ousada do que a de FHC ou a do primeiro governo do presidente petista.

Por fim, os trabalhos de João Manoel e Vinícius Carrasco mostram que o desempenho do Brasil no governo Lula foi inferior em diversos aspectos ao observado em países semelhantes no mesmo período. O crescimento no governo FHC, por outro lado, foi similar ao dos países da América Latina nos anos 1990.

Talvez melhor do que tentar convencer Laura seja compartilhar com o leitor a forma pela qual trato os questionamentos por ela levantados, que, como já mencionei, fazem todo o sentido.

A evolução da economia é mais bem analisada com base nas taxas médias reais anualizadas de crescimento em quadriênios. O pico de 4,7% ocorreu no quadriênio terminado em 2007. Posteriormente, inicia-se lenta desaceleração até 2,3% ao ano no quadriênio terminado em 2014. Ou seja, a desaceleração iniciou-se pouco mais de dois anos após a troca de guarda na Fazenda.

Reformas microeconômicas usualmente não geram impactos sobre o desempenho enquanto persistir desequilíbrio macroeconômico. Foi assim com as políticas liberalizantes do governo ditatorial de Pinochet no Chile e com Menem na Argentina. Em ambos os casos, o regime cambial —e, na Argentina, também o problema fiscal— impediu a decolagem da economia.

Com relação à assimetria —leva mais tempo para aparecerem os efeitos de boas políticas— é uma lei da vida. Vale para a díade construção e demolição, seja para uma obra de construção civil, seja para reputação, seja, ainda, para a política econômica e os seus impactos sobre o crescimento e a geração de emprego. Construir é mais difícil do que destruir.

* Samuel Pêssoa é  economista

 


Rogério Furquim Werneck: A Lava-Jato e as perspectivas da economia

A 12 meses das eleições e enfraquecido, governo já não tem mais condições de assegurar o avanço da agenda de reformas

Quis o destino que, numa mesma semana de setembro, viessem a público o devastador depoimento de Palocci, sobre Lula, e a nova e desgastante denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente Temer e dois de seus ministros mais próximos. A coincidência permitiu entrever quão complexos têm sido os efeitos da Lava-Jato e operações similares sobre a formação de expectativas acerca das perspectivas da economia.

A esmagadora maioria dos analistas políticos parece não ter dúvida de que, mais uma vez, o Planalto conseguirá bloquear, na Câmara, a denúncia da PGR contra o presidente. Mas, mesmo sustada, a segunda denúncia terá custado muito caro ao Planalto. Temer vem tendo de lidar com uma bancada governista cada vez mais voraz, empenhada em extrair o que pode de um governo patentemente fragilizado, seja por meio de novos esquemas de pilhagem do Erário, seja pela ampliação do seu controle sobre cargos-chave da administração federal.

Basta ter em mente, por exemplo, o novo e indefensável programa de refinanciamento de dívidas fiscais, cuja aprovação avança à revelia das autoridades fazendárias, ou os pleitos da bancada ruralista quanto a dívidas do Funrural. Ou, ainda, a agressividade com que o centrão vem pressionando o Planalto para que o atual ministro da Secretaria de Governo, responsável pela articulação do Executivo com o Congresso, seja substituído por um dos seus.

Por mais seguro que pareça estar sobre sua capacidade de bloquear a segunda denúncia na Câmara, o Planalto não parece disposto a correr riscos. Inclusive para se precaver contra novas delações. Só na terça-feira feira passada, o presidente Temer recebeu em palácio nada menos que meia centena de deputados federais.

A 12 meses das eleições e enfraquecido como está, o governo já não tem mais condições de assegurar o avanço da agenda de reformas fiscais no Congresso. A reforma da Previdência parece fadada a ser deixada para o próximo mandato presidencial. E o que de melhor se pode esperar, a esta altura, é que as contas públicas não se deteriorem ainda mais, na esteira da fragilização do Planalto.

Visto por este ângulo, haveria razões de sobra para que os mercados financeiros se tornassem mais pessimistas acerca das perspectivas da economia. Mas o que se viu nas últimas semanas foi o oposto. Os mercados ficaram mais otimistas.

É bem verdade que, fora do problemático quadro fiscal, as notícias no front estritamente econômico têm sido muito boas. Basta ter em conta, além da persistência de um ambiente externo favorável, o extraordinário sucesso do Banco Central no combate à inflação, a rápida redução das taxas de juros e a percepção de que a recuperação da economia poderá ser bem mais vigorosa do que se esperava.

Mas tudo indica que, por si sós, essas boas notícias não teriam sido suficientes para sustentar a onda de otimismo das últimas semanas, se a incerteza sobre o desfecho das eleições de 2018 ainda estivesse tão alta como estava há poucos meses.

O que parece ter feito enorme diferença foi a súbita e substancial redução desta incerteza, em decorrência de outro efeito importante do avanço das operações de combate à corrupção. O pessimismo quanto às possibilidades da política fiscal, no que resta do governo Temer, foi amplamente compensado pelo relativo otimismo que adveio da reavaliação das perspectivas da candidatura de Lula à Presidência em 2018, após o devastador testemunho do ex-ministro Antonio Palocci.

A incerteza sobre o desfecho da eleição presidencial continua alta. Ainda há muita água para correr debaixo da ponte. Mas a probabilidade de que, afinal, seja eleito um presidente comprometido com a continuidade do esforço de ajuste fiscal tornou-se bem maior do que parecia ser em meados deste ano. E maior ainda se tornará se a recuperação da economia for de fato tão vigorosa como promete.

É a isso que os mercados agora se agarram, ao arrepio do que ainda sugerem as pesquisas de intenção de voto.

* Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio