crise econômica

Money Report: Ajuste fiscal demanda esforço de R$ 350 bilhões, diz Felipe Salto, da IFI

A Instituição Fiscal Independente (IFI) foi criada no final de 2016 pelo Senado e marcou um importante avanço. Com ela, o Brasil seguiu a tradição de países como Inglaterra e Austrália ao ter um órgão para fiscalizar como o Estado gasta o dinheiro arrecadado com impostos e aumentar a transparência das contas públicas. Em entrevista a MONEY REPORT, Felipe Salto, diretor executivo da IFI, fala sobre a urgência do ajuste fiscal.

Por Humberto Maia Junior

Qual o efeito da não aprovação da reforma da Previdência nas contas públicas?

Não diria que é um cenário de terra arrasada. A reforma da Previdência volta ano que vem como um tema de primeira grandeza porque a prioridade no ajuste fiscal continua muito evidente. E o ajuste só será realizado plenamente se avançarmos na agenda dos gastos obrigatórios, não focando apenas nas despesas previdenciárias, mas também em gastos com pessoal. Caso contrário, o risco de descumprimento da Lei do Teto dos Gastos em 2019 é alto.

Qual o esforço fiscal o governo terá de fazer?

O superávit primário para estabilizar a dívida em 86,6% do PIB está na casa dos 2,5% do PIB. Dado que temos um déficit primário, o esforço fiscal para isso seria de 4,5 pontos percentuais do PIB. Isso exige um esforço de cerca de R$ 350 bilhões. Para efeito de comparação, o orçamento do Bolsa Família é de R$ 30 bilhões e o déficit da Previdência ficou em R$ 268,7 bilhões ano ano passado, incluindo INSS e setor público. Ou seja, é um esforço muito grande. Por isso a agenda fiscal precisa ser prioridade do próximo governo.

E que medidas o governo poderia adotar?

A IFI não dá recomendação de política, mas pode discutir o cardápio. Atacar salários e benefícios acima do teto do funcionalismo e rever algumas transferências sociais são medidas que precisam ser debatidas. O gasto público com pessoal, incluindo inativos, corresponde a 4,5% do PIB, enquanto investimentos não passam de 0,8% do PIB. Como se reduz esse custo? Congelando reajustes. Também precisamos discutir o custeio da máquina pública. Eu fiz um estudo com o Nelson Marconi, da Fundação Getulio Vargas, que mostrou que o setor público paga um sobre preço médio de 30% em compras na comparação com o setor privado. Essa diferença, que pode ser zerada com mais eficiência nas compras governamentais, significaria uma economia de cerca de R$ 140 bilhões em dez anos. Também temos que olhar para a receita. Vemos muito espaço para melhorar a eficiência da arrecadação e reduzir a regressividade, que prejudica os mais pobres.

No Brasil, ajuste fiscal é identificado como uma agenda de conservadores que defendem o Estado mínimo. Faz sentido isso?

Questão fiscal não é ideológica, é questão de sobrevivência do Estado. Se você pegar o pessoal sério, da direita e da esquerda, todos pensam em como resolver a questão fiscal. Há divergências em relação ao caminho a ser adotado. Estado com contas em frangalhos perde a capacidade de investimentos e de adotar medidas para estimular a economia, o que é ruim para todos.

O senhor acredita que o tema será debatido na eleição, ao contrário do que ocorreu em 2014?

Acho que sim. Diferente de 2014, não há espaço para um político prometer “terrenos na Lua”. Quem fizer isso será classificado como irrealista. Até pessoas menos informadas sabem que estamos vivendo uma crise fiscal.

Mas a impressão que passa é que o Congresso não viu a urgência do tema.

Há uma preocupação com o tema. E a própria criação do IFI é uma prova disso, já que estamos ligados ao Senado. Há uma visão mais realista de que não dá para continuar empurrando o problema. Sem o ajuste fiscal faltarão recursos para fazermos o mínimo. O país já passou por crises mais sérias no passado. Mas, do ponto de vista fiscal, a atual é uma das mais graves.

Então por que o Congresso nem sequer votou a reforma da Previdência?

Nossos políticos refletem a sociedade. Nós, técnicos, podemos ter boas soluções, mas é a política que define. O que falta não é a conscientização da classe política, mas do país como um todo. A reforma da Previdência reflete isso. Precisamos explicar melhor à sociedade. Se fizermos isso, ela vai apoiar. Houve problemas na comunicação para explicar a importância do tema. E, também, fica mais difícil aprovar uma reforma como essa se outros setores continuam com privilégios.


José Luis Oreiro: Agenda Brasil 2018

Os problemas estruturais têm de ser tratados com seriedade na campanha eleitoral

Ao que tudo indica a economia brasileira deverá fechar o ano com um crescimento próximo de 1%, resultante dos efeitos combinados da liberação dos depósitos inativos do FGTS, da redução forte, ainda que tardia, da taxa de juros e do elevado crescimento das exportações, tanto de produtos básicos como de manufaturados, em razão da aceleração do crescimento da economia mundial. Considerando a queda acumulada de quase 9% do PIB real no período 2014-2016 trata-se de uma recuperação anêmica, ainda que bem-vinda.

Mesmo que a economia brasileira consiga engatar uma trajetória de crescimento a partir de 2018, existem razões para acreditar que será um crescimento medíocre, incapaz de colocar o País numa trajetória de “alcançamento” com respeito aos países desenvolvidos. Isso porque a economia brasileira possui uma série de problemas estruturais que limitam seu potencial de crescimento de longo prazo. Na sequência irei fazer uma lista dos principais problemas estruturais que limitam nosso potencial de crescimento.

A teoria econômica indica que o crescimento potencial de uma economia no longo prazo é igual à soma entre a taxa de crescimento da força de trabalho e a taxa de crescimento da produtividade. A taxa de crescimento da força de trabalho depende da taxa de crescimento da população e do crescimento da taxa de participação, ou seja, do aumento da razão entre a força de trabalho e a população. Em razão da queda tendencial da taxa de fecundidade (filhos por mulher) derivada do processo acelerado de urbanização da economia brasileira nos últimos 50 anos, a taxa de crescimento da população vem se reduzindo progressivamente, situando-se hoje em torno de 0,8% ao ano. Na década passada, a força de trabalho cresceu a um ritmo superior ao crescimento da população devido ao aumento da taxa de participação, induzida pela expansão do nível de emprego.

Embora a recessão de 2014 a 2016 tenha aumentado a taxa de desemprego, não podemos mais contar com um aumento significativo da taxa de participação nos próximos 15 anos, dado que a mesma já se encontra num patamar elevado. Dessa forma, o crescimento da força de trabalho deve contribuir com, no máximo, 1 ponto porcentual para o crescimento do PIB nos próximos anos.

E o que dizer sobre o desempenho futuro da taxa de crescimento da produtividade do trabalho? O ritmo de crescimento da produtividade do trabalho depende da taxa de acumulação de capital físico e humano por trabalhador, bem como da taxa de transferência de mão de obra dos setores com menor valor adicionado per capita para os setores com maior valor adicionado per capita, fenômeno conhecido na literatura como mudança estrutural.

O problema é que a economia brasileira vem passando nos últimos 20 anos por um processo de desindustrialização precoce, ou seja, por uma mudança estrutural negativa, a qual tem impacto deletério sobre o crescimento de longo prazo por dois canais distintos. Por um lado, a desindustrialização reduz o nível e a taxa de crescimento da produtividade do trabalho uma vez que (i) a produtividade do trabalho é, na média, mais alta na indústria de transformação do que nos demais setores; de forma que uma redução da participação daquela no PIB reduz a produtividade média da economia e (ii) a indústria é a fonte dos retornos crescentes de escala e do progresso técnico (na sua maior parte incorporado em máquinas e equipamentos) indispensáveis para o crescimento da produtividade no longo prazo.

Por outro lado, a elasticidade-renda das exportações dos produtos manufaturados é maior do que dos produtos primários, de tal forma que a desindustrialização atua no sentido de criar um desequilíbrio externo estrutural, tornando o País dependente de poupança externa e, portanto, dos humores dos mercados financeiros internacionais.

Em segundo lugar, o Brasil possui um desequilíbrio fiscal estrutural que se expressa numa nítida tendência de elevação da despesa primária como proporção do PIB nos últimos 20 anos. Soma-se a esse desequilíbrio estrutural um desequilíbrio fiscal conjuntural causado pela queda significativa da arrecadação tributária como proporção do PIB decorrente da grande recessão do período 2014-2016 e das desonerações de impostos (sem exigência de contrapartidas) feitas durante o primeiro mandato da presidente Dilma.

Sendo assim, torna-se necessário interromper (não necessariamente reverter) o processo de crescimento da despesa primária (como proporção do PIB), bem como rever as generosas desonerações dadas durante a vigência da “nova matriz macroeconômica”; de modo a viabilizar a obtenção de um superávit primário próximo de 2,5% do PIB até 2022 e impedir a ocorrência de uma crise da dívida pública com o consequente retorno do regime de alta inflação.

Por outro lado, quando olhamos para a composição da despesa primária, observamos que menos de 10% da mesma é composta por investimento público. Os restantes 90% se destinam ao pagamento de gastos previdenciários e de assistência social, dos salários do funcionalismo público e do custeio de saúde e educação. Como os investimentos públicos em infraestrutura são fundamentais para o aumento da produtividade da economia como um todo e da competitividade da indústria de transformação, segue-se que é necessário mudar a composição da despesa primária, aumentando a participação dos investimentos.

Por fim, o Brasil possui uma instabilidade macroeconômica recorrente que se expressa em inflação relativamente alta (média de 6,5% no período 1999-2015) e uma tendência à sobrevalorização da taxa de câmbio, pontuada por episódios de desvalorização súbita e expressiva. A resistência da inflação no patamar de 6% ao ano explica a manutenção da taxa de juros em patamares elevados, o que aumenta o custo do capital, desestimulando os investimentos produtivos, como ainda contribui para a valorização do câmbio ao atrair capitais externos interessados apenas em lucrar com o enorme diferencial entre os juros internos e externos.

Esses problemas estruturais precisam ser tratados, com seriedade, pelos candidatos à Presidência da República durante a campanha eleitoral de 2018. O Brasil não tem tempo para perder com disputas infantis entre “coxinhas” e “mortadelas”.

*É professor de Departamento de Economia da Universidade de Brasília


Míriam Leitão: Lenta e gradual

O ano de 2017 terá mais crescimento e menos inflação do que se previa até recentemente, mas a recuperação continuará lenta e gradual. Isso ficou claro mais uma vez com a forte queda do comércio em outubro. As vendas voltaram ao nível de janeiro e estão 9,6% abaixo de outubro de 2014, maior ponto da série. Com o adiamento da reforma da Previdência, a economia terá mais dificuldade em ganhar tração.

A expectativa do mercado financeiro era de alta de 0,2% nas vendas em outubro, e o IBGE divulgou um forte recuo de 0,9% em relação a setembro. Com a pequena alta de 0,2% na indústria, o quarto trimestre começou sem demonstrar a força que se esperava. Ainda assim, nas últimas semanas as estimativas de crescimento do PIB subiram pelo Boletim Focus e a tendência é que encostem em 1% nas próximas divulgações.

A economia continua presa em várias travas. A principal delas é a crise fiscal. As projeções mostram que o governo continuará com déficit primário pelo menos até 2021. O governo não tem votos para aprovar a reforma da Previdência, mesmo tendo feito concessões que enfraqueceram o projeto. O senador Romero Jucá afirmou que a votação ficará mesmo para fevereiro do ano que vem, informação que já havia sido divulgada na coluna de ontem. Outro problema é a incerteza política, com candidatos que não defendem a agenda de reformas bem posicionados nas pesquisas eleitorais.

A inflação abaixo de 3% este ano, o piso da meta, fará o Banco Central escrever uma carta na qual terá que se justificar. A grande pergunta é se os juros poderiam ter sido cortados antes e mais rapidamente. O BC tem dito que houve um fato inesperado, um choque positivo, dado pela alta produção agrícola, que levou à deflação de alimentos. De fato, o grupo alimentos e bebidas registra queda nos preços de 2,4% de janeiro a novembro. A alimentação em domicílio ficou 5,25% mais barata. Muitos itens do dia a dia da mesa do brasileiro tiveram quedas de dois dígitos, como arroz, feijão, açúcar, mandioca entre vários outros produtos.

Para o ano que vem, o quadro deve ser outro. Na terça-feira, o IBGE divulgou a estimativa de safra de 2018, e a expectativa é de queda de 9,2%. Se a agropecuária em 2017 ajudou a derrubar a inflação e a impulsionar o PIB, deve ter efeito inverso no ano que vem. Segundo relatório anual do banco Credit Suisse, o PIB do setor deve cair 2,4% em 2018, e os preços dos alimentos devem subir 5%. Por isso, essa inflação abaixo do piso da meta não preocupa. O país não corre o risco de entrar em um longo período de deflação.

As projeções indicam uma aceleração gradual do crescimento no ano que vem, para a casa de 2,5%. Uma taxa ainda baixa, diante de tudo que se perdeu. Na visão do Credit Suisse, a economia vai crescer pelo consumo das famílias e pela volta dos investimentos. A redução dos juros irá destravar o crédito, que deve saltar 6,3%, depois de ficar estagnado este ano. O que chama atenção na análise do banco é que o olhar para 2019 é de nova desaceleração do PIB, para 2,3%.

A crise diminuiu o potencial de crescimento do país, e ainda não há garantia de aprovação das reformas.

 

 


Míriam Leitão: Necessidade imediata

Atuação do governo e do Congresso ameaça sabotar a recuperação. O desemprego, depois de atingir o pico de 13,7%, vem caindo e estava, ao fim de outubro, em 12,2%. A massa de rendimentos no começo do 2016 registrava queda de 4%, agora está em alta de 4,2%. O mercado de trabalho começa a se recuperar da destruição em massa de postos de trabalho iniciada em dezembro de 2014. Mas o Brasil faz o errado de imediato e posterga o certo, e isso enfraquece a recuperação.

É certo incluir mais 18 mil pessoas dentro do inchado serviço público federal? Pois, uma proposta de emenda constitucional acaba de ser aprovada na Câmara para que servidores de Roraima e Amapá, que entraram nos serviços dos ex-territórios entre 1988 e 1993, passem a ser servidores da União. O autor da proposta é o senador por Roraima, Romero Jucá. O mesmo que fala em necessidade de ajuste fiscal em nome do governo Temer. E ele apresentou essa PEC por que? Interesse eleitoral e demagogia. Esse não é o momento de aumentar o número de servidores. Da mesma forma que, em maio de 2016, com o desemprego aumentando em avalanche no setor privado, não era hora de aprovar aumentos salariais para funcionários públicos até 2019. Agora, o governo tenta adiar o reajuste do ano que vem, mas o Congresso não se move para votar.

O mercado de trabalho vai se ajustando aos poucos. A economia dá sinais discretos de recuperação. Talvez o PIB do terceiro trimestre traga a boa notícia de ter sido positivo — calcula-se algo em torno de 0,3% — e com o sinal bom de alta no investimento. É o que se prevê sobre o dado, que sai hoje. Olhando os números do mercado de trabalho, o que se vê é que a máquina de destruir emprego, ligada pela recessão iniciada no governo Dilma Rousseff, começa a reduzir seu apetite.

Há 586 mil desempregados a menos do que no final de julho e 868 mil pessoas a mais com emprego. A maioria aceitou uma ocupação informal ou criou seu próprio trabalho. Os dados comparados com o trimestre anterior (maio-junhojulho) mostraram melhora, mas em relação ao mesmo trimestre do ano passado, houve piora. Ainda assim, o economista José Márcio Camargo acha que o quadro já inspira alguma confiança. Ele acredita que o país está perto de uma virada nessa comparação anual. No começo do ano, a diferença em relação à taxa do início de 2016 era de 3,1 pontos percentuais; agora é de 0,4. Ele acha que o país terminará 2017 melhor do que no fim do ano passado, com o desemprego em 11,5%. Quando a taxa começou a subir no início do segundo mandato de Dilma, José Márcio previu que chegaria a 13%. Parecia exagero. E chegou a 13,7%.

O pior passou no mercado de trabalho, mas o desemprego ainda é muito alto. Portanto, a taxa de criação de emprego tem que ser acelerada para dar algum conforto às famílias. Mas isso não acontecerá com o Congresso se recusando a aprovar medidas de ajuste, fechando os olhos para a urgência de uma reforma no sistema de aposentadorias e pensões. O governo está em contradição sistemática, como nesse episódio da entrada de 18 mil funcionários a mais na folha da União. E o que disse a equipe econômica? Nada. E o que fez o Planalto para impedir a aprovação desse aumento de gastos? Nada. O governo parece dizer: ajuste, ajuste, minha clientela à parte.

O IBGE tem divulgado dados impressionantes da realidade brasileira. O país precisa urgentemente aumentar o esforço para tirar do trabalho infantil quase um milhão de menores em situação irregular, por não serem registrados ou por terem entre 5 e 13 anos. Trinta mil dessas crianças têm entre cinco e nove anos. O Brasil é desigual, extremamente, mais do que as lentes do instituto captam porque o que está sendo medida é a desigualdade na renda do trabalho. A população de 60 anos ou mais cresce em ritmo acelerado, como também mostra o IBGE; de 2012 para 2016 aumentou 16%.

Diante da necessidade urgente de proteger as crianças e preparar a Previdência para a elevação da idade da população, o que é feito? Desidrata-se a proposta de reforma que estabelece a idade mínima para se aposentar em 53 anos e 55 anos agora e que só em vinte anos chegará aos níveis em que já estão México e Chile, de 62 e 65 anos. E a reforma pode nem ser votada. Este governo, com suas contradições e seu labirinto, vai acabar em 12 meses e 30 dias. O Brasil permanecerá com suas urgências imediatas, pedindo que o país seja capaz de tomar as decisões certas. Antes que seja tarde.

 


Míriam Leitão: O trampolim

O governo Temer está desfazendo o que ele mesmo havia feito no BNDES. Avanços, como os que aconteceram na área ambiental, estão sendo revogados. O presidente do banco, Paulo Rabello de Castro, é pré-candidato à presidência, lançado pelo Partido Social Cristão, e está se utilizando da estrutura para viagens em que exibe um tom político. Este tipo de uso do banco é inédito.

Na semana passada, Paulo Rabello pediu para ser gravado em comunicado “aos benedenses”, diretamente do Amapá, reabrindo superintendências regionais que haviam sido fechadas pelo próprio governo Temer. Estava abraçado a um senador. As críticas ao BNDES sempre foram sobre a dimensão dos subsídios, os critérios de escolha dos beneficiários, a transparência dos empréstimos. Ser usado como trampolim por um declarado candidato é uma novidade. Neste ponto pode-se dizer que o governo Temer conseguiu mesmo inovar.

O BNDES, por ser um banco de desenvolvimento e gestor do Fundo Amazônia, sempre foi criticado por não ter políticas mais claras de preferência por atividades de menor emissão de gases de efeito estufa. Isso começou a ser corrigido na época da então presidente Maria Silvia, mas acerto no Brasil dura pouco.

O banco havia decidido que as atividades mais sustentáveis teriam um percentual maior de financiamento. Na área de energia, a preferência seria pelas novas renováveis. Assim, decidiu que nas hidrelétricas e térmicas só financiaria a metade do valor do investimento; em eólicas, 70%; e as usinas solares teriam 80%. Essa semana o BNDES anunciou que revogou essa regra de financiamento e agora todas as fontes passam a ter 80%. Isso iguala a térmica à solar. O papel de um banco de desenvolvimento é favorecer o novo e induzir políticas mais atualizadas. Uma fonte de alta emissão de gases de efeito estufa não pode ter o mesmo benefício daquela com baixa emissão. Para mostrar que o governo deixou de ter qualquer interesse em combate às emissões de gases de efeito estufa, será feito um leilão de térmica a carvão e o BNDES vai financiar em igualdade de condições com as demais fontes.

No começo do ano, o banco havia mudado a forma de atuar nos leilões de transmissão de energia. Fez uma oferta de financiamento a preços de mercado. O leilão foi um sucesso. Agora voltou atrás, e vai oferecer, de novo, os juros subsidiados.

Logo que assumiu, o governo Temer adotou algumas decisões certas na área econômica. Era um governo de duas caras. Escolheu uma boa equipe para o Ministério da Fazenda e Banco Central. Nomeou pessoas com reconhecida qualificação técnica para a Petrobras, Eletrobras e BNDES e deu aos gestores o direito de montar as diretorias sem indicações dos partidos da base. No Banco do Brasil nomeou um ex-funcionário, já testado também no setor privado. Na Caixa, fez uma escolha política. No núcleo político, o governo se cercou de pessoas que estavam envolvidas em suspeitas de corrupção. O resultado foi que a economia começou a melhorar. Petrobras e Eletrobras tiveram valorização de mercado e melhora dos seus indicadores de desempenho. O BNDES iniciou mudanças de organização interna e inovações nos critérios de atuação. Na área política, o governo passou a ser atingido por denúncias, como as que recaíram sobre Geddel Vieira Lima, Romero Jucá, entre outros. Até que houve o estouro da crise do próprio Temer.

Com a saída da então presidente Maria Silvia, o novo presidente começou a desfazer as decisões tomadas. Ela havia fechado superintendências regionais, deixando só a de Brasília, porque eram foco de indicações políticas. O presidente-candidato criou sete superintendências regionais e disse que são “as primeiras". Na semana passada, ele gravou um vídeo em que aparece abraçado com um senador do Amapá.

— Levanta ela um pouquinho assim — diz Paulo Rabello, dirigindo quem estava gravando.

— Para pegar Fortaleza e a gente — explicou o senador Davi Alcolumbre, com quem estava abraçado e que o chama de “presidente Paulo".

— Senador Davi manda um recado para os nossos benedenses.

O tom político do vídeo é inequívoco. Se o governo Temer não se importa que o banco seja um trampolim, a Justiça Eleitoral deveria prestar atenção, a menos que queira que a eleição seja mesmo um vale-tudo.

 


Rubens Bueno: O país que buscamos

Cada um de nós, homens e mulheres, imagina um país ideal, um país que consiga assegurar a liberdade e possibilite a todos desfrutarem do desenvolvimento econômico e social. Um país que garanta a todos igualdade de oportunidades para que cada um de nós construa sua história de acordo com a sua capacidade e o seu sonho.

Inegavelmente, independentemente do modelo de país imaginado por cada um de nós, é fato que estamos mais perto de atingir nosso sonho. Desde o início da redemocratização, sedimentamos este caminho.

O Governo Sarney, com todos os problemas, conseguiu assegurar uma transição política difícil que nos deu uma nova Constituição.

O Governo Collor, com toda a sorte de defeitos e pecados, nos fez enxergar a necessidade de abrirmos a nossa economia e de nos integrarmos à economia mundial.

O Governo Itamar Franco, a partir da sua solidez ética, iniciou o processo de estabilização monetária.

O Governo Fernando Henrique Cardoso implementou o Plano Real e deu a todos nós cidadãos e às empresas a oportunidade de construir um novo futuro a partir da estabilização da nossa moeda.

Já o Governo Lula incrementou o processo de inclusão social.

O fato é que cada um desses governos, apesar das dificuldades e das contradições que apresentava, deixou, de uma ou de outra forma, um legado, contribuindo para que chegássemos mais perto do País dos nossos sonhos.

Infelizmente, o Governo Dilma Rousseff aprofundou o processo de corrupção e aparelhamento do Estado herdado de Lula e deixou este nosso País imaginário mais longe do nosso alcance. Promoveu a maior crise econômica e ética da nossa história. Nos últimos anos retrocedemos em termos econômicos, sociais, políticos e institucionais. Não conseguimos dar continuidade ao processo de desenvolvimento rumo àquele país que desejamos.

Veio o governo Temer, que se mostrava compromissado com as reformas que são tão necessárias para a retomada de nosso crescimento. No entanto, nos métodos sucumbiu as práticas da velha política. Loteou ministérios entre investigados na Lava Jato e denunciados por corrupção. Se enredou, pessoalmente, em tramas para atrapalhar a apuração de casos de corrupção e jogou o país novamente em uma crise política a ponto de ter sido denunciado pelo Ministério Público por corrupção e organização criminosa.

No Congresso, escapou de ser afastado do cargo. Mas pagou caro por isso. Perdeu as condições, a confiança para tocar adiante um processo de renovação política e econômica de nosso País que mirasse a sociedade como um todo e não beneficiasse apenas determinados grupos dos quais se tornou refém.

Caberá ao próximo presidente tocar adiante essa batalha. O ano de 2018 bate a nossa porta com a certeza de que teremos a eleição mais importante das últimas décadas. Digo isso porque, no cenário atual, ainda não se vislumbra um candidato que possa representar plenamente os anseios da sociedade, alguém que lidere essa virada do Brasil rumo ao novo mundo. Corremos o sério risco do reacionarismo se tornar a novidade.

Mas a porta está aberta e o voto é o principal instrumento para essa mudança. Em 2018, poderemos voltar ao caminho que estávamos traçando rumo àquele Brasil com que sonhamos e que desejamos construir para nossos filhos e netos.

São poucas as vezes em que um país tem a chance de acertar as contas com sua história e de poder retomar o rumo de seu destino. Não a desperdicemos.

* Rubens Bueno é deputado federal pelo PPS do Paraná

 


Monica De Bolle: A medida do Estado

Reduzir esse debate a princípios simplórios como máximo e mínimo arrisca confundir as pessoas

Com a aproximação das eleições de 2018, a tragédia desvelada da corrupção endêmica, e os anseios políticos de matizes diversos que afloram no Brasil, proliferam opiniões sobre o tamanho do Estado. Há inúmeros defensores do chamado “Estado mínimo”, mas pouco entendimento do que isso significa. Para uns, trata-se de remover o Estado de qualquer atividade que possa ser feita com maior eficiência pelo setor privado. Para outros, trata-se de enxugar a despesa de modo a restringir a atuação do governo apenas a áreas consideradas fundamentais, como a saúde, a educação, a segurança pública. A visão do Estado mínimo – conceito que não tem definição clara nem entre os economistas, nem entre cientistas sociais – parte da premissa de que quanto “menor” o Estado, menores serão os entraves ao crescimento. A intuição parece óbvia, sobretudo diante dos desperdícios nefastos dos governos brasileiros. Intuição, porém, não é fato ou evidência.

A relação entre o tamanho do Estado e o crescimento econômico documentada está em vasta literatura acadêmica. Nessa literatura, a métrica mais utilizada para medir o tamanho do Estado é o nível das despesas do governo. De um lado, há a tese de que um Estado inchado emperra o crescimento pois para viabilizá-lo é necessário aumentar impostos e/ou elevar o endividamento público – dívidas altas fragilizam o ambiente macroeconômico prejudicando o crescimento. Adicionalmente, se o Estado gasta de modo pouco transparente e ineficiente, a corrupção se alastra e as ineficiências impedem que os recursos fluam para áreas que trariam ganhos de produtividade. Por outro lado, se o governo gasta muito pouco, a provisão de bens públicos pode ser insuficiente, prejudicando o crescimento – bens públicos são aqueles para os quais o consumo de um indivíduo não afeta a quantidade que pode ser consumida pelos demais. Exemplos de bens públicos são: a segurança, a produção de conhecimento, serviços de utilidade pública em geral. Bens públicos também incluem infraestrutura, educação e saúde quando relaxada a definição estritamente econômica.

Há, portanto, custos e benefícios associados ao tamanho do Estado, seja ele qual for. Não surpreendentemente, estudos empíricos que tentam abordar a relação de forma rigorosa são inconclusivos. Em alguns casos, se conclui que a relação entre despesa do governo e crescimento é negativa; em outros, a relação é positiva. Diante dos custos e benefícios anteriormente descritos, o consenso acadêmico é de que a relação entre gastos do governo – a medida do tamanho do Estado – e crescimento econômico obedece uma curva em U invertida: até determinado ponto, gastos estão positivamente associados ao crescimento; a partir daí a relação é negativa. Na literatura econômica, essa curva é conhecida como a curva de Bars, iniciais dos estudiosos que contribuíram para tal compreensão da relação entre o tamanho do Estado e o crescimento. Portanto, se tomarmos a curva de Bars como referência, existe um tamanho adequado para o Estado que não é nem grande demais, nem pequeno demais – nem máximo, nem mínimo.

O que é possível dizer sobre o tamanho do Estado no Brasil? Se medirmos o tamanho do Estado pela despesa total do governo geral, fica evidente que há muito estamos do lado errado da curva de Bars: desde 96, quando o FMI disponibiliza essa medida das despesas, o tamanho do Estado exibe correlação negativa com o crescimento econômico. Caso queiramos analisar a relação entre o tamanho do Estado e o crescimento desde o final da década de 60, a medida disponível é o consumo final do governo geral, que corresponde a uma parte da despesa total. Usando tal medida, a conclusão a que se chega é que desde meados dos anos 80 o Brasil está do lado errado da curva de Bars.

Claramente, é preciso diminuir o tamanho do Estado brasileiro para destravar o crescimento, assim como é preciso reformá-lo para que possa servir à sociedade de modo eficiente, com atenção especial às nossas desigualdades. Reduzir esse debate tão importante a princípios simplórios como máximo e mínimo arrisca confundir a cabeça das pessoas, além de levar a recomendações de política econômica equivocadas para nosso País tão sofrido, ineficiente, e profundamente desigual.

*Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University

 


Míriam Leitão: O interior das despesas

Primeiro gasto a cortar é o subsídio ao capital. Este ano, em viagens pelo Brasil, encontrei duas vezes inovações resultantes de pesquisas da Universidade Federal de Santa Catarina, uma em energia e outra em tecnologia para a agricultura. Recorri a professores de universidades públicas em questões ambientais, tanto no Nordeste, quanto no Sul, porque eles tinham pesquisas sobre cada um dos biomas. Difícil encontrar isso nas universidades privadas.

A universidade pública sempre teve mais alunos ricos e da classe média, mas comparar gasto de universidades privadas e públicas por aluno tem uma distorção: no Brasil são as públicas que fazem pesquisa. A pergunta que o Banco Mundial faz, em relatório sobre as despesas federais, é essencial para um país desigual como o nosso: a quem se destina o dinheiro público? Este é o principal mérito do estudo. No caso do ensino superior público, o estudo alerta que 65% dos alunos estão entre os 40% mais ricos. Universidades Federais custam 0,7% do PIB ao ano, e o Banco Mundial propõe reduzir 0,5% do PIB. Evidentemente isso não é realista. A proposta de ampliar o Fies para as públicas não funciona. Este programa de crédito está sendo contido porque cresceu demais. Os alunos de escolas particulares pagam pelo ensino médio e podem pagar pelo ensino superior. Não resolveria o financiamento, mas reduziria a regressividade.

O relatório do Banco Mundial é resultado de uma análise das contas brasileiras pedida pelo governo Dilma. O olhar profundo sobre os números ajuda o país a fazer escolhas em época de escassez. Não exatamente as que foram propostas. Martin Raiser, diretor do Banco Mundial no Brasil, e Antonio Nucifora, economista-chefe, me disseram que esses estudos serão detalhados ao longo de 2018 por áreas específicas. Haverá tempo para novos debates. A reação ideológica ao estudo, como se ainda vivêssemos na era do monitoramento da economia brasileira pelos gêmeos de Bretton Woods, é desatualizada. A aceitação acrítica das propostas do Banco Mundial é igualmente sem sentido.

O ponto alto do estudo é mostrar que o Brasil transferiu, em 2015, 4,5% do PIB para o capital. Isso dá em dinheiro perto de R$ 269 bilhões. Antes do governo do PT, eram 3%. O que era excessivo ficou extravagante. Grande parte desse dinheiro vai para empresas sem exigências de contrapartida e sem transparência. Para que mesmo dar dinheiro para multinacional do setor automobilístico? Por que o governo deu tanto subsídio para um frigorífico comprar outros frigoríficos e se expandir no mundo, enriquecendo uma família rica? Mesmo se não tivesse ocorrido o que sabemos hoje sobre o grupo de Joesley Batista, já seria absurda essa opção preferencial pelos ricos nos aportes de recurso no governo de um partido que se diz de esquerda. Os subsídios ao capital, eis o primeiro ponto a ser atacado. O curioso é que no relatório se coloca “incerto” na avaliação sobre se a redução desses subsídios melhorará a equidade.

O Banco Mundial propõe fundir os programas sociais como BPC, aposentadoria rural e salário-família com o Bolsa Família. E diz que esta proposta aumenta a equidade. Eles constatam que, de todos os programas, o Bolsa Família é o mais eficiente e chega realmente aos mais pobres. Fazer essa fusão melhora os outros ou reduz a qualidade do Bolsa Família? Entre seus méritos está o de ser um benefício com contrapartida, que é o de manter a criança na escola. O programa piorou quando relaxou com essa exigência. Misturar tudo pode tirar esse mérito.

Outra proposta é a de que a pessoa demitida saque primeiro o seu Fundo de Garantia em parcelas mensais e só depois receba o seguro-desemprego. O cálculo do Banco Mundial é que isso diminui em 95% esse gasto. Reduzir tanto assim é, na prática, acabar com o programa. Essa proposta exigiria também controlar ainda mais o acesso do trabalhador ao FGTS. O seguro-desemprego é um direito de apenas parte dos trabalhadores. Os que estão no mercado formal. Ele é desigual porque reflete a desigualdade do mercado de trabalho. Mas acabar com ele não é a resposta.

O Brasil cria e reproduz desigualdades nas escolhas que têm feito nas despesas públicas. Esse é um bom diagnóstico. Mas é preciso cuidado na hora de escolher receitas para enfrentar esse velho mal.

 


Míriam Leitão: Gasto alto e injusto

Qualquer família ou empresa que tivesse de consultores o diagnóstico de que “gasta mais do que pode e gasta mal” estaria a caminho da bancarrota. O Brasil recebeu do Banco Mundial este atestado junto com uma série de números e propostas. Ele pode recusar todas as sugestões. Mas é fundamental admitir que o país está arruinado e que isso piorou nos últimos anos. A realidade precisa ser encarada.

O Banco Mundial já fez estudos como esse, de análise do gasto público, em diversos países e a radiografia é sempre importante para orientar escolhas. Mesmo que seja a de deixar tudo como está e depois pagar o preço, ou procurar um resultado parecido por outros meios. Só não é possível ignorar os dados. Eles mostram que de 2012 para cá a dívida pública saltou de 51% do PIB para 74%, e desde 2015 o governo gasta 8% do PIB a mais do que arrecada. As sugestões feitas, caso aplicadas, gerariam uma economia de 7% do PIB até 2026.

Se todo esse gasto estivesse alavancando o crescimento, alguém poderia dizer que há mérito porque mais tarde o país aumentaria a receita. Mas não. Estamos cavando mais fundo o poço no qual caímos. E para tornar a sociedade brasileira mais injusta.

Na Previdência, os 20% mais ricos ficam com 35% do que é pago; os 40% mais pobres, com 18%. Os subsídios às empresas custaram 4,5% do PIB em 2015 e, segundo o banco, não há evidência de que impulsionaram a produtividade e o emprego. Na verdade, é pior. Esse dinheiro todo foi transferido a empresas e houve queda do emprego e da produtividade. Alguns desses programas nos causaram embaraço internacional, como o Inovar-Auto. E as montadoras estrangeiras já estão de novo bajulando o governo para recriar o mesmo programa, com outro nome, até 2030.

O Brasil gasta mais em Educação que a média dos países da OCDE, em percentual do PIB. O aumento foi rápido na última década. A questão é a eficiência. O desempenho avançou, mas a um ritmo menor do que o necessário. As matrículas de curso superior triplicaram nos últimos 15 anos, e apenas um quarto delas é atendida por universidades públicas. Dos oito milhões de universitários, dois milhões estão nas faculdades públicas. A despesa com universidades federais saltou 7% em termos reais e as matrículas aumentaram 2%. Cresceu a presença de estudantes pobres no ensino superior, mas a participação ainda é pequena. Em 2002, 4% dos estudantes eram dos 40% mais pobres, agora são 15%. Em universidades públicas, 20% dos estudantes estão entre os mais pobres. É um avanço. Porém, 65% dos alunos estão entre os 40% mais ricos.

Por isso o Banco Mundial sugeriu cobrar pelo ingresso. E cobrar de maneira diferente, dando subsídios maiores aos mais pobres. “O ensino superior pode estar perpetuando a desigualdade brasileira", diz o estudo. A sugestão é cobrar dos mais ricos, financiar quem não puder pagar, e dar bolsa integral para os mais pobres. O sistema universitário público continuaria, mas receberia parte do seu financiamento dessa forma de tarifa. É um assunto tabu, claro, mas por que não discutir?

A transferência de dinheiro para empresas aumentou 50% entre 2006 a 2015; saiu de 3% do PIB para 4,5%. O aumento aconteceu no governo petista, que se define como de esquerda. O ideário da esquerda, como se sabe, é a redução das desigualdades. Essa política faz o oposto. Pior, a maior parte do dinheiro para as empresas não passa pelo Orçamento. É menos transparente. A parcela mais relevante é dada através de desconto no pagamento de impostos, com programas como o Simples, a Zona Franca de Manaus, a desoneração da folha, o Inovar-Auto e o Programa de Sustentação do Investimento. O crédito subsidiado para capitalistas, através de bancos públicos, custou 1,2% do PIB em 2015, mais do que todo o gasto com universidades federais. E se era para sustentar o crescimento, fracassou porque o país entrou na pior recessão da nossa história.

Ontem, o que o Banco Mundial divulgou foi, na verdade, o resumo de estudos. As 150 páginas formam apenas o sumário executivo. O Banco soltará avaliações setoriais aprofundando as análises e propostas em cada área. Pode-se ignorar tudo ou encarar a realidade de um país que gasta mais do que pode e ainda desperdiça. Mesmo que não sejam os caminhos sugeridos, alguma solução o Brasil precisa encontrar para esse impasse nas contas do governo.

 


Míriam Leitão: O preço do populismo

A Venezuela desce a ladeira há tantos anos que ninguém se surpreendeu pelo fato de três agências de risco terem declarado que o país está em default, e o Brasil ter reclamado junto ao Clube de Paris por não estar recebendo do país vizinho. O populismo, seja de esquerda ou de direita, sempre termina em desastre, que aprisiona o país por anos, como ocorre na Venezuela.

O encontro com a verdade, que o populismo adia com discursos de ódio contra os supostos inimigos, algum dia chega. E na Venezuela tem estado presente há muitos anos, mas agora está num ponto de não retorno. Nesta quinta-feira, os credores reunidos na Isda, uma associação internacional de detentores de títulos, ainda conversarão com o governo, mas a tendência é a de se juntarem às agências Standard&Poors, Moody's e Fitch e também declararem que a Venezuela não paga dívidas. O acordo fechado ontem com a Rússia não ajuda muito. A dívida total do país é de US$ 150 bi, e a parte renegociada é de US$ 3,1 bi. Rosamnis Marcano, da consultoria venezuelana Econometrica, conta que a negociação pouco tem avançado. Os EUA determinaram que credores americanos não devem negociar sem a presença da Assembleia Nacional, controlada pela oposição e que, depois do plebiscito, perdeu poderes.

— É preciso mais que uma revisão da dívida. O normal nesses processos é o devedor apresentar um plano de ajuste que convença os credores sobre a capacidade de pagamento. Mas o governo não apresentou nada capaz de equilibrar as contas — diz.

Um dos pontos de desequilíbrio é o controle de câmbio. Empresas que têm boas relações com o governo conseguem o câmbio super artificial de 10 bolívares por um dólar; no paralelo, a cotação passa de 10.000. As reservas venezuelanas são mínimas, em torno de US$ 10 bi. No Brasil, são de US$ 380 bi.

Caso o default se torne oficial, os credores poderão requisitar as garantias. Isso atingiria em cheio a indústria petroleira, praticamente o único setor em que a Venezuela é competitiva. Os navios da estatal PDVSA em águas internacionais poderão ser tomados. A petroleira também é dona da Citgo, que detém refinarias nos EUA e teve metade das ações colocada em garantia aos empréstimos venezuelanos. A situação é dramática. O default atingiria em cheio a indústria que é responsável por mais de 90% das exportações do país.

A produção de petróleo, intensiva em investimento, já definha. Pelos dados da Opep, em outubro o país extraiu menos de 2 milhões de barris por dia. Há 28 anos a Venezuela não produzia tão pouco. A empresa de petróleo sempre foi ordenhada pelo chavismo e não tem conseguido investir em novos campos. Neste momento em que o petróleo sobe no mercado internacional, o país não é capaz de se aproveitar dos preços porque tem produzido cada vez menos. Até parte da produção futura já foi negociada em contratos de empréstimos, especialmente com os russos. Eles, inclusive, usam esses títulos para negociar com os EUA, driblando o embargo imposto desde o conflito na Ucrânia.

A maior atingida, claro, é a população. Com o petróleo trazendo cada vez menos dinheiro, a crise de abastecimento se agrava. A Venezuela produz pouco, importa até gasolina. A Econometrica divulga um índice de escassez da economia, que hoje está em 50%. A cada dois produtos, um está em falta. No caso dos produtos de higiene, como os desodorantes, a escassez é de 80%. A pior situação é nos medicamentos. Falta desde amoxicilina, para inflamações de garganta, a remédios para o tratamento da Aids, passando pela insulina. Rosamnis conta que na terça-feira havia uma fila de um quarteirão no caminho do seu trabalho. No mercado, havia chegado farinha de milho, também escassa, que os venezuelanos usam para fabricar a arepa, onipresente na dieta local.

Essa mesma farinha eu vi sendo negociada em comércio paralelo no canto de um corredor do Palácio Miraflores, em 2003, quando fui entrevistar Hugo Chávez. O desabastecimento é crônico. O caso da Venezuela tem inúmeras lições sobre o que se deve evitar em qualquer país. Políticas públicas, sejam quais forem, se não tiverem uma base de sustentação fiscal acabam desmontando a economia. O país vive há anos um quadro de recessão, inflação e crise cambial. Foi levado a isso pelo populismo chavista. O longo retrocesso da Venezuela mostra o que não fazer com a economia e a democracia.

 


Míriam Leitão: Efeito colateral

 

Toda reforma ministerial mais divide que agrega. O governante começa a mudança dizendo que quer aumentar a unidade da coalizão, mas acaba provocando novas resistências. Em cada cargo preenchido há uma pessoa satisfeita e muitas outras preteridas, um grupo atendido e vários contrariados. Mudança no Ministério agora pode reduzir a chance de aprovação da reforma da Previdência e não o contrário.

Se o presidente Temer pensa em fazer uma reforma ministerial para aumentar o apoio à reforma da Previdência, corre o risco de derrota, mesmo com uma proposta que foi emagrecida para ser aceita. Dos ministérios que estavam com o PSDB, o que atiçava mais a cobiça dos políticos era exatamente o que acaba de ficar vago com a saída de Bruno Araújo. O Ministério das Cidades tem recursos e toca projetos nos estados e nos municípios. Por isso, em época pré-eleitoral, é olhado com interesse porque pode alavancar candidaturas. O PP lançou num primeiro momento o nome de Gilberto Occhi, da Caixa. Se ele for aceito pelo presidente Temer, voltará ao cargo que ocupava no governo Dilma. Mais uma ironia da política de hoje.

Há quem, dentro do Planalto, defenda a reforma ministerial com o argumento de que se ela vai mesmo ser inevitável em março, por que não fazer agora? Naquele mês, sairão os que tiverem que se desincompatibilizar para se candidatar. Mas, agora, nem todas as candidaturas estão colocadas e decididas. Este é o pior momento para enfraquecer grupos que estão almejando vagas nas chapas regionais no ano que vem.

É por essas leis não escritas da política que reformas ministeriais são anunciadas com antecedência, em todos os governos, e são sempre adiadas. Ou vão emagrecendo ao longo do tempo até terminarem muito menores do que inicialmente imaginadas. Há vários precedentes, em todos os governos, de reformas anunciadas como amplas e imediatas e que foram adiadas e reduzidas.

Na área econômica, a tese defendida é que o governo deve se esforçar ao máximo para aprovar a reforma da Previdência, mesmo após tanta desidratação da proposta original. Argumenta-se que, se a idade mínima for aprovada, haverá uma redução do fluxo de aposentadorias, ainda que a regra de transição seja tão suave. E isso terá um efeito também no caixa dos estados. Mobilizar os governadores, portanto, pode ser uma forma eficiente de aumentar a chance de aprovação.

A esta altura é difícil até mensurar o impacto de uma mudança nas regras de aposentadorias e pensões porque foram muitas as concessões. Mesmo assim, a proposta é defendida internamente como uma forma de começar a desarmar a bomba-relógio fiscal do país.

O governo Temer tem falado em fazer uma reforma ministerial para agradar ao centrão e fortalecer os mais fieis nas votações recentes das denúncias. Pode ser um tiro pela culatra. Se o PSDB sair do governo, serão abertas vagas para agradar aliados. Mas, de todos os Ministérios ocupados pelos tucanos, o que mais interessava aos partidos da base era exatamente o que ficou desocupado. O que significa que o ex-ministro Bruno Araújo acabou facilitando a vida do governo. Mas, como foi ato isolado, não resolveu a crise do PSDB.

O partido dos tucanos continua perdido no seu labirinto, aprofundando as divisões internas que podem, muito provavelmente, acabar em cisão. O PSDB entrou no governo com o argumento de que seria cobrado se não ajudasse a encontrar uma saída no meio da crise do impeachment, e que defenderia reformas necessárias para estabilizar a economia. Não teve os ministérios econômicos, desgastou-se, dividiu-se na hora de votar as denúncias e não consegue tomar a decisão de sair, nem de ficar. Este, é bom lembrar, foi o partido que, em sete eleições presidenciais do período democrático, venceu duas no primeiro turno e disputou o segundo turno em outras quatro. Tem pouco tempo para se reorganizar para as próximas e difíceis eleições presidenciais.

O presidente Temer deu duas declarações infelizes: que sozinho não faria a reforma da Previdência e que iniciaria a reforma ministerial para concluí-la em dezembro. Pareceu jogar a toalha no primeiro caso e, por isso, teve que voltar atrás. E, no segundo, deixou o governo em suspenso e as ambições aguçadas.

 

 


Hubert Alquéres: Refundação do Estado

A questão do papel Estado é um divisor de águas e tende a estar no centro da disputa presidencial. As duas candidaturas populistas estão presas a modelos passados que perderam sentido e não respondem às necessidades do século 21. O Brasil de hoje é inteiramente diferente do que era nos tempos do varguismo ou do estatismo do presidente militar Ernesto Geisel. Mas a direita e a esquerda estatistas pensam ainda ser possível alavancar o desenvolvimento a partir do intervencionismo estatal. Não por coincidência, Lula e Bolsonaro são pródigos em elogios à era Geisel.

O Estado que aí está gerou o capitalismo de laços, levou o país à maior crise econômica de sua história. Mais: perpetuou iniquidades e privilégios de minorias incrustadas em seu aparato. Nele coabitam o patrimonialismo e o corporativismo, duas forças atrasadas e refratárias às mudanças.

São elas os principais entraves às reformas necessárias e à modernização da economia. Vide as resistências à reforma da Previdência e às privatizações da Eletrobrás e dos aeroportos, emblemáticas do espúrio casamento entre corporações de trabalhadores e patronais com o clientelismo político.

Na outra ponta, o Estado oferta serviços públicos de baixíssima qualidade, mesmo sendo financiado por uma carga tributária altíssima. A sociedade carrega um fardo pesadíssimo para sustentar um aparato ineficiente, burocrático, perdulário e frequentemente corrupto.

Esse Estado não serve ao Brasil. Não alcançaremos o crescimento sustentado, não seremos um país socialmente mais justo, não lograremos a equidade enquanto ele não for desconstruído.

O grande desafio do campo democrático alternativo aos dois extremos autoritários e regressivos é oferecer aos brasileiros um outro projeto de Estado, capaz de responder aos desafios de um mundo em intensa transformação e de colocar o país no patamar das sociedades modernas e desenvolvidas.

Felizmente, não partimos do zero na definição do Estado que queremos. Já há muita massa crítica e iniciativas que jogam luz no debate necessário. Todas elas convergem para a necessidade imperiosa da refundação do Estado, tese que permeou o seminário Desafios Políticos de um Mundo em Intensa Transformação, promovido pelo ITV/PSDB e FAP/PPS, que está presente no manifesto dos intelectuais do PSDB e nas conclusões do Quarto Encontro da Roda Democrática – movimento suprapartidário do qual faço parte.

A pedra de toque é a redefinição de seu papel, no sentido da transformação de um Estado produtor e financiador da produção, em um Estado regulador e provedor de serviços públicos de qualidade.

Se no passado se fazia necessária a forte presença estatal na economia — como aconteceu nos anos 1950/60 -- hoje isso não se justifica mais. Em uma economia globalizada e de forte inovação tecnológica o motor do desenvolvimento são os investimentos privados, internos e externos. A inflexão se impõe também porque o Estado não tem pujança para alavancar os investimentos e ao mesmo tempo cumprir com suas obrigações sociais.

Ao Estado moderno compete desenhar o marco regulatório para a atração do capital privado, definir as normas de proteção dos consumidores e do meio ambiente, dar segurança jurídica aos investidores, assegurar a concorrência.

O esforço, portanto, deve ir na direção da abertura da economia brasileira e de realizar um ousado programa de privatização para que possa redirecionar seus recursos e energia para outras prioridades.

O Estado não é um fim em si mesmo, ou não deveria ser. Seu principal papel é o de ser o meio para a promoção da equidade, da igualdade de oportunidades.

Liberado de sua função de produtor e financiador da produção, suas prioridades seriam fornecer aos brasileiros educação de qualidade, saúde e segurança, entre outros serviços.

No caso da educação, o foco deve ser o ensino básico. As nações que conquistaram a equidade e o crescimento sustentado trilharam esse caminho. Não será diferente com o Brasil.

Na era da Quarta Revolução Industrial, da robotização e da inteligência artificial os países que não ingressarem no restrito clube da inovação tecnológica serão meros coadjuvantes no cenário internacional. Nessa área, o atraso do Brasil é gritante, motivo mais do que suficiente para revolucionar também a concepção do Estado.

Sem um novo pacto federativo, sem as reformas estruturantes -entre as quais a previdenciária-, sem o enxugamento do aparato estatal, o Brasil continuará refém de políticos parasitários e fisiológicos, de capitalistas de compadrio, de corporações sindicais e de servidores que não abrem mão de privilégios.

Refundar o Estado significa livrar o país destes grilhões e acabar com o patrimonialismo e o corporativismo.

* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo