cpi da pandemia

RPD 35 || Alberto Aggio: “Que país é esse?”

O Brasil sob o governo de Bolsonaro é sintoma evidente de uma história que precisa ser decifrada, avalia o historiador Alberto Aggio

O Brasil não é para principiantes”. Quantas vezes já se leu ou ouviu esta frase, atribuída a Antonio Carlos Jobin? Frequentemente, ela é mencionada para atestar a dificuldade de se compreender o país. Está presente em quase todos os exercícios de revisão das principais interpretações sobre a formação histórica brasileira. Comunidades de cientistas sociais se dedicam recorrentemente a pensar e repensar os interprétes do país em encontros científicos, seminários e antologias de ensaios, sem chegarem a conclusões mais definitivas. 

Como se sabe, as interpretações sobre o Brasil compõem tradição de enorme multiplicidade em suas abordagens, nada uniforme e harmônica, produzida em diversos momentos da sua história. Uma tradição que ensejou embates inclinados tanto à conciliação quanto ao rechaço a ela. Um paradoxo nem sempre percebido nas disputas políticas e culturais que se desenrolam no presente. Pensar o Brasil nunca foi apenas um exercício acadêmico ou intelectual. Trata-se de um debate que alimenta, o tempo todo, projetos que visam ao futuro do país. 

O Brasil, seguramente, não é para principiantes. Contudo, não seria absurdo pensar, ultrapassando o senso comum, que tal asseveração poderia ser aplicada a inúmeros países, dos EUA à Rússia, da China ao México, do Afeganistão à Bolívia, apenas para mencionar alguns exemplos. Em todos eles, há incógnitas a serem decifradas, e seus problemas atuais não são nada simples, como temos visto. 

É preciso estabelecer também um questionamento a respeito do exagero de que o Brasil guarda uma excepcionalidade superlativamente distinta de outras experiências históricas, com seus maneirismos típicos dos quais o “jeitinho” ou a “gambiarra” são incensados ad nauseum. Além de um ar de troça e menosprezo, há nesse tipo de leitura soberba que visa desacreditar a tarefa do pensamento na compreensão do país bem como do seu lugar no mundo. Essa forma de conceber o país é inútil e improdutiva diante dos desafios civilizatórios que temos diante de uma mundialização que se impõe a cada dia. Se o Brasil for apenas isso estamos fritos. 

O realismo nos indica que, para pensar a experiência histórica brasileira, isolando os esquemas sociológicos abstratos, o exercício da comparação é vital. A equalização ao tempo dos contemporâneos não poderá ser sequer vislumbrada caso não se reconheça que a vida social e política, a economia e os valores civilizatórios são hoje História global. Seria importante pensar intelectualmente o Brasil por meio de uma análise capaz de alocá-lo num quadro comum de problemas de natureza interdependente, entre os quais se podem mencionar os desafios da consolidação da democracia, da inserção na globalização da defesa e afirmação da sustentabilidade ecológica. 

Embora não caiba dizer que existe uma linhagem do pensamento brasileiro seguindo essas indicações, há quem já a percorra sob uma chave de leitura que afirma analiticamente que a sobreposição, combinação e síntese entre a matriz ibérica e uma tradução particular do americanismo deram ao país a morfologia da sua formação social. A partir dessa chave, o Brasil pode ser pensado concretamente, ainda que essa não seja uma tarefa exclusiva do pensamento social e de seus intelectuais. A complexidade que daí deriva supõe a recusa à adoção da estratégia de um “tempo exaltado” como solução dos nossos dilemas históricos ao se sugerir, como faz Luiz Werneck Vianna, a proposição de “exploração do transformismo ‘de registro positivo’” como a melhor indicação para a compreensão dos “processos societais novos na sociedade brasileira (...) depois da institucionalização da democracia política em meados dos anos 80”[1]

O Brasil moderno se fez em meio às disputas intelectuais e políticas pela hegemonia no andamento da sua “revolução passiva”, uma história de paradoxos, contradições e incompletudes. Até mesmo movimentos que buscaram caminho modernizador e democrático, como foi o Modernismo de 100 anos atrás, vivenciaram isso e, de acordo com Vinicius Müller, acabaram produzindo “nova situação de exclusão ou, no mínimo, de diferenciação, entre os membros iluminados da intelligentsia e aqueles que, mesmo formando uma grande parte do país, são, segundo esse olhar, analfabetos políticos, ignorantes religiosos, facilmente manipuláveis e/ ou pouco conhecedores da própria história”[2]

Que país é esse? se perguntava um atormentado Renato Russo numa de suas canções no final dos anos 1980. Décadas à frente, ainda perplexos, somos nós que indagamos: que país é esse que entronizou Bolsonaro? Não há como não reconhecer que o Brasil sob Bolsonaro é sintoma evidente de uma história que precisa ser decifrada. Não pode ser visto como um parêntesis. Ele já estava aí, mas não foi percebido em sua barbárie e no seu espantoso espelhismo antiglobalista. Não será possível superá-lo, verdadeiramente, apenas apertando os botões da urna eletrônica, embora esse seja um passo necessário e imprescindível. 


[1] VIANNA, L. W. A revolução passiva – iberismo e americanismo no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1997, p. 10. 

[2] MÜLLER, V. A História como presente. Brasília: FAP, 2020, p. 191-2. 


*Alberto Aggio é historiador, professor titular da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e responsável pelo Blog Horizontes Democráticos.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de setembro (35ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.


RPD 35 || Marcus Vinícius Furtado: O que resta ainda por dizer sobre Cuba

Regime cubano é imagem da esquerda utópica que falha ao enfrentar as questões políticas, econômicas e sociais destas primeiras décadas do século XXI

Em julho de 2021, os debates em torno da revolução cubana ganharam novo destaque em virtude das manifestações que ocorreram no país. A resposta inicial do governo foi, além da repressão aos protestos, declarar a crise como fruto da persistência do embargo econômico imposto pelos Estados Unidos a Cuba. Diante da reiteração do mote anti-imperialista, característico da revolução cubana, o presidente Miguel Díaz-Canel convocou os cubanos a ocuparem as ruas em defesa do regime revolucionário. 

Tais declarações marcam a existência de um regime ancilosado, refém de seus próprios pressupostos políticos, mas que ainda é capaz de despertar apoios apaixonados em toda a América Latina. Diante disso, é preciso refletir como, mesmo frente aos problemas econômicos e às frequentes demonstrações de autoritarismo, essa defesa é possível. 

Quando, no início de 1959, os guerrilheiros liderados por Fidel Castro adentraram em Havana, havia a expectativa de que finalmente a América Latina poderia realizar seus desígnios utópicos. Retomando em chave revolucionária a Nuestra América de José Martí, Castro atacava o domínio norte-americano e afirmava a rebeldia dos cubanos como estratégia vitoriosa na conquista da libertação política e econômica da ilha. 

Na América Latina, os impactos da revolução, como demonstra Alberto Aggio[1], impulsionaram a formação de uma cultura revolucionária característica do continente. Nessa imaginação revolucionária há uma cisão entre reforma e revolução que, além de fixar o caminho insurrecional como paradigma, estabelece o Terceiro Mundo e a própria América Latina como novos polos revolucionários diante da estagnação política da URSS.  

Em termos políticos, essa cisão promoveu rearranjos nas esquerdas de diversos países. Contrapondo-se à necessidade de uma etapa democrático-burguesa como antessala do socialismo, a leitura cubana orientou o rompimento de parcela das esquerdas com as burguesias nacionais e os partidos comunistas. No continente dilacerado pelo imperialismo, a violência revolucionária apareceu como a possibilidade de redenção e liberdade. 

Nas décadas seguintes, a retórica heroica da revolução conviveu com as dificuldades internas e as necessidades de posicionamento político no intrincado xadrez da Guerra Fria. Por um lado, o modelo revolucionário cubano, orientado por uma perspectiva de libertação nacional impulsionada pela rebeldia guerrilheira, se distanciava da estrutura partidária soviética. Por outro, frente às ameaças norte-americanas e ao embargo econômico, Havana buscou estabelecer relação de maior aproximação e segurança com Moscou. 

Internamente, as propostas de uma revolução afastada dos dogmatismos e da excessiva centralização do poder logo desapareceram. Conforme demonstra Silvia Cézar Miskulin[2], as posturas autoritárias do regime em relação à intelectualidade cubana foram estabelecidas nos primeiros anos da revolução, alguns anos antes do célebre caso Padilla. Concomitantemente, como demarca Claudia Hilb[3], o voluntarismo e a expectativa do estabelecimento de profundas transformações históricas orientaram a produção de um poder centralizado no Estado e na figura de seu líder. 

Nesse sentido, as realizações que sustentam o imaginário da revolução cubana, a exemplo das políticas públicas nas áreas de educação e saúde, são indissociáveis dessa estrutura autoritária e planificada construída nas décadas subsequentes à revolução. Com o desaparecimento da URSS, para além dos problemas internos, o regime cubano revela com mais profundidade seu caráter insular. Não fortuitamente, protestos de intensidade semelhante aos atuais ocorreram na ilha em 1994, logo após a debacle soviética. 

Portanto, a defesa da revolução cubana parte de uma dissociação que, ao enfocar o desenvolvimento social da ilha, encobre as fragilidades desse sistema social e trata os protestos contra o desabastecimento e a morosidade da vacinação como manifestações de espírito contrarrevolucionário. Mais grave, essa dissociação guarda incômodo silêncio em relação à persistência de um regime ditatorial, terminando por legitimar o autoritarismo e o velho paradigma insurrecional. 

Distante da rebeldia dos barbudos, o regime revolucionário cubano, permanentemente ancorado nos dilemas políticos do século XX, é uma imagem opaca e esmorecida das utopias latino-americanas que teimam em mobilizar determinados setores das esquerdas do continente, entravando o enfrentamento das novas questões políticas, econômicas e sociais dessas primeiras décadas do século XXI. 

[1] AGGIO, Alberto. A teoria pura da revolução. SP: O Estado da Arte, 2021. Disponível em: https://estadodaarte.estadao.com.br/teoria-pura-revolucao-aggio-hd/ 

[2] MISKULIN, Silvia Cezar. Os intelectuais cubanos a política cultural da revolução (1961-1973). SP: Alameda, 2009. 

[3] HILB, Claudia. Silêncio Cubaa esquerda democrática diante do regime da revolução cubana. SP: Paz e Terra, 2010. 


Marcus Vinícius Furtado é pós-doutorando em História pela Unesp-Franca. Publicou os livros Em um rabo de foguete: trauma e cultura política em Ferreira Gullar e A arquitetura fractal de Antonio Gramsci: História e política nos Cadernos do Cárcere

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de setembro (35ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.


RPD 35 || Autores - Edição de Setembro/2021

Jairo Nicolau
Entrevistado especial da edição número 35 da Revista Política Democrática Online (Setembro/2021), Jairo Nicolau é cientista político. É professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV). Mestre e doutor em Ciências Políticas no Iuperj, com pós-doutorado na Universidade de Oxford e no King’s Brazil Institute, é autor de vários livros sobre a política brasileira, como História do Voto no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002 e Sistemas Eleitorais. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2004. O último deles, publicado já durante a epidemia, é “O Brasil dobrou à direita: Uma radiografia da eleição de Bolsonaro em 2018”.

Caetano Araújo
Graduado em Sociologia pela Universidade de Brasília (1976), mestre (1980) e doutor (1992) em Sociologia pela mesma instituição de ensino, é um dos entrevistadores do cientista político Jairo Nicolau. Atualmente, é diretor-geral da FAP e consultor legislativo do Senado Federal. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Teoria Sociológica e Sociologia Política.

Arlindo Fernandes de Oliveira
É autor do artigo O que se pode esperar de uma CPI e um dos entrevistadores do cientista político Jairo Nicolau. É advogado, especialista em Direito Constitucional pelo Instituto de Direito Público, IDP, especialista em Ciência Política pela Universidade de Brasília, UnB, bacharel em direito pelo Uniceub. Foi assessor da Câmara dos Deputados e da Assembleia Nacional Constituinte (1984-1092), analista judiciário do Supremo Tribunal Federal (1992-1996) e assessor da Casa Civil da Presidência da República (1995). Professor de Direito Eleitoral no Instituto Legislativo Brasileiro, ILB, desde 2004. Desde 1996, consultor legislativo do Senado Federal, Núcleo de Direito, Área de Direito Constitucional, Eleitoral e Processo Legislativo.

André Amado
Um dos entrevistadores do cientista político Jairo Nicolau, também é autor do artigo A construção de um personagem. É escritor, pesquisador, embaixador aposentado e diretor da revista Política Democrática Online. É autor de diversos livros, entre eles, A história de detetives e a ficção de Luiz Alfredo Garcia-Roza.

Cleomar Almeida
Autor da reportagem especial Do prenúncio à nova tragédia – Caso Cinemateca confirma descaso com cultura. Graduado em jornalismo, produziu conteúdo para Folha de S. Paulo, El País, Estadão e Revista Ensino Superior, como colaborador, além de ter sido repórter e colunista do O Popular (Goiânia). Recebeu menção honrosa do 34° Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos e venceu prêmios de jornalismo de instituições como TRT, OAB, Detran e UFG. Atualmente, é coordenador de publicações da FAP.

Otávio Santana do Rêgo Barros
Autor do artigo Relações entre civis e militares, uma reflexão, é general de Divisão do Exército Brasileiro (R1). Doutor em Ciências Militares, foi porta-voz da Presidência da República (2019-2020). Comandou, no Rio de Janeiro, a força de pacificação nos complexos do Alemão e da Penha e a segurança da Rio+20. Foi Chefe do Centro de Comunicação Social do Exército.

Alberto Aggio
Autor do artigo "Que país é esse?". É historiador, professor titular da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e responsável pelo Blog Horizontes Democráticos.

Antônio Carlos de Medeiros
Autor do artigo O Congresso Nacional sob escrutínio. É pós-doutor em Ciência Política pela The London School of Economics and Political Science.

Sérgio Denicoli
É autor do artigo Já é 2022 na internet. É pós-doutor em Comunicação pela Universidade do Minho (Portugal) e Westminster University (Inglaterra), e também pela Universidade Federal Fluminense. Autor dos livros “TV digital: sistemas, conceitos e tecnologias”, e “Digital Communication Policies in the Information Society Promotion Stage”. Foi professor na Universidade do Minho, Universidade Lusófona do Porto e Universidade Federal Fluminense. Atualmente é sócio-diretor da AP Exata, empresa que atua na área de big data e inteligência artificial.

Valdir Oliveira
Autor do artigo Retomada da economia na tempestade perfeita, é superintendente do Sebrae no DF. Foi secretário de Desenvolvimento Econômico do governo de Rodrigo Rollemberg (PSB). 

Leonardo Ribeiro
Autor do artigo Um meteoro no país das pedaladas, é analista do Senado Federal e especialista em contas públicas. Foi pesquisador visitante da Victoria University, Melbourne, Austrália.

JCaesar
Autor da charge da Revista Política Democrática Online, é o pseudônimo do jornalista, sociólogo e cartunista Júlio César Cardoso de Barros. Foi chargista e cronista carnavalesco do Notícias Populares, checador de informação, gerente de produção editorial, secretário de redação e editor sênior da VEJA. É autor da charge publicada pela Revista Política Democrática Online.

Marcus Vinícius Furtado
É pós-doutorando em História pela Unesp-Franca e autor do artigo O que resta ainda por dizer sobre Cuba. Publicou os livros Em um rabo de foguete: trauma e cultura política em Ferreira Gullar e A arquitetura fractal de Antonio Gramsci: História e política nos Cadernos do Cárcere. 

Lilia Lustosa
Autora do artigo A poética política de Glauber, é formada em Publicidade, especialista em Marketing, mestre e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidade de Lausanne, França.

Henrique Brandão
Jornalista e escritor, é autor do artigo Giocondo, um comunista abnegado e gentil.


RPD 35 || Reportagem especial: Do prenúncio à nova tragédia - Caso Cinemateca confirma descaso com cultura

Incêndio mostra, na prática, reflexos da postura do governo do presidente Jair Bolsonaro com o setor no país

Cleomar Almeida, da equipe da FAP

Dois anos e dez meses separaram o prenúncio do risco de mais descaso com a cultura no Brasil e a tragédia do recente incêndio que destruiu parte da Cinemateca Brasileira, cujos prejuízos, ainda imensuráveis, são alvo de novas investigações do Ministério Público Federal (MPF), em São Paulo. Instituições e representantes do setor cultural cobram a responsabilização do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Em setembro de 2018, ainda candidato à presidência, Bolsonaro sinalizou com seu descaso para a cultura, após o incêndio que atingiu o Museu Nacional, no Rio de Janeiro. “E daí?”, retrucou, na época, ao ser questionado sobre o maior desastre que arruinou o patrimônio científico e histórico do país. “Já está feito, já pegou fogo, quer que eu faça o quê?", respondeu à imprensa.

Depois de 15 dias do mais recente incêndio na história da Cinemateca brasileira, registrado em 29 de julho deste ano, o governo Bolsonaro seguiu na ofensiva. No último mês, anunciou demissões de técnicos da instituição, que preserva o mais rico acervo cinematográfico do país, com mais de 250 mil rolos de filmes e mais de 1 milhão de roteiros, fotos, cartazes e livros relacionados ao cinema.  O fogo fez parte do teto do galpão desabar, e o prédio foi interditado.

No entanto, a sede da Cinemateca estava fechada desde agosto de 2020, quando o secretário especial da Cultura, Mário Frias, tomou as chaves do local com escolta policial. Agora, ele tornou-se alvo de uma queixa-crime apresentada pela Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados por causa do incêndio, que também é investigado pela Polícia Federal.

João Batista: incêndio foi criminoso, não porque tenham botado fogo, mas pelo abandono da Cinemateca. Foto: Arquivo pessoal

“O incêndio foi criminoso, não porque tenham botado fogo, mas pelo abandono da Cinemateca, vítima do desejo político de destruição da memória, da criatividade e da crítica.  Arquivos de filmes são incendiários na essência de suas materialidades, principalmente de filmes antigos, ainda em nitrato. Deixar a Cinemateca sem funcionários é um grande crime”, disse o escritor e cineasta João Batista de Andrade.

O cineasta ressaltou a “queda brutal nos investimentos culturais”. “No cinema, por exemplo, há milhões de reais paralisados na Ancine, a agência reguladora e financiadora do cinema no Brasil.  Enquanto isso muitos filmes em produção estão paralisados e uma infinidade de projetos sem viabilidade previsível. Destruir a cultura é um projeto nefasto de poder. É o que estamos vivendo”, criticou ele.

Cobrança

Em 2020, por exemplo, o MPF cobrou explicações da Secretaria Especial de Cultura sobre a falta de repasses orçamentários à Cinemateca Brasileira. O contrato entre o Ministério da Educação e a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp) chegou a ser suspenso porque o governo não repassou nenhuma parcela dos R$ 12 milhões previstos no orçamento para a entidade gerir o local. Funcionários tiveram salários atrasados.

Diante da gravidade da situação, o MPF ajuizou, em julho do ano passado, ação civil pública e apontou que o grande problema foi a má transição na gestão da Cinemateca, de 2019 para 2020: encerrou-se o contrato de gestão da Acerp sem a União se responsabilizar pela continuidade nos trabalhos técnicos internos da Cinemateca, assumindo-os diretamente ou por outro ente gestor.

Apesar de ter saído acordada em agosto do ano passado, após o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) deferir recurso do MPF, essa transição ainda está sendo implementada pela União. A promessa é de que seja firmado um novo contrato de gestão.

O procurador da República Gustavo Torres Soares avaliou a situação como preocupante e disse que “a Cinemateca Brasileira corre sério e iminente risco de dano irreparável por omissão e abandono do governo federal”, responsável pela manutenção e preservação dela.

“Infelizmente, também é público e notório que, nos últimos anos, em razão da omissão na gestão de bens culturais, históricos e turísticos pelo Poder Público, a sociedade brasileira sofreu a perda de inúmeros bens materiais e imateriais dessa natureza”, destacou o procurador da República.

Rodrigues: "Desmonte da cultura não é um fenômeno isolado do governo Bolsonaro”. Foto: Pedro Ventura/Agência Brasília

“Política destruidora”

Professor da Fundação Armando Alvares Penteado e doutor em comunicação pela Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), Martin Cezar Feijó afirmou que “o caso da cinemateca é o mais flagrante de uma política destruidora”. “A cultura representa a diversidade inaceitável para um projeto que se pretende único: autoritarismo”, acentuou.

“A cultura é sempre subversiva. Fazer alusão à queima de livros do nazismo não é desproposital nem retórica. Ela é concreta. Estamos vivendo um desmonte da cultura, da política do audiovisual, da educação e da ciência”, acrescentou o professor.

O secretário de cultura do Governo do Distrito Federal (GDF), Bartolomeu Rodrigues, afirmou que “o desmonte da cultura não é um fenômeno isolado do governo Bolsonaro”. “No governo Bolsonaro, isso ficou mais visível, mais latente. Ele extinguiu o Ministério da Cultura, e organizações importantes estão hoje tecnicamente impossibilitadas de fazer alguma coisa pela cultura nacional”, observou, ao lembrar outros episódios de incêndio na Cinemateca Brasileira.

Antes deste ano, o fogo já atingiu o local pelo menos outras quatro vezes: em 1957, 1969, 1982 e 2016, sempre perdendo entre 1.000 e 2.000 fitas em cada. No primeiro, quase todo o acervo foi perdido. O MPF e a Polícia Federal ainda não finalizaram o levantamento exato do estrago provocado pelo incêndio neste ano na cinemateca.  

A expectativa é de que os trabalhos sejam concluídos nos próximos meses. Depois disso, o MPF vai analisar se pedirá à Justiça a responsabilização de possíveis culpados tanto no âmbito cível quanto na esfera criminal.


Entidades criticam o novo edital elaborado pelo governo Bolsonaro para o  gerenciamento da Cinemateca Brasileira. Foto: Divulgação/Cinemateca

Governo enfrenta críticas por causa de novo edital

Depois da inércia administrativa que levou ao incêndio na Cinemateca Brasileira, o governo federal lançou edital para contratação de organização social habilitada a gerir o local que tem o maior acervo cinematográfico do país, pelo valor de R$ 10 milhões anuais. A Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA) diz que o valor é menos do que a metade do necessário.

Presidente da Associação Brasileira de Preservação Audiovisual, Débora Butruce já se manifesta há anos contra o valor reservado no orçamento do governo para manter as atividades. Segundo ela, o montante adequado para executar bem todas as atividades no local é de R$22,5 milhões.

As propostas poderão ser enviadas até o próximo dia 16, mas a publicação do resultado definitivo está prevista para 18 de novembro. A Comissão Técnica é composta por servidores da Secretaria Especial de Cultura, da Secretaria Nacional do Audiovisual, da Agência Nacional do Cinema e do Instituto Brasileiro de Museus, designados pela Secretaria Executiva do Ministério do Turismo.

Em 2020, o governo já havia sofrido críticas após lançar proposta com valor de R$ 12 milhões anuais para a Cinemateca Brasileira. "Esse edital feito a toque de caixa nos dá medo. Quem vai assumir isso aqui?", disse a pesquisadora Eloá Chouzal, uma das organizadoras de manifestações em favor da cinemateca.

Em maio daquele ano, a direção da Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp), que já chegou a ter repasses atrasados por parte do governo pela gestão da cinemateca, chegou à secretaria para tentar negociar um novo contrato, em meio a um quebra-cabeças que colocou o local como moeda de troca em mesa de negociações.

Naquela época, a direção da Cinemateca foi prometida pelo presidente Jair Bolsonaro a Regina Duarte após sua demissão da Secretaria Especial da Cultura. A então secretária sofreu semanas de fritura antes de ser demitida depois de ficar menos de três meses no cargo.

A saída de Regina foi costurada pela deputada federal Carla Zambelli, que chegou a dizer que a nomeação da atriz para a Cinemateca dependeria só de questões burocráticas.

Com a hipótese de rompimento do contrato de gestão atual e a falta de recursos e de um plano para a Cinemateca por parte da secretaria, o cargo prometido a Regina tem se revelado cada vez mais incerto.

Parte do acervo da Cinemateca destruído pelo incêndio ocorrido em julho passado. Foto: CBMSP

* Cleomar Almeida é graduado em jornalismo, produziu conteúdo para Folha de S. Paulo, El País, Estadão e Revista Ensino Superior, como colaborador, além de ter sido repórter e colunista do O Popular (Goiânia). Recebeu menção honrosa do 34° Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos e venceu prêmios de jornalismo de instituições como TRT, OAB, Detran e UFG. Atualmente, é coordenador de publicações da FAP.


RPD 35 || Antonio Carlos de Medeiros: O Congresso Nacional sob escrutínio

Varejo político desvirtua o papel da Câmara, que não representa adequadamente o povo. Senado falha em atuar na representação dos Estados

A sociedade brasileira mantém avaliação negativa dos políticos e do Congresso Nacional. O acordo político do governo Bolsonaro com o Centrão estimulou o protagonismo do Congresso. Mas contribuiu para a avaliação negativa dos políticos. O acordo resultou no aumento vertiginoso das emendas de parlamentares e dos fundos partidário e eleitoral. 

Tudo somado, o Orçamento da União de 2022 destinará em torno de R$ 40 bilhões aos partidos e aos parlamentares. A sociedade reage. E joga, outra vez, luz sobre o desempenho e a imagem do Congresso. O que esperar do Congresso? A crise ética ainda é resultante da nossa herança patrimonialista? Nosso sistema híbrido de governo - presidencialista-parlamentarista - se exauriu? O pacto social da Constituição de 1988 chegou ao fim? 

A questão central é que nem a Câmara Federal representa adequadamente o povo, nem o Senado da República opera bem para representar o território, isto é, os Estados. Os deputados federais viraram “vereadores federais”. E os senadores, ao deixarem de ter papel apenas revisor, tornaram-se um misto de deputados e vereadores. As funções precípuas da Câmara e do Senado estão apequenadas e desvirtuadas. Embora eles tenham muito poder, o varejo político desorganiza a possibilidade de atuação estratégica e efetiva. Predomina a pequena política do clientelismo, do corporativismo, do varejo, dos arranjos, e tudo mais que a opinião pública condena. Tudo funciona para a manutenção e renovação dos mandatos dos parlamentares. Pouco de grande política. Muito da pequena política. São necessárias reformas políticas que resgatem o papel da Câmara como representante direta dos cidadãos e o papel do Senado como casa revisora representante dos Estados. 

O Senado trabalha como se fosse uma Câmara dos Deputados. Já a Câmara, como fruto das anomalias criadas pelo Pacote de abril de 1977 e pela Constituição de 1988, teve o número de vagas para Estados com população pequena inflados artificialmente. Criou-se um problema estrutural de superrepresentação dos estados menores e subrepresentação dos estados maiores. O Pacote reduziu o poder político de São Paulo e dos estados mais urbanizados. Alvejou a democracia representativa. 

As reformas políticas que estão em pauta não vão contribuir para o resgate do Congresso Nacional. São retrocessos democráticos. As questões que precisam ser atacadas são de outra natureza – começando pelo sistema híbrido de governo. O resgate da dimensão republicana da democracia brasileira requer reformas que promovam legitimidade na delegação e consensualidade no exercício do poder. Com a atual forma de funcionamento do Congresso, não se produz nem legitimidade da representação política (os políticos eleitos), nem consensualidade no exercício do poder (governança). 

Sem incorrer num panpoliticismo que pretenda forjar a realidade à base de “golpes de lei”, é necessário desencadear uma seqüência de mudanças institucionais articuladas entre si, para resgatar o papel do Congresso e fazer avançar a democracia brasileira. Seguem, aqui, de forma esquemática e como contribuição ao debate, algumas propostas factíveis.  

Primeiro, enquanto se discute se o Brasil vai ou não implantar o sistema distrital misto, é possível melhorar a representatividade do sistema eleitoral brasileiro pela simples alteração do sistema de redistribuição de sobras, mudando-se do sistema D´Hondt para o sistema Saint-League, caso as coligações voltem a ser permitidas. O Saint-League aumenta o denominador do cálculo da distribuição de sobras, estimulando os pequenos partidos a concorrerem sozinhos às eleições. 

Segundo, a melhoria da representatividade passa também pela adequada representação dos estados. Isto pode acontecer se a redistribuição do número de vagas destinadas a cada estado na Câmara Federal devolver o valor do índice de Gini ao patamar de 1950, ou seja, à escala próxima ao intervalo entre .24 e .35. Isto tornaria mais proporcional e legítima a formação da Câmara Federal. 

Simulei que limites mínimos e máximos de seis e 70 deputados por estado, respectivamente, permitiriam melhor equilíbrio, assumindo a proposta original da Comissão Afonso Arinos na Constituinte de 1988, que reduzia para 420 o total de deputados na Câmara. Com esses dados, chega-se a um índice de Gini de .3347. 

Terceiro, é necessário promover a limpeza da pauta de problemas da Câmara Federal, retirando matérias regionais típicas de assembléias legislativas estaduais, desde que não se fira o princípio federalista. Isto pode ser feito por iniciativas infraconstitucionais e permitiriam a melhoria da qualidade da ação dos congressistas. 

Por último, é importante repaginar o formato do bicameralismo brasileiro, para a recuperação do equilíbrio bicameral. As regras atuais tornam o Senado uma Câmara de Deputados, deixando de ser apenas uma casa revisora e representante do território, e não do povo. 

O Congresso Nacional não cumpre bem as três grandes funções dos Parlamentos na democracia representativa: a iniciativa de leis; a fiscalização do Executivo; e a formação e renovação de elites e lideranças políticas. Esta baixa relevância, apesar seu poder atual, é disruptiva para a democracia brasileira. 


* Antonio Carlos de Medeiros é pós-doutor em Ciência Política pela The London School of Economics and Political Science. 

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de setembro (35ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.


Polícia Legislativa busca suposto lobista da Precisa Medicamentos

Marconny de Faria não compareceu ao depoimento na CPI da Pandemia

Karine Melo / Agência Brasil

Agentes da Polícia Legislativa do Senado estão nas ruas de Brasília à procura de Marconny Albernaz de Faria. Suspeito de atuar como lobista da Precisa Medicamentos, ele tinha depoimento marcado para hoje (2) na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia do Senado, mas não compareceu. Procurados pela secretaria da CPI, os advogados de Faria disseram que não sabem onde ele está.

O presidente do colegiado, senador Omar Aziz (PSD-AM), determinou que a Polícia Legislativa conduza Marconny "sob vara" à comissão. Essa possibilidade ocorre nos casos em que o depoente é testemunha e não investigado. Apesar disso, a Advocacia do Senado também entrou com um pedido no Supremo Tribunal Federal para que o empresário seja conduzido coercitivamente.

O lobista já tinha dado sinais que não pretendia ir ao Senado. Ontem (1º) ele apresentou um atestado médico ao colegiado para não comparecer. A mesma estratégia já havia sido utilizada nessa quarta-feira por outro convocado, Marcos Tolentino, empresário suspeito de ligações com o FIB Bank, fundo garantidor do contrato entre a Precisa Medicamentos e o Ministério da Saúde para a compra de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin, suspenso após denúncias de irregularidades.

Diante disso, a cúpula da CPI pediu a confirmação dos diagnósticos pelo hospital. Horas após o questionamento, o médico de Marconny, Audrien Furlan de Lucca, procurou a cúpula da comissão para informar que o atestado seria cancelado. Segundo o vice-presidente, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o profissional "notou uma simulação por parte do paciente" e se comprometeu a enviar explicações à CPI.

Com o sumiço de Marconny, o senador Randolfe Rodrigues apresentou requerimento à CPI pedindo a prisão preventiva e apreensão do passaporte do empresário. Até o fechamento desta reportagem, a solicitação não havia sido votada pelos senadores.

Plano B

Para não perder tempo, já que a comissão está na reta final dos trabalhos, com  expectativa de apresentação do relatório final pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) até o fim deste mês, a comissão vai ouvir ainda hoje “um plano B”. O ex-secretário de Saúde do Distrito Federal Francisco Araújo Filho, que foi preso em agosto de 2020 durante a Operação Falso Negativo, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), prestará depoimento. A investigação apurou irregularidades na aquisição de testes rápidos para detecção da Covid-19 para a rede pública de saúde do DF.

Fonte: Agência Brasil
https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2021-09/policia-legislativa-busca-suposto-lobista-da-precisa-medicamentos


RPD 35 || Henrique Brandão: Giocondo, um comunista abnegado e gentil

Documentário sobre o histórico militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), de Vladimir Carvalho, já está à disposição do grande público no NOW, da NET

Já se encontra disponível no Now o documentário “Giocondo - O Ilustre clandestino”, do veterano cineasta Vladimir Carvalho, um dos mais representativos documentaristas brasileiros. Narra a vida de Giocondo Dias, histórico militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB).  

O filme mostra a participação de Giocondo em momentos decisivos da política dos comunistas: o levante militar de 1935, no Rio Grande do Norte, do qual foi o principal líder; o breve período da legalidade pós-Segunda Guerra (1945/47), quando o PCB elegeu 14 deputados federais e um senador (Luiz Carlos Prestes); a luta contra a ditadura e a política de frente democrática contra o regime militar fascista, em divergência com as forças de esquerda que defendiam a resistência armada; a campanha pela legalidade do PCB, nos anos de 1980.    

A trajetória de Giocondo se confunde com a própria história do velho Partidão. Cabo Dias, como era conhecido por sua patente militar, viveu a maior parte da existência na clandestinidade, a serviço da causa em que acreditava. Não é para qualquer um. É preciso a fibra dos fortes e a abnegação dos convictos para suportar durante tanto tempo as privações de uma vida clandestina.  

Segundo o diretor Vladimir Carvalho, o documentário levou dois anos para ser realizado: “assumi a produção desse filme e fiquei dois anos ralando. É um perfil em segunda-mão, porque é visto pelos raros contemporâneos do Giocondo Dias”, disse o cineasta, em entrevista para a “Agência Brasília”, em 2019, quando o longa foi exibido no encerramento do Festival de Brasília. 

De fato, o filme se vale muito do depoimento de quem conviveu com Giocondo. E isso tem uma razão de ser. Cuidadoso, sempre atuando com extrema discrição, é natural que não exista quase nada de imagens de arquivos dos tempos em que Giocondo atuava na clandestinidade.  

Vladimir Carvalho: "É um perfil em segunda-mão, porque é visto pelos raros contemporâneos do Giocondo Dias". Foto: Divulgação

É por meio de um mosaico de entrevistas com ex-companheiros de organização que emerge a figura de um dedicado militante comunista, rígido nas normas de segurança, mas doce e gentil no convívio pessoal.  

Em um emocionado depoimento, sua filha, Ana Maria Dias, fala dos encontros esporádicos com o pai, sempre cercados de extrema cautela para não comprometer a segurança. Uma situação difícil para os dois. Não é fácil abdicar do convívio familiar. 

Dois momentos se destacam no documentário: o primeiro é o perfil que Jorge Amado faz de Giocondo no livro “Navegação de Cabotagem”, onde o trata por Neném – apelido cunhado pela mãe de Giocondo – do tempo em que ambos, nascidos na Bahia, agitavam as ruas de Salvador. É uma narrativa carinhosa. Jorge Amado revela que um dos personagens de seu romance, “Tenda dos Milagres”, foi inspirado no amigo comunista: “o coloquei em uma tribuna de comício durante a guerra, falando em nome dos trabalhadores”. 

O outro trecho marcante do filme é a descrição, em detalhes, da retirada clandestina, no auge da ditadura militar, de Giocondo do Brasil. Prestes já estava em Moscou desde o início dos anos de 1970. O cerco da repressão havia apertado sobre os dirigentes do PCB. Muitos, inclusive, caíram e até hoje estão desaparecidos.  

Por sugestão de José Salles (membro do Comitê Central), que se encontrava na União Soviética, montou-se uma complexa operação que envolveu comunistas brasileiros e argentinos, além de dirigentes da antiga URSS. Os depoimentos relatam em minúcias o vai e vem dos procedimentos que acabaram por levar Giocondo a Moscou, em 1976. Em todo o processo, o cabo Dias manteve-se sereno e disciplinado, preocupado com a segurança dos demais envolvidos. 

Vários depoimentos expõem as divergências internas, no exílio, entre os membros do Partidão. Nesse cenário, Giocondo se impõe por sua capacidade de dialogar, qualidade destacada por todos. Soube usá-la com maestria, construindo pontes entre as correntes políticas do partido. Acabou sendo um dos formuladores e porta-voz da política de frente ampla democrática que o Partidão preconizou na luta contra a ditadura. Sua habilidade de ouvir os outros terminou por levá-lo à Secretaria-geral do PCB, em substituição a Luiz Carlos Prestes. 

 “Giocondo – O ilustre desconhecido” é um filme importante, pois ajuda a resgatar uma personalidade política que, por seus traços pessoais avesso aos holofotes, corria o risco de permanecer na penumbra. 

O PCB é a mais antiga organização comunista do país. Ano que vem, será o ano de seu centenário. Com certeza, Giocondo Dias será lembrado como uma das figuras decisivas na construção da bela trajetória de lutas dos comunistas.  


* Henrique Brandão é jornalista e escritor.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de setembro (35ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.


RPD 35 || Editorial: O dia seguinte

Alimentada por declarações sucessivas do Presidente da República e alguns de seus fiéis seguidores, a expectativa do que acontecerá em 7 de setembro domina o debate político. Afinal, cidadãos são convocados para protagonizar um momento de virada, capaz de conduzir os Poderes Legislativo e Judiciário a seus “devidos” lugares. Alguns dos chamados difundidos nas redes sociais apelam, inclusive, para a ruptura institucional, o escape do quadrado da Constituição, se as reivindicações dos manifestantes não forem consideradas. 

A radicalização verbal das convocatórias governistas deve ser entendida como uma tentativa desesperada de reverter um cenário completamente desfavorável. A crise econômica e os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito atuam simultaneamente para destruir a aprovação do governo junto ao eleitorado. A progressão da crise e a publicidade das responsabilidades dos governantes sobre ela fortalecem a hipótese de abreviação do mandato presidencial. O Poder Judiciário já montou seu alçapão, cinco inquéritos em curso que podem concluir pela perda de mandato ou pela inelegibilidade do primeiro mandatário. No Poder Legislativo, prevalece, até agora, a opção pela espera, a aposta nas eleições como via preferencial de substituição do governo. 

Na verdade, desde os tempos dos trezentos que se revelaram trinta, as manifestações governistas têm demonstrado extrema dificuldade em trazer pessoas para as ruas. O esforço de mobilização, contudo, parece agora mais robusto. Religiosos fundamentalistas, agricultores imediatistas, adoradores das armas de fogo, autoritários de todos os quadrantes dão mostras de estar empenhados em ocupar as ruas no dia sete, principalmente em São Paulo e Brasília. 

Avaliar previamente o grau de sucesso que esse movimento pode alcançar é tarefa difícil. No entanto, os indicadores do êxito, na perspectiva dos organizadores são evidentes. Qualquer fatia a mais de manifestantes nas ruas será usada como argumento contrário à queda da popularidade do governo junto ao eleitorado. O número, o volume, o impacto visual das imagens que ocuparão a mídia, portanto, importam.  

Importa também, a julgar pelo tom agressivo de algumas das convocatórias, o grau de desordem que a manifestação será capaz de provocar. A relação é direta: quanto maior o tumulto, maior a fragilidade de governadores e dos Poderes alvo da ira dos manifestantes. Mais combustível, portanto, para as demandas de ordem, pela via do fortalecimento dos poderes presidenciais. 

A aposta é de alto risco, até porque deixa à vista de todos o custo da permanência do Presidente no cargo até o fim de seu mandato. Cabe às forças do campo democrático persistir na defesa das instituições, no trabalho de convergência, na construção de um acordo amplo em torno da retirada do Presidente pelos caminhos previstos na Constituição, da garantia das eleições de 2022, bem como do respeito a seus resultados.  


CPI quebra sigilo de motoboy que sacou mais de R$ 4 milhões para VTCLog

Ivanildo Gonçalves foi convocado após Coaf ter encontrado movimentações suspeitas da VTCLog no valor de R$ 117 milhões

DW Brasil / Agência Senado

Ivanildo admitiu ter feito inúmeros saques e pagamentos de boletos em espécie

A CPI da Pandemia aprovou nesta quarta-feira (01/09) a quebra de sigilo telefônico, fiscal, bancário e telemático e a apreensão do celular de Ivanildo Gonçalves da Silva, motoboy da VTCLog, empresa de logística que é alvo da comissão por suspeitas de irregularidades envolvendo o Ministério da Saúde.

A apreensão do celular do motoboy foi determinada depois que ele se negou a entregar o aparelho voluntariamente. Ivanildo foi alertado de que qualquer modificação feita para apagar mensagens ou localizações no celular, feitas por ele ou por terceiros, pode ter consequências graves.

O motoboy depôs nesta quarta-feira à CPI. Ele é considerado uma testemunha-chave e foi convocado pelos senadores após o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ter encontrado movimentações suspeitas da VTCLog no valor de R$ 117 milhões nos últimos dois anos.

Desse montante, Ivanildo foi o responsável por movimentar cerca de R$ 4,5 milhões, a maior parte sacada em espécie na boca do caixa da agência da Caixa Econômica Federal localizada no aeroporto de Brasília.

Saques em altos valores

Em seu depoimento, Ivanildo admitiu ter feito inúmeros saques e pagamentos de boletos em espécie, chegando numa ocasião a retirar "um valor de 400 e poucos mil". Ele negou ter conhecimento da origem e dos destinatários desses valores. Os senadores, no entanto, suspeitam que eles estariam relacionados a desvio de recursos em contratos do Ministério da Saúde.

A VTCLog tem contratos milionários com o Ministério da Saúde para cuidar da logística de distribuição de vacinas e é investigada em razão de indícios de sobrepreço em contrato avalizado por Roberto Ferreira Dias, ex-diretor do Departamento de Logística da pasta, acusado de negociar propina na compra de vacinas. 

De acordo com a comissão, existem indícios de que Ivanildo fez pagamentos em benefício de Dias. A VTCLog nega.

Segundo o depoimento de Ivanildo, a funcionária do setor financeiro da VTCLog Zenaide Sá Reis era quem solicitava os saques e depósitos e para quem ele devolvia as sobras do dinheiro direcionados ao pagamento de boletos.

Por essa razão, os senadores da comissão também aprovaram a convocação de Zenaide para depoimento.

À CPI, Ivanildo disse, ainda, que ia "constantemente" ao Ministério da Saúde e que levou, este ano, um pen drive ao quarto andar do ministério, onde funcionaria o Departamento de Logística. Até junho, o local era dirigido por Dias.

O motoboy negou conhecer Dias e ter transferido dinheiro ou pago boletos em nome de servidores do Ministério da Saúde ou de outros órgãos do Poder Executivo.

Advogado pago pela VTCLog

Logo no começo da sessão, questionado sobre o motivo de ter decidido prestar depoimento após ter entrado com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para não comparecer à CPI, Ivanildo afirmou que queria "colocar um ponto final" na situação.

Segundo o motoboy, a VTCLog ofereceu assistência jurídica para que ele pudesse ser orientado em relação ao depoimento.

"Eu conversei diretamente com a empresa. A empresa me apresentou o advogado e falou para fazer o que eu sentisse que deveria ser feito", afirmou Ivanildo. 

A declaração preocupou a comissão. A senadora Soraya Thronicke (PSL-MS) sugeriu que a testemunha passasse a ser acompanhada também por um defensor público.  

Pouco antes da intervenção da parlamentar, o advogado que acompanha Ivanildo havia se desentendido com Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Simone Tebet (MDB-MS). Ele alegou que os senadores fizeram perguntas relativas a períodos passados, anteriores à pandemia. 

Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/cpi-quebra-sigilo-de-motoboy-que-sacou-mais-de-r-4-milh%C3%B5es-para-vtclog/a-59056672


Motoboy confirma que fazia saques e pagamentos em dinheiro para VTCLog

Marcos Tolentino, que tinha depoimento previsto para hoje, informou à comissão que está internado por causa da covid-19

Cássia Miranda, Daniel Weterman, Eduardo Gayer e Julia Affonso / O Estado de S. Paulo

motoboy Ivanildo Gonçalves confirmou, em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid nesta quarta-feira, 1º, que fazia saques pagamentos em dinheiro para a VTCLog, empresa suspeita de envolvimento em um esquema de corrupção no Ministério da Saúde. O nome do motoboy apareceu em um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que identificou R$ 4 milhões em saques em espécie para a VTCLog. Informações citadas pelo relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), apontam diversos saques neste ano.

O maior valor individual retirado, conforme depoimento de Gonçalves, foi em torno de R$ 400 mil na agência da Caixa no aeroporto de Brasília. Ele relatou que, quando sobrava dinheiro após os pagamentos, ele devolvia à empresa. No início da sessão, o relator da CPI, anunciou a inclusão de nove nomes na lista de investigados pelo colegiado (veja abaixo). Entre os alvos, estão o ministro da Previdência e Trabalho, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), e o deputado Osmar Terra (MDB-RS).


Acompanhe:




Com o depoimento do motoboy, a CPI espera confirmar uma parte do esquema de corrupção e identificar quem era responsável pelas operações suspeitas de irregularidades no Ministério da Saúde. A comissão apura se o ex-diretor de Logística da pasta Roberto Ferreira Dias foi beneficiado nas transções. Dias chegou a ser preso quando prestou depoimento na comissão.  

De acordo com Gonçalves, a ordem dos saques e pagamentos vinham de Zenaide Sá Reis, responsável pelo setor financeiro da empresa. O motoboy trabalha na VTCLog desde 2009. "O financeiro da empresa me passava os cheques para mim fazer os saques e aí eu executava", disse o funcionário. "Era na boca do caixa." Ele relatou que, ultimamente, o volume de movimentações teria diminuído.

No início do depoimento, os senadores apontaram contradições na declaração e falta de informações precisas. O motoboy relatou que, após os saques em espécie, pagava boletos e fazia depósitos em contas indicadas em anotações. Ele negou ter entregado dinheiro na mão de outras pessoas ou ter feito transferências entre contas, contrariando uma informação da CPI de que ele entregaria recursos para fornecedores da empresa.

No início da sessão, o relator da CPI incluiu na lista de investigados outros integrantes do governo do presidente Jair Bolsonaro, o que aumenta o cerco da CPI contra Bolsonaro.

No total, a lista tem 29 investigados. Ao incluir esses alvos, a CPI passa a tratá-los como suspeitos de ter participado de um crime. Isso porque a comissão classifica como investigadas aquelas pessoas contra as quais há provas e indícios veementes. Segundo assessores do Congresso, a alteração do status desobriga o investigado a assinar um termo para falar somente a verdade. Como não está obrigado a produzir provas contra si mesmo, o investigado não precisa falar nem dizer a verdade. 

Novos investigados

O relator pretende entregar o relatório final da CPI ainda em setembro. Novos desdobramentos da comissão, porém, podem estender o funcionamento para o prazo final, em novembro. Isso porque a comissão começa a aprofundar hoje a apuração de um suposto esquema de corrupção envolvendo a empresa VTCLog, que fechou contratos suspeitos com o Ministério da Saúde. 

Veja a lista de novos investigados:

  • Cristiano Carvalho, representante da Davati
  • Emanuela Medrades, diretora da Precisa
  • Helcio Bruno de Almeida, fundador do Instituto Força Brasil
  • Luciano Hang, dono da Havan
  • Luiz Paulo Dominghetti Pereira, representante da Davati
  • Marcelo Bento Pires, ex-assessor do Ministério da Saúde
  • Onyx Lorenzoni, ministro do Trabalho e Previdência
  • Osmar Terra, deputado federal
  • Regina Célia Oliveira, fiscal do contrato da Covaxin

Motoboy

Ivanildo depõe amparado por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que o permite ficar calado e até mesmo não comparecer à sessão, como fez ontem. Contudo, de acordo com Aziz, o motoboy, que prestou serviços à VTCLog, empresa que firmou contratos suspeitos com o Ministério da Saúde, aceitou comparecer ao colegiado, sinalizando disposição em colaborar.

Na sessão de ontem, o relator da CPI da Covid, apresentou imagens que mostrariam o motoboy em uma agência do Bradesco, em Brasília, no mesmo momento em que cinco boletos atribuídos ao ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias eram pagos. Após entrar na mira da CPI, Dias foi demitido da pasta em no fim de junho.

Os boletos pagos em nome de Dias foram emitidos pela Voetur, grupo empresarial ao qual a VTCLog pertence. A CPI ainda busca entender por que o motoboy da VTCLog teria pago boletos do ex-diretor do ministério.

O nome do motoboy consta em um relatório do Coaf em posse da comissão que investiga a VTCLog, responsável por fazer a logística com contratos e transportar insumos para o Ministério da Saúde. Conforme o requerimento de convocação, de autoria do vice-presidente da CPI, senador Randolfe Randolfe (Rede-AP), Ivanildo é um “aparente intermediário em esquemas duvidosos da empresa VTCLog”. 

O motoboy foi citado em relatório do Coaf, que identificou R$ 4 milhões em saques em espécie para a VTCLog, durante o período de janeiro a julho de 2018. A transportadora entrou na mira da comissão sob suspeita de novas irregularidades depois de relatórios da área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) apontarem o superfaturamento de R$ 16 milhões em contratos com o Ministério da Saúde.

No pedido de convocação, Randolfe argumenta que, apesar de ser “apenas um motoboy”, com salário em torno de R$ 2 mil, Ivanildo é responsável por cerca de 5% de toda a movimentação atípica feita pela VTCLog.

Tolentino

Até esta manhã, a pauta de hoje previa a inquirição do advogado e empresário Marcos Tolentino, sobre suposto esquema de favorecimento da Precisa Medicamentos no Ministério da Saúde. No requerimento de convocação de Tolentino, apresentado pelo vice-presidente da CPI, o empresário também é apontado como “sócio oculto” da FIB Bank. Tolentino, no entando, informou à comissão que está internado no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, por causa de sequelas da covid-19. O empresário foi infectado pela doença em março. 

A FIB Bank, empresa, que não é um banco, ofereceu garantia financeira de R$ 80,7 milhões em um contrato firmado entre a Precisa e o Ministério da Saúde para a compra de 20 milhões de doses do imunizante indiano por R$ 1,6 bilhão. 

Em depoimento cheio de contradições, em 25 de agosto, o diretor da FIB Bank, Roberto Pereira Ramos, disse que Tolentino é advogado de Ricardo Benetti, dono da empresa Pico do Juazeiro, uma das atuais sócias da FIB Bank.

“Amigo pessoal” de Barros

Dono da Rede Brasil de Televisão, Tolentino é amigo pessoal do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR). O deputado foi recentemente incluído na lista de investigados pela CPI. A comissão investiga se o parlamentar agiu em benefício de terceiros para levar o Ministério da Saúde a negociar com a Precisa Medicamentos e com a farmacêutica Belcher.

Antes do início da sessão de ontem, o relator do colegiado, senador Renan Calheiros, disse que Barros é comandante de um “dos maiores esquemas de roubalheiras” e merece ser “exemplarmente punido”. O deputado nega qualquer irregularidade.

Durante depoimento à comissão, em 12 de agosto, Barros admitiu proximidade com o depoente de hoje. “Marcos Tolentino é um amigo meu pessoal, dono da Rede Brasil Televisão. Tenho rádio há 40 anos e sempre nos encontramos nos eventos de radiodifusão em todo o Brasil”, disse o deputado. 

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,cpi-da-covid-ouve-nesta-quarta-marcos-tolentino-citado-como-socio-oculto-da-fib-bank,70003827766

*Título do texto original alterado para publicação no portal da FAP


Onyx, Osmar Terra e Luciano Hang entram na lista de investigados da CPI

Relator da CPI da Covid-19 anunciou novos nomes antes do depoimento do motoboy Ivanildo Gonçalves, da VTCLog

Marcelo Montanini e Victor Fuzeira / Metrópoles

O relator da CPI da Covid-19, Renan Calheiros (MDB-AL), anunciou, nesta quarta-feira (1°/9), novos nomes de investigados pela comissão. O ministro do Trabalho e Previdência, Onyx Lorenzoni, o deputado Osmar Terra (MDB-RS) e o empresário bolsonarista Luciano Hang (foto em destaque) foram incluídos na lista do colegiado.

Constam também na relação de investigados os vendedores Cristiano Carvalho e Luiz Paulo Dominguetti, da Davati Medical Supply, a diretora da Precisa Medicamentos, Emanuela Medrades, o coronel Helcio Bruno, do Instituto Força Brasil, e o coronel Marcelo Pires.

Onyx e Hang foram os únicos deste rol que ainda não prestaram depoimento à comissão. Entretanto, o empresário bolsonarista ainda deve depor em meados de setembro.

comissão ouve, nesta quarta-feira, o motoboy Ivanildo Gonçalves da Silva, da VTCLog, que teria sacado R$ 4,7 milhões para a empresa, parte desse montante em espécie.

Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/onyx-osmar-terra-e-luciano-hang-entram-na-lista-de-investigados-da-cpi


A cidade como arena da guerra política no 7 de Setembro

Imagens do povo nas ruas marcarão novo ponto de inflexão no país

Nabil Bonduki / Folha de S. Paulo

Para comemorar os dois anos do Manifesto Integralista, versão brasileira do fascismo italiano que se espalhava pelo mundo nos anos 1930, a Aliança Integralista Brasileira, liderada por Plínio Salgado, marcou uma manifestação na praça da Sé no dia 7 de outubro de 1934.

O ato objetivava mostrar a força dos integralistas, agremiação de extrema direita que queria influenciar o governo Vargas e se fortalecer para disputar diretamente o poder. Os tempos eram outros, mas nem tanto...

Informados do ato, diferentes agrupamentos políticos “antifascistas” se organizaram e mobilizaram seus militantes para impedir que o coração da cidade fosse ocupado pelos seguidores de Salgado. O confronto ficou conhecido como a Batalha da Sé.

Quando a praça começou a ser ocupada pelos “galinhas verdes”, uniformizados e com suas bandeiras com o sigma (Σ), símbolo dos integralistas, os antifascistas, militantes socialistas, anarquistas e comunistas, entraram na praça dispostos a ocupá-la e melar a manifestação fascista.

Impulsionado pela intervenção policial, que atacou os esquerdistas, o conflito tomou grandes proporções, pois ambos os lados estavam armados, gerando uma batalha campal que deixou sete mortos e 30 feridos a bala.

Naquela época, como agora e em muitos outros momentos da história, a ocupação política dos espaços públicos, em datas e lugares simbólicos das cidades, é muito importante nas disputas entre as tendências autoritárias e democráticas.

O fenômeno se repete na atual conjuntura, por enquanto com um pouco mais de civilidade, embora o crescente apelo armamentista dos apoiadores do presidente, inclusive com a convocação de policiais para participarem de seus atos, gere muita preocupação.

É ao que estamos assistindo na guerra de lugares para as manifestações do 7 de setembro de 2021. Em São Paulo, a avenida Paulista e o Dia da Independência tornaram-se o foco dessa guerra simbólica entre os bolsonaristas, com sua pauta antidemocrática (voto impresso, ataque ao STF), e a Campanha Fora Bolsonaro, com uma agenda democrática e social.

Ocupar a avenida Paulista, demonstrando força e capacidade de mobilização, tornou-se objeto de desejo das organizações políticas.

Desde os atos contra a presidenta Dilma, em 2015 e 2016, a avenida se transformou em palco de competição no estilo “quem leva mais gente”, “quem ocupa mais quarteirões”. De certa forma, isso se tornou uma versão “civilizada e democrática” da Batalha da Sé.

Tradicionalmente, as organizações populares promovem no 7 de Setembro na avenida Paulista, o Grito dos Excluídos, que neste ano se juntou ao 4º ato da Campanha Fora Bolsonaro. Mas os apoiadores do presidente também marcaram uma manifestação no mesmo dia e local, que assumiu um ar golpista, sobretudo após a divulgação do vídeo protagonizado pelo cantor Sérgio Reis.

É quase consensual (exceto para quem quer levar a atual disputa política para um conflito armado) que é extremamente imprudente ocorrerem as duas manifestações com pautas opostas no mesmo dia e local. O Ministério Público, em 2020, já havia determinado essa cautela.

A questão é quem tem direito ao privilégio de ocupar a Paulista no Dia da Independência e que critério deve ser utilizado para resolver a disputa. O convívio democrático e o direito à manifestação e à cidade requerem que isso seja regulamentado que forma equilibrada e justa.

Talvez um sorteio fosse a saída mais democrática. Mas o governador Doria resolveu a questão da pior maneira possível. Decidiu que a Paulista seria concedida para a manifestação pró-Bolsonaro e proibiu que o ato da oposição fosse realizado em qualquer lugar da cidade no simbólico 7 de Setembro.

A preocupação com conflitos é real, mas a questão não pode ser resolvida dessa maneira. Sob protesto, as organizações de oposição ao presidente resolveram transferir o ato para o Vale do Anhangabaú, o que também foi negado pelo governador.

Como se ele fosse o tutor das manifestações populares, determinou que o ato Fora Bolsonaro deveria ser realizado no dia 12 de setembro, quando está programada uma outra manifestação contra o presidente, organizada por seus ex-apoiadores, que têm uma agenda diferente da Campanha Fora Bolsonaro.

O imbróglio foi resolvido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo que, em liminar, determinou que ambos os protestos podem acontecer simultaneamente desde que ocorram em pontos diferentes da cidade e que não se cruzem.

Essa disputa mostra que o espaço público continua a ter um papel essencial nas disputas políticas. Apesar da crescente importância das redes sociais, a pólis, palavra em grego que significa cidade mas também o exercício político no espaço público, continua a exercer um imenso fascínio.

Ao longo da história, a cidade tem sido palco de manifestações que derrubam ou fortalecem governos, geram revoluções ou fornecem pretextos para os governos darem autogolpes contra as instituições democráticas, sofrem repressão das forças policiais, mas também resistem aos governos totalitários.

A história recente do Brasil mostra que todas as principais inflexões políticas foram acompanhadas de grande manifestações urbanas.

Ao Comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964, de apoio a Jango, se seguiu a Marcha Por Deus, pela Família e pela Liberdade, que pavimentou o caminho civil para o golpe militar. As manifestações de ruas foram a essência das Diretas Já, que enterrou a ditadura militar.

Collor pediu apoio em verde-amarelo, mas população saiu às ruas de preto e surgiram os caras-pintadas, essenciais para o impeachment do presidente. As espetaculares e ainda mal entendidas Jornadas de Junho” foram o início do retrocesso conservador, consolidado nas colossais ocupações Pato Amarelo da Paulista, que culminaram no impeachment de Dilma.

Embora o Congresso, o STF e demais instituições democráticas sejam essenciais, é nas ruas que se travará uma das principais disputas pela preservação da democracia. As imagens aéreas da avenida Paulista e do Vale do Anhangabaú no 7 de Setembro serão vitrines de uma luta que poderá marcar mais uma inflexão política no país.

*Nabil Bonduki é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/nabil-bonduki/2021/08/a-cidade-como-arena-da-guerra-politica-no-7-de-setembro.shtml