Correio Braziliense

Luiz Carlos Azedo: A bagunça na economia

Com a inflação descontrolada, ninguém sabe o resultado da equação “injeção de dinheiro no bolso dos mais pobres e elevação dos juros”, em termos de atividade econômica

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Quem quiser que se iluda. A um ano do pleito de 2022, a política econômica do governo Bolsonaro entrou em acelerado modo eleitoral. Quando falou das pressões da ala política e da incompreensão dos jovens integrantes de sua equipe em relação ao teto de gastos, na entrevista coletiva de sexta-feira, no Ministério da Economia, ao lado do presidente da República, o ministro da Economia, Paulo Guedes, sinalizou que pretende manipular os instrumentos de que o Estado dispõe para intervir na economia no sentido de construir um cenário favorável à reeleição de Jair Bolsonaro.

É disto que se trata: começou uma corrida maluca para ganhar as eleições, na qual o governo pretende reverter os desgastes de Bolsonaro junto à população de mais baixa renda e, com isso, manter o apoio do Centrão. O carro chefe da estratégia é o Auxílio Brasil, o programa de Bolsonaro para substituir o Bolsa Família, além de outros benefícios, como o vale gás e o subsídio de R$ 400 para os caminhoneiros abastecerem os tanques de seus veículos. O rombo no teto de gastos, estimado em R$ 86 bilhões, pode chegar a R$ 100 bilhões.

O problema é que os R$ 400 anunciados por Paulo Guedes, R$ 100 a mais do que aceitavam os integrantes da equipe econômica que deixaram o governo, liderados pelo secretário de Tesouro Bruno Funchal, dificilmente serão mantidos pelo Congresso. Não para reduzi-los; pelo contrário, para aumentá-los, podendo chegar a R$ 600, como propôs o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essa é uma bandeira que a oposição agarrará com as duas mãos, muito provavelmente com o apoio docemente constrangido do Centrão. A conferir!

Cá entre nós, para um governo cujo orçamento é da ordem de R$ 1 trilhão, essa despesa poderia ser feita dentro do Orçamento da União, se o valor equivalente fosse remanejado de outros setores do governo, em vez de obtidos por meio de um calote nas dívidas judiciais, ponto de partida da chamada PEC dos Precatórios, e de uma manobra contábil no cálculo do IPCA, que serve de base para a atualização do teto, que deixou de junho a junho para janeiro a dezembro, ou seja, uma mágica que comprova a teoria de que na política o calendário é relativo. Na economia também, mas o dono do tempo é o mercado.

Estelionato eleitoral
O problema é o “instinto animal” dos agentes econômicos, como diria o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, principalmente de produtores e investidores, porque a manobra não altera positivamente a realidade da economia, da geração de riqueza ao emprego e à renda, pelo contrário. Vejamos:

(1) Dólar – O rombo no teto de gastos pode chegar a R$ 100 bilhões, o que vai provocar mais desvalorização da moeda. O mercado estima que a cotação do dólar chegará a R$ 5,80 em dezembro e ultrapassará R$ 6,20 até as eleições de 2022.

(2) Inflação – No acumulado de 12 meses até setembro, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegou a 10,25%. Foi a maior taxa anula desde fevereiro de 2016.

(3) Juros – O Banco Central será obrigado a aumentar ainda mais a taxa básica de juros, atualmente em 6,25% (Selic). Na próxima reunião do COPOM, deve subir 1,25 ponto percentual e chegar a 8,75% ao ano, em dezembro, subindo para 10.5% em 2022.

(4) Crescimento – O crescimento esperado de 1,8% para o PIB de 2022 deu lugar a uma expectativa média de 1%. Há quem fale em 0,5% do PIB.

(5) EUA – O Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) pode subir os juros, hoje na faixa entre 0% e 0,25%, em meados do ano que vem.

(6) China – O PIB chinês cresceu 4,9% no terceiro trimestre de 2021, o ritmo mais lento em um ano, em razão da crise de energia, das interrupções na cadeia de abastecimento, do agravamento das dívidas em seu setor imobiliário e dos surtos esporádicos de Covid-19.

Nesse cenário, o presidente Bolsonaro e o ex-presidente Lula emulam propostas de caráter populistas, que tendem a deteriorar ainda mais a situação da economia. Tanto na reeleição de Fernando Henrique Cardoso, com o câmbio fixo, como na reeleição do ex-presidente Lula, com o Bolsa Família, foi possível interferir na economia para favorecer quem estava no poder, porém, numa situação de inflação sob controle. Longe da eleição, com a inflação descontrolada, ninguém sabe o resultado da equação “injeção de dinheiro no bolso dos mais pobres e elevação dos juros”, em termos de atividade econômica. Quem ganhar as eleições, ao assumir, terá que fazer um duro ajuste nas contas públicas.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-bagunca-na-economia

"Não pedi demissão", assegura Guedes em pronunciamento com Bolsonaro

Ministro da Economia defendeu o furo no teto e disse que a saída de secretários da pasta "é natural"

Israel Medeiros / Correio Braziliense

O ministro da Economia, Paulo Guedes, negou, nesta sexta-feira (22/10), que tenha pedido demissão ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) após a debandada dos secretários Bruno Funchal (Tesouro e Orçamento), e Jeferson Bittencourt (Tesouro Nacional), e dos secretários Gildenora Dantas e Rafael Araújo. Ele se encontrou com Bolsonaro no início da tarde para tratar da crise envolvendo sua permanência no cargo.

Segundo Guedes, não houve nenhuma sinalização por parte dele ou de Bolsonaro nesse sentido. “Eu não pedi demissão. Em nenhum momento pedi demissão, em nenhum momento o presidente insinuou qualquer coisa semelhante”, disse ele, após conversar com o presidente a portas fechadas.

Ele também disse que durante o período em que estava na reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI), fora do país, houve uma movimentação política por parte de “fura tetos”, que inclui ministros do governo. Em um ato falho, ele citou o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, como substituto do secretário Bruno Funchal, mas se corrigiu na sequência e apontou o verdadeiro substituto: o ex-ministro do Planejamento, Esteves Colnago.

“Quando me referi ao André Esteves é porque eu soube que enquanto estava lá fora [do país] houve uma movimentação política aqui, normalmente não digo que sejam ministros, existe uma legião de fura tetos. O teto é desconfortável”, disse.

Ele também criticou falas de ex-ministros da Fazenda que têm dito que a permanência dele no cargo é prejudicial ao país, e disse que continua acreditando no governo, nas reformas e na democracia.

“Eu vim acreditando no presidente, que tem boas intenções no Congresso, que é reformista. Eu estou esperando que todo mundo mantenha as posições originais, acho que o presidente me apoia, acho que a mídia apoia as reformas corretas. Eu acredito na democracia brasileira, ponto. Agora, me chamam de extremista por servir um presidente democraticamente eleito”, afirmou.

O ministro também disse que é necessário gastar mais e ir além do teto de gastos para evitar que os mais pobres passem fome.

Encontro com Bolsonaro

Bolsonaro chegou ao Ministério da Economia por volta das 14h30 e entrou pela garagem do bloco P, sem falar com a imprensa. O encontro não estava na agenda das autoridades. A ideia era conversar com o ministro Paulo Guedes para tentar segurá-lo no cargo após a debandada de secretários da Economia ontem (21).

Na ocasião, Bruno Funchal, Secretário do Tesouro e Orçamento, pediu demissão do cargo e foi acompanhado do secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, e dos secretários Gildenora Dantas e Rafael Araújo. Eles eram considerados parte importante do que Guedes já chamou de “coração da política econômica”.

Eles não concordaram com a mudança de posicionamento de Guedes que, pressionado e enfraquecido, sinalizou que cederia e poderia romper o teto de gastos.

Depois do anúncio da demissão, o ministro cancelou a participação em um evento que ocorreria à noite e não se pronunciou desde então. Em uma entrevista à CNN, Bolsonaro garantiu que Guedes ficaria no cargo e lamentou a saída dos secretários.

Ao longo desta sexta, diversos boatos e informações falsas circularam entre membros do mercado financeiro. A maioria dizia respeito ao suposto pedido de demissão que, no fim das contas, não se confirmou.

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/10/4957344-nao-pedi-demissao-assegura-guedes-em-pronunciamento-com-bolsonaro.html


Relatório paralelo: Senador propõe indiciamento de Bolsonaro por 7 crimes

Texto de autoria de Alessandro Vieira pode auxiliar relatório final de Renan Calheiros, que será votado na próxima terça-feira (19/10)

Raphael Felice / Correio Braziliense

senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) protocolou, nesta sexta-feira (15/10), um relatório paralelo de sua autoria na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19. O texto pode ser aproveitado pelo relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), que fará a leitura de sua exposição final na próxima terça-feira (19/10). No relatório, o delegado propõe o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) por sete crimes: crime de responsabilidade, crime de epidemia, infração de medida sanitária preventiva, charlatanismo, incitação ao crime e crime contra a humanidade. O senador ainda pede maiores investigações sobre a infração de prevaricação.

O relatório é dividido em cinco partes ( gestão e definição de políticas públicas de combate à pandemia; mortes evitáveis; indícios de mau uso de recursos públicos; análise dos pareceres e notas técnicas e propostas legislativas).

Além de Bolsonaro, Alessandro Vieira propõe a responsabilização de outros membros do governo federal, como o ministro da Economia, Paulo Guedes, o coordenador do Comitê de Crise da pandemia e ex-ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, a Secretária de Gestão, Trabalho e Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro (capitã cloroquina), o ministro do trabalho Onyx Lorenzoni, o ex-secretário especial de comunicação, o ex-secretário da Saúde, coronel Élcio Franco, Fábio Wajngarten, entre outros.

Integrantes do setor privado que participaram de irregularidades junto ao governo Bolsonaro na pandemia, como o os representantes da Prevent Senior, Pedro Batista, Fernando Parillo e o virologista Paolo Zanotto também constam como indiciados.

Segundo Alessandro, a ação do governo federal trouxe confusões e minimização da gravidade da pandemia. Também foram feitas ações para descredibilizar instituições e a vacina por meio de disseminação de notícias falsas, descaso com povos indígenas e a divulgação de medicamentos sem eficácia comprovada por autoridades de saúde.

O senador lembra ainda que a pandemia não acabou e que ações precisam ser tomadas. Assim como no relatório de Renan Calheiros, Vieira sugere propostas legislativas dentro das áreas de saúde, educação, combate à pobreza, combate à corrupção, gestão pública e processo legislativo.

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/10/4955683-alessandro-vieira-propoe-indiciamento-de-bolsonaro-por-7-crimes-em-relatorio-paralelo.html


Luiz Carlos Azedo: Escorregão na pauta ética

Reduzir o poder dos procuradores e contingenciar a autonomia do Ministério Público é um sonho de consumo dos políticos enrolados na Justiça

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Autor da Proposta de Emenda à Constituição 005-a, de 2021, que trata da composição do Conselho Nacional do Ministério Público, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) atravessou a rua para escorregar numa casca de banana. O pior é que pode arrastar na queda o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, apesar da zona de conforto em que se encontra nas pesquisas de opinião. Se tem uma coisa que ainda pode atrapalhar a volta do PT ao poder, na garupa de Lula, é a pauta ética, um cavalo encilhado para levar ao segundo turno um candidato de centro, uma vez que essa bandeira saiu das mãos do presidente Jair Bolsonaro e está ao léu.

O CNMP é o órgão responsável por julgar procuradores e promotores. Nos últimos anos, por causa da Operação Lava-Jato, foi cenário de embates entre os procuradores da força-tarefa de Curitiba e os “garantistas” do mundo jurídico, uma ampla frente de advogados, juristas, magistrados e até procuradores preocupados com os dribles a mais dos chamados “tenentes de toga”, na expressão do cientista político Luiz Werneck Vianna. Chefe da força-tarefa de Curitiba e líder lavajatista, ao lado do então juiz federal Sergio Moro, Deltan Dallagnol chegou a ser punido com pena de censura por ter feito um post dizendo, antes das eleições para a Presidência do Senado, em 2019, que se Renan Calheiros vencesse a disputa, dificilmente o Brasil veria a aprovação de uma reforma contra a corrupção.

“Muitos senadores podem votar nele escondido, mas não tem (sic) coragem de votar na luz do dia”, afirmou, no auge do apoio popular à Lava-Jato. Deltan também foi condenado a indenizar o senador alagoano, que hoje é o relator da CPI da Covid, em R$ 40 mil. Antes disso, já havia sido punido com uma advertência por ter criticado ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Entretanto, o processo administrativo disciplinar de Deltan, pelo controverso PowerPoint de apresentação de denúncia que colocava o ex-presidente Lula no centro de uma organização criminosa, foi adiado 42 vezes antes de ser julgado e acabou prescrevendo.

A proposta aprovada pela comissão especial da Câmara propõe a redistribuição de vagas do CNMP. A Câmara e o Senado passarão a indicar quatro conselheiros, sendo um deles o vice-presidente, e outro, o corregedor. Outro ponto polêmico do texto permite que membros do conselho revisem atos funcionais de procuradores e promotores. Hoje, os membros do Ministério Público podem ser punidos pelo órgão, mas seus atos só podem ser modificados por decisão judicial. Na composição atual, o MP tem oito de 14 membros na corte — três membros do MP dos estados, quatro do MP da União e o procurador-geral da República, que preside o CNMP.

Pacto perverso
O projeto pôs em pé de guerra os “tenentes de toga”. Na sexta-feira, oito subprocuradores-gerais da República divulgaram manifesto contra a PEC, caracterizada como um “sombrio instrumento de opressão e intimidação de seus membros”. Ontem, foram realizadas manifestações em todo o país. Mais de 3 mil integrantes do Ministério Público assinaram documento que pede a rejeição integral da emenda à Constituição.

“A proposta de assento aos próprios ministros dos tribunais superiores no Conselho Nacional do Ministério Público desvirtua as funções dos ministros de tais tribunais, pois a eles confere ‘superpoderes’ de atuação natural jurisdicional nas cortes em que atuam, de conselheiros no CNJ e também no CNMP, em evidente desequilíbrio do sistema de justiça, com violação do sistema de freios e contrapesos (checks and balances) previsto pelo Poder Originário Constituinte”, afirmam.

Reduzir o poder dos procuradores e contingenciar a autonomia do Ministério Público é um sonho de consumo dos políticos enrolados na Justiça. Está em linha com as recentes mudanças na legislação sobre improbidade administrativa, patrocinada pelo Centrão, sob a liderança do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL). Sua aliança com o PT na agenda contra a Lava-Jato foi uma jogada de mestre. Eleitoralmente, porém, com o perdão do trocadilho, esse pacto perverso pode ser uma roubada.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-escorregao-na-pauta-etica/?fbclid=IwAR2IKNPnX3DJpY8XWDsp16Q64oZaMZvBYXT2MoIsqxHNY4jkDSncJwyHH2U

Luiz Carlos Azedo: Sem chance de dar certo

O salário vale menos e os mais pobres estão disputando ossos e sopas oferecidas por instituições de caridade. Como a economia desanda, a reeleição sobe no telhado

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Há três contingências do governo Bolsonaro que colocam em xeque sua continuidade. A primeira tem a ver com a política externa; a segunda, com a política propriamente dita; a terceira, com a economia. São situações criadas pelo próprio presidente da República, não por seus adversários. Decorrem de estratégias erradas. Vejamos: (1) a aposta na política ultraconservadora do presidente Donald Trump, com a eleição do democrata Joe Biden para a Presidência dos Estados Unidos, deixou o presidente Jair Bolsonaro sem um grande aliado no Ocidente e na contramão da política mundial, que é globalista; (2) a retórica golpista e a agenda ultraconservadora provocaram seu crescente isolamento político; (3) e a entrega do Orçamento da União ao Centrão inviabilizou a agenda econômica do ministro da Economia, Paulo Guedes. O resto são consequências.

O isolamento internacional do Brasil, ao contrário do que gostaria Bolsonaro, somente serviu para tornar o Brasil ainda mais dependente da China, nosso principal parceiro comercial. Não seria um grande problema, se a economia chinesa não sofresse os sobressaltos de uma economia capitalista, embora seu regime político seja uma ditadura comunista. No momento, o mercado financeiro internacional vive a expectativa de uma implosão da bolha imobiliária chinesa, de consequências imprevisíveis. A Sinic Holdings Group é mais recente empresa imobiliária chinesa em vias de dar um grande calote, aumentando a tensão criada pela gigante Evergrande, que atravessa momentos difíceis e tem uma dívida de US$ 300 bilhões (R$ 1,6 trilhão).

A Sinic comunicou à Bolsa de Hong Kong que espera não conseguir pagar um título de US$ 250 milhões com vencimento em 18 de outubro, o que pode gerar inadimplência cruzada, pois a empresa tem US$ 694 milhões em títulos e sofreu uma queda de 97% no valor de suas ações. A Modern Land (China) Co., outra incorporadora sediada em Pequim com US$ 1,35 bilhão de títulos em circulação, está pedindo três meses para quitar uma nota com vencimento em 25 de outubro. A Xinyuan Real Estate Co., que tem US$ 760 milhões de títulos, está propondo o que a Fitch Ratings considera uma troca de dívida problemática com vencimento na sexta-feira. A alta do preço do petróleo e a chamada crise dos contêineres, que corresponde a um apagão logístico, também são fatores que repercutem fortemente na desvalorização da moeda brasileira.

Calote e inflação

Na política, a situação é complicada porque a agenda econômica do Centrão não é a mesma do ministro da Economia, Paulo Guedes. A reforma administrativa subiu no telhado, ainda mais porque todo o pessoal do setor de segurança pública, com exceção dos policiais militares, rebelou-se contra a reforma. Policiais federais, policiais rodoviários, agentes penitenciários e policiais civis, que faziam parte da base bolsonarista, estão se insurgindo contra a reforma e fazem forte lobby no Congresso, como os demais servidores civis. Sem cortes nas despesas de pessoal, a opção do governo seria contingenciar as emendas ao Orçamento da União, que estão fora do controle do Executivo e são imexíveis. Quem controla esses investimentos em obras e serviços é o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Com isso, o cobertor ficou muito curto para o governo aprovar o Auxílio Brasil, programa social no qual o presidente Bolsonaro aposta sua reeleição. A alternativa de calote nos precatórios (PEC 23) para financiar o programa que substituirá o Bolsa Família também enfrenta forte resistência.O engenhoso relatório do deputado Hugo Motta constitucionaliza o calote, ao ficar um limite anual para os precatórios e sentenças judiciais. O restante entraria na lógica do “devo, não nego; pago quando puder”, segundo o economista Felipe Salto, do Instituto Fiscal Independente(IFI), mantido pelo Senado. O limite proposto no relatório está baseado no valor pago em 2016 (R$ 30,7 bilhões) corrigido pela inflação. Assim, o pagamento de 2022 será de R$ 40,5 bilhões, em vez de R$ 89,1 bilhões.

Uma folga de R$ 48,6 bilhões no teto de gastos em 2022, para financiar a reeleição de Bolsonaro, não passa despercebida e impune pelo mercado. Além de gerar insegurança jurídica, ao virar a mesa nas regras do jogo entre o governo e seus credores, tem impacto direto na inflação, que voltou como nunca antes desde o lançamento do Plano Real. Os números são terríveis: 1,16% em setembro, 6,90% no ano e 10,25% em 12 meses. Luz, ovos, café, carne, frango e açúcar subiram de 20% a 47%. O salário vale menos e os mais pobres estão disputando ossos e sopas oferecidas por instituições de caridade. Como a economia desanda, a reeleição sobe no telhado.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-sem-chance-de-dar-certo/

Fator CPI tem potencial para impactar eleições de 2022

Comissão pedirá o indiciamento de dezenas de investigados, entre os quais o presidente Bolsonaro

Raphael Felice/ Correio Braziliense

A CPI da Covid completa, hoje, seis meses desde sua instauração. De lá para cá, houve um rol de depoimentos, quebras de sigilo e investigações, levado a cabo pela comissão, que conseguiu ocupar espaço de protagonismo no jogo político. O fim dos trabalhos ocorrerá no próximo dia 20, quando haverá a votação do relatório do senador Renan Calheiros (MDB/AL).

Nesta reta final, a cúpula do colegiado mudou o cronograma dos trabalhos. Desistiu da convocação, pela terceira vez, do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, cujo depoimento estava marcado para segunda-feira. Na data, ocorrerá a oitiva do médico pneumologista Carlos Carvalho e de parentes de vítimas do novo coronavírus.

No dia 19, Calheiros apresentará o relatório. Ele já antecipou que relacionou 37 investigados no parecer. Disse, ainda, que mais de 40 pessoas devem ser responsabilizadas no documento, entre elas o presidente Jair Bolsonaro. Segundo o parlamentar, a CPI não poderia “falar grosso na investigação e miar no relatório”.

Com a aprovação do parecer, a intenção é entregá-lo à Procuradoria-Geral da República (PGR) já no dia 21. O órgão terá 30 dias para decidir se dará prosseguimento às denúncias, pedirá o arquivamento ou definirá diligências. No dia 26, membros da CPI vão se reunir com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para protocolar um pedido de impeachment contra Bolsonaro.

De acordo com o vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a cúpula do colegiado pretende levar o relatório, também, até o Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda. A Corte é responsável pelo julgamento de acusados de crimes contra a humanidade, como genocídio.

Conforme analistas, a CPI tem sido responsável por equilibrar o noticiário político, antes pautado por ações e ataques de Bolsonaro. Para eles, o ritmo do jogo político era, de certa forma, ditado pelo chefe do Executivo, que sempre se utilizou da política do enfrentamento e de cortinas de fumaça para tentar encobrir insucessos.

“Uma das grandes mudanças que a CPI trouxe na pauta política foi justamente o fato de ser capaz de ditar a pauta política. A comissão acabou tirando um pouco do protagonismo do presidente no cenário político, sendo ela mesma a produtora de notícias, a produtora de informações para a sociedade”, afirmou Valdir Pucci, professor e mestre em ciência política.

Com repercussão e força política própria, a CPI expôs informações que podem custar caro a Bolsonaro, como a demora para comprar vacinas contra a covid-19, a propaganda do chamado “tratamento precoce”, a revelação de que o Ministério da Saúde negociou imunizantes superfaturados e o escândalo recente com a Prevent Senior — segundo depoimentos ao colegiado, a operadora usava seus pacientes como cobaias em experimentos com substâncias como cloroquina, ivermectina, azitromicina e até ozônio no “tratamento” do coronavírus.

Com grande audiência — sendo constantemente um dos assuntos mais comentados nas redes sociais —, mesmo após o seu término, o fantasma da CPI deve continuar assombrando Bolsonaro durante a campanha eleitoral no ano que vem.

Para o cientista político André Rosa, o presidente pode ser impactado com algo parecido com o que sofreram petistas com relação à Operação Lava-Jato. “A CPI da Covid será objeto de grande repercussão nas eleições e também na formação das preferências do eleitor na hora da escolha do voto. Tal como a Operação Lava-Jato, que impulsionou a candidatura de Jair Bolsonaro, será a da covid-19 que proporcionará aos concorrentes o combustível da propagação de campanha negativa da gestão do atual presidente”, frisou.

Conforme Rosa, o relatório de Calheiros trará sérios problemas para a já abalada imagem do chefe do Executivo. “Os impactos na sociedade serão fragmentados entre os apoiadores do presidente e os seus dissidentes. Aos dissidentes, a certeza de um país mal gerido, que alcançou o nível inflacionário pré-Plano Real, alta fora da curva dos combustíveis e mais desigual”, listou. “Por fim, a CPI formaliza em um relatório o resumo de um dos piores governos da história do país.”

Queiroga

A decisão da cúpula da CPI de abrir mão da terceira convocação do ministro Marcelo Queiroga foi tomada porque senadores não acreditam que ele apresentaria informações capazes de contribuir com as investigações. Na semana passada, o titular da Saúde já havia respondido, por escrito, a questionamentos feitos pela comissão.

Os parlamentares preferem, então, focar no médico pneumologista Carlos Carvalho, professor da Universidade de São Paulo. Ele coordenou um estudo que refutou o uso de medicamentos, como a hidroxicloroquina, cloroquina e a azitromicina, em pacientes com covid-19. A pesquisa seria analisada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), órgão do Ministério da Saúde, mas acabou retirado de pauta. (Colaboraram Israel Medeiros e Tainá Andrade)

Para driblar Aras

Diante do alinhamento do procurador-geral da República, Augusto Aras, com o presidente Jair Bolsonaro, a CPI da Covid estuda formas de driblar uma eventual omissão da Procuradoria-Geral da República (PGR) para avançar com processos contra o chefe do Executivo e outros políticos com foro.

Uma das opções seria levar o processo adiante por meio de entidades privadas, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que tem prerrogativa para encaminhar os indiciamentos diretamente ao Supremo Tribunal Federal (STF). Outra opção é entrar com uma ação penal subsidiária da pública, diretamente no STF — medida possível em caso de inércia do Ministério Público.

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/10/4955059-fator-cpi-tem-potencial-para-impactar-eleicoes-de-2022.html


Luiz Carlos Azedo: Terrivelmente boicotado

Grupo de senadores tem defendido que Bolsonaro desista da indicação de Mendonça e escolha outro nome para o STF

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

O pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo (igreja evangélica pentecostal), acusou os ministros da Casa Civil, Ciro Nogueira, da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, e das Comunicações, Fábio Faria, de boicotarem a indicação do ex-ministro da Justiça e ex-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU) André Mendonça ao Supremo Tribunal Federal (STF). Aliado de Jair Bolsonaro, desde o fim de semana Malafaia vinha ameaçando denunciar os ministros. Mendonça é pastor da igreja presbiteriana Esperança, em Brasília. Indicar um ministro “terrivelmente evangélico” para o STF é uma promessa de campanha do presidente da República.

Para aumentar o desconforto de Mendonça, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, ontem, arquivou o mandado de segurança requerido pelos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Podemos-GO), para impor ao presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que pautasse a sabatina de Mendonça. Nunca um candidato ao STF passou por tanto desconforto no Senado. Alcolumbre recebeu a indicação em julho do ano passado e a mantém na gaveta, apesar de todas as pressões, por razões que ainda não são de todo conhecidas.

Sabe-se que o ex-presidente do Senado está insatisfeito com Bolsonaro desde as eleições passadas, quando seu irmão, Josiel Alcolumbre, seu primeiro suplente no Senado, perdeu a disputa para a Prefeitura de Macapá. Mesmo com o apoio do então prefeito Clécio Luís (sem partido) e do governador do Amapá, Waldez Góes (PDT), foi derrotado pelo médico Dr. Furlan (Cidadania), ex-deputado apoiado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede). Alcolumbre atribuiu a derrota à demora do governo federal em restabelecer a energia no Amapá, que sofreu um “apagão” às vésperas das eleições.


Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
André Mendonça e Jair Bolsonaro. Foto: Agência Brasil
André Mendonça. Foto: Secom/PR
André Mendonça. Foto: Secom/PR
André Mendonça. Foto: Anderson Riedel/PR
André Mendonça e Jair Bolsonaro. Foto: Secom/PR
André Mendonça. Foto: Secom/PR
André Mendonça. Foto: Secom/PR
André Mendonça. Foto: Pablo Jacob
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
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Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
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André Mendonça e Jair Bolsonaro. Foto: Agência Brasil
André Mendonça. Foto: Secom/PR
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André Mendonça. Foto: Anderson Riedel/PR
André Mendonça e Jair Bolsonaro. Foto: Secom/PR
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André Mendonça. Foto: Pablo Jacob
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Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
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Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
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Plano B

Há mais coisas entre o paraíso e o Senado, porém. Um grupo de senadores tem defendido a tese de que Bolsonaro deveria desistir da indicação e escolher outro nome para a vaga de Marco Aurélio Mello, que se aposentou. Preferem o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, que teria amplo apoio, inclusive na oposição. Alagoano e adventista, Martins foi um dos nomes que chegou a ser considerado por Bolsonaro, porque contaria com a simpatia do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), aliado do Palácio do Planalto, e também de parlamentares do MDB, partido com a maior bancada no Senado — principalmente o senador Renan Calheiros (AL), seu conterrâneo, relator da CPI da Covid.

Uma das críticas de Malafaia a Ciro Nogueira deve-se ao fato de ter se aproximado de Calheiros, “o cara que quer destruir Bolsonaro por interesses políticos”, segundo o líder religioso. No domingo, no Guarujá (SP), Bolsonaro perdeu a paciência com Alcolumbre: “Quem não está permitindo a sabatina é o Davi Alcolumbre (…) Teve tudo o que foi possível durante os dois anos comigo e, de repente, ele não quer o André Mendonça. Quem pode não querer é o plenário do Senado, não é ele. Ele pode votar contra. Agora, o que ele está fazendo não se faz. A indicação é minha”, disse.

“Se ele quer indicar alguém para o Supremo, pode indicar dois. Ele se candidata a presidente no ano que vem e, no primeiro semestre de 2023, tem duas vagas para o Supremo”, desafiou Bolsonaro. É muita ironia: a indicação de um ministro para o STF por ser evangélico é fruto de uma mentalidade teocrática, isto é, de uma concepção religiosa de Estado, porém, a não realização da sabatina monstra claramente que as regras do jogo laico estão prevalecendo no Congresso. Os ministros citados por Malafaia — Ciro Nogueira, Flávia Arruda e Fábio Faria — são os principais operadores políticos do governo. Bolsonaro não tem força para demitir esses três sem desarticular completamente sua base parlamentar.

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Luiz Carlos Azedo: Um recado dos investidores

Sempre houve problemas, mas o Brasil era protagonista mundial na questão ambiental, por causa da legislação existente e do combate aos crimes ambientais

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Muito emblemático o desfecho do leilão de 92 blocos, ofertados ontem pela Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), para exploração de petróleo e gás natural: apenas cinco foram arrematados. Estavam distribuídos em 11 setores das bacias Campos, Pelotas, Potiguar e Santos. Entre as áreas que não receberam proposta, felizmente, estão os lotes próximos a Fernando de Noronha, onde, segundo ambientalistas, a exploração oferece riscos à fauna marinha. Foram arrematados dois blocos do setor SS-AP4 e três no setor SS-AUP4, ambos na Bacia de Santos. Das nove empresas que se inscreveram para participar da disputa, apenas duas fizeram ofertas.

A Shell arrematou sozinha quatro dos cinco blocos e formou consórcio com a Ecopetrol para arrematar o quinto. Inscreveram-se no leilão: Petrobras, Chevron Brasil Óleo e Gás Ltda., Total Energies EP Brasil Ltda., Ecopetrol Óleo e Gás do Brasil Ltda., Murphy Exploration & Production Company, Karoon Petróleo e Gás Ltda., Wintershall Dea do Brasil Exploração e Produção Ltda, e 3R Petroleum Óleo e Gás S.A. A ANP arrecadou R$ 37 milhões em bônus de assinatura, um investimento previsto de R$ 136 milhões. Há dois anos não se realizavam leilões, mas o desinteresse de investidores já havia sido registrado na rodada de outubro de 2019, na qual foram arrematados apenas 12 dos 36 blocos exploratórios ofertados pela ANP. Entretanto, à época, houve um recorde de arrecadação: R$ 8,915 bilhões. Agora, não. Talvez tenha sido esse o último grande leilão — o futuro dirá. Quanto mais profunda a camada pré-sal, mais cara e complexa é a exploração.

A forte presença da Shell tem uma explicação. Com 900 funcionários, a empresa está no Brasil há mais de 100 anos, tem forte participação no consórcio de Libra e conseguiu manter no Brasil o seu “cluster” de exploração, um arranjo que envolve centenas de empresas, milhares de técnicos e muita tecnologia, mas que costuma migrar para outras fronteiras de petróleo quando o ciclo de exploração é interrompido por algum motivo. Para dar lucro, da pesquisa geológica à distribuição do produto, esse arranjo produtivo precisa ser renovado, o que somente é possível com a previsibilidade e regularidade dos leilões. Quando são interrompidos, capitais, recursos humanos, financeiros e tecnológicos se dispersam — o Rio de Janeiro que o diga.

Há fatores mais importantes, porém, influenciando a desmobilização dos investidores. O primeiro é a reestruturação da economia mundial, globalizada, que está transitando do carbono para a energia limpa. Os melhores exemplos são a substituição de termoelétricas por usinas de energia solar e a produção em massa de carros elétricos. Europa e Estados Unidos já estão em pleno processo de conversão para a energia limpa, o que vem tendo forte impacto no mercado de petróleo. Não é à toa que os países produtores de petróleo, liderados pela Arábia Saudita e pela Rússia, reduziram a produção e jogaram os preços dos combustíveis para cima. Ou seja, há uma revolução energética em curso, impulsionando a nova economia.

O segundo, com certeza, é a centralidade do conceito de sustentabilidade na agenda globalista, na qual o Brasil adotou uma posição marginal. Em abril, os EUA, sob a liderança do presidente Joe Biden, voltaram a ter protagonismo no debate sobre as mudanças climáticas. No próximo mês, na Escócia, será realizada a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP). EUA, China, Índia, Rússia e Brasil estão entre os 17 países que respondem por 80% das emissões globais de CO2. A pressão internacional sobre esses países por causa do aquecimento global somente aumenta. As grandes expectativas são em relação à China, que promete um programa revolucionário de redução das emissões de CO2, e o Brasil, que continua “passando a boiada”, como diria o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles.

Nova agenda
A nossa vanguarda do combate à degradação ambiental, principalmente às queimadas e desmatamentos, sempre foram os ambientalistas e técnicos dos órgãos governamentais, entre os quais o Ibama e o ICMBio. Sempre houve problemas ambientais, mas o Brasil era protagonista mundial na questão, por causa da legislação existente e da política oficial de combate aos crimes ecológicos. O presidente Jair Bolsonaro inverteu a situação ao implodir as políticas públicas e estimular os predadores do meio ambiente. Agora, porém, uma nova situação está sendo criada, porque as empresas brasileiras inseridas nas cadeias de comércio global e no mercado financeiro internacional estão aderindo às recomendações do Fórum Econômico Mundial, e passaram a ver a sustentabilidade como um dos eixos do ambiente de negócios. Essa aliança entre ambientalistas, técnicos governamentais e lideres empresariais está começando a virar o jogo.

Entretanto, a política continua sendo decisiva e, na atual legislatura, a agenda da sustentabilidade no Congresso está sob ataque do Centrão, em seus múltiplos aspectos, desde a legislação em relação a florestas e mananciais, à questão das terras indígenas. Um amplo espectro de forças, que vai da direita à esquerda, em razão de uma agenda desenvolvimentista, ainda prioriza a velha economia, em lugar da nova política globalista e da economia do conhecimento. É como se regredíssemos ao velho debate agrarismo versus industrialismo, de 100 anos atrás.

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Luiz Carlos Azedo: Um olho no Lula, outro no Moro

Ao decidir depor presencialmente no inquérito que apura sua suposta interferência na PF, Bolsonaro faz um cálculo político

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Como aquele sujeito que frita o peixe com um olho na frigideira e outro no gato, o presidente Jair Bolsonaro informou, ontem, ao Supremo Tribunal Federal (STF) que pretende depor presencialmente no inquérito que apura a denúncia do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, ao renunciar ao cargo, de que estaria interferindo politicamente na Polícia Federal. O STF estava para julgar se Bolsonaro poderia prestar depoimento por escrito nesse caso, mas o ministro Alexandre de Moraes informou ao presidente da Corte, Luiz Fux, que o presidente da República havia mudado de posição.

O inquérito que investiga supostas interferências de Bolsonaro fora aberto após as denúncias de Moro, mas as investigações foram intensificadas em agosto, por determinação de Moraes. O caso é uma das razões do estresse de Bolsonaro com o STF, principalmente depois que o então relator do caso, ministro Celso de Melo, defendeu o depoimento presencial do presidente. A Advocacia-Geral da União havia recorrido dessa decisão, mas mudou de posição. A AGU afirma que Bolsonaro “manifesta perante essa Suprema Corte o seu interesse em prestar depoimento em relação aos fatos objeto deste inquérito mediante compare-cimento pessoal”. Segundo Moro, Bolsonaro tentou interferir em investigações da PF ao cobrar a troca do chefe da Polícia Federal no Rio de Janeiro e ao exonerar o então diretor-geral da corporação, Maurício Valeixo, indicado pelo ex-ministro. Bolsonaro sempre negou.

Ocorre que Moro divulgou troca de mensagens com o presidente da República sobre o assunto e revelou o teor da discussão entre ambos na famosa reunião ministerial de 22 de abril de 2020, cujos vídeos foram tornados públicos por decisão de Celso de Mello. “Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro e oficialmente não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f*** minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar. Se não puder trocar, troca o chefe dele. Se não puder trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira”, dissera Bolsonaro na reunião.

Imagens fortes
A mudança de postura do Bolsonaro tem um cálculo político, não é apenas uma tática jurídica. Primeiro, o plenário do Supremo poderia exigir o depoimento presencial, porque o voto de Celso de Mello, antes de se aposentar, é muito robusto. Segundo, o ambiente é favorável, depois da carta que divulgou em 8 de setembro, desculpando-se pelas declarações contra os ministros Moraes e Luís Roberto Barroso, e o próprio Supremo. Terceiro, talvez a razão mais importante, Bolsonaro precisa produzir imagens vigorosas para a campanha eleitoral, que se contraponham a Moro, que dá sinais da intenção de se candidatar à Presidência, e também ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

As imagens da reunião ministerial e de Moro denunciando a suposta interferência de Bolsonaro são muito fortes, do ponto de vista do marketing político. Estão na memória da opinião pública e desgastaram muito o presidente. São tão impactantes que Moro, mesmo debaixo de críticas e morando nos Estados Unidos, continua pontuando bem nas pesquisas de opinião.

De igual maneira, também são muito fortes as imagens do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao depor perante Moro, no caso do tríplex do Guarujá, quando negou todas as acusações e sustentou sua inocência. São imagens que precisam ser confrontadas por Bolsonaro, não no cercadinho da saída do Palácio da Alvorada, ou nos palanques de suas viagens pelos estados. Tem que ser um cenário no qual também possa aparecer como vítima de falsidades e injustiças.

Do ponto de vista eleitoral, a situação de Bolsonaro não é boa. Sua imagem continua derretendo. Na pesquisa de opinião da Quaest entre quem ganha até dois salários mínimos, para 58% a avaliação é negativa, 22% acham o governo regular, enquanto para 17% o saldo é positivo. A reprovação cai para 49% entre os que ganham mais de cinco salários. Nessa faixa, 26% o consideram regular e 24% têm opinião positiva. Bolsonaro não pode mais se dar ao luxo de se posicionar sem levar em conta o impacto eleitoral de suas atitudes e declarações.

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Cidadania age para firmar federação e candidatura à presidência

Em entrevista ao CB. Poder, Roberto Freire deu detalhes sobre os planos para solidificar a candidatura

Denise Rothenburg / Gabriela Chabalgoity / CB Poder / Correio Braziliense

O presidente do Cidadania, Roberto Freire, trabalha com dois projetos no horizonte. O primeiro, é consolidar a pré-candidatura do senador Alessandro Vieira (SE) à Presidência da República — embora admita que, faltando aproximadamente um ano para a corrida eleitoral, há tempo suficiente para se trabalhar várias alternativas no campo da chamada “terceira via”. O segundo é construir uma federação de partidos em torno da legenda, que busca partidos com os quais tenha afinidades — como Rede e PV — para viabilizar aquilo que pode ser o embrião de uma nova agremiação. A seguir, confirma os principais pontos da entrevista que Freire concedeu ao CB.Poder, uma parceria entre o Correio Braziliense e TV Brasília, que foi ao ar ontem.

O que fará o Cidadania diante de regras mais rígidas de sobrevivência para 2023?
A federação precisa ser entendida não como uma alternativa à coligação. Tem uma outra característica: ela é muito mais embrião de futuro partido do que mera coligação. Na coligação, acabou a eleição, cada um vai para o seu lado. Na federação, não — é um partido durante, pelo menos, a legislatura. Isso é processo de fortalecer partidos, até porque a pulverização nas casas legislativas é excessiva — isso dificulta governos, dificulta a própria atividade legislativa. Embora o Cidadania tenha superado a cláusula de desempenho de 2018, ela vai aumentar. Então, precisamos ter um certo cuidado.

Ou seja, a federação de partidos é feita durante a eleição e continua valendo durante toda aquela legislatura?
Sim. Não pode haver separação, então vai ter que ter muito mais convergência do que divergência. Você não aguenta quatro anos se não houver um movimento, uma sinergia, de integração. Não pode ser algo que vai aos trancos e barrancos porque você pode perder, inclusive, respeito diante da sociedade. Não é a cláusula de desempenho que tem que indicar qual é o meu caminho. Meu caminho tem que ser de construção de uma alternativa política. Por isso, o Cidadania só admite discutir federação com quem tem identidade com o Cidadania.

Sobre a discussão do Cidadania em relação à federação com a Rede e o Partido Verde, já tem alguma decisão nesse sentido?
Nós conversamos, um tempo atrás, sobre a possibilidade de uma fusão com a Rede, até mesmo antes da eleição, e com o PV. O PV não quis e nem conversou. Com a Rede, quase tivemos uma fusão, lá em 2018. Não me parece que a Rede tenha mudado de posição, acho que quer continuar tentando sobreviver como partido, independentemente de superar ou não a cláusula de barreira. Mas, o PV, que não quis a fusão, já olha com outro olhar. Como federação, imagina que pode ser uma alternativa.

O Cidadania já lançou uma pré-candidatura à Presidência da República, para 2022, o senador Alessandro Vieira (SE). Ele vai ser candidato mesmo ou é um nome que está ali para discutir mais à frente?
Desde o lançamento o compromisso do Cidadania é de trabalhar pela unidade. É chamada a alternativa do campo democrático e que a imprensa usa muito com o nome de “terceira via”. Ótimo se essa unidade estiver em torno do Alessandro. Mas se tiver outro nome que agregue mais, o Cidadania não será nenhum obstáculo em relação a isso. Não é apenas para derrotar Bolsonaro ou Lula.

É possível vencer a polarização?
Claro, estamos muito distantes da eleição. Há de se diminuir as surpresas porque parece que o recuo que (o presidente Jair) Bolsonaro teve que fazer acalmou aquela ânsia de agredir os Poderes da República. O cenário não está definido.

O PSDB dificilmente deixará de ter candidato à Presidência. Gilberto Kassab que afirmou que o PSD também terá. Ciro Gomes (PDT) falou que a candidatura está certa. Como fica a união do centro?
Mais de um ano antes das eleições há um movimento de partidos políticos discutindo uma candidatura única. Em nenhuma outra sucessão presidencial teve isso. O bloco democrático está tentando discutir um salto para o futuro. Essas duas forças políticas que se polarizam (Bolsonaro e Lula) são duas forças que não compreendem a nova realidade.

O país passa por uma crise grave na economia e o senhor vê alguma saída a curto prazo?
O Congresso atuou bem na pandemia, juntamente com governadores e prefeitos. Se não fosse por eles, teríamos vivido uma tragédia ainda maior do que essa que está aí. É importante salientar que, há algum tempo, nós do Cidadania defendemos o impeachment. Mesmo que (o vice-presidentre Hamilton) Mourão não seja nenhuma grande alternativa, para fazer a transição seria muito melhor do que a continuidade que está se anunciando com Bolsonaro.

* Estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/10/4953735-cidadania-age-para-firmar-federacao-e-candidatura-a-presidencia.html


Luiz Carlos Azedo: O jogo é jogado

O jogo eleitoral de 2022 começou com uma “folha seca”, a derrubada do veto à formação de frentes partidárias, que mitigando o fim das coligações proporcionais

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

A frase “treino é treino, jogo é jogo” é de autoria de Valdir Pereira da Silva, mais conhecido como Didi, bicampeão mundial de futebol (1958-1962). O craque não gostava de exercícios físicos e enrolava nos treinos, se prevalecendo de sua reconhecida habilidade com a bola, algo impensável hoje em dia, mesmo para Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar. Didi foi um dos melhores e mais elegantes meio-campistas da história. Inventou a “folha seca”, um chute de bico de pé, de fora pra dentro, com a região dos três dedos, no meio da bola parada, que surpreendia os goleiros pela sua trajetória enviesada e a repentina descaída ao se aproximar do gol.

A “folha seca” entrou para a história do futebol aos 27 minutos do segundo tempo do jogo da nossa seleção contra o Peru, classificando o Brasil nas eliminatórias sul-americanas para a Copado Mundo da Suécia, em 1958. Resulta de dois efeitos aerodinâmicos: a “força ascensorial”, a mesma provocada pela curvatura da asa do avião, ao fazer o vento se deslocar mais rapidamente pela superfície superior do que pela inferior, o que faz com que se sustente no ar enquanto há impulsão; e o “efeito Magnus”, no qual a velocidade de giro da bola sobre o próprio eixo, por sua superfície áspera, provoca uma trajetória elíptica, como nos gols de escanteio. Essa combinação torna impossível prever e interceptar o percurso da bola.

O jogo eleitoral de 2022 começou com uma “folha seca”, a derrubada do veto do presidente Jair Bolsonaro à formação de frentes partidárias nas eleições, mitigando o fim das coligações proporcionais. Com isso, duas ou mais siglas com afinidade ideológica e programática poderão se unir para atuar de maneira uniforme em todo o país, sem que seja necessário fundir os diretórios. Entretanto, a união precisa durar quatro anos. A decisão pode facilitar a sobrevivência dos pequenos partidos, mas foi uma jogada das grandes legendas, como o PT e o PSD, interessados em formar amplas alianças nas eleições do próximo ano.

A minirreforma eleitoral foi promulgada ontem, pelo presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG). “No final das contas, o entendimento do Senado Federal foi de que o sistema eleitoral deveria e deve ser aquele que estabelecemos em 2017: o sistema proporcional, sem coligações partidárias, com cláusula de desempenho que façam que os partidos possam funcionar e ter acesso ao fundo partidário, tempo de TV e rádio, desde que cumpram determinadas metas ao longo do tempo. Primeira eleição federal com essa regra é esta de 2022”, disse Pacheco, grande beneficiado pela proposta.

Frentes partidárias
Pacheco é assediado pelo presidente do PSD, Gilberto Kassab, para ser candidato a presidente da República. Para isso, teria de deixar o DEM, o que dividiria muito a política mineira, cuja unidade é pré-condição para que sua candidatura possa existir. Com a formação da federação, Pacheco não precisa sair da legenda para ser candidato do PSD, o que abriria caminho para o ex-ministro Henrique Mandetta. Além disso, o PSL já aprovou sua fusão com o DEM. Teria o apoio de Geraldo Alckmin, em São Paulo, e Eduardo Paes, no Rio de Janeiro, ambos no PSL, e de ACM Neto (DEM) na Bahia, ou seja, poderia armar um forte bloco de candidatos aos governos dos quatro maiores colégios eleitorais do país, com muitos recursos e tempo no rádio e na televisão.

Outro que fatura a derrubada do veto é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do PT, que pode restabelecer a velha frente de esquerda formada como PSB e o PCdoB e ainda ampliá-la. Lula é o franco favorito da eleição, tendo recebido ontem o apoio explícito do ex-ministro Delfim Neto, para quem o petista será vitorioso no primeiro turno. Mas aí vale a máxima do Didi, até agora tudo foi treino.

Embora tenha vetado a formação de frentes, o presidente Jair Bolsonaro(sem partido) também fica numa posição confortável. É assediado pelos dois principais líderes do PP, o ministro da Casa Civil, senador Ciro Nogueira (PI), e o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (AL), mas agora pode garantir o apoio da legenda mesmo que venha a optar por um pequeno partido que possa controlar.

O texto também cria regras para incentivar candidaturas de mulheres e negros e para a realização de plebiscitos municipais. Além de regulamentar a distribuição dos fundos partidário e eleitoral, a nova lei facilita a troca de partido, em caso de concordância da sigla, e a incorporação de legendas, sem que os esqueletos nos armários sejam transferidos dos dirigentes das siglas extintas para as novas.

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Luiz Carlos Azedo: Mil e uma noites no poder

Ninguém pense que Bolsonaro está jogando a toalha. Apesar das dificuldades eleitorais, não se sente estrategicamente derrotado

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Os 1.000 dias do governo Bolsonaro foram comemorados pelo governo sem muita pompa, não houve nenhuma entrega espetacular para marcar a data. Afinal, são 600 mil mortes por covid-19, 14 milhões de desempregados e 35 milhões de brasileiros na miséria. “Nada não está tão ruim que não possa piorar”, disse o presidente Jair Bolsonaro, agourento, durante a efeméride no Palácio do Planalto. Diante de ministros e parlamentares, arrematou: “Alguém acha que eu não queria a gasolina a R$ 4? Ou menos? O dólar R$ 4,50 ou menos? Não é maldade da nossa parte. É uma realidade. E tem um ditado que diz: ‘Nada não está tão ruim que não possa piorar’. Nós não queremos isso.”

Lembrei-me de uma passagem de um clássico da literatura universal, As Mil e Uma Noites (Editora Brasiliense), uma coletânea de histórias de origem persa narradas por sua principal personagem, a princesa árabe Xerazade, esposa do rei Xariar. “Você vai morrer!”, disse o monarca, “você morreria nem se fosse apenas para eu ouvir sua cabeça falar depois de separada do corpo”.

Suspeito de espionar, o médico Dubane fora condenado à morte, porém, antes da execução, desafiou o monarca a ler um livro que faria sua cabeça decapitada falar. O rei caiu na armadilha e começou a ler as páginas do livro, molhando o dedo na própria saliva para separá-las. A cabeça amaldiçoada esperou o veneno fazer efeito e, antes do rei o morrer, declamou:

Eles julgaram a seu modo
E se acumpliciaram nesse trabalho
Dentro em pouco, seu poder parecerá que
nunca existiu
Poderiam ter permanecidos justos e puros
mas abusaram do poder
e o mundo por seu turno os oprimiu
assim como a adversidade e a provação
Ei-los vivendo na miséria. Seu presente
É tão-somente o fruto do seu passado.
Quem censurará o mundo
Por tratá-los assim.

O poema ajuda a entender a derrocada de governos, regimes e até civilizações. Não é o caso ainda do governo Bolsonaro, ao completar 1.000 dias, mas é o seu rumo atual. Na última sexta-feira, o preço médio da gasolina era R$ 6,09, mesmo subsidiada pela Petrobras. Ontem, o dólar estava cotado a R$ 5,37. O Imperador brasileiro Dom Pedro II soube bem o que é isso. Foi o primeiro a traduzir diretamente As Mil e Uma Noites para o português, com rigor raro para a época. Aos 62 anos, pouco antes da Abolição e da Proclamação da República, começou o trabalho. O último registro de texto traduzido é de novembro de 1891, um mês antes de sua morte em Paris, no exílio. Não conseguiu concluir a obra.

Ao passado

Entretanto, ninguém pense que Bolsonaro está jogando a toalha. Apesar das dificuldades eleitorais, não se sente estrategicamente derrotado. O seu discurso de ontem, ao se referir à facada que levou na campanha de 2018, constrói um cenário imaginário no qual a eventual vitória de seu adversário principal nas eleições de 2018, o ex-ministro da Educação Fernando Haddad (PT), faria com que a situação fosse muito pior: “É só imaginar quem estaria no meu lugar. O perfil dessa pessoa, o seu alinhamento com outros países do mundo, em especial aqui na América do Sul. Onde nós estaríamos agora?”, indagou. Obviamente, a comparação é com a Venezuela: “Você já sabe qual o filme do futuro porque você viveu 14 anos passados esse filme. E pode ter certeza, não serão apenas mais 14 anos. Serão no mínimo 50. É isso que queremos para a nossa pátria?”

Bolsonaro administra mal o próprio tempo, o recurso mais escasso de seu mandato. Governa para os seus, olhando sempre para trás. Constrói um cenário político que lembra um pouco a disputa de 1950, na qual Getulio Vargas voltou à Presidência pelo voto. Naquela campanha, o líder da UDN, Carlos Lacerda, que mais tarde seria governador da antiga Guanabara, dizia que Vargas não poderia ser candidato; se fosse candidato, não deveria ganhar; se ganhasse, não deveria tomar posse; se tomasse posse, deveria ser derrubado.

Lacerda foi um opositor implacável, mas sofreu um atentado, na Rua Tonelero, em Copacabana, onde morava, sendo ferido na perna. No episódio, morreu o major Rubens Vaz, seu amigo, que cuidava da sua segurança. O envolvimento de Gregório Fortunato, chefe da segurança pessoal do presidente, no crime, e de Benjamin Vargas, seu irmão, encurralou e levou Vargas ao suicídio, em 24 de agosto de 1954. A analogia serve para mostrar que a atual polarização política não se resolverá na eleição. Deixou de ser eleitoral: é mais profunda e, tudo indica, veio para ficar.

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