Luiz Carlos Azedo: Escorregão na pauta ética

Reduzir o poder dos procuradores e contingenciar a autonomia do Ministério Público é um sonho de consumo dos políticos enrolados na Justiça
Foto: Antonio Augusto/Secom/PGR
Foto: Antonio Augusto/Secom/PGR

Reduzir o poder dos procuradores e contingenciar a autonomia do Ministério Público é um sonho de consumo dos políticos enrolados na Justiça

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Autor da Proposta de Emenda à Constituição 005-a, de 2021, que trata da composição do Conselho Nacional do Ministério Público, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) atravessou a rua para escorregar numa casca de banana. O pior é que pode arrastar na queda o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, apesar da zona de conforto em que se encontra nas pesquisas de opinião. Se tem uma coisa que ainda pode atrapalhar a volta do PT ao poder, na garupa de Lula, é a pauta ética, um cavalo encilhado para levar ao segundo turno um candidato de centro, uma vez que essa bandeira saiu das mãos do presidente Jair Bolsonaro e está ao léu.

O CNMP é o órgão responsável por julgar procuradores e promotores. Nos últimos anos, por causa da Operação Lava-Jato, foi cenário de embates entre os procuradores da força-tarefa de Curitiba e os “garantistas” do mundo jurídico, uma ampla frente de advogados, juristas, magistrados e até procuradores preocupados com os dribles a mais dos chamados “tenentes de toga”, na expressão do cientista político Luiz Werneck Vianna. Chefe da força-tarefa de Curitiba e líder lavajatista, ao lado do então juiz federal Sergio Moro, Deltan Dallagnol chegou a ser punido com pena de censura por ter feito um post dizendo, antes das eleições para a Presidência do Senado, em 2019, que se Renan Calheiros vencesse a disputa, dificilmente o Brasil veria a aprovação de uma reforma contra a corrupção.

“Muitos senadores podem votar nele escondido, mas não tem (sic) coragem de votar na luz do dia”, afirmou, no auge do apoio popular à Lava-Jato. Deltan também foi condenado a indenizar o senador alagoano, que hoje é o relator da CPI da Covid, em R$ 40 mil. Antes disso, já havia sido punido com uma advertência por ter criticado ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Entretanto, o processo administrativo disciplinar de Deltan, pelo controverso PowerPoint de apresentação de denúncia que colocava o ex-presidente Lula no centro de uma organização criminosa, foi adiado 42 vezes antes de ser julgado e acabou prescrevendo.

A proposta aprovada pela comissão especial da Câmara propõe a redistribuição de vagas do CNMP. A Câmara e o Senado passarão a indicar quatro conselheiros, sendo um deles o vice-presidente, e outro, o corregedor. Outro ponto polêmico do texto permite que membros do conselho revisem atos funcionais de procuradores e promotores. Hoje, os membros do Ministério Público podem ser punidos pelo órgão, mas seus atos só podem ser modificados por decisão judicial. Na composição atual, o MP tem oito de 14 membros na corte — três membros do MP dos estados, quatro do MP da União e o procurador-geral da República, que preside o CNMP.

Pacto perverso
O projeto pôs em pé de guerra os “tenentes de toga”. Na sexta-feira, oito subprocuradores-gerais da República divulgaram manifesto contra a PEC, caracterizada como um “sombrio instrumento de opressão e intimidação de seus membros”. Ontem, foram realizadas manifestações em todo o país. Mais de 3 mil integrantes do Ministério Público assinaram documento que pede a rejeição integral da emenda à Constituição.

“A proposta de assento aos próprios ministros dos tribunais superiores no Conselho Nacional do Ministério Público desvirtua as funções dos ministros de tais tribunais, pois a eles confere ‘superpoderes’ de atuação natural jurisdicional nas cortes em que atuam, de conselheiros no CNJ e também no CNMP, em evidente desequilíbrio do sistema de justiça, com violação do sistema de freios e contrapesos (checks and balances) previsto pelo Poder Originário Constituinte”, afirmam.

Reduzir o poder dos procuradores e contingenciar a autonomia do Ministério Público é um sonho de consumo dos políticos enrolados na Justiça. Está em linha com as recentes mudanças na legislação sobre improbidade administrativa, patrocinada pelo Centrão, sob a liderança do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL). Sua aliança com o PT na agenda contra a Lava-Jato foi uma jogada de mestre. Eleitoralmente, porém, com o perdão do trocadilho, esse pacto perverso pode ser uma roubada.

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